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"Onde estás, Blackkawk? O que está a acontecer?"

Apercebendo-se de que a sua resistência chegava rapidamente ao fim, Tomás contorceu-se numa tentativa desesperada de se libertar, mas o desconhecido imobilizou-o com o braço esquerdo, como havia feito momentos antes a Zacarias, e, já com o braço direito livre, ergueu bem alto o punhal para esfaquear o historiador com toda a força.

Pab.

Pab.

O pulso do desconhecido perdeu energia. Tomás olhou para cima e viu o seu agressor de olhos vidrados e um buraco aberto na testa a expulsar matéria branca e sangue. O homem de negro estava muito hirto e inclinou-se devagar, como uma árvore a tombar, até cair no chão, evidentemente morto.

Deitado de costas e finalmente sem ninguém por cima dele, o historiador ergueu a cabeça e viu Sam com as duas mãos agarradas a uma pistola em riste, os olhos a dardejarem em todas as direcções em busca de ameaças potenciais, o fumo a flutuar diante do cano da arma.

"Você está bem?", perguntou Sam sem olhar para ele.

Tomás soergueu-se, assentando o corpo sobre um cotovelo, e massajou o peito dorido.

"Acho que o gajo me atingiu no peito", disse, avaliando ainda a reacção do corpo. "Mas tenho a impressão de que só me apanhou de raspão."

"Já vamos ver isso."

A atenção do português desviou-se da ferida que lhe sujava a camisa com sangue para o americano.

"Estava a ver que nunca mais aparecia ninguém!", resmungou. "Você não ouviu o seu amigo chamar pelo auricular?"


"Ouvi."

"Então porque raio levou tanto tempo?"

"Fui retido por outros capangas." Indicou com a cabeça o fim da rua, onde se encontravam dois vultos prostrados no chão. "Levei uns instantes a despachá-los."

Crrrrrr.

"Blackhawk! Qual é a situação?"

"Bluebird está okay", revelou Sam. "Charlie está down. Standby."

O historiador levantou-se devagar e, cambaleante, aproximou-se de Zacarias, que se encontrava deitado no chão, inanimado, ao lado de uma poça de sangue que aparentemente lhe saíra do pescoço. Mas já não havia sangue a jorrar. Tomás ajoelhou-se ao lado do antigo aluno e pousou-lhe dois dedos por baixo da orelha, tentando captar-lhe a pulsação.

Nada.

Experimentou-lhe o pulso, mas voltou a não sentir a pulsação.

"Então?", quis saber Sam.

Tomás abanou a cabeça com tristeza. Libertando uma mão, o americano ajoelhou-se também ao lado de Zacarias e experimentou-lhe a pulsação. Levou apenas um breve momento a tirar as suas próprias conclusões.

"Está morto."

Crrrrrr.

"Hello?" Agora era a voz de Rebecca. "O que se passa? Aconteceu alguma

"Houve um incidente", respondeu Sam. " Perdemos Charlie. Temos de sair daqui."

"Mas o que se passa? Como está o Tom?" A voz era frenética e destilava ansiedade. "Tom! Você está bem?"

"Estou bem."

"Shopgirl, saia da linha", ordenou Sam. "Temos de fugir

daqui."

,. #

Uma multidão aproximava-se agora do local, espreitando os corpos inertes de Zacarias e do desconhecido. Sam mostrava-se ansioso por abandonar aquelas paragens antes que a polícia chegasse e puxou Tomás pelo braço. O historiador tinha, no entanto, relutância em abandonar o cadáver do seu antigo aluno, e sacudiu a mão do americano.

"Oiça, temos mesmo de sair daqui!", argumentou Sam com sentido de urgência. "Ele está morto, não há nada que possamos fazer."

Tomás deitou um derradeiro olhar a Zacarias, como se se estivesse a despedir. Mirou-lhe os olhos vidrados, o pescoço dilacerado, a mão esticada com o indicador a arranhar o chão...

"Espere!"

Sam impacientou-se. "O que

é agora?"

Tomás voltou a abeirar-se do corpo e inclinou-se sobre a mão imóvel de Zacarias. "O que é isto aqui?"

O americano aproximou-se e espreitou para o local.

"O quê?"

Diante do dedo a terra parecia revolver-se em traços. Tomás girou a cabeça, tentando decifrar o desenho que pelos vistos Zacarias fizera no chão enquanto agonizava. Tinha de ser uma coisa importante, percebeu. Ninguém gastava os seus derradeiros instantes de vida a fazer um desenho irrelevante.

Girou mais uma vez a cabeça e fixou os traços. Não era um desenho, acabou por perceber. Eram letras.


"Use me?", interrogou-se Tomás. "O que raio quer isto dizer?"

"Ele pediu que o usasse", constatou Sam, traduzindo a frase.

O historiador fez uma careta intrigada e abanou a cabeça num gesto de incompreensão. "Isso não faz sentido nenhum!"

O som longínquo de uma sirene rasgou o ar e trouxe-os à realidade. Sam agarrou de imediato no braço de Tomás, dessa vez com a determinação de quem não admite mais hesitações, e puxou-o com força.

Let's go!

XXXVI


A figura que se materializou na rampa das chegadas do aeroporto de Lisboa atraiu os olhares de toda a gente. Era uma mulher coberta da cabeça aos pés por trajes islâmicos, uma imagem pouco comum na capital portuguesa.

Metido no meio daquela pequena multidão, Ahmed fixou a atenção na figura tímida e reconheceu-lhe os olhos.

"Adara!", chamou, erguendo o braço. "Adara! Por aqui!"

Foi recebê-la no final da rampa. Apesar de se terem visto com frequência na loja dos cachimbos de água, nunca haviam trocado mais do que breves palavras. Adara vinha adequadamente tapada, mas era evidente que se transformara numa mulher, o corpo mais largo e longo, os olhos ainda pérolas reluzentes, a face de um anjo.

A transbordar de felicidade, Ahmed levou-a para o seu novo apartamento no Monte de Caparica, para onde se mudara de modo a estar mais perto da faculdade, e deu-lhe

carneiro assado e arroz árabe, jantar que lhe havia sido preparado por Bina, a mulher de Faruk.

"Está bom?", perguntou ele, tentando fazer conversa.

Adara assentiu em silêncio.

"Sentes-te cansada?"

Ela voltou a acenar afirmativamente, os olhos sempre pousados na comida. A mulher não parecia faladora, o que desapontou Ahmed. Achava-a linda e queria-a alegre, mas ela parecia fechada como uma concha. O noivo encolheu os ombros, resignado. Em devido tempo ela desabrocharia, considerou.

Logo que terminaram a refeição instalou-se um certo aca-brunhamento entre eles. Ambos sabiam o que teria de acontecer a seguir, mas não era claro como chegariam a esse momento. Ahmed ponderou o assunto e optou por um caminho indirecto.

"Queres ver a casa?"

Adara levantou o olhar assustado; percebeu muito bem o sentido da pergunta. Ahmed interpretou o silêncio como consentimento implícito, a postura adequada de uma mulher modesta e recatada, e conduziu-a para o quarto. Havia uma grande cama de casal no meio e fez-lhe sinal de que se dirigisse a ela. Adara obedeceu e estendeu-se vestida na cama, o corpo hirto, os olhos a saltitarem de nervosismo.

O marido desligou a luz: e deitou-se ao lado dela.

Não sabia bem o que fazer em tais circunstâncias, uma vez que aqueles assuntos eram proibidos até nas conversas entre homens, mas tinha a ideia de que tudo se passava entre as pernas dela. Ganhou coragem e meteu-lhe desajeitadamente a mão pela parte de baixo do vestido, explorando-a até lhe detectar a abertura quente. Sentiu a erecção formar-se-lhe nas calças e despiu-se com um movimento rápido.

Depois deslizou para cima dela e fez força para entrar. A coisa não resultou; devia haver qualquer mecanismo que ambos desconheciam. Teve então a ideia de lhe abrir as pernas e voltou a investir. Ela gemeu de dor no momento em que o marido conseguiu penetrá-la.

Foi uma refrega rápida e atabalhoada. Dois minutos depois, Ahmed levantou-se e foi lavar-se. A seguir foi a ve¿ dela de ir fazer as abluções. O

marido voltou ao quarto, acendeu a luz e constatou, uma centelha de alívio a perpassar-lhe pelos olhos, que uma pequena mancha de sangue sujava o lençol.

O campus universitário da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova situava-se em Monte de Caparica, perto do apartamento onde viviam. Inscreveu-se em Engenharia Electrotécnica e os tempos seguintes foram passados às voltas com as diferentes matérias do curso. Frequentou cadeiras com nomes bizarros como Electrotecnia Teórica, Instrumentação e Medidas Eléctricas, Conversão Electromecânica de Energia e Electrónica de Potência em Accionamentos. Não eram as disciplinas mais galvanizantes do mundo, mas Ahmed completou-as com competência e dedicação.

Se as coisas iam bem nos estudos, a verdade é que em casa não pareciam famosas. Adara andava permanentemente deprimida. Era muito diferente da menina alegre e divertida que ele admirara na loja dos cachimbos de água no Cairo.

Certo dia, quando chegou das aulas, deu com ela sentada no sofá a chorar.

"Que se passa? Que aconteceu?"

A mulher passou a mão pela face, limpando apressadamente as lágrimas, e endireitou-se. "Não é nada."

"Como assim, não é nada? Porque estás a chorar, mulher?"

Adara recusava-se a responder, mas Ahmed não admitiu o silêncio e exigiu que ela lhe explicasse o que se passava; não sairia dali enquanto não tirasse tudo a limpo. Tanto insistiu que a mulher acabou por se abrir.

"Sinto-me infeliz."

"Porquê? Tens saudades da família?" Ela balançou afirmativamente a cabeça. "Mas não é só isso, pois não? Há mais?" Ela não disse nada. "Então? Porque andas tão triste?"

Adara voltou a fechar-se num mutismo teimoso.

Mas a porta tinha sido entreaberta e Ahmed não ia aceitar que as coisas ficassem por ali; queria apurar o que se passava.

Voltou a insistir dias depois, até arrancar por fim uma confissão surpreendente.

"Não gosto do meu casamento." A revelação deixou-o chocado. "O quê?

Que dizes?"

Pela primeira vez desde que se unira àquele homem, Adara levantou o rosto e fixou o marido nos olhos, em desafio, como se dizer aquilo a libertasse.

"Não gosto de estar casada."

Aquela declaração era inaudita e deixou Ahmed atónito. Onde já se vira uma mulher dizer tal coisa ao marido? Teria ela enlouquecido?

"O que queres dizer com isso? Porventura trato-te mal?"

"Não, claro que não."

"Então? Qual é o problema?"

Ela baixou os olhos, deixando uma lágrima solitária escorrer-lhe pela face.

"Não sinto amor por ti."

Ahmed ficou a olhar para ela embasbacado.

Esperava que ela dissesse tudo menos aquilo.

"E desde quando isso é relevante?", perguntou por fim. "O que tem o amor a ver com isto? Es parva ou quê?"

A mulher encolheu-se toda, os olhos a saltitarem para um lado e para o outro, perdidos e desesperados.

"Eu queria um casamento... um casamento espexial, aetás a perceber? Um casamento em que houvesse uma grande paixão, em que me sentisse flutuar..."

"Estás maluca?"

"Eu quero um amor como os dos romances!"

O marido contraiu o rosto numa expressão perplexa.

"Quais romances? Do que estás tu a falar?"

"Estou a falar de uns livros que eu lia lá no Cairo às escondidas dos meus pais, como Barbara Cartland, Daphné du Maurier..."

"Lixo!", cortou Ahmed, subitamente enfurecido.

"Isso é tudo lixo! Isso são tudo ordinarices dos kafirun!"

"São livros belos!", argumentou ela. "Falam de amor, mostram um mundo em que as mulheres podem escolher a sua vida, se apaixonam, casam com o homem que querem e não com quem o pai lhes manda, tomam decisões suas, podem..."

"Isso é lixo!", repetiu o marido num tom tão agressivo que a obrigou a calar-se. "Esses livros dos kafirun não passam de obras do Diabo! Querer estar bonita em público, desejar atrair homens, buscar o prazer, divertir-se... tudo isso são seduções de Satanás! Não te esqueças de que esta vida é um teste temporário! O Diabo tem inúmeros estratagemas para nos desviar do bom caminho e esses livros imorais dos kafirun são um desses estratagemas!" Apontou para cima. "Mas Alá Al-Hakam, o Juiz, tudo observa, e se Ele nos vir a ceder à tentação irá barrar-nos o caminho para os jardins eternos! É isso o que tu queres, ir para o grande fogo?"

Adara abanou negativamente a cabeça; vivia aterrorizada com a possibilidade de ir para o Inferno.

"Então tem juízo!", ordenou ele. "Uma boa muçulmana evita as sensações animalescas que estão contidas nesses livros. Islão é submissão. As mulheres devem obediência aos seus maridos e a Deus, não a Satanás e à animalidade do corpo."

Adara voltou a fitá-lo.

"Mas, justamente, quando estamos os dois juntos, quando tu queres intimidade... é animalidade o que acontece. Não há romantismo, não há... sei lá, não há nada. E horrível!"

Ahmed respirou fundo.

"Só falas assim porque andaste a ler esses livros dos kafirun, com as suas descrições licenciosas e não islâmicas da intimidade entre marido e mulher. Mas fica sabendo que nenhuma boa muçulmana deve copiar o comportamento das ímpias. Uma boa crente evita vestir-se como elas, comportar-se como elas, ter intimidade como elas!"

"Ao menos as kafirun são livres."

"São ímpias!", exclamou ele em tom de quem não admite discussão. "Esses livros nojentos que andaste a ler afastam as boas muçulmanas do caminho de Alá."

"Eu gosto dos meus romances!"


Ahmed aproximou o rosto da mulher e falou entre dentes, numa voz baixa e tensa, carregada de ameaças: "Estás proibida de voltar a ler essas imundices."

As coisas não iam nada bem em casa. A conversa permitiu enfim a Ahmed perceber o problema e a sua origem, mas não o resolveu. Adara andava permanentemente infeliz e o marido

começou a intuir que o sogro é que tinha razão; no fundo ela era uma rebelde. Ahmed sabia que teria de ter o pulso firme para a domar e passou a vigiá-la com mais atenção, tendo especial cuidado com o que a mulher lia ou via na televisão.

Com o casamento em banho-maria, investiu fortemente nos estudos. Concluiu Engenharia em 1994, aos 25 anos, e, graças a uma recomendação dos seus contactos na,Al-Ja*na'a, começou a trabalhar em projectos de uma empresa saudita que abrira um escritório em Lisboa. Mas a curiosidade e um certo enfado pelo trabalho e pelos silêncios pesados em casa impeliram-no a procurar coisas diferentes.

Logo que arranjou emprego mudou para uma casa mais bem situada. O casal deixou o Monte de Caparica e transferiu-se para um apartamento à Praça de Espanha, perto dos escritórios da empresa e da Mesquita Central. Logo que completou a mudança pôs-se a espreitar os diversos cursos oferecidos na universidade na qual se havia licenciado e descobriu que a Nova tinha uma outra faculdade a uns meros dois passos do seu novo apartamento.

Visitou a Faculdade de Ciências Sociais e Humanas à primeira oportunidade. O que mais lhe chamou a atenção foi o curso de História, uma paixão desde os tempos em que o professor Ayman lhe ensinara a história do islão na madrassa de Al-Azhar. Decidiu por isso preencher os tempos livres a frequentar algumas cadeiras desse curso. Inspeccionou o currículo e a que mais lhe interessou foi Línguas Antigas. Quis saber quem a ministrava e fixou a atenção no nome do professor.

Tomás Noronha.

XXXVII

"Temos de voltar para trás!" "O

quê?"

"Temos de voltar para trás!", repetiu Tomás.

"Imediatamente!"

O historiador estava de tronco nu no assento da carrinha e Rebecca limpava-lhe a ferida no peito com um pedaço de algodão embebido em álcool. Mas Tomás tinha a cabeça voltada para trás e os olhos presos às muralhas vermelho-atijoladas do forte que se afastava na traseira da viatura.

"O que se passa?", perguntou Jarogniew, agarrado ao volante.

"Ele quer voltar para trás", explicou Rebecca enquanto preparava o penso. "Porquê?"

Os olhares caíram sobre o historiador, que mantinha a atenção colada ao forte, lá ao fundo.

"O Zacarias disse-me que deixou uma coisa muito importante escondida no forte. Temos de ir lá buscá-la."

"Você está louco?", insistiu Jarogniew. "A esta hora a polícia já anda à volta do corpo do seu amigo.

Se você voltar pode ser identificado por alguma testemunha."

"Mas temos mesmo de ir procurar o que o Zacarias lá

deixou."

*■ 0

"Que raio de coisa é assim tão importante?"

"Pelo que percebi trata-se de uma prova relacionada com o grande atentado que está em preparação."

"Você sabe onde se encontra isso?"

"No forte."

"Sim, mas em que sítio?" "O


Zacarias não me disse."

"Então como tenciona descobrir essa prova? O

forte é muito grande..."

Tomás voltou a cabeça e cravou os olhos em Sam.

"Use me."

O americano fez a expressão vazia de quem não entende alguma coisa. "Hã?"

"A mensagem que o Zacarias deixou escrita no chão", explicou o historiador. "E uma pista para chegar ao que ele escondeu."

Fez-se um curto silêncio dentro da carrinha, com os americanos a considerarem as consequências do que acabavam de escutar. Como tinha sido o único a ver a derradeira mensagem de Zacarias, Sam foi o primeiro a perceber onde Tomás queria chegar.

Vencendo as últimas hesitações, inclinou-se no seu lugar, abriu um saco e extraiu um tecido branco do interior.

"Vista esta shalwar kameez e este pakoV, disse, estendendo a Tomás os trajes paquistaneses. "Assim ninguém o reconhecerá."

Sentado ao volante, Jarogniew encarou o seu companheiro com um esgar inquisitivo. "O que estás a fazer?"

Sam indicou o forte que desaparecia lá atrás. "Vamos voltar."

Dessa vez Tomás cruzou mesmo o Portão Alamgiri e entrou no complexo do forte de Lahore. Ao seu lado ia Sam, igualmente disfarçado com uma shalwar kameez, a pistola oculta dentro das vestes, os olhos a saltitarem atentos a qualquer ameaça.

"Por onde quer começar?", perguntou o americano.

O Portão Alamgiri ficara para trás e ao lado deles estava a Porta de Musamman Burj, já dentro do complexo. Diante dos dois ocidentais de shalwar kameez

estendia-se

um

vasto

espaço

harmoniosamente preenchido por edifícios e jardins.

"Pelo centro."

Atravessaram o grande jardim em passo rápido.

Uma placidez beatífica pairava naquele local. Os corvos crucitavam e os pardais chilreavam sem cessar, o pipilar melodioso a sobrepor-se ao rumor distante, mas sempre presente, da cidade. O forte era defendido por canhões antigos que ornavam os cantos das muralhas; para além delas estendia-se o casario degradado da cidade velha, já quase uma lixeira de edifícios decadentes e ruelas imundas.

No entanto, ali, no meio do jardim do forte, reinava a harmonia. Aspersores gigantes espalhavam água pela verdura e os jactos da rega atingiam o tronco das árvores papiyal e o caminho dos visitantes, obrigando Tomás e Sam a especiais cuidados para não se molharem.

Contornaram o jardim e aproximaram-se do primeiro edifício, uma construção em pedra de portas baixas. Tomás tirou do bolso um folheto com a planta do complexo.

"Isto é o Diwan-i-Aam", identificou. "Era aqui que o im-perador mogul recebia as visitas." *

Os dois homens curvaram-se e passaram a porta de entrada.

"Esses moguls deviam ser uns anões", observou Sam ao constatar que todas as portas no interior do edifício eram igualmente baixas.

O Diwan-i-Aam parecia uma relíquia mal conservada no tempo. O mármore antigo que decorava o interior tinha um ar muito gasto, embora os arabescos cravados na sua superfície fossem claramente visíveis. As paredes pareciam de gesso e estavam rachadas, apresentando inscrições a giz feitas por visitantes desrespeitosos, provavelmente adolescentes apaixonados, enquanto o chão se quebrava em rachas. O interior era escuro e estranhamente fresco, num agradável contraste com a fornalha que ardia lá fora. As salas eram apertadas, pareciam extraídas de um Punjabe dos Pequeninos, e os dois homens percorreram-nas metodicamente sem encontrar nada.

"Não é aqui", concluiu Tomás.

Saíram para a varanda e contemplaram o pátio em frente, ornamentado por um pequeno jardim com um lago artificial seco que expunha os tubos das canalizações. Logo a seguir viam-se ainda mais edifícios e, para além das muralhas, de novo a cidade a espraiar-se no meio do smog.

Sam apontou para os restantes edifícios do complexo.

"Vamos procurar daquele lado."

Antes de se fazer à escada para descer para o jardim, Tomás lançou uma derradeira olhadela à varanda do Diwan--i-Aam. Foi nesse instante que reparou na mancha azul quase escondida por baixo da arcada, à esquerda. Era uma caixa cilíndrica de plástico azul, com uma abertura no topo e as letras pintadas a branco.


Um caixote de lixo.

Tomás ficou imóvel a olhar para as letras brancas no caixote azul; parecia hipnotizado. "O que foi?", perguntou Sam.

O historiador apontou maquinalmente para o caixote de lixo. Ficaram ambos um longo instante a contemplá-lo, quase como se receassem ver o que se escondia no interior. O primeiro a reagir foi o americano. Pôs a mão debaixo da shalwar kameez para agarrar a arma e, embora mantivesse a pistola escondida, assumiu uma postura vigilante, como se assim garantisse a segurança do perímetro.

"Veja o que está lá dentro."

Tomás aproximou-se devagar e inclinou a cabeça sobre a abertura, espreitando o conteúdo do caixote de lixo. Viu uma lata verde de refrigerante e um saco branco de batatas fritas. Estendeu a mão e afastou o saco, tentando vislumbrar o que se encontrava por baixo. Detectou uma superfície amarelo--torrada, pareceu-lhe cartão.

"Está ali qualquer coisa."

"Tire-a."

Movendo-se com mil cuidados, o historiador mergulhou o braço no caixote de lixo e tocou na superfície amarelada. Era realmente um cartão ou um papel grosso. Pegou nele e retirou-o, trazendo-o para a luz.

Um envelope.

Inspeccionou-o de frente e verso, mas não havia nada escrito. Indeciso, trocou um olhar com Sam. O

americano im. um sinal com a cabeça, encorajando-o a abrir o sobrescrito. Tomás procurou a abertura e descobriu-a selada por uma pequena corda áspera.

Desfez o nó e a abertura ficou exposta. Meteu a mão dentro do sobrescrito e sentiu uma superfície lisa e fresca no interior.

"Então?", impacientou-se Sam.

"Calma."

Depois de se certificar de que não havia ninguém em redor a espiá-los, Tomás extraiu a superfície macia que o envelope guardava. Parecia uma folha plastificada, de tamanho A4. Virou-a para si e pousou os olhos nela.

Sentiu um baque.

"Meu Deus!"

Ao ver o historiador arregalar os olhos, Sam não conseguiu conter a curiosidade.

"O que é? O que está aí?"

Lívido, Tomás girou a folha para o americano. Sam apercebeu-se então de que se tratava da imagem ampliada de uma fotografia de telemóvel. A imagem estava escura e algo desfocada, mas o seu conteúdo era bem visível. A foto mostrava uma caixa com caracteres cirílicos impressos à superfície. No topo, entre uma bandeira russa e os caracteres cirílicos, a caixa ostentava um símbolo universalmente reconhecido.

O nuclear.

XXXVIII

Uma desagradável lufada de vento obrigou Ahmed a levantar-se e ir fechar a janela. Espreitou lá para fora e arregalou os olhos, horrorizado. Adara atravessava a rua e, espanto dos espantos, tinha a cabeça totalmente descoberta!

"Por Alá!", exclamou de pasmo. "Enlouqueceu!"

Ahmed não gostava que a mulher saísse sozinha para ir à mercearia, mas não havia maneira de contornar o problema. Encontrava-se num país kafir e não tinha consigo a família para acompanhar Adara sempre que ela precisava de ir à rua. Tivera por isso de se resignar, mas só a deixara sair com a promessa de que resguardaria o rosto e o corpo dos olhares impudicos. E eis que ela desobedecera à ordem.

No momento em que Adara abriu a porta, o lenço já voltara a cobrir-lhe o cabelo. A palma da mão do marido abateu-se-lhe sobre a face uma, duas, três, sucessivas vezes, cobrindo-a de estaladas.

"Sua prostituta! Sua desavergonhada! Como te atreves a desobedecer-me?"

Ahmed ficou descontrolado. Era a primeira vez que batia

na mulher, mas a fúria tinha tomado conta dele.

Adara enco-

lheu-se no canto do hall de entrada do apartamento, os bra-

ços a cobrirem a cabeça, o corpo a tremer e reduzido a uma

bola defensiva.

„. *

"O que foi?", gemeu ela. "O que fiz?"

"Prostituta! Não tens vergonha? Estou farto! Vais aprender, ouviste? Vais aprender!"

"O que fiz? Por Alá, o que fiz?"

"Tu sabes muito bem! Sua cadela! Sua ordinária!

Não prestas para nada!"

Quando o marido acabou de a espancar, Adara permaneceu um bom bocado encolhida no seu canto a soluçar. Aquela mulher era mesmo rebelde, repetiu Ahmed para si pela enésima vez, ofegante, os olhos pousados com despeito naquele corpo trémulo. Mas ele havia de a pôr na ordem, ele havia de a ensinar a ter recato e a comportar-se como uma boa muçulmana!

"Tu não me podes bater!", gemeu ela quando recuperou o fôlego. "Não tens o direito! Só um mau crente bate na mulher!"

"Quem te disse isso?"

"O mullab da Mesquita Central. Ele disse que o Profeta, no seu último sermão, mandou os crentes tratarem bem as suas mulheres!"

"Que eu saiba, trato-te bem..."

"Mas bateste-me! O mullah disse que o Alcorão garante a igualdade de homens e mulheres. Não podes maltratar-me!"

O marido soltou uma gargalhada forçada.

"Ou esse mullah é um ignorante ou está vendido aos kafirun. Onde se encontra tal coisa escrita?"

Ela ergueu os olhos revoltados e fitou-o com rancor.

"No Alcorão, já te expliquei. Eu própria li! Alá diz no versículo 228 da sura 2: «As mulheres têm sobre os maridos direitos idênticos aos que eles têm sobre elas.» Está lá escrito!"

"Tu agora já decoras o Alcorão?"

"Conheço esse versículo."

"Então se conheces deverias citá-lo na íntegra. E

verdade que Alá diz no Alcorão que os direitos são idênticos. Mas logo no mesmíssimo versículo Alá esclarece que «os homens têm predomínio sobre elas»."

"«Têm predomínio»", admitiu Adara. "Embora disponham de «direitos idênticos» aos delas."

"Pois sim. Mas não te esqueças de que Alá estabelece no Livro Sagrado que o testemunho de uma mulher vale metade do de um homem, que a herança que cabe a uma filha é metade da que cabe a um filho e que um homem pode estar casado com quatro mulheres ao mesmo tempo mas nenhuma mulher pode estar casada com mais de um homem ao mesmo tempo. E no versículo 223 da sura 2 está dito por Alá: «As vossas mulheres são vossa pertença.

Desfrutai-as como quiserdes»."

"«Desfrutai-a», diz Alá", argumentou Adara, sempre combativa. "Ele não diz que batas."

"Di-lo na sura 4, versículo 34: «Àquelas de quem temais desobediência, admoestai-as, confinai-as nos seus aposentos, castigai-as.»"


"Lá está", insistiu Adara. "Alá diz «admoestai-as»

e «castigai-as», mais uma vez não diz que lhes batam."

"A que tipo de castigo e admoestação achas tu que Alá se está a referir?"

"Não sei. Mas Ele não fala em bater."

"Falou o Profeta."

A mulher lançou-lhe um olhar

interrogativo. "O que queres dizer com isso?"

"Há um hadith que regista estas palavras do mensageiro de Deus: «Nenhum homem será questionado sobre os motivos pelos quais bate na sua mulher.» E num outro hadith está escrito que o Profeta se queixou de que as mulheres estacam a ficar atrevidas com os maridos e deu-lhes autorização para bater nelas."

"O meu mullah diz que esses ahadith não são totalmente seguros", argumentou ela. Ahmed encolheu os ombros.

"São citados por Abu Dawud", esclareceu, como se tal facto fosse suficiente. "E há um outro hadith de Al-Bukhari em que alguém pergunta ao Profeta se pode bater na mulher e ele responde que sim, acrescentando que se deve dar o correctivo com um miswak."

Adara tinha dificuldade em aceitar tal coisa.

Embora soubesse que jamais conseguiria derrotar Ahmed nos argumentos coránicos, não se deu por vencida.

"Pois que eu saiba não me bateste com nenhum miswak", protestou. "Além do mais, para um crente bater na mulher tem de ter um motivo válido. Não pode bater porque lhe apetece!"

"É verdade."

"Então se é verdade, porque me bateste?"

"Porque me desobedeceste!"

"Eu?"

Ahmed deu um passo adiante, enervando-se, e apontou à mulher o dedo acusador.

"Não te faças despercebida porque eu vi tudo!

Andaste na rua sem estar devidamente tapada, como ordenou o Profeta, como ordenei eu e como convém a uma muçulmana que se dê ao respeito! Ou negas?"

Adara ficou sem saber o que dizer. Era verdade que, nos últimos tempos, se destapava sempre que saía à rua. Estava cansada dos olhares bizarros que os kafirun portugueses lhe lançavam sempre que a viam naqueles preparos e queria integrar-se melhor, circular sem estar a ser observada a todo o momento. Sempre tivera o cuidado de se voltar a tapar quando chegava a casa, mas pelos vistos o marido apanhara-a a infringir as regras.

Ergueu os olhos e voltou a fitar Ahmed com uma expressão de desafio.

"Está bem, destapei-me na rua. E então? Qual é o problema?"

O marido olhou-a com uma expressão de pasmo, não acreditava no que acabara de escutar.

"Qual é o... o..." Abanou a cabeça, como se assim lograsse reordenar o pensamento. "Estás a brincar comigo, mulher?"

"Não, não estou! Qual é o problema de as mulheres se destaparem? Será que me podes explicar?"

"Estás doida? São ordens do Profeta!"

"Mas ele tinha de ter alguma razão para nos mandar cobrir..."

"Então não sabes que os homens... os homens ficam loucos de excitação quando vêem uma mulher destapada? Não sabes o efeito que a visão de uma mulher seminua tem nos homens? Eles ficam cegos de desejo! Eles ficam confusos!"

"Confusos?"

"Sim, confusos! Nem conseguem trabalhar!

Instala-se o caos total! A sociedade mergulha na anarquia mais completa! É a fitna absoluta!"

Adara ficou um instante calada a olhar para o marido, como se tentasse decidir por onde começar.

Depois levantou--se a custo e caminhou devagar em direcção da cozinha.

"Quando eu frequentava a minha madrassa no Cairo, as professoras também me davam essa explicação. Diziam que nós, as mulheres, temos um grande poder no nosso corpo e que, se o exibirmos em público, a sociedade se desintegra."

Aproximou-se da janela e chamou o marido. "Anda cá ver uma coisa."

Sem perceber onde ela pretendia chegar, Ahmed aproximou-se.

"O que é?"

"As mulheres kafirun tapam-se?"

"Sabes bem que não", devolveu ele com desprezo.

"Essas ímpias não passam de umas prostitutas que não têm vergonha de exibir o corpo aos olhares impudicos."

Adara apontou para a rua.

"Então olha lá para fora e diz-me: vês homens a correrem de um lado para o outro a ferver de desejo? Vislumbras anarquia em alguma parte? Se tudo o que tu e as professoras da minha madrassa dizem é verdade, como explicas que esta terra de kafirun seja muito mais organizada e ordenada do que a terra dos crentes? Como explicas que eu ande na rua destapada e não haja homens a lançarem-me olhares lúbricos? Como explicas que tudo funcione aqui tão bem quando há milhares de mulheres a circular destapadas por toda a parte? Onde está a fitnaf Onde está o caos? Onde está a anarquia?"

Os olhos de Ahmed passearam pela rua diante do seu apartamento. A paisagem era realmente muito mais harmoniosa do que a confusão a que se habituara no Egipto. As pessoas circulavam tranquilamente e os homens não davam sinais de se babarem sempre que se deparavam com um tor nozelo feminino. É certo que já vira operários lançar piropos sujos a raparigas, mas eram ocasiões relativamente raras e no Cairo até já assistira a assédio bem mais intenso. Observou lá ao fundo uma mulher a passar com os ombros descobertos e o homem com quem ela se cruzou no passeio não sofreu qualquer ataque de nervos nem teve nenhuma erupção de lascívia sexual. Como explicar tal mistério?

Com um esgar de despeito, o marido voltou as costas à janela e abandonou a cozinha.

"A explicação é simples", resmungou ao sair. "Os kafirun não são verdadeiros machos!"

XXXIX

A ruiva lasciva inclinou-se sobre Tomás, deixando vislumbrar os seios opulentos por entre a gola entreaberta da camisa, e abriu-se num sorriso maravilhoso.

"Deseja mais alguma coisa?"

Ao ouvir esta pergunta, o historiador engoliu em seco. "Não, obrigado."

A ruiva pousou-lhe o copo de champanhe no tabuleiro, voltou a sorrir e deu meia volta, bamboleando o traseiro até desaparecer por entre as cortinas da parte dianteira do avião.

"Jesus!", exclamou Rebecca, que estava sentada ao lado de Tomás a observar a cena. "Você tem realmente saída com as mulheres. Até as hospedeiras lhe fazem olhinhos!"

O português de olhos verdes torceu a boca e esboçou um esgar de comiseração.

"Elas percebem que você não me liga nenhuma...", murmurou num queixume fingido.

A americana soltou uma gargalhada.

"Ah, lá está você a apalpar o terreno!"

"Infelizmente é a única coisa que apalpei até agora..."

Rebecca olhou-o de esguelha.

"Se quiser algo mais, tem de o merecer!"

"Ai sim?", animou-se Tomás, abrindo-se num sorriso sedutor. "Então o que preciso eu de fazer?"

A americana dobrou-se no assento e tirou uma pasta de cartolina que guardara no saco que tinha aos pés. A capa da pasta trazia impressa a águia americana no topo, a sigla da NEST por baixo e as palavras Top Secret carimbadas a vermelho no canto.

"Precisa de fazer o seu trabalho", respondeu ela, assumindo

uma

postura

profissional

e

estendendo-lhe a pasta. "Leia."


Com ar resignado, o historiador pegou na pasta de cartolina e abriu-a. No interior encontravam-se resmas de papel com o nome da Al-Qaeda referenciado em título. Percebeu que havia fotografias mais adiante e foi direito a elas. Umas mostravam homens de roupas árabes e cabeça tapada, com armas nas mãos; outras eram imagens de edifícios, tiradas por meios aéreos ou mesmo no local, com uma legenda a indicar "campos de treino"; outras ainda exibiam cães mortos no interior do que parecia ser uma câmara estanque. Havia também fotografias exibindo diversos rostos árabes e duas delas eram de Osama Bin Laden, uma com o líder da Al-Qaeda a disparar uma Kalashnikov.

"Isto é um dossiê sobre a Al-Qaeda", constatou Tomás.

"Gee, Tom! Você é um génio!"

Ignorando o tom de ironia, o português fechou a pasta e devolveu-a a Rebecca.

"Oiça, eu não sou génio nenhum", disse. "Sou um historiador e esta matéria é do seu foro, não do meu."

"Mas você está a trabalhar para a NEST, Tom, e temos uma emergência em mãos", argumentou Rebecca. "O seu ex--aluno disse-lhe que a Al-Qaeda está na posse de material radioactivo. As palavras em russo inscritas nas caixas que ele fotografou revelam tratar-se de urânio enriquecido a mais de noventa por cento. Ou seja, é material militar. Isto é muito grave e, uma vez que você está envolvido na operação, era bom que se familiarizasse com este assunto."

"Você já leu essa papelada toda?"

"Claro."

Tomás pegou no copo de champanhe que a hospedeira ruiva lhe tinha oferecido e bebericou um trago.

"Então faça-me um resumo."

Rebecca suspirou, vencida, e abriu a pasta.

"Muito bem", disse. "O que aqui está é o que sabemos sobre os projectos da Al-Qaeda em relação à construção e uso de bombas nucleares, projectos que remontam à década de 1990. Um sudanês que desertou do movimento, um tipo chamado Jamal Ahmad Al-Fadl, revelou-nos que Bin Laden esteve nessa altura empenhado na compra de urânio enriquecido por um milhão e meio de dólares. O

nosso informador disse ter visto, com os seus próprios olhos, um cilindro com uma série de letras e números gravados no exterior, incluindo um número de série e as palavras Africa do Sul, identificando a origem do urânio enriquecido."

"O que aconteceu a esse material?"

"Não sabemos."

Tomás espreitou a pasta.

"Considerando o volume desse dossiê, presumo que haja ainda mais pistas."

A americana folheou os documentos que se encontravam no interior da pasta.

"Claro que há", confirmou., extraindo uma fotografía que virou na direcção de Tomás. '"Está a ver isto?"

A imagem mostrava uma sequência de tendas miseráveis, com homens de turbante, mulheres a cozinhar sobre lenha e crianças andrajosas a brincar ma terra.

"Parece um campo de refugiados."

"Muito bem!", exclamou el;a, como se o historiador tivesse acertado uma pergunta num concurso televisivo. "E o campo de Nasirbagh, na fronteira entire o Paquistão e o Afeganistão. A polícia encontrou aqui, em 1998, dez quilos de urânio enriquecido. O material estava nas mãos de dois afegãos que iam partir para o Afeganistão.'" Baixou a voz, como se fizesse um aparte. "Sabe quem nessa altura operava livremente no Afeganistão, não sabe?"

"A Al-Qaeda."

Rebecca guardou a fotografia e tirou outras duas.

"Você hoje está imparável, acerta em todas", sorriu. Apresentou as duas novas fotografiias.

"Conhece estes senhores?"

Os olhos do português deslizaram para as legendas por baixo das imagens.


"A acreditar no que está aqui escrito, este é o Bashiruddin Mahmood e este o Abdul Majieed", indicou, apontando para cada uma das fotografias.

"M;as não faço a mínima ideia de quem sejam."

"São dois antigos elementos do programa paquistanês de armas nucleares", identificou ela.

Apontou para a fotografia do primeiro homem. "O

senhor Mahmood é um dos principais peritos do Paquistão em uirânio enriquecido. Trabalhou durante trinta anos na Comiissão de Energia Atómica do Paquistão e foi uma figura ceintral no complexo de Kahuta, onde os Paquistaneses produziram urânio enriquecido para a sua primeira bomba atómica.

Chefiou ainda o reactor de

Khosib, que produz plutónio para bombas atómicas, mas teve

de se demitir depois de ter afirmado em público que as armas

nucleares paquistanesas eram propriedade de toda a umma e

de defender o fornecimento de urânio enriquecido e plutónio

militar a outros países islâmicos. Isto era uma coisa que o

Paquistão já estava a fazer, claro, mas pelos vistos não se

podia confessar em público."

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