CAPÍTULO 22
ALMOÇO NO UNIVERSO ALTERNATIVO
Toda vez que a porta se abria, um punhado de strattonitas entrava marchando no restaurante Tenjin, fazendo com que três sushimen e meia dúzia de garçonetes minúsculas parassem o que quer que estivessem fazendo e gritassem “Gongbongwa! Gongbongwa! Gongbongwa!”, que era “boa tarde” em japonês. Então faziam reverências formais aos strattonitas e mudavam seu tom para um berro agudo dramático “Yo-say-no-sah-no-seh! Yo-say-no-sah-no-seh! Yo-say-no-sah-no-seh!”, que só Deus sabia o que significava.
Os sushimen vinham correndo para cumprimentar os recém-chegados, agarrando-os pelo pulso e inspecionando seus brilhantes relógios de ouro. Num inglês com sotaque forte, eles os interrogavam: “Quanto custa relógio? Onde senhor compra? Que carro o senhor vem para restaurante? Ferrari? Mercedes? Porsche? Que tipo taco de golfe usa? Onde joga? Quanto tempo preparação? Qual handicap?”.
Enquanto isso, as garçonetes, que trajavam quimonos salmão com mochilas verde-limão nas costas, passavam o dorso das mãos na elegante lã italiana de todos aqueles ternos Gilberto feitos sob medida, acenando com a cabeça, aprovando-os, e emitindo arrulhos: “Ohhhhhhh... ahhhhhhhh... bela tecido... tão delicada!”.
Mas então, como que por uma ordem silenciosa, todos paravam precisamente no mesmo instante e retornavam para o que quer que estivessem fazendo. No caso dos sushimen, isso significava enrolar, dobrar, fatiar e cortar em cubos. No caso das garçonetes, significava servir tonéis enormes de saquê Premium e cerveja Kirin para os jovens sedentos, e enormes barquinhos de madeira cheios de sushi e sashimi caríssimos para os esfomeados ricos.
E, quando se achava que as coisas estavam calmas, a porta abria-se mais uma vez e a loucura se repetia, quando a superanimada equipe do Tenjin se enxameava sobre o grupo seguinte de strattonitas e os banhava de pompa e circunstância nipônicas, assim como os enchia de doses de, certamente, pura bajulação japonesa.
Bem-vindo à hora do almoço à moda da Stratton!
Nessa hora, o universo alternativo estava funcionando com força total nesse minúsculo canto do planeta Terra. Dezenas de carros esportivos e limusines compridas bloqueavam o tráfego do lado de fora do restaurante, enquanto do lado de dentro jovens strattonitas seguiam sua tradição honrada de agir como manadas de lobos destemidos. Das 40 mesas do restaurante, apenas duas eram ocupadas por não strattonitas, ou civis, como nós os chamávamos. Talvez tivessem inadvertidamente encontrado o Tenjin ao procurar um local silencioso para curtir uma refeição agradável e relaxante. Qualquer que fosse o caso, não havia dúvidas de que não tinham a menor ideia da maldição bizarra que estava prestes a lhes sobrevir. Afinal de contas, durante o almoço, as drogas começariam a surgir.
Sim, o relógio acabara de marcar 13 horas, e alguns dos strattonitas já estavam loucos. Não era difícil dizer quais estavam sob o efeito de Ludes; eram aqueles sentados às mesas, gaguejando, babando e recitando histórias de guerra. Felizmente, pedia-se às assistentes de vendas que ficassem na sala de corretagem – cuidando dos telefonemas e adiantando a papelada –, por isso, todos ainda estavam vestidos e ninguém estava trepando escondido nos banheiros ou sob as mesas.
Eu estava sentado num reservado no fundo do restaurante, assistindo a essa loucura toda enquanto fingia ouvir as besteiras de Kenny Greene, o mongoloide de cabeça quadrada, que vomitava sua própria versão de mentiras deslavadas. Enquanto isso, Victor Wang, o China Depravado, concordava, com sua cabeça do tamanho da de um panda, com tudo que seu amigo mongoloide estava falando, apesar de eu ter certeza de que ele também sabia que Kenny era um mongoloide e apenas fingia concordar com ele.
Cabeça Quadrada estava dizendo: “... e é exatamente por isso que você vai ganhar muito dinheiro aqui, JB. Victor é o cara mais astuto que conheço”. Ele se aproximou e deu um tapinha nas enormes costas do China Depravado. “Depois de você, é lógico... mas isso nem precisa dizer.”
Dei um sorriso falso e falei: “Ora, Kenny, obrigado pelo voto de confiança!”.
Victor soltou uma risadinha com a tolice de seu amigo, então lançou para mim um dos seus repugnantes sorrisos, fazendo com que seus olhos ficassem tão estreitos que quase desapareciam.
Kenny, porém, nunca compreendera realmente o conceito de ironia. Em consequência, encarara minha oferta de agradecimento pelo valor nominal e agora estava alegre, todo orgulhoso. “De qualquer forma, da maneira que imaginei, apenas precisaríamos de uns 400 mil de capital inicial para realmente tirar essa coisa do papel. Se quiser, pode dar para mim em dinheiro vivo e eu filtrarei para Victor através de minha mãe” – mãe dele? –, “e você nem terá de se preocupar em deixar uma trilha de papel ruim” – uma trilha de papel ruim? –, “porque minha mãe e Victor possuem alguns imóveis juntos, desse modo eles podem justificar o dinheiro dessa forma. Então precisaremos de alguns corretores-chave para ajudar a fazer a coisa rolar e, mais importante, uma grande alocação da próxima nova ação. A forma que eu imaginei é...”
Rapidamente perdi a concentração. Kenny estava perdendo as estribeiras com alegria, e cada palavra que escapava de seus lábios não tinha nenhum sentido.
Nem Victor nem Kenny tinham conhecimento da oferta de acordo da Comissão. Eu não os deixaria saber disso por mais alguns dias, não até que ambos ficassem tão animados com o futuro fabuloso da Duke Securities a ponto de a Stratton Oakmont lhes parecer totalmente descartável. Só então eu contaria a eles.
Foi então que dei uma espiada em Victor pelo canto dos olhos, e fiquei um tempo observando-o. Só de olhar para o China Depravado com estômago vazio me deu vontade de comê-lo! Por que esse chinês musculoso, que parecia tão suculento, sempre me deixava desconcertado? Provavelmente tinha a ver com sua pele, que era mais lisa do que a de um bebê recém-nascido. E por baixo daquela delicada pele aveludada havia uma dezena de camadas de gordura chinesa em abundância, perfeitas para cozinhar; e por baixo daquilo havia mais uma dezena de camadas de músculos chineses indestrutíveis, perfeitas para comer; e na superfície disso tudo ostentava o delicioso matiz chinês, que era da mesma cor de mel de tupelo fresco.
O resultado era que, toda vez que colocava os olhos em Victor Wang, eu o via como um leitãozinho, e sentia vontade de colocar uma maçã em sua boca, enfiar um espeto em seu cu, assá-lo e temperá-lo com molho agridoce, e então convidar alguns amigos para comê-lo... como se fosse um lual!
“... e Victor sempre se manterá leal”, continuou Cabeça Quadrada, “e você poderá ganhar mais dinheiro na Duke Securities do que na Biltmore e na Monroe Parker juntas.
Dei de ombros e falei: “Talvez, Kenny, mas essa não é minha maior preocupação aqui. Não me entenda mal... pretendo ganhar muito dinheiro. Quero dizer, na verdade, por que não podemos todos nós ganhar muito? Mas o que é mais importante para mim, o que realmente estou tentando conquistar, é garantir o seu futuro e o de Victor. Se eu puder fazer isso e ganhar alguns milhões extras por ano ao mesmo tempo, então considerarei tudo um grande sucesso”. Fiz uma pausa por alguns instantes, deixei a mentira ser absorvida e tentei fazer uma rápida leitura de como eles estavam encarando minha repentina mudança de coração.
Por enquanto, muito bem, pensei. “De qualquer forma, temos nosso julgamento na Comissão em menos de seis meses, e quem sabe como acabarão as coisas? Apesar de as coisas parecerem ir bem, pode haver um momento em que faria sentido aceitar um acordo para o caso. E, se esse dia chegar, quero ter certeza de que todos tenham seus vistos de saída carimbados e prontos. Acreditem ou não, já faz algum tempo que eu queria ter a Duke funcionando, mas a questão é que minhas ações da Judicate têm pairado sobre a minha cabeça. Ainda não posso vendê-las, só daqui a duas semanas, assim, tudo que fizermos terá de ser mantido em segredo por enquanto. Isso é de fundamental importância. Entenderam?”
Victor acenou com sua cabeça de panda em concordância e disse: “Não vou falar nada para ninguém. E nem me importo com o preço a que minhas ações da Judicate chegarão. Todos iremos ganhar tanto dinheiro com a Duke que, se nunca conseguir vender uma ação, não darei a mínima”.
Nesse momento, Kenny entrou na conversa: “Veja, JB... eu te falei! A cabeça de Victor está no lugar certo; ele está totalmente dentro do programa”. Mais uma vez, ele se aproximou e deu um tapinha nas costas enormes do China.
Victor, então, disse: “Também quero que saiba que juro lealdade incondicional a você. Apenas me diga que ações quer que eu compre e comprarei todas elas. Você nunca verá uma ação de volta até que a solicite”.
Sorri e falei: “É por isso que estou concordando com isso, Victor, porque confio em você e sei que fará a coisa certa. E, logicamente, porque acho que você é um cara astuto e terá muito sucesso nesse ramo”. E palavras não têm muito valor, pensei. Na verdade, toda essa boa vontade da parte de Victor era mentira pura, e eu estava disposto a apostar minha vida nisso. O China era incapaz de ser leal a alguém ou algo, sobretudo a ele mesmo, a quem iria inadvertidamente foder para alimentar seu ego deturpado.
Como planejado, Danny surgiu 15 minutos depois de termos nos sentado, o que eu havia calculado ser o tempo adequado para Kenny saborear seu momento de glória sem Danny estar lá para frustrar sua alegria. Afinal, ele ressentia-se profundamente por Danny ter pego seu lugar como número um. Esconder coisas de Kenny era algo que me deixava mal, mas era algo que eu tinha de fazer. Ainda assim, era uma pena ele ter de cair junto com Victor, principalmente por eu ter certeza de que Kenny acreditava em cada palavra que dizia para mim... sobre Victor manter-se leal e todo o resto da papagaiada. Mas a fraqueza de Kenny era que ele ainda olhava para Victor com os olhos de um adolescente. Ainda o venerava como um traficante de coca de sucesso, quando agora era apenas um traficante de maconha de sucesso, um degrau abaixo na cadeia de tráfico de drogas.
De qualquer forma, eu já me sentara e conversara com Danny quando voltei para a Stratton após minha reunião com Ike – explicando meu plano para ele nos mínimos detalhes, ocultando muito pouco. Quando termináramos a conversa, sua resposta fora a esperada.
“Para mim”, falara, “você sempre será o dono da Stratton, e 6 centavos de cada dólar ganho sempre serão seus. E assim será esteja você com um escritório na mesma rua ou velejando com seu iate pelo mundo.”
Agora, uma hora depois, ele chegara ao Tenjin e imediatamente se serviu de uma grande taça de saquê. Então encheu nossas três taças e ergueu a sua própria, como se fosse fazer um brinde. Danny falou: “À amizade e à lealdade, e à trepada nas Blue Chips hoje à noite”.
“Tim-tim!”, exclamei, e nós quatro batemos nossas taças de porcelana. Então bebemos a mistura quente e ardente.
Disse para Kenny e Victor: “Ouçam, ainda não conversei com Danny sobre o que está acontecendo com a Duke”, uma mentira, “então me deixem fazer um pequeno resumo para ele a fim de deixá-lo a par das coisas, certo?”.
Victor e Kenny concordaram, e eu rapidamente entrei nos detalhes.
Quando cheguei ao assunto de sobre onde a Duke deveria ficar, virei-me para Victor e falei: “Vou te dar algumas opções. A primeira é ir para Nova Jersey, pouco depois da Ponte George Washington, e abrir a firma lá. Nossa melhor opção seria Fort Lee, ou talvez Hackensack. De qualquer forma, você não terá problema para contratar gente lá. Conseguirá recrutar garotos da região norte da cidade e ainda alguns errantes, garotos de Manhattan cansados de trabalhar lá. A segunda opção seria ir para Manhattan mesmo; mas isso é uma faca de dois gumes. Por um lado, há um milhão de garotos lá, portanto não teria problemas para contratar, mas, por outro, descobrirá que é difícil construir lealdade lá.
“Uma das chaves da Stratton é que somos o único jogo da cidade. Quero dizer, pegue o exemplo deste restaurante.” Apontei com a cabeça para todas as mesas. “Tudo que veem são strattonitas. Assim, Victor, teríamos uma sociedade autossuficiente”, resisti à necessidade de usar a palavra “culto”, que seria mais apropriada, “onde não se consegue ter uma alternativa. Se abrir um escritório em Manhattan, seus caras estarão almoçando com corretores de milhares de outras firmas. Pode não parecer muito importante agora, mas, acredite em mim, no futuro será decisivo, principalmente se você começar a receber publicidade ruim ou se suas ações começarem a cair. Então ficará muito feliz por estar num lugar em que ninguém está cochichando coisas negativas nas orelhas dos seus corretores. De qualquer forma, dito isso, ainda deixo que você decida.”
Victor concordou com sua cabeça de panda, lenta e deliberadamente, como se estivesse medindo os prós e os contras. Considerei isso quase risível, já que as chances de Victor concordar em ir para Nova Jersey eram praticamente nulas. O ego gigante de Victor nunca permitiria que escolhesse Nova Jersey. Afinal de contas, o estado não ressoava prosperidade nem sucesso e, mais importante, não parecia ser um lugar para jogadores. Não, Victor ia querer abrir sua firma bem no coração de Wall Street, fazendo sentido ou não. E eu não tinha nada contra isso. Seria muito mais fácil destruí-lo quando chegasse a hora.
Eu fizera o mesmo discurso para os proprietários da Biltmore e da Monroe Parker, que também, no início, queriam abrir suas firmas em Manhattan. Foi por isso que a Monroe Parker ficou escondida no norte do estado de Nova York e que Biltmore, cuja sede era na Flórida, escolhera manter seu escritório longe da Toca dos Vermes de Boca Raton, nome dado pela imprensa ao sul da Flórida, onde todas as firmas de corretagem estavam localizadas.
No final, tudo se resumia a lavagem cerebral, que tinha dois aspectos distintos. O primeiro era continuar falando a mesma coisa infinitamente para uma plateia cativa. O segundo aspecto era ter certeza de ser a única pessoa falando alguma coisa. Não haveria pontos de vista conflitantes. É claro que as coisas seriam muito mais fáceis se se estivesse falando exatamente o que seus espectadores queriam ouvir, o que era o caso na Stratton Oakmont. Duas vezes por dia, todos os dias, eu ficava diante da sala de corretagem e dizia-lhes que, se me escutassem e fizessem exatamente como eu mandasse, teriam mais dinheiro do que jamais sonharam ser possível e que haveria garotas deslumbrantes se atirando aos seus pés. E foi exatamente isso que acontecera.
Após uns dez segundos de silêncio, Victor respondeu: “Entendo seu argumento, mas acho que posso me dar bem em Manhattan. Há tantos garotos lá que não consigo imaginar ser impossível encher o lugar em no máximo dois segundos”.
Cabeça Quadrada então completou: “E aposto que Victor poderia fazer algumas reuniões motivacionais do caralho. E todos irão amar trabalhar para ele. De qualquer forma, posso ajudar Victor nisso. Fiz pequenas anotações de todas as suas reuniões, então posso estudá-las com Victor e podemos...”.
Ah, porra! Eu rapidamente apaguei e comecei a observar o panda gigante, tentando imaginar o que poderia estar se passando dentro daquele cérebro deturpado. Ele era de fato um cara esperto e tinha mesmo alguma utilidade. Na realidade, três anos atrás, realizara um belo serviço para mim...
Foi pouco depois de eu ter deixado Denise. Nadine ainda não se mudara oficialmente, e, sem nenhuma mulher por perto, decidi contratar um mordomo em período integral. Mas queria um mordomo gay, como aquele que eu vira na série Dinastia... ou teria sido Dallas? De qualquer forma, o fato é que eu queria um mordomo gay que pudesse chamar de meu e, sendo rico como eu era, imaginei que merecia isso.
Então, Janet começou a procurar um mordomo gay, o que, é claro, rapidamente conseguiu. Seu nome era Patrick, o Mordomo, e ele era tão gay que havia chamas saindo do seu cu. Patrick me parecia um cara muito legal, apesar de ficar um pouco bêbado de vez em quando... mas eu não ficava tanto tempo em casa, portanto não tinha ideia de como ele era na verdade.
Quando a Duquesa se mudou para lá, ela rapidamente assumiu o controle sobre a criadagem e começou a notar algumas coisas... como que Patrick, o Mordomo, era um alcoólatra dos infernos que trocava de parceiros sexuais numa velocidade feroz, o que ele confidenciou à Duquesa depois que sua língua desvairada fora lubrificada por Valium e álcool e Deus sabe o que mais.
Não muito depois disso, a merda bateu no ventilador. Patrick, o Mordomo, cometeu o triste erro de pensar que a Duquesa iria comigo à casa de meus pais para o jantar da Páscoa judaica, e decidiu realizar uma orgia gay com 21 amigos, que formaram um trenzinho humano em minha sala e brincaram de Twister em meu quarto. Sim, foi uma bela cena que a Duquesa (que tinha 23 anos na época) teve o prazer de presenciar: todos aqueles homossexuais apertados – bunda com saco – trepando como animais no celeiro em nosso minúsculo ninho do amor em Manhattan, no 53º andar do Olympic Towers.
Foi pela janela daquele mesmo andar, na verdade, que Victor acabou segurando Patrick, o Mordomo, pelos pés, depois que veio à tona que Patrick e sua trupe haviam roubado 50 mil dólares em dinheiro da minha gaveta de meias. Em defesa de Victor, porém, ele pendurou Patrick na janela só depois de ter-lhe solicitado repetidas vezes para devolver os bens roubados. Logicamente, seus pedidos foram pontuados por cruzados de direita e ganchos de esquerda que quebraram o nariz de Patrick, romperam os vasos capilares em ambos os olhos e fraturaram três ou quatro costelas. O normal seria achar que Patrick acertaria as coisas e devolveria o dinheiro roubado, não?
Bem, ele não o fez. Na verdade, Danny e eu estávamos lá para testemunhar o ato de selvageria de Victor. Foi Danny, mais do que qualquer um, que estivera falando duro... até que Victor deu o primeiro soco, e o rosto de Patrick explodiu como carne moída, quando Danny correu até o banheiro e começou a vomitar.
Após um tempo, parecia que Victor começou a ficar um pouco irritado e estava próximo de derrubar Patrick pela janela. Então, gentilmente pedi a Victor que o puxasse de volta, um pedido que pareceu entristecê-lo profundamente, mas que aceitou mesmo assim. Quando Danny emergiu do banheiro, parecendo preocupado e verde, expliquei a ele que chamara os tiras e que eles estavam vindo para prender Patrick, o Mordomo. Danny ficou totalmente chocado por eu ter a audácia de chamar a polícia depois de ser o arquiteto do ataque a Patrick. Mas expliquei a ele que, quando a polícia chegasse, eu lhes contaria exatamente o que acontecera, e foi o que fiz. E, para garantir que os dois jovens policiais entendessem o que eu dizia, dei a cada um deles mil dólares em dinheiro, que eles aceitaram, e então retiraram seus cassetetes dos cintos de utilidade da polícia de Nova York e começaram a arrebentar Patrick, o Mordomo, novamente.
De repente, meu garçom favorito, Massa, veio pegar nosso pedido. Sorri e falei: “Então me conte, Massa, o que é bom...”.
Mas Massa me interrompeu e perguntou: “Por que você usa limusine hoje? Onde Ferrari? Don Johnson, certo? Você gosta Don Johnson?”, ao que as duas garçonetes exclamaram: “Ahhhh, ele Don Johnson... ele Don Johnson!”.
Sorri para meus admiradores japoneses, que estavam se referindo à minha Ferrari Testarossa branca, o mesmo carro que Don Johnson dirigira quando interpretou Sonny Crockett em Miami Vice. Era apenas mais um exemplo das minhas fantasias adolescentes sendo realizadas. Miami Vice fora uma das minhas séries favoritas na juventude, por isso comprei uma Testarossa branca logo que ganhei meu primeiro milhão. Fiquei um pouco envergonhado com a referência deles a Don Johnson, por isso balancei o dorso da mão no ar, balancei a cabeça e disse: “Então, o que há no cardápio para...”.
Mas Massa me interrompeu mais uma vez: “Você James Bond também! Tem Aston Martin, como Bond. Ele tem brinquedos no carro... óleo... pregos!”, ao que as garçonetes exclamaram: “Ahhh, ele James Bond! Ele beija-beija, atira-atira! Beija-beija, atira-atira!”.
Todos gargalhamos com isso. Massa estava se referindo a uma das maiores asneiras que eu tinha feito. Tinha sido quase um ano antes, depois que a caixa registradora tinha atingido a marca de 20 milhões de dólares numa nova ação. Estava sentado em minha sala com Danny, e os Ludes começando a agir, quando fiquei com foguinho no cu para começar a gastar dinheiro. Chamei meu vendedor de carros exóticos e comprei para Danny um Rolls-Royce Corniche conversível preto, por 200 mil dólares, e, para mim, um Aston Martin Virage verde, por 250 mil dólares. Mas isso não fora suficiente, e ainda estava com vontade de gastar dinheiro. Então meu vendedor de carros exóticos ofereceu-se para transformar meu Aston Martin num verdadeiro carro de James Bond – completo, com vazamento de óleo, bloqueador de radar, placa que deslizava para revelar uma luz estroboscópica cegante para atrapalhar perseguidores, além de uma caixa de pregos que, com um simples botão, encheria a estrada de pregos ou estacas ou pequenas bombas, se eu conseguisse encontrar um vendedor de armas para trazê-las para mim. O custo: 100 mil dólares. De qualquer forma, comprei o pacote completo, que no final acabou gastando tanta energia da bateria que o carro não mais funcionou bem desde então. Na verdade, toda vez que tirava o carro para um passeio, ele me deixava na mão. Agora ele ficava na garagem, apenas para ser admirado.
Falei a Massa: “Obrigado pelo elogio, mas estamos em meio a uma conversa de negócios, meu amigo”. Massa curvou-se submisso, relatou os pratos especiais e pegou nosso pedido. Então se curvou novamente e saiu.
Eu disse para Victor: “De qualquer forma, vamos voltar à questão do financiamento. Não me sinto confortável com a ideia de a mãe de Kenny lhe dar o cheque. Não me importo se vocês estão fazendo negócios juntos, sendo parentes ou não. É uma coisa que chama a atenção, portanto não o faça. Vou te dar os 400 mil em dinheiro, mas não quero nenhum dinheiro indo de você para Gladys. E seus pais? Você poderia dar a eles o dinheiro e então pedir que lhe fizessem um cheque”.
“Meus pais não são assim”, respondeu Victor, num raro momento de humildade. “São pessoas simples e não entenderiam. Mas posso tentar alguma coisa através de algumas contas no exterior a que tenho acesso, no Oriente.”
Danny e eu trocamos olhares dissimulados. A porra do China já estava falando sobre contas no exterior antes de abrir as portas de sua própria empresa de corretagem? Que maníaco depravado! Havia uma certa progressão lógica a ser seguida no mundo do crime, e o tipo de crime a que Victor se referia vinha no final de tudo, depois que se tinha ganhado seu dinheiro, não antes disso. Falei para Victor: “Isso produz outros tipos de alerta, mas tão sérios quanto. Deixe-me pensar sobre o assunto por um dia ou dois e vou descobrir uma forma de te passar o dinheiro. Talvez peça a um de meus laranjas que empreste a você. Não ele mesmo, mas através de um terceiro. Vou descobrir como fazê-lo, portanto não se preocupe com isso”.
Victor aquiesceu. “Como quiser, mas se precisar de acesso às minhas contas no exterior, apenas me diga, está bem?”
Dei-lhe um sorriso falso e preparei a armadilha: “Está bem, eu lhe direi se precisar, mas não me interesso por esse tipo de coisa. De qualquer forma, há um último ponto sobre o qual quero conversar com você... como se deve administrar a conta comercial da Duke. Há duas formas diferentes de fazer isso: pode-se negociar a longo ou a curto prazo. E ambas as formas têm seus prós e seus contras. Não vou entrar em detalhes neste momento, mas vou falar o essencial”. Fiz uma pausa e sorri com o que disse. “De qualquer forma, se negociar a longo prazo, ganhará muito mais dinheiro do que se negociar a curto prazo. Quando falo negociar a longo prazo, quero dizer que terá de manter grandes porções de ações na conta comercial da Duke; pode-se mandar o preço delas para cima e ganhar dinheiro com aquelas que se mantém. Por outro lado, se as tiver a curto prazo e as ações subirem, perderá dinheiro. E durante o primeiro ano todas as suas ações devem subir, então é necessário ficar com elas por um bom tempo se quiser ganhar muito dinheiro. Isto é, se você realmente quiser lotar a caixa registradora. Agora, não vou negar que se precisa de culhões para fazer isso... quero dizer, isso pode deixá-lo com os nervos à flor da pele de vez em quando... porque seus corretores nem sempre serão capazes de comprar todas as ações que você está segurando. Dessa forma, seu dinheiro tende a ficar amarrado no inventário.
“Mas, se tiver culhões e, pelo menos, confiança suficiente para ver além, então, quando o período de espera acabar, ganhará uma puta fortuna. Está entendendo o que digo, Victor? Não é uma estratégia para os fracos; é uma estratégia para os fortes... e para aqueles com visão.” Com isso, ergui as sobrancelhas e joguei as palmas da mão para o ar, como se dissesse: “Pensamos igual até aqui?”. Então fiquei esperando para ver se Cabeça Quadrada perceberia que, na verdade, eu acabara de dar a Victor o pior conselho de negócios na história de Wall Street. A verdade era que negociações a longo prazo eram um caminho para o desastre. Ao se manter ações na conta comercial da firma, arriscava-se tudo. Dinheiro era o rei em Wall Street, e se sua conta comercial estivesse amarrada a ações ficava-se vulnerável a ataques. De certa forma, não era diferente de outros negócios. Mesmo um encanador que estocasse seu inventário em excesso acabaria ficando sem dinheiro. E, quando as contas vencessem – ou seja, aluguel, telefone, folha de pagamento –, ele não poderia oferecer seus equipamentos de encanamento para pagar os credores. Não, dinheiro era o rei em qualquer negócio, principalmente neste, em que seu inventário poderia perder o valor do dia para a noite.
A forma adequada de se negociar era a curto prazo, pois se mantinha o fluxo de caixa. É verdade que se perde dinheiro se os preços de suas ações sobem, mas é o mesmo que pagar um prêmio de seguro. Da forma como administrei a conta comercial da Stratton, permiti que a firma tivesse perdas consistentes no negócio do dia a dia, que garantiam que a firma mantivesse um bom fluxo de caixa e se equilibrasse para encher a caixa registradora nos dias de novas emissões. Na essência, perdia 1 milhão de dólares por mês por negociar a curto prazo, mas garantia um lucro de dez milhões por mês por estar no negócio de ofertas públicas iniciais. Para mim, era tão óbvio que não podia imaginar alguém negociando de outra forma.
A questão era se o Cabeça Quadrada e o China Depravado perceberiam isso... ou o ego de Victor se alimentaria da insanidade de negociar a longo prazo? Mesmo Danny, que era esperto como uma raposa, nunca conseguira compreender totalmente esse conceito, ou talvez ele o tenha compreendido, mas adorava assumir riscos e se dispunha a colocar a saúde da firma em jogo para ganhar alguns milhões a mais por ano. Era impossível saber.
No momento exato, Danny aderiu à conversa e falou para mim: “Vou falar a verdade. No começo sempre fiquei nervoso quando você mantinha grandes posições a longo prazo, mas, com o passar do tempo... quero dizer... ver todo aquele dinheiro a mais sendo ganho”, ele começou a balançar a cabeça, como se para reforçar a mentira, “bem... é incrível. Mas definitivamente se precisa de culhões”.
Kenny, o mongoloide: “É, ganhamos uma fortuna negociando dessa forma. Esta é definitivamente a melhor forma de negociar, Vic”.
Achei aquilo irônico. Depois de todos esse anos, Kenny ainda não tinha a menor ideia de como eu conseguira manter a Stratton com boa saúde financeira, apesar de todos os seus problemas. Eu nunca negociara a longo prazo... nem uma única vez! Exceto, é lógico, em dias de novas emissões, quando o preço das unidades disparava. Mas eu sempre sabia que haveria uma onda maciça de bilhetes de compra a qualquer momento.
Victor disse: “Não tenho problemas em viver minha vida com risco. É isso o que separa homens de garotos. Sabendo que as ações estão subindo, eu colocaria até meu último centavo nisso. Sem arriscar não há como ganhar, certo? ”. Com isso, o panda sorriu, e mais uma vez seus olhos desapareceram.
Acenei com a cabeça para o China. “É mais ou menos por aí, Vic. Além disso, se em algum momento você estiver com dificuldades, sempre estarei lá para apoiá-lo até que volte a ficar de pé. Apenas me veja como sua apólice de seguro.”
Erguemos nossas taças para mais um brinde.
UMA HORA DEPOIS, eu estava andando pela sala de corretagem, um pouco confuso. Até agora tudo estava indo conforme planejado, mas o que seria do meu futuro? O que aconteceria ao Lobo de Wall Street? No final, essa experiência toda – essa minha viagem louca – seria uma lembrança distante, algo que eu contaria a Chandler. Contaria a ela que, certa vez, seu papai fora um verdadeiro jogador de Wall Street, dono de uma das maiores firmas de corretagem da história, e que vários jovens rapazes – garotos que se autointitulavam strattonitas – circulavam por Long Island, gastando quantias obscenas de dinheiro em todo tipo de coisas sem sentido.
Sim, Channy, os strattonitas levantavam a cabeça para seu papai e chamavam-no de Rei. E por esse breve período, na época em que você nasceu, seu pai era, realmente, como um rei, e ele e sua mãe viviam como um rei e uma rainha, tratados como monarcas onde quer que fossem. E agora seu papai é... quem diabos ele é? Bem, talvez Papai possa te mostrar alguns recortes de jornais, talvez isso esclareça as coisas... ou... bem, talvez não. De qualquer forma, tudo que dizem sobre seu pai é mentira, Channy. Tudo mentira! A imprensa sempre mente; você sabe disse, Chandler, certo? Vá perguntar para sua vovó, Suzanne; ela vai te falar isso! Ah, espere, me esqueci, você não vê sua vovó há tempos; ela está na cadeia com tia Patricia, por lavagem de dinheiro. Ops!
Que premonição sombria! Caralho! Respirei fundo e afastei o pensamento. Tinha 31 anos e já estava a caminho de viver do passado. Um conto de alerta! Era possível viver do passado tão jovem? Talvez eu fosse como aquelas crianças artistas que crescem e ficam feias e bobas. Qual era o nome daquele ruivinho da Família Dó-Ré-Mi? Danny Bona-duceta ou algo assim. Mas não era melhor ser alguém que vivia do passado do que alguém que nem tinha passado? Era difícil dizer, porque havia o outro lado da moeda, ou seja, quando se acostumava com algo era difícil viver sem isso. Eu conseguira viver sem o rugido poderoso pelos primeiros 26 anos de minha vida, não? Mas agora... bem, como podia viver sem isso depois que ele se tornou parte de mim?
Respirei fundo e me ajeitei. Precisava me concentrar nos garotos... os strattonitas! Eu tinha um plano e seguiria firme com ele: a saída lenta, manter-me por trás das cortinas, manter as tropas calmas, manter a paz entre as firmas de corretagem e manter o China Depravado em dificuldades.
Conforme me aproximava da mesa de Janet, percebi que ela estava com uma expressão irada no rosto, o que cheirava a problema. Seus olhos estavam um pouco mais abertos do que o normal e seus lábios, levemente separados. Estava sentada na ponta da cadeira, e no instante em que nos vimos ergueu-se e foi direto até mim. Fiquei me perguntando se ela ouvira alguma coisa sobre o que estava acontecendo com a Comissão. As únicas pessoas que sabiam eram Danny, Ike e eu, mas Wall Street era um lugar curioso, e as notícias tinham uma forma de viajar incrivelmente rápida. Na verdade, havia um velho ditado de Wall Street que dizia: “Notícias boas correm rápido, mas notícias ruins são instantâneas”.
Ela comprimiu os lábios. “Recebi uma chamada da Visual Image, e eles disseram que precisam falar imediatamente com você. Disseram que era absolutamente urgente falar com você hoje à tarde.”
“O que é a Visual Image, caralho? Nunca ouvi falar deles.”
“Sim, ouviu; são os que fizeram seu vídeo de casamento, lembra? Você voou com eles até Anguilla; eram dois, um homem e uma mulher. Ela era loira e ele tinha cabelo castanho. Ela vestia...”
Cortei Janet. “Sim, sim, agora me lembro. Não preciso de uma descrição completa.” Balancei a cabeça espantado com a memória de Janet para detalhes. Se eu não a tivesse interrompido, ela teria me contado a cor da meia-calça que a garota usava. “Quem foi que ligou: o cara ou a garota?”
“O cara. E parecia nervoso. Disse que haveria problemas se não falasse com você nas próximas horas.”
Problemas? Que porra é essa? Não fazia sentido! O que haveria de tão urgente para o câmera do meu casamento precisar falar comigo? Seria algo que acontecera no meu casamento? Fiquei um tempo vasculhando a memória... Bem, era bastante improvável, apesar de eu ter recebido um aviso da minúscula ilha caribenha de Anguilla. Eu comprara passagens de avião para 300 amigos mais próximos (amigos?) para uma viagem com todas as despesas pagas a um dos melhores hotéis do mundo: o Malliouhana. Custou mais de 1 milhão de dólares, e no final da semana o presidente da ilha me informou que eu só não estava preso por posse de drogas porque tinha movimentado tanto a economia local que sentiam que fazer vista grossa era o mínimo que eu merecia. Mas depois me garantiu que todos que estiveram lá ficariam numa lista de observação e que, se alguma vez voltassem a Anguilla, era melhor não irem com drogas. Isso foi há três anos, assim não poderia ter nada a ver com a ligação... ou poderia?
Falei para Janet: “Ligue para o cara. Vou atendê-lo na minha sala”. Virei-me e comecei a andar, então olhei para trás e disse: “A propósito, qual o nome dele?”.
“Steve. Steve Burstein.”
Alguns segundos depois, o telefone da minha mesa tocou. Troquei breves cumprimentos com Steve Burstein, o presidente da Visual Image, uma pequena produtora familiar em algum lugar da costa sul de Long Island.
Steve falou, num tom preocupado: “Er... bem... não sei muito bem como dizer isso ao senhor... o senhor foi muito bom para mim e minha esposa. O senhor... o senhor nos tratou como convidados em seu próprio casamento. O senhor e Nadine não poderiam ter sido mais gentis conosco. E foi realmente o casamento mais legal em que eu já estive e...”.
Interrompi-o. “Escute, Steve, fico feliz por você ter curtido meu casamento, mas estou meio ocupado neste momento. Por que não me diz o que está acontecendo?”
“Bem”, respondeu, “dois agentes do FBI estiveram aqui hoje e me solicitaram uma cópia do vídeo do seu casamento.”
E foi assim que descobri que minha vida nunca mais seria a mesma.