PRÓLOGO


UM BEBÊ NA FLORESTA




4 de maio de 1987


“Você é pior que balde de merda”, disse meu novo chefe, conduzindo-me pela sala de corretagem da LF Rothschild pela primeira vez. “Tem algum problema em relação a isso, Jordan?”

“Não”, respondi, “sem problemas.”

“Bom”, ralhou meu chefe, e seguiu andando.

Estávamos atravessando um labirinto de mesas de mogno marrom e fios de telefone pretos no 22º andar de uma torre de vidro e alumínio de 41 andares na famosa Quinta Avenida de Manhattan. A sala de corretagem era um espaço amplo, talvez de 15 por 22 metros. Era um local opressivo, lotado de mesas, telefones, monitores de computador e diversos yuppies detestáveis, setenta deles ao todo. Não usavam seus paletós e, a essa hora da manhã – 9h20 –, estavam encostados em seus assentos, lendo o Wall Street Journal e se parabenizando por serem jovens Mestres do Universo.

Parecia um objetivo nobre querer ser um Mestre do Universo, e, enquanto passava pelos Mestres, em meu terno azul barato e sapatos rústicos, descobri-me desejando ser um deles. Mas meu novo chefe era rápido em me lembrar que eu não era.

“Seu trabalho”, ele olhou para o crachá de plástico em minha lapela azul, “Jordan Belfort, é ser um conector, o que significa que vai telefonar quinhentas vezes por dia, com o intuito de ir além das secretárias. Você não estará tentando vender, recomendar nem criar alguma coisa. Estará apenas tentando trazer os empresários ao telefone.” Fez uma pausa por um breve instante, então despejou mais veneno. “E, quando realmente conseguir colocar um no telefone, tudo que dirá é ‘Olá, sr. Fulano, Scott gostaria de falar com o senhor’, e então passará o telefone para mim e voltará a discar. Acha que pode fazer isso ou é muito complicado para você?”

“Não, posso fazer isso”, disse, confiante, mas uma onda de pânico me assombrava como um tsunami assassino. O programa de treinamento da LF Rothschild durava seis meses. Seriam meses duros, cansativos, durante os quais eu estaria ao inteiro dispor de babacas como Scott, a escória yuppie que parecia ter surgido das mais ferozes profundezas do inferno yuppie.

Espiando com canto de olho, cheguei à rápida conclusão de que Scott parecia um peixinho dourado. Ele era careca e pálido, e o pouco de cabelo que lhe restava tinha um tom laranja lamacento. Tinha trinta e poucos anos, era alto e ostentava uma cabeça fina e lábios rosados e grossos. Usava uma gravata-borboleta, o que o deixava ridículo. Sobre seus olhos castanhos salientes, usava um par de óculos de armação de metal, o que o tornava estranho.

“Bom”, disse o peixinho de merda. “Eis as regras de trabalho: não há pausas, nada de ligações pessoais, nada de faltar por doença, nada de chegar tarde e nada de ficar sem fazer nada. Tem trinta minutos de almoço”, fez uma pausa para causar efeito, “e é melhor voltar a tempo, porque há 50 pessoas aguardando para tomar sua mesa se você fizer alguma cagada.”

Continuou andando e falando enquanto eu o seguia um passo atrás, hipnotizado pelas milhares de cotações da bolsa que deslizavam através de monitores de diodo laranja. À frente da sala, uma parede de vidro dava vista para o centro de Manhattan. Mais à frente, eu podia ver o Empire State, que erguia-se sobre tudo, parecendo elevar-se até o céu e arranhar as nuvens. Era uma visão que merecia ser contemplada, uma imagem valiosa para um jovem Mestre do Universo. E, naquele instante, aquele objetivo parecia muito, mas muito distante mesmo.

“Para dizer-lhe a verdade”, resmungou Scott, “não acho que você seja adequado para este trabalho. Você parece uma criança, e Wall Street não é lugar para crianças. É um lugar para assassinos. Um lugar para mercenários. Assim, nesse sentido, você tem sorte por não ser eu quem faz as contratações por aqui.” Ele soltou uma risadinha irônica.

Mordi o lábio e não disse nada. O ano era 1987, e babacas yuppies como Scott pareciam comandar o mundo. Wall Street era o centro de um mercado de touros indomáveis, e novos milionários surgiam abundantemente. Dinheiro era fácil, e um cara chamado Michael Milken inventou algo chamado “títulos de alto risco”, que mudara a forma como a América corporativa conduzia seus negócios. Era uma época de ambição desenfreada, uma época de excesso libertino. Era a época dos yuppies.

Conforme nos aproximávamos de sua mesa, meu castigo yuppie virou-se para mim e disse:

“Irei dizer mais uma vez, Jordan: você é o mais baixo dos baixos. Não é nem uma espécie de telemarketing ainda; é um conector.” O desdém gotejava de suas palavras. “E, até você passar pela Série Sete, conectar será todo o seu universo. E é por isso que você é pior que balde de merda. Tem algum problema quanto a isso?”

“Absolutamente”, respondi. “É o trabalho perfeito para mim, porque sou pior que balde de merda.” Dei de ombros inocentemente.

Ao contrário de Scott, não pareço um peixinho dourado, o que me deixou orgulhoso de mim mesmo enquanto ele me encarava, procurando ironia em meu rosto. Contudo, sou baixinho, e, aos 24 anos, ainda tinha as delicadas feições de um adolescente. Era o tipo de rosto que me criava dificuldades para entrar em um bar sem ter de mostrar a identidade. Tinha farto cabelo castanho fino, pele oliva lisa e um par de olhos azuis. No geral, até que não era feio.

Mas, ah!, eu não estava mentindo para Scott quando lhe contei que era pior que um balde de merda. Para falar a verdade, era como eu me sentia. Eu acabara de destruir meu primeiro empreendimento, e minha auto-estima tinha ido junto. Fora um negócio mal planejado no ramo de carne e frutos do mar, e, quando tudo terminou, eu estava fodido com o arrendamento de 26 caminhões – todos os quais eu havia garantido pessoalmente e todos os quais eu estava agora devendo. Assim, os bancos estavam atrás de mim, e também uma mulher hostil da American Express – barbada e com mais de 150 quilos, a julgar pelo som de sua voz –, que estava ameaçando me arrebentar ela mesma se eu não pagasse as contas. Pensei em trocar o número do telefone, mas estava tão atrasado com a conta telefônica que a NYNEX também estava atrás de mim.

Chegamos à mesa de Scott, e ele me ofereceu o assento ao lado do dele, junto com algumas palavras gentis de encorajamento.

“Olhe pelo lado bom”, satirizou. “Se por algum milagre não for despedido por vagabundagem, estupidez, insolência ou atrasos, então você pode realmente se tornar um corretor da bolsa um dia.” Forçou um sorriso para rir de sua própria piada. “Apenas para que saiba, no ano passado ganhei mais de 300 mil dólares, e o outro cara para quem você estará trabalhando, mais de um milhão.”

Mais de um milhão? Eu podia imaginar o babaca que era o outro cara. Com uma expressão triste, perguntei:

“Quem é o outro cara?”

“Por quê?”, perguntou meu castigo yuppie. “Que você tem que ver com isso?”

Caramba!, pensei. Só fale quando mandarem, seu retardado! Era como estar no Exército. Na verdade, eu tinha a ligeira impressão de que o filme favorito desse idiota era A força do destino e que ele estava brincando de ser Louis Gossett Jr. comigo – fingindo ser um sargento-treinador responsável por um fuzileiro abaixo da média. Mas guardei aquele pensamento para mim, e tudo que eu disse foi:

“Nada, eu estava apenas... curioso.”

“O nome dele é Mark Hanna, e você irá conhecê-lo logo.” Com isso, ele me entregou uma pilha de cartões de visita, cada um com o nome e o número de telefone de um empresário próspero. “Sorria e disque”, instruiu, “e não levante a porra da cabeça até o meio-dia.” Então se sentou à mesa, pegou um exemplar do The Wall Street Journal, colocou seu sapato de couro de crocodilo sobre a mesa e começou a ler.

Eu estava pegando o telefone quando senti uma mão carnuda em meu ombro. Ergui a cabeça e, só de olhar, sabia que era Mark Hanna. Ele cheirava a sucesso, como um verdadeiro Mestre do Universo. Era um cara grande – por volta de 1,85 metro e 100 quilos, sendo a maior parte disso de músculos. Tinha cabelo da cor do azeviche, olhos escuros intensos, feições carnudas e umas cicatrizes de acne. Era bonito, para os padrões do centro, sem ter as gordurinhas típicas de Greenwich Village. Senti carisma fluindo dele.

“Jordan?”, disse ele, num tom muito suave.

“Sim, sou eu”, respondi, no tom de um amaldiçoado. “Balde de merda de primeira linha, a seu dispor!”

Ele riu calorosamente, e as ombreiras de seu terno cinza de risca de giz de 2 mil dólares subiam e desciam a cada risada. Então, com uma voz mais alta que o necessário, falou: “Bem, percebo que já recebeu sua primeira dose do babaca da vila!”. Ele moveu a cabeça na direção de Scott.

Acenei com a cabeça imperceptivelmente. Ele piscou para mim. “Não se preocupe, sou o corretor sênior aqui; ele é apenas um pão-duro desprezível. Então desconsidere tudo o que ele disse até agora e qualquer coisa que venha a dizer no futuro.”

Embora tentasse, não consegui deixar de olhar para Scott, que murmurava: “Vai se foder, Hanna!”.

Mas Mark não se ofendeu. Apenas deu de ombros e andou ao redor de minha mesa, colocando seu corpanzil entre Scott e mim, e disse: “Não o deixe importuná-lo. Ouvi falar que você é um vendedor de primeira linha. Daqui a um ano, aquele idiota estará beijando seus pés”.

Sorri, sentindo uma mistura de orgulho e vergonha. “Quem lhe contou que eu sou um grande vendedor?”

“Steven Schwartz, o cara que o contratou. Disse que você enfiou ações nele já na entrevista de emprego.” Mark riu com isso. “Ele ficou impressionado; falou para eu ficar de olho em você.”

“É, estava nervoso com a possibilidade de ele não me contratar. Havia vinte pessoas esperando para ser entrevistadas, então imaginei que devia fazer algo drástico... sabe, causar boa impressão.” Encolhi os ombros. “Ele me disse, porém, que eu precisava moderar um pouco.”

Mark sorriu. “É, bem, não modere tanto. Pressão é uma necessidade neste negócio. Pessoas não compram ações; elas são vendidas para as pessoas. Nunca se esqueça disso.” Fez uma pausa, deixando suas palavras serem assimiladas. “De qualquer forma, aquele sr. Balde de Merda ali estava certo sobre uma coisa: conectar realmente é um saco. Fiz isso por sete meses e queria me matar todos os dias. Então vou lhe contar um segredinho...”, e abaixou sua voz conspiratoriamente. “Apenas finja conectar. Fique sem fazer nada sempre que puder.” Ele sorriu e piscou, então ergueu a voz de volta ao tom normal. “Não me entenda mal; quero que você me passe a maior quantidade de conexões possível, porque ganho dinheiro com elas. Mas não quero que corte os pulsos por isso, porque odeio ver sangue.” Ele piscou de novo. “Então, faça várias pausas. Vá até o banheiro e bata uma punheta se precisar. Era isso que eu fazia, e funcionava como um feitiço para mim. Eu imagino que você gosta de bater punheta, certo?”

Fiquei um pouco sem graça com a pergunta, mas, como eu iria aprender mais tarde, uma sala de corretagem de Wall Street não era lugar para brincadeiras simbólicas. Palavras como merda, foda, retardado e imbecil eram tão comuns quanto sim, não, talvez e por favor. Eu disse: “É, eu... adoro bater punheta. Quero dizer, que cara não gosta, certo?”.

Ele concordou com a cabeça, quase aliviado. “Bom, isso é muito bom. Bater punheta é a chave. E também recomendo fortemente o uso de drogas, principalmente cocaína, porque isso o fará discar mais rápido, o que é bom para mim.” Fez uma pausa, como se estivesse procurando mais palavras de sabedoria, mas aparentemente não se lembrou de nada. “Bem, isso é tudo”, disse. “Esse é todo o conhecimento que posso passar-lhe agora. Você se dará bem, calouro. Um dia vai olhar para trás e rir; pelo menos isso eu posso prometer.” Sorriu mais uma vez e então se sentou à frente de seu próprio telefone.

Um instante depois, uma campainha soou, anunciando que o mercado acabara de abrir. Olhei para meu relógio Timex, comprado na JCPenney por catorze pratas na semana passada. Nove e trinta em ponto. Era 4 de maio de 1987, meu primeiro dia em Wall Street.

De repente, pelo alto-falante, veio a voz do gerente de vendas da LF Rothschild, Steven Schwartz. “Está bem, senhores. O mercado futuro parece forte nesta manhã e grandes compras estão vindo de Tóquio.” Steven tinha apenas 38 anos, mas havia ganhado mais de 2 milhões de dólares no ano passado. (Outro Mestre do Universo.) “Estamos imaginando um estouro de dez pontos na abertura”, continuou, “portanto, vamos pegar os telefones e arrebentar!”

E assim a sala tornou-se um pandemônio. Pés saíram voando de sobre as mesas; exemplares do Wall Street Journal foram jogados em latas de lixo; mangas foram arregaçadas até o cotovelo e, um a um, os corretores pegaram seus telefones e começaram a discar. Também peguei meu telefone e comecei a discar.

Em minutos, todos estavam num ritmo furioso, gesticulando de maneira feroz e gritando para seus telefones pretos, o que criava um rugido poderoso. Foi a primeira vez que ouvi o rugido de uma sala de corretagem de Wall Street, que soava como o urro de uma multidão. Era um som que eu nunca esqueceria, um som que mudaria minha vida para sempre. Era o som de jovens afundados na cobiça e na ambição, entregando-se de coração e alma para empresários prósperos por toda a América.

“MiniScribe é uma puta barganha aqui”, gritou um yuppie de rosto rechonchudo para seu telefone. Ele tinha 28 anos, um vício furioso por cocaína e uma renda bruta de 600 mil dólares. “Seu corretor na Virgínia do Oeste? Ah! Ele pode ser bom em pegar ações de mineradoras de carvão, mas agora estamos nos anos 1980. O nome do jogo é alta tecnologia!”

“Tenho 50 mil contratos para julho pagando 50!”, berrou um corretor, duas mesas depois.

“Eles estão sem dinheiro!”, gritou outro.

“Não vou ficar rico com uma venda”, jurou um corretor para seu cliente.

“Você está brincando?”, disparou Scott para seu fone. “Depois que eu dividir minha comissão com a firma e com o governo, não conseguirei colocar ração na tigela do meu cachorro!”

De vez em quando, um corretor batia o telefone vitoriosamente, então preenchia um bilhete de compra e andava até um sistema de tubos pneumáticos afixado em uma coluna. Enfiava o bilhete num cilindro de vidro e o observava ser sugado para o teto. De lá, o bilhete seguia para a mesa de negociação no outro lado do prédio, onde seria redirecionado para o andar da Bolsa de Valores de Nova York para execução. Para abrir espaço para o tubo, o teto fora rebaixado, e eu me sentia oprimido naquele lugar.

Até as dez horas, Mark Hanna fizera três viagens até a coluna e, agora, estava prestes a fazer mais uma. Ele era tão habilidoso no telefone que eu fiquei chocado. Era como se ele estivesse se desculpando com seus clientes enquanto arrancava os olhos deles fora. “Senhor, deixe-me dizer-lhe uma coisa”, Mark falava para o presidente de uma empresa que estava entre as quinhentas mais ricas da revista Fortune. “Eu me orgulho de ter encontrado as últimas ações desta emissão. E meu objetivo não é apenas convencê-lo a entrar nessas situações, mas também tirá-lo, quando necessário.” Seu tom era tão suave e meloso que era quase hipnótico. “Gostaria de auxiliar o senhor em longo prazo; auxiliar seu negócio... e sua família.”

Dois minutos depois, Mark estava no sistema de tubos com uma ordem de compra de 250 mil dólares para uma ação chamada Microsoft. Eu nunca ouvira falar da Microsoft antes, mas parecia ser uma empresa bastante decente. De qualquer forma, a comissão de Mark na negociação foi 3 mil dólares. Eu tinha 7 dólares no bolso.

Ao meio-dia, eu estava tonto e morrendo de fome. Na verdade, estava tonto, morrendo de fome e suando demais. Mas, acima de tudo, estava viciado. O rugido poderoso agitava minhas vísceras e ecoava em todas as fibras do meu corpo. Eu sabia que podia fazer esse trabalho. Sabia que podia fazer do mesmo jeito que Mark Hanna, talvez até melhor. Sabia que podia ser liso como seda.


PARA MINHA SURPRESA, em vez de descer pelo elevador do prédio até o saguão e gastar metade de meu patrimônio líquido em duas salsichas e uma Coca, estava subindo à cobertura com Mark Hanna ao meu lado. Nosso destino era um restaurante cinco estrelas chamado Top of the Sixes, que ficava no 41º andar do prédio. Era onde a elite se encontrava para comer, um lugar onde os Mestres do Universo podiam ficar alegres com martínis e contar histórias de guerra.

No momento em que pisamos no restaurante, Luís, o maître, correu em direção a Mark, apertando-lhe a mão violentamente e dizendo quão maravilhoso era vê-lo numa tarde de segunda tão deliciosa. Mark deslizou uma nota de 50 para ele, o que fez que eu quase engolisse minha própria língua, e Luís nos conduziu a uma mesa de canto com uma vista fabulosa do noroeste de Manhattan e da ponte George Washington.

Mark sorriu para Luís e disse: “Traga-nos dois martínis de Absolut, Luís, já. E, então, nos traga mais dois em”, ele olhou para seu grosso Rolex de ouro, “exatamente sete minutos e meio, e continue trazendo-os a cada cinco minutos, até que um de nós passe mal”.

Luís aquiesceu. “Lógico, sr. Hanna. Essa é uma estratégia excelente.”

Sorri para Mark e disse, num tom humilde: “Desculpe-me, mas eu não bebo”. Então me virei para Luís. “Você pode me trazer apenas uma Coca. Isso seria bom.”

Luís e Mark trocaram um olhar, como se eu tivesse acabado de cometer um crime. Mas tudo que Mark disse foi: “É o primeiro dia dele em Wall Street; dê-lhe tempo”.

Luís olhou para mim, comprimiu os lábios e acenou com a cabeça, sério. “Isso é perfeitamente compreensível. Não tenha medo; logo o senhor será um alcoólatra.”

Mark concordou com a cabeça. “Isso mesmo, Luís, mas lhe traga um martíni de qualquer forma, apenas para o caso de mudar de ideia. No pior dos casos, eu mesmo o bebo.”

“Excelente, sr. Hanna. O senhor e seu amigo irão comer hoje ou apenas se embebedar?”

Que porra Luís estava falando?, pensei. Era uma pergunta bastante imbecil, considerando ser hora do almoço! Mas, para minha surpresa, Mark disse a Luís que não iria comer hoje, só eu o faria; com isso, Luís me entregou um cardápio e foi buscar nossas bebidas. Pouco depois, descobri exatamente por que Mark não queria comer, quando colocou a mão no bolso do paletó, puxou um frasco de cocaína, desatarraxou a tampa e enfiou uma colher minúscula. Tirou com a colher o mais poderoso supressor de apetite da natureza, isto é, cocaína, e deu uma cheirada gigante com a narina direita. Então repetiu o processo e aspirou com a esquerda.

Fiquei chocado. Não podia acreditar naquilo! Bem no meio do restaurante! Entre os Mestres do Universo! Pelo canto do olho, espiei o restaurante para ver se alguém havia percebido. Aparentemente ninguém, e, pensando hoje, tenho certeza de que não teriam dado a mínima de qualquer forma. Afinal de contas, estavam muito ocupados ficando chapados de vodca, uísque, gim, bourbon e qualquer outro produto farmacêutico perigoso que adquiriram com seus altíssimos salários.

“Pegue aqui”, disse Mark, passando-me o frasco de coca. “O verdadeiro registro de Wall Street; isso e putas.”

Putas? Isso também me abalou. Quer dizer, nunca paguei por uma! Além do mais, estava apaixonado por uma garota prestes a se tornar minha esposa. Seu nome era Denise, e ela era linda – tão bonita por dentro quanto por fora. As chances de eu traí-la eram menores que zero. E, em relação à coca, bem, tive minha quota nas festas na faculdade, mas fazia alguns anos que não punha as mãos em outra coisa que não fosse baseado. “Não, obrigado”, disse, sentindo-me um pouco envergonhado. “Não cai muito bem para mim. Me deixa... hã... pirado. Tipo não conseguir dormir nem comer, e eu... bem, começo a ficar preocupado com tudo. É muito ruim para mim. Realmente perverso.”

“Sem problemas”, disse, dando mais uma cheirada diretamente do frasco. “Mas garanto que a cocaína pode ajudar a enfrentar o dia por aqui!” Balançou a cabeça e deu de ombros. “É uma profissão de merda, essa de corretor da bolsa. Quer dizer, não me entenda mal: o dinheiro é incrível e tudo o mais, mas você não está criando nada, não está construindo nada. Então, depois de um tempo torna-se meio monótono.” Fez uma pausa, como se estivesse procurando as palavras certas. “A verdade é que somos nada mais do que vendedores de putaria. Nenhum de nós tem a menor ideia de quais ações irão subir! Estamos todos apenas jogando dardos em um alvo, vendendo indiscriminadamente e queimando dinheiro. De qualquer forma, logo você irá perceber isso.”

Passamos os minutos seguintes contando nossas formações. Mark fora criado no Brooklyn, em Bay Ridge, que, pelo que eu sabia, era um bairro bastante violento. “O que quer que você faça”, brincou, “não saia com uma garota de Bay Ridge. Elas são loucas pra caralho!” Então deu mais uma cheirada em seu frasco de coca e completou: “A última com quem saí me espetou com uma porra de uma caneta enquanto eu estava dormindo! Pode imaginar isso?”.

Foi então que um garçom de fraque surgiu e colocou nossas bebidas na mesa. Mark ergueu seu martíni de 20 dólares e eu ergui minha Coca de oito. Mark disse: “Este é para o Dow Jones subindo para cinco mil!”. Batemos os copos. “E este é para sua carreira em Wall Street!”, completou. “Que você possa fazer uma puta fortuna nessa profissão e que consiga manter ao menos uma pequena parte de sua alma no caminho!” Ambos sorrimos e batemos os copos novamente.

Naquele mesmo instante, se alguém me contasse que em poucos anos eu acabaria dono daquele restaurante em que estava e que Mark Hanna, assim como metade dos outros corretores da LF Rothschild, acabaria trabalhando para mim, eu teria dito que isso era loucura. E se alguém me contasse que eu estaria cheirando carreiras de cocaína naquele mesmo restaurante, enquanto uma dúzia de putas de alto nível me olhavam admiradas, eu diria que esse alguém tinha perdido a noção das coisas.

Mas isso seria apenas o começo. Naquele mesmo momento, havia coisas acontecendo longe de mim – que não tinham nada a ver comigo –, começando com uma coisinha chamada seguro de portfólio, uma estratégia de limitação de venda de ações controlada por computador, que definitivamente poria fim a esse mercado de touros indomáveis e faria o Dow Jones cair 509 pontos num único dia. E, a partir dali, a cadeia de eventos que se seguiria era quase inimaginável. Wall Street pararia os negócios por um tempo, e o banco de investimentos LF Rothschild seria forçado a fechar as portas. E então a insanidade tomaria conta de tudo.

O que lhes ofereço agora é uma reconstrução daquela insanidade – uma reconstrução satírica –, do que acabaria sendo uma das viagens mais loucas da história de Wall Street. E lhes ofereço numa voz que falava dentro de minha cabeça naquela mesma época. É uma voz irônica, uma voz descontraída, uma voz que servia para mim mesmo e, muitas vezes, uma voz desprezível. É uma voz que me permitiu racionalizar tudo que tentava me impedir de ter uma vida de hedonismo desenfreado. É uma voz que me ajudou a corromper outras pessoas – e manipulá-las – e levar caos e insanidade a toda uma geração de jovens americanos.

Fui criado numa família de classe média em Bayside, Queens, onde palavras como negão, cucaracho, carcamano e china eram consideradas as mais sujas – palavras que não deveriam ser ditas sob nenhuma circunstância. Na casa de meus pais, preconceitos de qualquer natureza eram fortemente desencorajados; eram considerados processos mentais de seres inferiores, de seres ignorantes. Sempre pensei dessa forma – quando criança, quando adolescente e mesmo no ápice de minha insanidade. Porém, palavrões como aqueles deslizariam pela minha língua com incrível facilidade, principalmente quando fui tomado pela insanidade. Lógico que racionalizaria isso também – dizendo para mim mesmo que aqui é Wall Street e que em Wall Street não há tempo para brincadeiras simbólicas nem gentilezas sociais.

Por que digo essas coisas para os senhores? Digo-as porque desejo que saibam quem eu realmente sou e, mais importante, quem eu não sou. E digo essas coisas porque tenho dois filhos, a quem devo muitas explicações. Algum dia terei de explicar como o adorável pai deles – o mesmo pai que hoje os leva para jogos de futebol, aparece nas reuniões de pais e mestres, fica em casa nas noites de sexta e prepara para eles salada Caesar – conseguiu ser uma pessoa tão desprezível antes.

Mas o que sinceramente espero é que minha vida sirva como um alerta tanto para os ricos como para os pobres; para qualquer pessoa que viva com uma colher no nariz e um monte de pílulas dissolvendo no estômago; ou para qualquer pessoa que esteja pensando em pegar um dom divino e usá-lo impropriamente; para qualquer um que decida ir para o lado negro da força e viver uma vida de hedonismo desenfreado. E para qualquer um que pense que há algo glamoroso em ser conhecido como o Lobo de Wall Street.


Загрузка...