CAPÍTULO 14
OBSESSÕES INTERNACIONAIS
Três horas depois, eu estava diante de Jean Jacques Saurel no restaurante Le Jardin, no saguão do Hotel Le Richemond. A mesa tinha uma das mais elegantes arrumações que eu já vira. Um maravilhoso conjunto de prata legítima polida à mão e uma imaculada coleção de porcelana chinesa branca como neve sobre uma superengomada toalha branca como a neve. Era algo realmente chique; deve ter custado uma fortuna!, pensei. Mas, como o resto desse hotel antiquado, a decoração do restaurante não me agradava. Era decididamente art déco, por volta de 1930, e eu presumia que fora a última vez que o restaurante passara por uma reforma.
Ainda assim, apesar da decoração nada estelar – e do fato de eu estar com um jet lag e próximo da exaustão –, a companhia foi excelente. Saurel mostrou-se um verdadeiro mulherengo e, nesse momento em particular, estava em meio a uma explicação para mim da delicada arte de trepar com galinhas suíças, as quais ele disse serem mais excitadas que coelhos. Na verdade, era tão fácil persuadi-las a ir para a cama, alegava, que todo dia ele olhava pela janela do seu escritório, observava-as andando pela rue du Rhône – com suas saias curtas e cachorrinhos – e pintava alvos imaginários em suas costas.
Considerei essa uma boa tirada e fiquei triste por Danny não estar presente para ouvi-la. Mas os assuntos que Saurel e eu planejávamos discutir naquela noite eram tão horrendamente ilegais que simplesmente não se podia ter esse tipo de conversa na presença de um terceiro – mesmo que o terceiro fosse alguém envolvido no crime. Era uma impossibilidade clara. Foi mais uma lição de Al Abrams: “Duas pessoas cometem um crime; três, fazem uma conspiração”.
Assim, lá estava eu, sozinho com Saurel, mas minha mente voltada para Danny e, mais especificamente, para o que diabos ele estava fazendo naquele exato momento. Ele não era o tipo de cara que se deixava sem vigilância num país estrangeiro. Deixado por sua própria conta, era quase certeza de que algo ruim aconteceria. O único alívio era que, neste país em particular, não havia muito que Danny pudesse fazer – a não ser estupro ou assassinato – que o homem sentado à minha frente não pudesse consertar com um telefonema para a autoridade apropriada.
“... então a maior parte do tempo”, proclamou Saurel, “levo-as para o Hotel Métropole, bem à frente do banco, e as fodo lá. Falando nisso, Jordan, devo dizer que acho essa palavra de vocês, foder, bastante agradável. Não há, na verdade, uma palavra em francês que signifique a mesma coisa. Mas, para não divagar muito... o que eu estava tentando dizer é que tornei isso minha segunda profissão, depois de banqueiro, é lógico: transar com a maior quantidade possível de mulheres suíças.” Ele encolheu os ombros como um gigolô e soltou um caloroso sorriso da escória europeia. Então deu mais uma tragada profunda em seu cigarro.
“Kaminsky disse que”, falou através da fumaça exalada, “você compartilha do meu amor por mulheres bonitas, certo?”
Sorri e concordei.
“Ahhh... isso é muito bom”, continuou o mulherengo, “muito bom! Mas também me disseram que sua esposa é muito bonita. Você não acha isso maluco? Estar casado com uma esposa bonita e ainda ter um instinto caçador? Mas posso entender isso, meu amigo. Veja, minha esposa é também muito bonita, entretanto ainda me sinto compelido a me satisfazer com qualquer jovem mulher que se importe em me ter, desde que dentro dos meus padrões de excelência. E neste país não há carência desse tipo de mulheres.” Deu de ombros. “Mas imagino que seja assim que o mundo funciona, a forma como as coisas devem ser para homens como nós, não acha?”
Nossa! Isso soava horrível! Porém, eu dissera essas mesmas coisas para mim diversas vezes... tentando racionalizar meu próprio comportamento. Mas ouvir isso fez-me perceber como era um pensamento ridículo. “Bem, Jean, chega uma hora em que um homem tem de dizer para si mesmo que conseguiu o que queria. E esse é o ponto em que estou agora. Amo minha esposa e parei de ficar trepando por aí.”
Saurel franziu o cenho com sapiência e aquiesceu. “Eu mesmo cheguei a este ponto algumas vezes. E é um sentimento bom quando se chega lá, não? Serve para nos lembrar do que é realmente importante na vida. Afinal de contas, sem uma família para a qual retornar, teria-se uma vida vazia mesmo. É por isso que aproveito demais o tempo que passo com minha família. E então, após alguns dias, percebo que poderia muito bem cortar meus pulsos se permanecesse mais algum tempo. Não me entenda mal, Jordan. Não é que não ame minha esposa e filhos. Amo de verdade. Mas sou francês, e há tanto dessa coisa de esposa e filho para um francês que se pode razoavelmente esperar que eu aproveite as coisas antes que comece a ficar magoado com eles. Acredito que o tempo longe de casa me torna um marido muito melhor para minha esposa e um pai muito melhor para meus filhos.” Saurel pegou o cigarro do cinzeiro de vidro e deu uma tragada tremenda.
E eu aguardei... e aguardei... mas ele não exalou. Uau, isso era interessante! Nunca vira meu pai fazer esse truque! Saurel parecia internalizar a fumaça, absorvendo-a em seu interior. De repente me dei conta de que os homens suíços pareciam fumar por motivos diferentes daqueles dos homens americanos. Era como se na Suíça tudo se resumisse a participar de um simples passatempo masculino, enquanto nos Estados Unidos tinha mais a ver com o direito de se matar com um vício terrível, apesar de todos os alertas.
Era hora de falarmos sobre negócios. “Jean”, falei calorosamente, “respondendo à sua primeira pergunta, sobre quanto dinheiro estou interessado em transferir para a Suíça. Acho que faria sentido se eu começasse baixo, talvez com mais ou menos 5 milhões de dólares. Então, se as coisas funcionarem, consideraria a ideia de trazer um montante significativamente maior... talvez mais 20 milhões nos próximos 12 meses. Quanto a usar os emissários do banco, agradeço a oferta, mas usarei o meu próprio. Há alguns amigos nos Estados Unidos que me devem favores e tenho certeza de que concordariam em fazer isso por mim. Mas ainda tenho muitas preocupações, e Kaminsky é a primeira. É impossível seguirmos em frente se ele souber alguma coisa sobre meu relacionamento com seu banco. Na verdade, se ele simplesmente suspeitar de que tenho um centavo em seu banco, seria o fim total de nossos negócios. Fecharia todas as minhas contas e transferiria o dinheiro para outro lugar.”
Saurel não parecia nem um pouco intimidado. “Você nunca mais precisará falar sobre isso novamente”, disse, friamente. “Não apenas Kaminsky nunca saberá disso, como, se ele decidir fazer qualquer investigação sobre o assunto, seu passaporte será colocado numa lista de procurados e ele será preso pela Interpol assim que o encontrarem. Nós, suíços, levamos nossas leis de privacidade mais a sério do que você possa imaginar. Veja, Kaminsky já foi empregado de nosso banco, portanto ele é bem vigiado. Não estou brincando quando digo que ele acabará na cadeia se revelar assuntos como esses... ou até se apenas enfiar seu nariz onde não foi chamado. Ele será trancado numa sala e jogaremos fora a chave. Então deixemos Kaminsky de lado, de uma vez por todas. Se você decidir mantê-lo entre seus empregados, será sua decisão. Mas tenha cuidado, porque ele é um bufão tagarela.”
Sorri e concordei com a cabeça. “Tenho meus motivos para manter Kaminsky onde ele está agora. A Dollar Time está perdendo grandes quantidades de dinheiro, e se eu contratar um novo diretor financeiro ele pode começar a vasculhar. Assim, por enquanto, é melhor deixar isso em banho-maria. De qualquer forma, temos assuntos mais importantes para discutir do que a Dollar Time. Se você me der sua palavra de que Kaminsky nunca saberá sobre minha conta, eu irei aceitá-la. Nunca mais tocarei no assunto.”
Saurel aquiesceu. “Gosto da forma como você conduz os negócios, Jordan. Talvez tenha sido europeu em uma vida passada, hein?” Ele me deu seu sorriso mais largo.
“Obrigado”, falei, com uma pitada de ironia. “Aceito isso como um grande elogio, Jean. Mas ainda tenho algumas perguntas importantes a lhe fazer, principalmente quanto àquela besteira que vocês me disseram hoje de manhã sobre dar meu passaporte para abrir uma conta. Quero dizer... ora, Jean... isso é um pouco demais, não acha?”
Saurel acendeu outro cigarro e deu uma tragada longa. Através da fumaça exalada, relampejou seu sorriso conspirador e disse: “Bem, meu amigo, pelo que conheço de você, imagino que já tenha bolado uma forma de evitar esse impedimento, certo?”.
Fiz que sim com a cabeça, mas não disse nada.
Depois de alguns segundos de silêncio, Saurel percebeu que eu estava esperando que ele confessasse. “Muito bem, então”, disse, dando de ombros. “A maior parte do que foi dito no banco era balela. Foi dito em razão de Kaminsky e, lógico, de um ou outro presente. Afinal de contas, tem de parecer que agimos de acordo com a lei. A verdade é que seria suicídio você ter seu nome ligado a uma conta numerada suíça. Eu nunca o aconselharia a fazer isso. Contudo, acho que seria prudente que você abrisse uma conta em nosso banco... que apresentaria com orgulho seu nome para qualquer um que quisesse ver. Dessa forma, se o governo americano alguma vez requisitasse os seus registros telefônicos, você teria uma explicação plausível para telefonar para nosso banco. Como sabe, não há lei contra ter uma conta suíça. Tudo que teria de fazer é nos enviar uma pequena quantia, talvez 250 mil dólares, que investiríamos em diversas ações europeias, logicamente apenas as das melhores empresas, e isso lhe daria motivos suficiente para ter contato com nosso banco com certa frequência.”
Nada mal!, pensei. Negabilidade plausível era obviamente uma obsessão internacional entre criminosos de colarinho branco. Mexi-me desconfortavelmente na cadeira, tentando tirar a pressão da perna esquerda, que estava lentamente pegando fogo, e disse de forma casual: “Entendo, e posso muito bem fazer isso. Mas, apenas para que saiba o tipo de homem com que está lidando, as chances de eu telefonar para seu banco de minha própria casa são menores que zero. Eu preferiria ir a um telefone público no Brasil, com alguns trocados no bolso, a permitir que seu número aparecesse na minha conta telefônica. Mas, respondendo a sua pergunta, planejo usar um parente com um sobrenome diferente do meu. Ela é da parte da minha esposa e nem é uma cidadã americana; é britânica. Vou pegar um avião para Londres amanhã de manhã e posso trazê-la para cá depois de amanhã, com passaporte em mãos, pronta para abrir uma conta em seu banco”.
Saurel concordou e disse: “Presumo que você tenha uma confiança sem restrições nessa mulher, porque, se não o tiver, podemos oferecer-lhe duas pessoas que usarão seus próprios passaportes. Essas pessoas são bastante simples, a maior parte fazendeiros e pastores da ilha de Mann ou de outro lugar não tributado, e são 100% confiáveis. Além disso, não lhes será dado acesso à sua conta. Mas tenho certeza de que já avaliou a confiabilidade dessa mulher. Contudo, ainda assim, sugeriria que se encontrasse com um homem chamado Roland Franks.2 Ele é profissional em assuntos como esse, principalmente na criação de documentos. Pode criar faturas de vendas, cartas financeiras, ordens de compra, confirmações de corretagem e quase tudo o mais dentro do razoável. É o que chamamos de fiduciário. Irá ajudá-lo a formar corporações ao portador, que o isolarão ainda mais dos olhos curiosos de seu governo e permitirão que divida a titularidade de companhias públicas em quotas menores, a fim de evitar o preenchimento de formulário necessário para mais de 5% de titularidade de ações”.
Interessante. Eles tinham seu próprio serviço de laranjas verticalmente integrado. Era impossível não amar os suíços. Roland Franks serviria como falsificador: gerando documentos que apoiariam uma ideia de negabilidade plausível. “Gostaria muito de conhecer esse homem”, respondi. “Talvez você possa marcar alguma coisa para depois de amanhã.”
Saurel aquiesceu e falou: “Vou tentar. O sr. Franks também pode ajudar no desenvolvimento de estratégias que pavimentarão o caminho para você reinvestir ou, pelo menos, gastar quanto desejar de seu dinheiro estrangeiro, de maneira que não irão alertar as suas agências reguladoras”.
“Por exemplo?”, perguntei, de maneira casual.
“Bem, há diversas formas... a mais comum é fazer um cartão Visa ou American Express, diretamente ligado a uma de suas contas bancárias. Quando você fizer uma compra, o dinheiro será automaticamente deduzido de sua conta.” Então ele sorriu e disse: “E, pelo que Kaminsky me conta, você gasta um bom dinheiro em cartões de crédito. Assim, isso seria uma ferramenta valiosa”.
“O cartão será em meu nome ou no nome da mulher que planejo trazer para o banco?”
“Será em seu nome. Mas eu recomendaria que você nos permitisse fazer um para ela também. Seria inteligente permitir que ela gastasse uma pequena quantia todo mês, você entende?”
Concordei com a cabeça. Era bastante óbvio que Patricia gastando o dinheiro todo mês confirmaria a suposição de que o cliente era realmente ela. Mas vi um outro problema: se o cartão estivesse em meu nome, bastaria o FBI me seguir, entrar numa loja depois que eu tivesse feito uma compra e exigir ver o recibo do cartão de crédito. Então eu estaria ferrado. Achei estranho que Saurel tivesse recomendado uma estratégia tão cheia de furos logo de início. Mas preferi manter esse pensamento para mim. Em vez disso, falei: “Apesar de meus hábitos consumistas, ainda vejo isso como uma forma de gastar apenas uma soma modesta. Afinal de contas, Jean, as transações sobre as quais estamos ponderando são na casa dos milhões. Não acho que um cartão de débito, como o chamamos nos Estados Unidos, será de muita utilidade. Há outras maneiras de repatriar quantidades maiores?”.
“Sim, lógico. Outra estratégia comum é hipotecar sua casa, usando seu próprio dinheiro. Em outras palavras, o sr. Franks formaria para você uma corporação ao portador e então transferiria dinheiro de uma de suas contas suíças para uma conta corporativa. Depois, o sr. Franks redigiria documentos de hipoteca oficiais, os quais você assinaria como hipotecado, e então receberia o dinheiro. Essa estratégia tem duas vantagens. Primeiro, você estaria debitando juros de si mesmo, os quais seriam depositados em qualquer país que escolhesse para formar suas companhias estrangeiras. Atualmente, o sr. Franks prefere as ilhas Virgens Britânicas, que tendem a ser bastante frouxas com relação à papelada. E, claro, não há imposto de renda. A segunda vantagem tem a ver com uma dedução nos impostos americanos. Afinal de contas, no seu país, juros hipotecários são dedutíveis de impostos.”
Pensei sobre isso e tive de admitir que era uma estratégia esperta. Mas parecia ainda mais arriscada que o cartão de débito. Se eu fosse hipotecar minha casa, isso seria registrado no distrito de Old Brookville, ou seja, bastava o FBI ir até o distrito e requisitar uma cópia da minha escritura – quando então descobririam que uma empresa estrangeira financiara a hipoteca. Isso, sim, seria um alerta! Aparentemente, essa era a parte mais difícil do jogo. Colocar dinheiro numa conta suíça era fácil, e proteger-me de uma investigação, também. Mas repatriar o dinheiro sem deixar um rastro em papel parecia ser algo difícil.
“A propósito”, perguntou Jean, “qual é o nome da mulher que você trará ao banco?”
“O nome dela é Patricia, Patricia Mellor.”
Saurel deu seu sorriso conspiratório mais uma vez e falou: “É um belo nome, meu amigo. Como poderia uma mulher com tal nome burlar a lei, não?”.
UMA HORA DEPOIS, Saurel e eu havíamos saído do elevador do hotel e estávamos andando pelo corredor do quarto andar nos dirigindo ao quarto de Danny. Como no saguão, o carpete do corredor parecia ter sido desenhado por um macaco retardado, e a combinação de cores era a mesma mistura triste de amarelo da cor do mijo de cão e rosa de vômito. Mas as portas eram novas. Eram marrom-escuras de nogueira e brilhavam muito. Uma dicotomia interessante, pensei. Talvez fosse a isso que chamavam de charme do Velho Mundo.
Quando chegamos à porta brilhante de Danny, falei: “Ouça, Jean... Danny é um baita baladeiro, então não se surpreenda se ele estiver enrolando a língua. Ele estava bebendo uísque quando o deixei, e acho que ainda tem algumas pílulas calmantes no corpo em razão do voo. Mas, independentemente da situação dele agora, quero que saiba que, quando sóbrio, ele é rápido como uma flecha. Na verdade, ele vive sob o lema: ‘Quando se sai com os garotos, deve-se acordar com os homens’. Entende isso, Jean?”.
Saurel sorriu largamente e respondeu: “Ah, mas é lógico que sim. Só posso respeitar um homem que vive sob tal filosofia. Assim são as coisas na maior parte da Europa. Eu seria o menos adequado para julgar alguém baseado no seu desejo por prazeres carnais”.
Virei a chave e abri a porta, e lá estava Danny, deitado no chão do quarto, de costas, nu – a não ser, é lógico, que se considerasse putas suíças peladas como roupa. E ele estava trajando quatro delas. Havia uma sentada em seu rosto, de costas, com sua bundinha rígida sufocando-lhe o nariz; havia uma segunda montada sobre seus quadris, indo para cima e para baixo. Ela estava empolgada, beijando ferozmente a garota sentada sobre o rosto de Danny. Havia uma terceira puta segurando seus tornozelos como se fosse uma águia com as asas abertas, e a quarta puta estava segurando seus braços, também como uma águia. O fato de duas novas pessoas terem entrado no quarto não os desacelerara nem um pouco. Ainda estavam empolgados... nada de diferente.
Virei-me para Jean e estudei seu rosto por um tempo. Sua cabeça estava pendida para o lado e sua mão direita coçava seu queixo, pensativo, como se estivesse tentando adivinhar o papel de cada garota nessa cena sórdida. Então, de repente, franziu o cenho e começou a concordar com a cabeça lentamente.
“Danny!”, explodi, gritando. “Que porra você está fazendo, seu depravado?”
Danny libertou o braço direito e empurrou a jovem puta para longe do seu rosto. Ergueu a cabeça e se esforçou para sorrir, mas seu rosto estava praticamente paralisado. Aparentemente ele usara um pouco de cocaína também. “Tô fazenu um shzcran!”, murmurou com os dentes cerrados.
“Você está o quê? Não consigo entender uma porra de palavra que você está dizendo.”
Danny respirou fundo, como se tentasse juntar cada grama de sua força masculina, e então disparou numa batida de staccato: “Eu... tava... fazendo... um.. scrum!”.
“Que porra é essa?”, murmurei.
Saurel falou: “Ah, acredito que o homem disse que estava fazendo um scrum, como se estivesse jogando rúgbi”. Com isso, Jean Jacques acenou a cabeça com sapiência e disse: “Rúgbi é um esporte muito popular na França. Parece que seu amigo está, realmente, num scrum, mas de uma maneira bastante incomum, apesar de ser uma que me apraz demais. Suba e telefone para sua esposa, Jordan. Vou cuidar de seu amigo. Vejamos se ele é mesmo um cavalheiro e será gentil o suficiente para dividir os bens”.
Concordei e fui vasculhar o quarto de Danny – encotrei 20 Quaaludes e três gramas de coca, que joguei na privada. Então o deixei com Saurel para suas atividades.
Alguns minutos depois, eu estava deitado na cama, contemplando a insanidade de minha vida, quando, de repente, senti uma necessidade urgente de ligar para a Duquesa. Olhei meu relógio: Eram 21h30. Fiz os cálculos... 4h30 em Nova York. Será que eu podia ligar tão tarde? A Duquesa amava seu sono. Antes que meu cérebro pudesse responder à pergunta, eu já estava discando.
Depois de alguns toques, surgiu a voz de minha esposa: “Alô?”.
Cuidadosamente, desculpando-me: “Ei, querida, sou eu. Desculpe-me por ligar tão tarde, mas estou com muita saudade de você, demais, e apenas queria lhe dizer quanto te amo”.
Doce como mel: “Ah, eu também te amo, amor, mas não é tão tarde. Estamos no meio da tarde! Você confundiu o fuso horário”.
“É mesmo?”, disse. “Hmmm... bem, de qualquer forma, estou com muitas saudades de você. Você não tem ideia.”
“Ah, isso é tão doce”, disse a sedutora Duquesa. “Channy e eu gostaríamos muito que você estivesse aqui conosco. Quando você vai voltar, meu amor?”
“Assim que puder. Vou pegar um avião para Londres amanhã; vou ver a tia Patricia.”
“É mesmo?” perguntou, um tanto surpresa. “Por que você vai ver a tia Patricia?”
De repente, dei-me conta de que não devia estar falando sobre isso pelo telefone... e então de repente percebi que estava envolvendo a tia favorita da minha esposa num esquema de lavagem de dinheiro. Então afastei aqueles pensamentos preocupantes da cabeça e falei: “Não, não, não foi isso que quis dizer. Tenho outros negócios em Londres, mas vou dar uma passada na casa de tia Patricia e levá-la para jantar”.
“Ahhh”, respondeu uma Duquesa feliz. “Bem, mande meus cumprimentos à tia Patricia, está certo, amorzinho?”
“Farei isso, amorzinho.” Fiz uma breve pausa, então falei: “Querida?”.
“Que foi, amorzinho?”
Com o coração pesado: “Sinto muito por tudo”.
“Pelo quê, querido? Pelo que você sente muito?”
“Por tudo, Nae. Sabe o que estou dizendo. De qualquer forma, joguei na privada todos os Ludes, e não tomei nenhum desde que desci do avião.”
“É mesmo? Como estão suas costas?”
“Não muito boas, amorzinho; doem demais. Mas não sei o que fazer. Não sei se há algo que eu possa fazer. A última cirurgia piorou as coisas. Agora dói o dia todo, e a noite toda também. Não sei... talvez todas essas pílulas estejam piorando a dor. Não sei mais nada. Quando voltar para os Estados Unidos, irei ver aquele médico na Flórida.”
“Vai dar tudo certo, meu amor. Você verá. Sabe que te amo muito, não?”
“Sim”, disse, mentindo. “Sei. E amo você duas vezes mais. Você verá o marido excelente que serei quando voltar para casa, está bem?”
“Você já é excelente. Agora vá dormir, amorzinho, e volte para casa com segurança para mim assim que puder, está bem?”
“Pode deixar, Nae. Amo você demais.” Desliguei o telefone, deitei-me na cama e comecei a apertar a parte de trás da minha perna esquerda com o polegar, tentando encontrar o lugar de onde a dor estava vindo. Mas não consegui. Estava vindo de lugar nenhum e de todos os lugares ao mesmo tempo. E ela parecia estar se movendo. Respirei fundo e tentei relaxar para afastar a dor.
Sem saber, acabei fazendo a mesma prece silenciosa – que um raio de luz viesse do límpido céu azul para eletrocutar o cão da minha esposa. Então, ainda com a perna esquerda ardendo, o jet lag finalmente me atingiu e adormeci.