CAPÍTULO 23


ANDANDO NA PONTA DA FACA




Nove dias depois de ter recebido aquela ligação horrível da Visual Image, eu estava sentado no mundialmente famoso restaurante Rao em East Harlem, numa conversa animada com o lendário investigador particular Richard Bo Dietl, conhecido pelos amigos simplesmente como Bo.

Apesar de estarmos numa mesa para oito, só mais uma pessoa se juntaria a nós nessa noite, o agente especial Jim Barsini4, do FBI, que tinha uma amizade de interesses com Bo e, se tudo desse certo, logo teria uma amizade de interesses comigo também. Bo ajeitara esse encontro, e Barsini deveria chegar em 15 minutos.

Nesse momento, Bo estava falando e eu escutando, ou, sendo mais preciso, Bo estava palestrando e eu escutando e fazendo caretas. O assunto era uma ideia maluca que eu tivera de tentar grampear o FBI, o que, segundo Bo, era uma das coisas mais absurdas que ele já ouvira.

Bo estava dizendo: “... simplesmente não é assim que se devem fazer as coisas, Bo”. Bo tinha o hábito estranho de chamar seus amigos de Bo, o que eu considerava confuso de vez em quando, em especial quando estava sob o efeito de Ludes. Felizmente, consegui acompanhá-lo bem nessa noite, porque estava sóbrio como um juiz, o que parecia adequado quando se vai encontrar um agente do FBI pela primeira vez, principalmente um de quem pretendia me tornar amigo... e então, consequentemente, tirar informações.

Apesar disso, havia quatro Ludes no meu bolso, os quais nesse mesmo momento estavam me queimando em minha calça cinza, e, no bolso interno da jaqueta esporte azul-marinho, tinha um pacote de cocaína do tamanho de uma bola de sinuca, que estava chamando meu nome de maneira bastante sedutora. Mas, não, eu estava determinado a ser forte... pelo menos até que o agente Barsini voltasse para onde quer que agentes do FBI voltassem após o jantar, que provavelmente seria sua casa. De início, eu planejara comer pouco, para não interferir na minha doideira de mais tarde, mas, nesse momento, o cheiro de alho frito e molho de tomate caseiro estava banhando meu sistema olfativo de uma forma deliciosa.

“Ouça, Bo”, continuou Bo, “tirar informações do FBI não é difícil num caso como esse. Na verdade, já tenho algumas para você. Mas me escute. Antes que eu lhe conte alguma coisa, há certos protocolos que se deve seguir aqui ou, caso contrário, você será pego pelo rabo num segundo. A primeira é que não se sai por aí colocando grampos na porra dos escritórios deles.” Ele começou a balançar a cabeça em assombro. Era algo que vinha fazendo bastante desde que nos sentamos 15 minutos atrás. “A segunda é que não se tenta subornar suas secretárias, ou qualquer outra pessoa.” Com isso, balançou a cabeça mais uma vez. “E não se fica seguindo seus agentes por aí, tentando encontrar merdas em suas vidas pessoais.” Dessa vez ele balançou a cabeça rapidamente e começou a girar os olhos para cima, como uma pessoa faz quando acabou de ouvir algo que desafia a lógica de maneira tão dramática que precisa tentar se livrar do efeito causado.

Virei a cabeça para a janela do restaurante a fim de evitar o olhar penetrante de Bo e fiquei observando o centro sombrio de East Harlem, me perguntando por que diabos o melhor restaurante italiano em Nova York tinha de escolher essa porra de bairro nojento para ficar. Mas então me lembrei de que Rao estava nesse negócio havia mais de cem anos, desde o fim do século XIX, e Harlem era um bairro diferente naquela época.

E o fato de Bo e eu estarmos sentados sozinhos numa mesa para oito tinha muito mais importância do que parecia – visto que uma reserva para jantar no Rao precisava ser feita com cinco anos de antecedência. Na realidade, porém, fazer uma reserva nesse estranho lugarzinho anacrônico era praticamente impossível. E 12 mesas do restaurante pertenciam, como um apartamento, a um punhado selecionado de nova-iorquinos que, mais do que ricos, eram bem relacionados.

O espaço do Rao não era nada de mais. Nessa noite em particular, o restaurante estava decorado para o Natal, o que não tinha nada a ver com o fato de ser 14 de janeiro. Em agosto, ele ainda estaria decorado para o Natal. As coisas eram assim no Rao, onde tudo lembrava uma época em que as coisas eram muito mais simples, em que a comida era servida de maneira caseira e ouvia-se música italiana de uma jukebox dos anos 1950 que ficava no canto. Conforme a noite progredia, Frankie Pellegrino, o proprietário do restaurante, cantava para seus convidados, e homens de respeito se reuniam no bar, fumavam charutos e se cumprimentavam à maneira da Máfia, e as mulheres os observavam com fascinação, da forma como faziam nos bons tempos, quando quer que isso fosse. E os homens erguiam-se de suas cadeiras e reverenciavam as mulheres toda vez que iam aos banheiros, da forma como faziam nos bons tempos, quando quer que isso fosse.

Todas as noites, metade do restaurante era ocupada por atletas de primeira linha, estrelas de cinema famosas e grandes empresários, enquanto a outra metade era ocupada por verdadeiros gângsters.

De qualquer forma, era Bo, não eu, o bem relacionado proprietário da mesa, e, fiel à lista de fregueses repleta de estrelas desse minúsculo restaurante, Bo Dietl era um homem cuja estrela estava subindo rapidamente. Com apenas 40 anos, ele era uma lenda no negócio. Antigamente, na metade da década de 1980, fora um dos policiais mais condecorados na história da polícia de Nova York – fazendo mais de 700 prisões, nos bairros mais violentos da cidade, incluindo o Harlem. Construíra seu nome resolvendo casos que ninguém mais conseguia, chegando finalmente ao reconhecimento nacional após solucionar um dos crimes mais atrozes já cometidos no Harlem: o estupro de uma freira branca por dois viciados em crack.

À primeira vista, porém, Bo não parecia tão duro, com seu rosto jovem e bonito, a barba perfeitamente aparada e o cabelo castanho-claro bem fino, penteado bem para trás sobre seu crânio arredondado. Não era um cara grande – talvez 1,75 metro de altura e 90 quilos –, mas tinha um peitoral grande e um pescoço grosso, do tamanho do de um gorila. Bo era um dos homens mais elegantes da cidade, sempre usando ternos de seda de 2 mil dólares e camisas brancas superengomadas com mangas francesas e colarinho executivo. Usava um relógio de ouro pesado o suficiente para criar marcas no pulso e um anel rosado com um diamante do tamanho de uma pedra de gelo.

Não era segredo para ninguém que muito do sucesso de Bo nos casos desvendados tinha a ver com sua formação. Nascera e fora criado numa região de Ozone Park, Queens, rodeado por valentões de um lado e tiras do outro. Em consequência, desenvolvera uma habilidade única de andar na ponta da faca entre os dois... usando o respeito que adquirira dos chefes da Máfia local para resolver casos que não podiam ser resolvidos por meios convencionais. Com o passar do tempo, adquirira a reputação de um homem que mantinha seus contatos em segredo e que usava as informações que recebia apenas para reprimir os crimes de rua, que pareciam ser sua essência. Era amado e respeitado pelos amigos, e detestado e temido pelos inimigos.

Nunca disposto a lidar com baboseiras burocráticas, Bo aposentou-se da polícia de Nova York aos 35 anos e logo utilizou sua conhecida reputação (e ainda mais conhecidos relacionamentos) em uma das empresas de segurança privada mais respeitadas e que cresciam mais rapidamente dos Estados Unidos. Foi por essa razão que, dois anos atrás, eu procurara Bo pela primeira vez e contratara seus serviços – para construir e manter uma operação de segurança de primeira linha na Stratton Oakmont.

Mais de uma vez chamara Bo para afastar os ocasionais criminosos de meia-tigela que cometiam o erro de tentar espionar as operações da Stratton. Não sabia o que Bo dizia exatamente a essas pessoas. Tudo que sabia era que bastava dar um telefonema para Bo, que então “fazia a pessoa se acalmar”, e daí em diante eu nunca mais ouvia falar dela. (Apesar de uma vez eu ter recebido um buquê de flores muito bonito.)

Nas camadas mais altas da Máfia, havia um acordo silencioso, independente de Bo, de que, em vez de tentar espionar as operações da Stratton, era mais lucrativo para os chefes enviar os jovens em que confiavam para trabalhar para nós, onde podiam ser treinados adequadamente. Então, após mais ou menos um ano, esses espiões mafiosos saíam silenciosamente – quase como cavalheiros, na verdade – para não atrapalhar as operações da Stratton. Então abriam suas firmas de corretagem apoiadas pela Máfia, sob o comando de seus mestres.

Nos últimos dois anos, Bo estivera envolvido em todos os aspectos da segurança da Stratton – até investigando as empresas que estávamos levando a público, assegurando que não seríamos enganados por operadores fraudulentos. E, diferentemente da maioria dos seus adversários, Bo Dietl e Associados não surgia com o tipo de informação genérica que qualquer nerd de computador podia descobrir no LexisNexis. Não, a equipe de Bo sujava as mãos, descobrindo coisas que se achava impossíveis de descobrir. E, apesar de não haver como negar que seus serviços não eram baratos, o retorno valia a pena.

Para falar a verdade: Bo Dietl era o melhor em sua área.

Eu ainda estava olhando pela janela quando Bo falou: “O que está passando na sua mente, Bo? Você está olhando por essa porra de janela como se fosse encontrar as respostas na rua”.

Fiz uma pausa por um breve instante, pensando se deveria ou não lhe contar que a única razão por eu considerar a ideia de grampear o FBI era o sucesso tremendo que tivera ao grampear a Comissão, algo que ele inadvertidamente facilitara ao me apresentar antigos agentes do FBI que me venderam escutas sem que ele soubesse. Uma das escutas parecia uma tomada elétrica, e estava grudada na parede da sala de reuniões havia mais de um ano, pegando energia da própria tomada, e assim nunca ficaria sem força. Era um badulaque eletrônico maravilhoso!

Apesar de tudo, decidi que não era o momento de dividir esse segredinho com Bo. Eu disse: “É que estou falando sério sobre lutar contra tudo isso. Não tenho intenção de me fingir de morto só porque um agente do FBI está andando por aí fazendo perguntas sobre mim. Tenho muita coisa em jogo aqui, e há muita gente envolvida para que eu possa apenas sair de cena. Assim, agora que está mais calmo, conte-me o que descobriu, está bem?”.

Bo aquiesceu, mas, antes de me responder, pegou um copo enorme de uísque e engoliu o que deveriam ser três ou quatro doses, como se fosse água. Então lambeu os lábios. “Ooooooo, garoto! Agora, sim!” Finalmente continuou: “Para início de conversa, a investigação ainda está em seus estágios iniciais, e está sendo toda conduzida por esse tal Coleman, agente especial Gregory Coleman. Ninguém mais no departamento tem interesse no assunto; todos acham que é um tiro n’água. E, quanto à Procuradoria-Geral, também não estão interessados. O promotor que está cuidando do caso é um cara chamado Sean O’Shea, e pelo que ouvi falar é um cara bastante decente, não tem nada de corrupto.

“Há um advogado chamado Greg O’Connel, muito amigo meu, que costumava trabalhar com Sean O’Shea. Pedi a ele que investigasse Sean para mim, e, de acordo com Greg, Sean não dá a mínima para o seu caso. Você estava certo quando disse que não ligam muito para casos do mercado mobiliário lá. Eles se preocupam mais com coisas ligadas à Máfia, porque a jurisdição deles é no Brooklyn. Assim, quanto a isso, você tem sorte. Mas o boato sobre esse tal Coleman é que ele é muito teimoso. Fala sobre você como se fosse uma espécie de estrela. Tem muita consideração por você, mas não de uma forma simpática. Parece que está um tanto obcecado com tudo isso.”

Balancei a cabeça. “Bem, isso não é muito animador! Um agente do FBI obcecado! De onde ele surgiu assim do nada? Por que agora? Deve ter alguma coisa a ver com a proposta de acordo da Comissão. Aqueles canalhas estão me enganando.”

“Acalme-se, Bo. Não é tão ruim quanto parece. Não tem nada a ver com a Comissão. Coleman só está intrigado. Provavelmente tem mais a ver com todos esses artigos da imprensa sobre você do que com qualquer outra coisa, toda essa porcaria de Lobo de Wall Street.” Ele começou a balançar a cabeça. “Toda essa história de drogas, putas e grandes gastos. É bastante inebriante para um jovem agente do FBI que ganha 40 pilas por ano. E esse tal Coleman é jovem, com 30 e poucos anos, acho; não muito mais velho que você. Então pense sobre a realidade cruel desse cara ao olhar sua restituição de impostos e perceber que você ganha mais em uma hora do que ele num ano. E então ele vê a sua esposa com o nariz empinado na televisão.”

Bo deu de ombros. “De qualquer forma, o que estou tentando dizer é que você deveria ficar quieto por um tempo. Talvez tirar umas férias longas ou algo assim, o que faz total sentido, considerando seu acordo com a Comissão. Quando será anunciado?”

“Não estou 100% certo”, respondi. “Provavelmente daqui a uma ou duas semanas.”

Bo sacudiu a cabeça. “Bem, a boa notícia é que Coleman tem a reputação de ser um cara muito correto. Não é como o agente com quem você irá se encontrar hoje à noite, um cara bem fora da linha. Quer dizer, se fosse Jim Barsini atrás de você... bem, isso seria algo muito ruim. Ele já atirou em duas ou três pessoas, uma delas com um rifle de grande calibre depois que o bandido já havia colocado as mãos para cima. É como se dissesse: ‘FBI... Bang!... Parado! Coloque as mãos para cima!’. Entende o que estou dizendo, Bo?”

Puta merda!, pensei. Minha única salvação era um agente do FBI xarope com dedo leve no gatilho?

Bo continuou: “Assim, não é tão ruim, Bo. Esse tal Coleman não é do tipo que fabrica evidências contra você e sai por aí ameaçando seus strattonitas com sentenças perpétuas, e não é do tipo que irá aterrorizar sua esposa. Mas...”.

Cortei Bo, demonstrando grande preocupação na voz. “O que quer dizer com aterrorizar minha esposa? Como ele pode arrastar Nadine para isso? Ela não fez nada, exceto gastar muito dinheiro.” A simples ideia de Nadine ser envolvida nisso deixou minha cabeça em turbilhão.

A voz de Bo assumiu um tom de psicanalista tentando convencer um paciente a não pular de um prédio de dez andares. “Ora, acalme-se, Bo. Coleman não é do tipo que fica apertando. Estava apenas tentando dizer que não é inédito um agente colocar pressão sobre um marido indo atrás da esposa. Mas isso não se aplica a esta situação, já que Nadine não está envolvida em nenhum dos seus negócios, certo?”

“Lógico que não!”, respondi com grande assertividade, e então rapidamente vasculhei meus negócios para ver se o que eu acabara de dizer era verdade. Cheguei à triste conclusão de que não. “O problema é que fiz algumas negociações sob o nome dela, mas nada tão ruim. Eu diria que a responsabilidade dela tende a zero. Mas nunca deixaria chegar a esse ponto, Bo. Preferiria alegar culpa e deixar que me mantivessem preso por 20 anos a permitir que indiciassem minha esposa.”

Bo concordou com a cabeça lentamente e respondeu: “Como qualquer homem de verdade. Mas o que estou dizendo é que eles sabem disso também e podem ver como uma vulnerabilidade. Mas estamos nos adiantando muito”. A investigação está em seus estágios iniciais, mais parecendo um tiro n’água do que qualquer outra coisa. Se você tiver sorte, Coleman irá deparar com outra coisa... um caso não relacionado... e perderá o interesse em você. Apenas seja cuidadoso, Bo, e ficará bem.

Concordei. “Pode contar com isso.”

“Muito bom. Bem... Barsini deve chegar aqui em um segundo, portanto vamos relembrar algumas regrinhas. Primeiro, não mencione seu caso. Não é esse tipo de encontro. É apenas um grupo de amigos falando merda. Nada de falar sobre investigações ou qualquer coisa do estilo. Deve-se começar desenvolvendo uma amizade de interesses com ele. Lembre-se, não estamos tentando fazer com que este cara lhe dê informações que não deveria.” Balançou a cabeça, enfático. “A verdade é que, se Coleman realmente estiver querendo pegar você, não há nada que Barsini possa fazer. Apenas se Coleman não tiver nada contra você e estiver sendo um babaca, então Barsini poderia dizer a ele: ‘Ei, conheço o cara e sei que ele não é tão ruim, então por que não lhe dá um tempo?’. Lembre-se, Bo, a última coisa de que você quer ser acusado é de tentar corromper um agente do FBI. Eles o jogarão na cadeia por um bom tempo por causa disso.”

Então Bo ergueu as sobrancelhas e completou: “Mas, por outro lado, há algumas informações que podemos tirar de Barsini. Veja, a verdade é que há algumas coisas que Coleman possa querer que você saiba, e pode usar Barsini como um condutor. Sei lá. Você pode criar uma amizade de verdade com Barsini. Ele é um cara muito legal mesmo. É um maluco, mas, por outro lado, quem de nós não é, certo?”.

Movi a cabeça em concordância. “Bem, não sou do tipo que fica julgando, Bo. Odeio pessoas que fazem isso. Acho que são da pior espécie, você não acha?”

Bo deu um sorriso falso. “Certo. Imaginei que se sentia assim. Acredite em mim quando digo que Barsini não é o típico agente do FBI, da forma como você conhece. Ele foi um SEAL,1 ou um fuzileiro naval espião, sei lá, não tenho certeza. Mas uma coisa que se deve saber sobre Barsini é que ele é um mergulhador incrível, e assim vocês têm alguma coisa em comum. Talvez você possa convidá-lo para o seu iate ou algo do estilo, principalmente se toda essa coisa do Coleman não der em nada. Ter um amigo no FBI nunca é ruim.”

Sorri para Bo e resisti contra a vontade de pular sobre a mesa e dar-lhe um beijo molhado nos lábios. Bo era um guerreiro de verdade, um bem tão valioso que seu valor era incalculável. Quanto eu estava lhe pagando, contando Stratton e pessoa física? Mais de meio milhão por ano... talvez mais. E ele valia cada centavo. Perguntei: “O que esse cara sabe sobre mim? Sabe que estou sob investigação?”.

Bo balançou a cabeça. “Não. Contei-lhe muito pouco sobre você. Apenas que era um bom cliente meu, e também um bom amigo. E ambas as coisas são verdade... e é por isso que estou aqui, Bo, por amizade.”

Com cuidado, respondi: “E não ache que não aprecio isso, Bo. Não irei me esquecer...”.

Bo me cortou. “Aí está ele.” Apontou na direção da janela, para um homem na casa dos 40 anos entrando no restaurante. Ele devia ter 1,90 metro, cem quilos, e estava em excelente forma. Suas feições eram rígidas, bonitas, olhos castanhos penetrantes e um queixo incrivelmente quadrado. Na verdade, parecia pertencer a um cartaz que recrutava jovens para um grupo paramilitar direitista.

“Grande Bo!”, exclamou o mais incomum dos agentes do FBI. “Meeeeeeu amigo! Que tem feito, caralho, e onde arrumou essa porra de restaurante? Quero dizer... Porra, Bo, eu podia praticar tiro ao alvo bem aqui neste fim de mundo!” Ele inclinou a cabeça para o lado e ergueu as sobrancelhas, a fim de realçar a lógica de sua observação. Então completou: “Mas, ei, não tenho nada a ver com isso. Apenas atiro em assaltantes de banco, certo?”. Esse último comentário insano foi dirigido a mim, acompanhado por um sorriso caloroso, ao que o agente especial Barsini adicionou: “E você deve ser Jordan. Bem, prazer em conhecê-lo, amigo! Bo contou-me que você tem um puta de um barco, ou um navio, e que gosta de mergulhar. Deixe-me apertar sua mão”. Estendeu-me a mão. Rapidamente a peguei e me surpreendi ao descobrir que sua mão era quase duas vezes o tamanho da minha. Depois de quase puxar meu braço para fora da omoplata, ele finalmente me liberou de suas garras e nos sentamos.

Eu estava disposto a continuar no assunto de mergulho, mas não tive oportunidade. O agente especial Maluco rapidamente desatou a falar. “Vou te contar”, disse com acidez, “este bairro é um esgoto da porra.” Balançou a cabeça com nojo, encostou-se na cadeira e cruzou as pernas, o que acabou expondo o enorme revólver em sua cintura.

“Ora, Bo”, disse Bo para Barsini, “você é fichinha perto de mim quanto a isso. Sabe quantas pessoas prendi quando trabalhei neste bairro? Você não acreditaria se eu lhe contasse. Metade delas foi mais de uma vez! Lembro de um cara que era do tamanho de uma porra de gorila. Ele se escondeu atrás de mim com uma tampa de lata de lixo e bateu com tudo na minha cabeça, e eu quase apaguei. Então foi atrás do meu parceiro e nocauteou-o com tudo.”

Ergui as sobrancelhas e falei: “E o que aconteceu com o cara? Você o pegou?”

“Sim, lógico que sim”, respondeu Bo, quase insultado. “Ele não me nocauteou, apenas me deixou tonto. Surgi quando ele ainda estava batendo no meu parceiro, tirei a tampa dele e dei-lhe na cabeça por alguns minutos. Mas ele tinha um daqueles crânios supergrossos, parecia uma merda de um coco.” Bo deu de ombros e então finalizou sua história com: “Ele sobreviveu”.

“Que pena, porra!”, respondeu o agente federal. “Você é muito delicado, Bo. Eu teria arrancado a traqueia do cara e dado para ele comer. Sabe, há uma forma de fazer isso sem manchar as mãos com uma gota de sangue. Tudo depende do giro do punho. Ouve-se um estalo, tipo”, o agente federal colocou a ponta da língua no céu da boca, comprimiu as bochechas e então soltou, “POP!”

De repente, o proprietário do restaurante, Frank Pellegrino – também conhecido como Frankie Não, porque estava sempre dizendo “não” às pessoas que lhe solicitavam uma mesa –, veio se apresentar para o agente Barsini. Frank estava vestido com tanta elegância, e tudo combinava tão bem, e estava tão aprumado, que eu jurava que ele tinha acabado de sair de uma lavanderia. Trajava um terno de três peças azul-marinho com riscas de giz cinza. Do seu bolso frontal esquerdo, um lenço branco saía perfeita e brilhantemente, da forma que apenas um homem como Frankie poderia fazer. Ele parecia rico e estava na casa dos 60 anos, elegante e bonito, e tinha o dom único de ser capaz de fazer todos no Rao sentirem-se como convidados em sua própria casa.

“Você deve ser Jim Barsini”, disse Frank Pellegrino calorosamente. Estendeu a mão. “Bo contou-me tudo sobre você. Bem-vindo ao Rao, Jim.”

Com isso, Barsini ergueu-se da cadeira e começou a puxar o braço de Frank para fora da omoplata. Observei fascinado como o cabelo grisalho perfeitamente penteado de Frank permanecia intacto enquanto o resto dele balançava como uma boneca de pano.

“Caralho, Bo”, disse Frank para o verdadeiro Bo, “este cara tem um aperto de mão de urso. Ele me lembra...”, e assim Frank Pellegrino começou a narrar uma de suas muitas histórias de homens sem pescoço.

Eu apaguei na hora, sorrindo de vez em quando, enquanto rapidamente tentava planejar como chegar ao assunto principal da reunião. O que eu poderia dizer, fazer ou, pelo menos, dar ao agente especial Bartini para atiçá-lo a mandar o agente especial Coleman me deixar em paz? O mais fácil, lógico, seria simplesmente subornar Barsini. Ele não parecia ser um cara muito ético, parecia? Porém, talvez toda essa coisa de soldado de honra fazia dele alguém incorruptível, como se receber dinheiro por ambição o desonrasse de alguma forma. Fiquei me perguntando quanto pagavam a um agente do FBI. Seria 50 mil por ano? Quantos mergulhos podia um homem fazer com isso? Não muito. Além do mais, havia mergulhos e havia mergulhos. Eu estava disposto a pagar uma boa grana para ter um anjo da guarda dentro do FBI, não estava?

Pelo menos, quanto eu estava disposto a pagar ao agente Coleman para que esquecesse de mim para sempre? Um milhão? Certamente! Dois milhões? Lógico! Dois milhões era dinheiro de troco diante de um processo federal e da possibilidade de ruína financeira!

Ah, quem eu estava enganando? Esses pensamentos eram apenas sonhos. Na verdade, um lugar como o Rao servia como uma lembrança clara de que não se podia confiar no governo a longo prazo. Há apenas três ou quatro décadas, os mafiosos faziam o que queriam. Subornavam a força policial, subornavam políticos, subornavam juízes, pelo amor Deus, subornavam até professoras escolares! Mas então vieram os Kennedy, que eram verdadeiros mafiosos, e viam a Máfia como competidores. Assim, repudiaram todas as negociações – todas aquelas maravilhosas compensações – e... bem, o resto era história.

“... assim, foi dessa forma que ele se ajeitou”, disse Frankie Não, finalmente completando seu conto. “Apesar de ele não ter sequestrado o chef na verdade; apenas o manteve refém por um tempo.”

Com isso, todos começamos a gargalhar histericamente, apesar de eu ter perdido 90% do que ele dissera. Mas, no Rao, perder uma história era meramente incidental. Afinal, sempre se ouviam as mesmas histórias.



1 “Sea, Air, Land”, membro de uma força especial da Marinha americana. (N.T.)


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