CAPÍTULO 29


MEDIDAS DESESPERADAS




Sentado na cozinha, avaliando os indiciamentos, achei tudo aquilo muito impressionante. Quantos banqueiros suíços havia? Pelo menos dez mil só em Genebra, e eu tinha de escolher aquele que fora burro o suficiente para ser preso em solo americano. Quais eram as chances de isso acontecer? Mais irônico ainda era que ele fora indiciado por um crime sem nenhuma ligação comigo, algo a ver com lavagem de dinheiro de drogas através de uma corrida de barcos.

Não levou muito tempo para a Duquesa perceber que algo estava terrivelmente errado, apenas pelo fato de eu não ter partido para cima dela no momento em que entrei pela porta. Mas, sem nem ao menos tentar, eu sabia que não conseguiria levantá-lo. Tentei evitar que a palavra impotente entrasse em minha cabeça, porque ela tinha muitas conotações negativas para um verdadeiro homem de poder, o que eu ainda me considerava, apesar de ser vítima do comportamento descuidado do meu banqueiro suíço. Assim, preferi pensar em mim como um pinto mole ou pinto espaguete, que era muito mais palatável do que aquela horrível palavra I.

De certa forma, meu pênis procurara abrigo dentro do meu abdômen – encolhendo até ficar do tamanho de uma borracha de lápis número dois; por isso, disse à Duquesa que estava enjoado e com jet lag.

Mais tarde, naquela noite, entrei no closet do quarto e peguei meu traje de cadeia. Escolhi uma Levi’s desbotada, uma camiseta cinza simples com mangas compridas (apenas para o caso de eu sentir frio dentro da cela) e um tênis Reebok batido, que reduziria as chances de um negro de 2 metros de altura chamado Bubba ou Jamal tirá-lo de mim. Vira isso acontecer nos filmes, e sempre tiravam os tênis dos caras antes do estupro.

Na manhã de segunda, decidi não ir para o escritório – imaginando que seria mais digno ser preso no conforto do meu lar do que nas entranhas sombrias de Woodside, Queens. Não, não permitiria que me prendessem na Sapatos Steve Madden. O Sapateiro veria nisso uma oportunidade perfeita de me roubar as porras das opções sobre ações. Os maddenitas teriam de ler sobre o assunto na primeira página do The New York Times, como o resto do Mundo Livre. Eu não lhes daria o prazer de me ver sendo algemado; esse prazer eu reservaria para a Duquesa.

Então algo muito estranho aconteceu... nada. Não houve indiciamentos, nenhuma visita não anunciada do agente Coleman e nenhuma incursão do FBI na Stratton Oakmont. Na tarde de quarta, fiquei me perguntando que caralho estava acontecendo. Eu ficara escondido em Westhampton desde sexta, fingindo estar com um caso terrível de diarreia, o que era basicamente verdade. Ainda assim, agora parecia que estava escondido sem nenhum bom motivo... talvez eu não estivesse correndo o risco de ser preso!

Na quinta, o silêncio estava me oprimindo e decidi arriscar um telefonema para Gregory O’Connell, o advogado que Bo recomendara. Ele parecia ser a pessoa perfeita de quem se tirar informações, já que fora ele quem passara na delegacia e falara com Sean O’Shea seis meses atrás.

É claro que eu não abriria o jogo com Greg O’Connell. Afinal de contas, ele era advogado, e não se podia confiar em nenhum advogado, sobretudo um criminal, que não podia representar legalmente alguém caso ficasse sabendo que o cliente era realmente culpado. Era um conceito maluco, e todo mundo sabia que advogados de defesa ganhavam a vida defendendo culpados. Mas parte do jogo era um entendimento silencioso entre um bandido e seu advogado, em que o bandido jurava inocência para seu advogado e o advogado ajudava o bandido a moldar sua mentira para uma defesa que fosse consistente com os furos na história.

Assim, quando falei com Greg O’Connell, eu menti demais, contando que fora pego no problema de outra pessoa. Disse-lhe que a família da minha esposa na Grã-Bretanha tinha o mesmo banqueiro que um piloto de barcos corrupto, o que era, logicamente, uma total coincidência. Conforme ia narrando essa primeira versão da minha mentira para meu futuro advogado – contando-lhe tudo sobre a adorável tia Patricia, ainda viva e saltitante, porque senti que isso fortaleceria meu caso –, comecei a ver raios de esperança.

Minha história era totalmente crível, pensei, até que Gregory O’Connell perguntou, num tom um tanto cético: “De onde uma professora primária aposentada de 65 anos tirou três milhões em dinheiro vivo para abrir a conta?”.

Hmmmm... um pequeno furo em minha história; não devia ser um bom sinal, pensei. Tudo que podia fazer era fingir-me de bobo. “Como é que eu vou saber?”, perguntei trivialmente. Sim, meu tom fora correto. O Lobo podia ser uma figura honesta quando tinha de ser... mesmo agora, sob as circunstâncias mais horrendas. “Ouça, Greg, Patricia, que descanse em paz, sempre comentava sobre como seu ex-marido fora o primeiro piloto de testes do jatinho Harrier. Aposto que a KGB pagaria uma fortuna enorme por quaisquer informações internas daquele projeto; ou talvez ele estivesse recebendo grana da KGB... Pelo que me lembro, era coisa de primeira linha naquela época. Muito secreto.” Nossa! Que caralho eu estava falando?

“Bem, vou fazer alguns telefonemas e tentar entender as coisas”, disse meu gentil advogado. “Só há uma coisa que não estou entendendo, Jordan. Você pode esclarecer se sua tia Patricia está viva ou morta? Você desejou que ela descansasse em paz, mas alguns minutos atrás me contou que ela morava em Londres. Seria de muita ajuda se eu soubesse qual é o estado correto dela.”

Eu realmente dera um fora. Teria de ser mais cuidadoso no futuro sobre o estado de vida de Patricia. Não havia o que fazer além de blefar. “Bem, isso depende do que se encaixa melhor para a minha situação. O que é melhor para o meu caso: vida ou morte?”

Beeem, seria legal se ela pudesse aparecer e dizer que o dinheiro era dela, ou, pelo menos, assinar uma procuração atestando este fato. Assim, tenho de dizer que seria melhor que ela estivesse viva.”

“Então, ela está bem viva!”, respondi, confiante, pensando no Mestre em Falsificações e em sua habilidade de criar todos os tipos de documentos legais. “Mas ela gosta de privacidade, portanto você terá de ajeitar uma procuração. Acredito que ela ficará reclusa por um tempo...”

Só silêncio agora. Depois de uns dez segundos, meu advogado finalmente falou: “Está bem, então! Acredito que tenha entendido tudo. Volto a falar com você em algumas horas”.

Uma hora depois, recebi uma ligação de Greg O’Connell: “Não há nada de novo no seu caso. Na verdade, Sean O’Shea está saindo da repartição daqui a uma semana, vai se juntar a nós, humildes advogados de defesa, portanto ele foi estranhamente receptivo comigo. Disse que todo o seu caso está sendo conduzido por esse Coleman. Ninguém na Procuradoria-Geral está interessado. E, quanto ao banqueiro suíço, não há nada acontecendo com ele que tenha relação com seu caso, pelo menos não agora”. Ele então passou mais alguns minutos garantindo-me que eu era bem inocente.

Depois de desligar, ignorei a primeira palavra, bem, e agarrei-me à última, inocente, como um cachorro com um osso. Contudo, precisava falar com o Mestre em Falsificações, para avaliar toda a extensão do dano. Se ele estivesse numa cadeia americana, como Saurel – ou numa cadeia suíça, aguardando a extradição para os Estados Unidos –, então eu estaria ferrado. Mas, se não estivesse – se ele fosse inocente também, ainda capaz de praticar sua pouco conhecida arte de mestre em falsificações –, então talvez tudo pudesse dar certo para mim.

Liguei para o Mestre em Falsificações de um telefone público no restaurante Starr Boggs. Com a respiração presa, escutei sua preocupante história de como a polícia suíça invadira seu escritório e se apropriara de caixas cheias de registros. Sim, ele fora intimado a depor nos Estados Unidos, mas, não, ele não estava oficialmente indiciado, pelo menos que soubesse. Garantiu-me que sob nenhuma circunstância o governo suíço o entregaria para os Estados Unidos, apesar de ele não poder mais viajar com segurança para fora da Suíça, sob o risco de ser pego pela Interpol com um mandado de prisão internacional.

Finalmente, falamos sobre as contas de Patricia Mellor, e o Mestre em Falsificações disse: “Alguns registros foram confiscados, mas não porque eram especificamente procurados; apenas foram retirados com os outros. Mas não tenha medo, meu amigo, não há nada em meus registros indicando que o dinheiro não pertença a Patricia Mellor. Entretanto, como ela não está mais viva, sugiro que você pare de fazer negócios sob essas contas até que tudo isso tenha passado”.

“Isso nem precisa dizer”, respondi, agarrando-me a essa última palavra, passado, “mas minha maior preocupação nem é ter acesso ao dinheiro. O que realmente me angustia é a possibilidade de Saurel cooperar com o governo americano e dizer que as contas são minhas. Isso me causaria um problema grande, Roland. Talvez se houvesse alguns documentos que indicassem claramente que o dinheiro era de Patricia, isso faria uma grande diferença.”

O Mestre em Falsificações respondeu: “Mas esses documentos já existem, meu amigo. Talvez, se você pudesse me passar uma lista de quais documentos poderiam ajudá-lo e em que datas Patricia os assinou, eu poderia buscá-los em meus arquivos para você”.

Mestre em Falsificações! Mestre em Falsificações! Ele ainda estava comigo. “Entendi, Roland, e falo com você se precisar de alguma coisa. Mas, neste momento, imagino que é melhor ficar calmo, aguardar e torcer pelo melhor.”

O Mestre em Falsificações respondeu: “Como sempre, estamos de acordo. Mas, até que essa investigação termine, você deve ficar longe da Suíça. Lembre-se, contudo, que sempre estarei ao seu lado, meu amigo, e farei o que puder para proteger você e sua família”.

Quando desliguei o telefone, sabia que meu destino seria de ascensão e queda com Saurel. Porém, também sabia que tinha de seguir com minha vida. Tinha de respirar fundo e engolir. Tinha de voltar para o trabalho e tinha de voltar a fazer amor com a Duquesa. Tinha de parar de ficar alucinado toda vez que o telefone tocava ou havia uma batida inesperada na porta.

E foi isso que fiz. Voltei a me afundar na insanidade das coisas. Enfiei-me no prédio da Sapatos Steve Madden e continuei a aconselhar minhas firmas de corretagem por trás dos panos. Fiz o possível para ser um marido fiel para a Duquesa e um bom pai para Chandler, apesar das drogas. Conforme os meses passavam, meu vício continuava a aumentar.

Como sempre, eu logo arrumava desculpas para tudo... lembrava-me de que era jovem e rico, com uma esposa deslumbrante e uma filhinha perfeita. Todo mundo queria uma vida como a minha, não? Havia vida melhor do que aquela em Estilo de Vida dos Ricos e Malucos?

De qualquer forma, até a metade de outubro, não houve repercussões da prisão de Saurel, e eu soltei um suspiro final de alívio. Obviamente, ele preferira não cooperar, e o Lobo de Wall Street havia se esquivado de mais uma bala. Chandler dera seus primeiros passos e estava agora fazendo o Passo do Frankenstein, esticando os braços para a frente, mantendo os joelhos duros e zanzando com rigidez. E, claro, o bebê-gênio estava tagarelando. No seu primeiro ano de vida, na verdade, ela já era capaz de formar sentenças completas – uma conquista impressionante para um bebê –, e eu não tinha dúvidas de que ela estava a caminho de um Prêmio Nobel ou pelo menos de uma Medalha Fields de matemática avançada.

Enquanto isso, a Sapatos Steve Madden e a Stratton Oakmont seguiam caminhos divergentes: a Steve Madden crescia rapidamente e a Stratton Oakmont era vítima de estratégias de negócios mal planejadas e uma nova onda de pressão regulatória, e Danny havia provocado as duas coisas sozinho. A última era resultado da recusa de Danny em agir de acordo com um dos termos do acordo da Comissão de Valores Mobiliários – isto é, que a Stratton contratasse um auditor independente, escolhido pela Comissão, que revisaria as práticas comerciais da firma e então faria recomendações. Uma das recomendações foi para que a firma instalasse um sistema para gravar as conversas telefônicas dos strattonitas com seus clientes. Danny recusou-se a obedecer, e a Comissão correu até a corte federal e conseguiu uma ordem formal para que a firma instalasse o sistema de gravação.

Danny finalmente se rendeu – caso contrário, seria mandado para a cadeia por desrespeito à justiça –, mas agora a Stratton tinha uma injunção judicial contra si, que significava que todos os 50 estados tinham o direito de suspender a licença da Stratton, o que, é lógico, começaram, pouco a pouco, a fazer. Era difícil imaginar que, depois de tudo a que a Stratton sobrevivera, sua morte se deveria à recusa de instalar um sistema de gravação, que, afinal de contas, não fazia a menor diferença. Em questão de dias, os strattonitas teriam descoberto como burlar o sistema – dizendo apenas coisas permitidas pelas linhas telefônicas da Stratton e então pegando seus celulares quando sentissem vontade de passar para o lado negro das coisas. Mas estava previsto agora: os dias da Stratton estavam contados.

Os proprietários da Biltmore e da Monroe Parker expressaram o desejo de seguir caminhos distintos, de não fazer mais negócios com a Stratton. É claro que tudo foi feito com o maior respeito, e cada um se ofereceu a me pagar um tributo de 1 milhão de dólares a cada nova ação que lançasse. Isso dava mais ou menos 12 milhões de dólares por ano, portanto aceitei com alegria. Eu também estava recebendo 1 milhão de dólares por mês da Stratton, segundo o acordo de não competição, assim como mais quatro ou cinco milhões a cada dois meses, quando eu descontava grandes blocos de ações restritas das empresas que a Stratton levava a público.

Ainda assim, considerava isso apenas uma gota no balde comparado ao que eu podia ganhar com a Sapatos Steve Madden, que parecia estar num foguete a caminho das estrelas. Lembrava-me dos primeiros dias da Stratton... dias emocionantes... dias gloriosos... no final dos anos 1980 e começo dos 1990, quando a primeira onda de strattonitas pegava os telefones e a insanidade que definiria a minha vida ainda estava começando. Assim, a Stratton era meu passado e a Sapatos Steve Madden, o meu futuro.

Nesse momento, eu estava sentado em frente a Steve, encostado em sua cadeira de maneira defensiva enquanto Cuspidor atirava jatos de cuspe nele. De vez em quando, Steve olhava para mim de uma maneira que dizia algo como “O Cuspidor não cansa de solicitar botas, principalmente quando a estação das botas está quase acabando”.

Papagaio também estava na sala, e ele papagaiava para nós sempre que podia. Nesse momento, porém, o Cuspidor era o centro das atenções. “Qual o grande problema em solicitar essas botas?”, cuspiu Cuspidor. Em razão de a discussão de hoje de manhã envolver uma palavra começando com B, ele estava soltando uma enorme quantidade de cuspes. Na verdade, toda vez que Cuspidor pronunciava a palavra bota, eu podia ver o Sapateiro claramente se contrair. E agora ele voltara sua fúria contra mim: “Ouça, JB, esta bota” – ah, merda! – “é tão quente que não há como perdermos. Precisa confiar em mim quanto a isso. Estou te dizendo, nem um único par precisará ser liquidado”.

Balancei a cabeça, discordando. “Nada de botas, John. Paramos com as botas. E não tem nada a ver com o fato de elas serem liquidadas ou não. Tem a ver com conduzirmos nossos negócios com uma certa disciplina. Estamos indo em 18 direções diferentes ao mesmo tempo e precisamos focar no nosso plano de negócios. Estamos abrindo três novas lojas; e também negociando dezenas de quiosques dentro de lojas; estamos prestes a puxar o gatilho de outra marca. Há muita grana para rolar. Precisamos ficar calmos e focados no momento; nada de grandes riscos neste final de estação, principalmente com uma porra de bota com pele de leopardo.”

Papagaio aproveitou essa deixa para papagaiar um pouco mais. “Concordo com você, e é exatamente por isso que faz muito sentido mudarmos nosso departamento de expedição para a Fló...”

Cuspidor cortou Papagaio de imediato. “Isso é ridículo pra caralho!”, cuspiu Cuspidor. “Toda essa porra de conceito! Não tenho tempo para esta merda. Preciso que algumas merdas de sapatos sejam produzidos ou estaremos falidos!” Com isso, Cuspidor saiu do escritório e bateu a porta.

De repente o telefone tocou. “Todd Garret está na linha um.”

Girei os olhos para Steve e falei: “Diga a ele que estou numa reunião, Janet. Ligo para ele depois”.

Janet, a insolente: “Lógico que falei a ele que você estava numa reunião, mas ele disse que é urgente. Precisa falar com você imediatamente”.

Balancei a cabeça, contrariado, e suspirei longamente. O que poderia ser tão importante com Todd Garret... a não ser, é lógico, que ele tivesse conseguido colocar as mãos em alguns Verdadeiros Verdadeiros! Peguei o telefone e falei, num tom amistoso, porém de alguma forma incomodado: “Ei, Todd, que está pegando, amigo?”.

“Bem”, respondeu Todd, “odeio ser o portador de más notícias, mas um cara chamado agente Coleman acabou de sair da minha casa e me contou que Carolyn está prestes a ser levada para a cadeia.”

Com angústia: “Pelo quê? O que Carolyn fez?”.

Senti o mundo cair sobre mim quando Todd respondeu: “Sabia que seu banqueiro suíço está na cadeia e está cooperando contra você?”.

Senti meu cu ficar comprimido e falei: “Estarei aí em uma hora”.


ASSIM COMO SEU proprietário, o apartamento de dois quartos de Todd era intimidador. Do teto ao chão, o lugar todo era preto, não havia nem um centímetro de cor. Estávamos sentados na sala, totalmente destituída de vida vegetal. Tudo que se via era couro e cromo preto.

Todd estava sentado à minha frente, enquanto Carolyn ia para a frente e para trás num carpete preto de pelúcia, balançando sobre saltos muito altos. Todd falou: “Não precisamos nem dizer que Carolyn e eu nunca cooperaremos contra você, portanto nem se preocupe com isso”. Ele ergueu a cabeça para a Gostosa Suíça balançante e perguntou: “Certo, Carolyn?”.

Carolyn concordou, nervosa, e continuou a balançar. Aparentemente, Todd se incomodava com aquilo. “Você quer parar de balançar?”, resmungou. “Está me deixando louco. Vou te arrebentar se você não se sentar!”

“Ah, vá se fader, Taad!”, grasnou a Gostosa. “Isso não é brincadeira. Tenho dois filhos, caso você tenha esquecido. É tudo por causa daquela pistola estúpida que você carrega.”

Mesmo agora, no dia da minha maldição, esses dois maníacos estavam determinados a se matar. “Será que vocês dois podem parar?”, falei, forçando um sorriso. “Não entendo o que a posse de arma de Todd tem a ver com Saurel sendo indiciado.”

“Não dê atenção a ela”, murmurou Todd. “Ela é uma puta idiota. O que ela está tentando dizer é que Coleman descobriu o que aconteceu no shopping center e, agora, está solicitando ao procurador de Justiça do Queens para não fazer um acordo no meu processo. Alguns meses atrás estavam me oferecendo condicional e, agora, estão dizendo que tenho de cumprir três anos, a não ser que coopere com o FBI. Por mim, não dou a mínima para isso, e se tiver de ir para a cadeia é o que farei. O problema é minha esposa idiota, que decidiu virar amiga do seu banqueiro suíço em vez de apenas deixar o dinheiro e não dizer uma palavra, como deveria ter feito. Mas, nãããão, ela não pôde resistir a ir almoçar com o cuzão e então trocar números de telefone com ele. Pelo que sei, ela deve ter trepado com ele.”

“Sabe”, disse a Gostosa, parecendo um tanto culpada, sobre seus deslumbrantes sapatos de salto de couro branco legítimo, “você muito sem-vergonha, cachorrão! Quem você pra atirar pedras em mim? Acha que não sei o que faz com aquela dançarina de gaiola do Rio?” Com isso, a Gostosa Suíça olhou-me diretamente nos olhos e falou: “Você acredita nesse homem ciumento? Pode, por favor, dizer a Taad que Jean Jacques não é assim? Ele é banqueiro velho, não garanhão. Certo, Jordan?” E ficou me encarando com seus olhos azuis brilhantes e queixo rígido.

Um banqueiro velho? Jean Jacques? Puta merda... que mudança trágica de rumos! Teria a Gostosa Suíça trepado com meu banqueiro suíço? Se ela tivesse apenas deixado o dinheiro, como deveria ter feito, Saurel nem saberia quem ela era! Mas, não, ela não conseguira ficar calada, e, como resultado, Coleman estava agora ligando todos os pontinhos... descobrindo que a prisão de Todd no Shopping Center Bay Terrace não tinha nada a ver com tráfico de drogas, mas com o contrabando de milhões de dólares para a Suíça.

“Bem”, falei inocentemente, “eu não classificaria Saurel exatamente como um velho, mas ele não é o tipo de cara que teria um caso com a esposa de outro homem. Quer dizer, ele é casado, e nunca me pareceu ser capaz de fazer algo assim.”

Aparentemente ambos encararam isso como uma vitória. Carolyn regozijou-se: “Vê, cachorrão, ele não é desses. Ele é...”.

Mas Todd a cortou. “Então por que, caralho, você disse que ele é velho, seu monte de merda mentirosa? Por que mentir se não tem nada a esconder, hein? Ora, eu...”

Enquanto Todd e Carolyn continuavam a arrancar os pulmões um do outro, eu apaguei e fiquei me perguntando se havia alguma forma de sair dessa enrascada. Era hora de medidas desesperadas; era hora de ligar para meu contador de confiança, Dennis Gaito, também conhecido como Chef. Eu me desculparia humildemente por ter feito tudo isso pelas suas costas. Não, na verdade, eu nunca havia dito a Chef que tinha contas na Suíça. Tudo que podia fazer era abrir o jogo e procurar seu aconselhamento.

“... e o que vamos fazer com dinheiro agora?”, perguntou a Gostosa Suíça. “Esse agente Coleman o vê como um pássaro agora” – Será que ela queria dizer águia? –, “daí que você não pode mais vender suas drogas. Vamos morrer de fome, com certeza!”. Com isso, a futura esfomeada Gostosa Suíça, com seu relógio Patek Philippe de 40 mil dólares, colar de diamantes e rubi de 25 mil dólares e traje de 5 mil dólares, sentou-se na cadeira de couro preta. Então colocou a cabeça nas mãos e começou a balançá-la para a frente e para trás.

O irônico de tudo era que, no final das contas, fora a Gostosa Suíça, com seu inglês esquisito e seus seios gigantescos, quem finalmente deixou de lado toda a papagaiada e destilou as coisas para a sua essência... tudo se resumia a comprar seu silêncio. E isso não seria nada de mais para mim; na verdade, tinha uma ligeira suspeita de que para eles também não. Afinal de contas, os dois tinham agora dois bilhetes de primeira classe para o trem da alegria, que seriam válidos ainda por muitos anos. E, se em algum momento as coisas ficassem complicadas, eles sempre podiam apelar para o escritório de Nova York do FBI, onde o agente Coleman estaria aguardando-os de braços abertos e com um sorriso no rosto.


NAQUELA NOITE, NO meu porão em Old Brookville, Long Island, eu estava sentado no sofá em L com o Chef, brincando o pouco conhecido jogo Você Consegue Superar a minha Mentira? As regras eram simples. O competidor que estivesse narrando a mentira tentava tornar sua história a mais plausível possível, enquanto a pessoa que estivesse ouvindo a mentira tentava encontrar furos nela. Para vencer, um dos competidores tinha de inventar uma mentira tão plausível que o outro não pudesse encontrar furos. E como o Chef e eu éramos mestres Jedi em mentiras, era bastante óbvio que, se um de nós conseguisse enganar o outro, então conseguiríamos também enganar o agente Coleman.

O Chef era incrivelmente bonito, uma espécie de versão encurtada do sr. Perfeito. Tinha 50 e poucos anos e cozinhava livros contábeis desde o primário. Eu o olhava como um estadista mais velho, a voz lúcida da razão. Ele era um grande homem, o Chef, com um sorriso contagiante e um carisma de milhões de watts. Era um cara que vivia para campos de golfe de primeira linha, charutos cubanos, excelentes vinhos e bate-papos intelectuais, sobretudo quando tinham a ver com foder o Fisco e a Comissão de Valores Mobiliários, o que parecia ser a missão mais importante de sua vida.

Eu já abrira o jogo com ele essa noite, desnudando minha alma e me desculpando demais por ter feito tudo isso sem que ele soubesse. Comecei a contar mentiras como nunca para ele, antes que o jogo tivesse oficialmente começado, explicando que eu o trouxera para conversar sobre o meu problema suíço porque isso podia colocá-lo em risco. Felizmente, ele não se esforçou para encontrar furos em minha fraca mentira. Em vez disso, respondera com um sorriso caloroso e dando de ombros.

Quando lhe narrei minha desgraça, fiquei ainda mais desanimado. Mas o Chef permaneceu impassível. Quando acabei de contar, ele deu de ombros relaxadamente e falou: “Ah, já ouvi coisas piores”.

“É mesmo?”, indaguei. “Como isso pode ser possível?”

O Chef balançou a mão de maneira depreciativa e continuou: “Já estive em enrascadas muito maiores que essa”.

Fiquei bastante aliviado com isso, apesar de ter muita certeza de que ele estava apenas tentando aliviar um pouco a minha preocupação. De qualquer forma, havíamos começado a jogar e agora, depois de meia hora, tínhamos passado por três sequências de mentiras. Até o momento, não havia um vencedor. Mas, a cada rodada, nossas histórias ficavam mais complicadas e engenhosas e, logicamente, mais difíceis de se encontrar furos. Ainda nos prendíamos a duas questões básicas. Primeira, como Patricia surgira com 3 milhões de dólares para abrir uma conta? E, segunda, se o dinheiro era realmente de Patricia, então por que seus herdeiros não foram contatados? Patricia tinha duas filhas, ambas na casa dos 30 anos. Na ausência de testamento que indicasse o contrário, elas eram as herdeiras por direito.

O Chef falou: “Acho que o verdadeiro problema é o crime da saída da moeda. Se o tal Saurel deu com a língua nos dentes, isso significa que os federais vão partir do princípio de que o dinheiro chegou à Suíça em um monte de datas diferentes. Então, o que precisamos é de um documento que contradiga isso, que indique que você deu o dinheiro a Patricia enquanto ela ainda estava nos Estados Unidos. Precisamos de uma procuração de alguém que tenha fisicamente testemunhado você entregando o dinheiro a Patricia neste país. Então, se o governo quiser dizer algo diferente, ergueremos o papel e diremos: “Aqui está, amigo! Temos nossas próprias testemunhas também!”.

Pensando melhor, ele completou: “Mas ainda não gosto dessa coisa do testamento. Cheira mal. É uma pena que Patricia não esteja mais viva. Seria legal se pudéssemos levá-la até a repartição para que dissesse algumas coisas para os federais e, sabe... patati, patatá... e estaria feito”.

Dei de ombros. “Bem, não podemos fazer Patricia levantar-se do túmulo, mas aposto que poderia fazer a mãe de Nadine assinar uma procuração dizendo que testemunhou quando eu entreguei o dinheiro a Patricia nos Estados Unidos. Suzanne odeia o governo, e eu tenho sido realmente muito bom para ela nos últimos quatro anos. Ela não tem nada a perder mesmo, certo?”

O Chef concordou. “Bem, isso seria realmente muito bom, se ela concordasse em fazer.”

“Ela o fará”, disse, confiante, tentando adivinhar a temperatura da água que a Duquesa jogaria sobre a minha cabeça hoje à noite. “Vou falar com Suzanne amanhã. Preciso apenas ajeitar as coisas com a Duquesa primeiro. Mas, presumindo que eu cuide disso, há ainda a questão do testamento. Realmente, soa meio artificial ela não ter deixado nenhum dinheiro para os filhos...” De repente, uma ideia fabulosa surgiu borbulhando em meu cérebro. “E se nós entrássemos em contato com os filhos dela e os envolvêssemos de verdade? E se os mandássemos de avião para a Suíça a fim de reivindicar o dinheiro? Seria como um bilhete premiado para eles! Roland poderia produzir um novo testamento, dizendo que o dinheiro que eu emprestara a Patricia deveria retornar para mim, mas todos os lucros deveriam ir para os filhos. Quero dizer, se as crianças fossem lá e declarassem o dinheiro na Grã-Bretanha, então como o governo americano poderia argumentar que o dinheiro era meu?”

“Ahhhh”, disse um Chef sorridente, “agora você está pensando! Na verdade, você acabou de ganhar o jogo. Se pudermos realizar tudo isso, acredito que você será inocentado. E eu tenho uma firma-irmã em Londres que pode fazer a restituição, então teremos controle das coisas todo o tempo. Você receberá seu investimento original de volta, os filhos receberão 5 milhões de dólares inesperados, e poderemos seguir com nossa vida!”

Sorri e falei: “Esse tal Coleman irá ficar maluco quando descobrir que os filhos de Patricia apareceram e reivindicaram o dinheiro. Aposto com você que ele já está sentindo gosto de sangue nos lábios”.

“É verdade”, disse o Chef.


QUINZE MINUTOS DEPOIS, encontrei a Duquesa, que ficaria chateada em breve na suíte principal do andar de cima de nossa casa. Ela estava sentada à penteadeira, folheando um catálogo, e não parecia estar apenas olhando. Estava simplesmente deslumbrante. Com o cabelo penteado à perfeição, trajava uma camisola minúscula de seda branca, um tecido tão fino que cobria seu corpo como um orvalho matutino. Usava um par de sandálias de dedo brancas com salto fino e uma tira de tornozelo sensual. E era só isso que vestia. Ela apagara um pouco as luzes, e havia uma dezena de velas queimando, trazendo um brilho alaranjado ao quarto.

Quando ela me viu, veio correndo me banhar de beijos. “Você está tão bonita”, falei, depois de uns 30 segundos de beijos e fungadas da Duquesa. “Quero dizer, você sempre está bonita, mas parece especialmente bonita hoje à noite. Não tenho nem palavras para descrever.”

“Ora, obrigada!”, disse a sedutora Duquesa, travessa. “Fico feliz que você ainda pense assim, porque acabei de medir a temperatura e estou ovulando. Espero que você esteja pronto, porque está enrascado hoje, senhorzinho!”

Hmmmm... havia dois lados nessa moeda. Por um lado, quão furiosa podia uma mulher ovulando ficar com o marido? Quero dizer, a Duquesa realmente queria outro filho, assim pode querer esquecer as notícias ruins em nome da procriação. Mas, por outro lado, poderia ficar muito furiosa, vestir o robe de banho e vir me esmurrar. E, com todos aqueles beijos molhados com que ela acabara de me banhar, um tsunami de sangue correra para a minha virilha.

Caí de joelhos e comecei a cheirar o topo de suas coxas, como um cachorro no cio. Falei: “Preciso conversar com você sobre uma coisa”.

Ela soltou uma risadinha. “Vamos para a cama e conversamos lá.”

Fiquei um tempo avaliando aquilo em minha mente, e a cama parecia bastante segura. Na verdade, a Duquesa não era mais forte do que eu; ela apenas era habilidosa para usar sua altura, e a cama minimizaria isso.

Na cama, manobrei para ficar em cima dela e juntei as mãos atrás do seu pescoço, beijando-a profundamente, inalando cada molécula dela. Naquele instante, eu a amava tanto, que parecia quase impossível.

A Duquesa acariciou meu cabelo com os dedos, empurrando-o para trás com movimentos delicados. Ela perguntou: “Qual o problema, querido? Por que Dennis esteve aqui hoje?”.

O caminho longo ou o caminho curto, fiquei me perguntando, olhando para suas pernas. E então pensei: por que lhe contar alguma coisa? Sim! Eu subornaria a mãe dela! Que ideia incrível! O Lobo atacava novamente! Suzanne precisava de um carro novo, de modo que eu sairia com ela amanhã para comprar um e então lançaria a ideia da falsa procuração durante uma conversa mole. “Ei, Suzanne, você fica muito bem mesmo neste novo conversível, e, a propósito, será que poderia assinar aqui, na parte de baixo, onde diz assinatura?... Ah, o que significa juro sob penalidade de perjúrio? Bem, é apenas um jargão legal, portanto nem perca seu tempo em ler isso. Só assine, e, se por acaso você for indiciada, podemos discutir depois.” Então eu pediria discrição para Suzanne e rezaria para ela não contar nada para a Duquesa.

Sorri para a deliciosa Duquesa e respondi: “Nada importante. Dennis está assumindo como auditor na Steve Madden, por isso estávamos estudando uns números. De qualquer forma, o que eu queria te contar é que quero tanto esse bebê quanto você. Você é a melhor mãe do mundo, Nae, e é a melhor esposa também. Tenho sorte por ter você”.

“Uau, isso é tão fofo”, disse a Duquesa, com uma voz melosa. “Eu te amo também. Faça amor comigo neste exato momento, querido.”

E eu fiz.


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