CAPÍTULO 28


IMORTALIZANDO OS MORTOS




Cinco dias depois da morte da tia Patricia eu estava de volta à Suíça, na sala de estar com paredes de madeira da casa do Mestre em Falsificações. Era um lugar aconchegante, a mais ou menos 20 minutos de Genebra, em algum lugar da zona rural suíça. Era domingo. Tínhamos acabado de jantar, e a esposa do Mestre em Falsificações, a quem eu passara a chamar mentalmente de sra. Mestre em Falsificações, havia colocado sobre uma mesa de vidro chanfrado todos os tipos de sobremesas engordativas: um sortido fabuloso de chocolates suíços, bolos franceses, pudins e queijos fedidos.

Eu chegara havia duas horas, querendo ir direto ao ponto, mas o Mestre em Falsificações e sua esposa insistiram em me estufar de delícias suíças em quantidade suficiente para fazer um monte de cães alpinos engasgar. Nesse momento, os Falsificadores estavam sentados à minha frente, encostados em cadeiras de couro reclináveis. Usavam conjuntos de moletom cinza, os quais, para mim, faziam-nos parecer dois dirigíveis da Goodyear, mas eram anfitriões incríveis e, além do mais, tinham um bom coração.

Desde o ataque de Patricia e seu falecimento, Roland e eu havíamos tido apenas uma breve conversa pelo telefone... de um telefone público no Haras Gold Coast, a fim de evitar o Brookville Contry Club, que parecia estar amaldiçoado. Ele dissera para não me preocupar, que cuidaria de tudo. Mas se recusara a entrar em detalhes pelo telefone, o que, dada a natureza de nossos negócios, era compreensível.

Tão compreensível que eu voara para a Suíça na noite passada – a fim de sentar-me cara a cara com ele e discutirmos as coisas.

Dessa vez, contudo, fui esperto.

Em vez de pegar um voo comercial e correr o risco de ser preso por apalpação de aeromoça, eu voara num jato particular, um delicado Gulfstream III. Danny viera também, e estava me aguardando no hotel, o que significava, com 90% de certeza, que ele treparia com quatro putas suíças.

Assim, aqui estava eu, com um sorriso no rosto e um coração frustrado, assistindo a Roland e sua esposa devorarem as sobremesas.

Por fim, perdi a paciência e falei com muita delicadeza: “Sabem, vocês são anfitriões maravilhosos. Nem sei como lhes agradecer. Mas, infelizmente, preciso pegar um voo de volta para os Estados Unidos, assim, se estiver tudo bem para você, Roland, podemos falar de negócios agora?”. Ergui as sobrancelhas e sorri de maneira tímida.

O Mestre em Falsificações sorriu largamente. “Lógico, meu amigo.” Ele se virou para a esposa: “Por que você não começa a preparar o jantar, minha querida?”.

Jantar?, pensei. Puta merda!

Ela concordou, apaixonada, e pediu licença, quando então Roland aproximou-se da mesinha e pegou mais dois morangos cobertos de chocolate, números 21 e 22, se eu não estava enganado.

Respirei fundo e falei: “Diante da morte de Patricia, Roland, minha maior preocupação é como tirar o dinheiro das minhas contas na UBP. E, então, depois disso, que nome usar daí em diante? Sabe, uma das coisas que me deixavam confortável era poder usar o nome de Patricia. Eu realmente confiava nela. E a amava também. Quem teria imaginado que ela faleceria tão rápido?”. Balancei a cabeça e dei um suspiro profundo.

O Mestre em Falsificações deu de ombros e falou: “A morte de Patricia é triste, é lógico, mas não há por que se preocupar. O dinheiro foi transferido para dois outros bancos, e nenhum deles tem a menor ideia de quem seja Patricia Mellor. Todos os documentos necessários foram criados, e cada um deles com a assinatura original de Patricia, ou o que com certeza passaria como a assinatura dela. Os documentos foram antedatados para os dias apropriados, logicamente antes de sua morte. Seu dinheiro está seguro, meu amigo. Nada mudou”.

“Mas está no nome de quem?”

“Patricia Mellor, é lógico. Não há nomeado melhor que uma pessoa morta, meu amigo. Ninguém nos dois bancos viu Patricia Mellor e o dinheiro nas contas de suas corporações ao portador, das quais você tem certificados.” O Mestre em Falsificações deu de ombros, como se dissesse: “Nada disso importa no mundo dos mestres em falsificações”. Então ele falou: “O único motivo para eu ter transferido o dinheiro do Union Banc é porque Saurel caiu no meu conceito. Melhor garantir do que se lamentar depois, imaginei”.

Mestre em Falsificações! Mestre em Falsificações! Ele acabou se mostrando ser tudo que eu esperava dele. Sim, o Mestre em Falsificações valia seu peso considerável em ouro, ou próximo disso. Ele até conseguira transformar morte em... vida! E era dessa forma que a tia Patricia desejaria que fossem as coisas. Seu nome permaneceria para sempre no umbigo gordo do sistema bancário suíço. Em essência, o Mestre em Falsificações a imortalizara. Ao morrer dessa forma... tão repentinamente... ela nunca tivera chance de se despedir. Ah, mas posso apostar que uma das últimas coisas que se passaram em sua mente foi uma pequena preocupação de que seu falecimento inesperado causaria um problema a seu sobrinho favorito.

O Mestre em Falsificações inclinou-se para a frente e pegou mais dois morangos cobertos de chocolate, números 23 e 24, e começou a mastigar.

“Sabe, Roland, gostei muito de Saurel quando o conheci, mas estou avaliando melhor agora. Ele fala com Kaminsky o tempo todo, e isso me deixa desconfortável. Eu gostaria de não fazer mais negócios com o Union Banc, se não houver problemas para você”, disse eu.

“Sempre obedecerei às suas decisões”, respondeu o Mestre em Falsificações, “e neste caso acho que sua decisão é sábia. Mas, de qualquer forma, não precisa se preocupar com Jean Jacques Saurel. Apesar de ser francês, ele ainda mora na Suíça, e o governo dos Estados Unidos não tem poder sobre ele. Ele não o trairá.”

“Não duvido disso”, respondi, “mas é uma questão de confiança. Não gosto que as pessoas saibam dos meus negócios, em especial um cara como Kaminsky.” Sorri, tentando clarear tudo. “Como estava dizendo, tenho tentado entrar em contato com Saurel há mais de uma semana, mas sua secretária diz que ele saiu a negócios.”

O Mestre em Falsificações concordou com a cabeça. “Sim, ele está nos Estados Unidos, acredito. Vendo clientes.”

“É mesmo? Eu não tinha a menor ideia.” Por algum motivo estranho, achei isso preocupante, apesar de não saber explicar por quê.

Roland falou, de modo casual: “Sim, ele tem muitos clientes lá. Conheço alguns, mas não todos”.

Aquiesci, afastando meu pressentimento ruim como uma paranoia inútil. Cerca de 15 minutos depois, eu estava do lado de fora de sua porta, segurando um saquinho com delícias suíças. O Mestre em Falsificações e eu nos abraçamos de maneira calorosa. “Au revoir!”, falei, o que significava Até a volta em francês.

Em retrospecto, até mais teria sido bem mais apropriado.


FINALMENTE ENTREI PELA porta de nossa casa em Westhampton Beach na manhã de sexta, um pouco depois das 22 horas. Tudo que queria era subir e segurar Chandler, em seguida fazer amor com a Duquesa e ir dormir. Mas não tive chance. Estava em casa havia menos de 30 segundos quando o telefone tocou.

Era Gary Deluca. “Sinto muito por incomodá-lo”, disse o Papagaio, “mas estou tentando contatar você o dia todo. Pensei que gostaria de saber que Gary Kaminsky foi indiciado ontem de manhã. Ele está numa cadeia de Miami, detido sem fiança.”

“É mesmo?”, perguntei de maneira despreocupada. Eu estava naquele estado de extremo cansaço em que não se consegue compreender totalmente as consequências do que se está ouvindo, ou pelo menos não de imediato. “Pelo que ele foi indiciado?”

“Lavagem de dinheiro”, respondeu Deluca, sem emoção. “O nome Jean Jacques Saurel lhe diz alguma coisa?”

Isso me pegou... me acordou na hora! “Talvez... acho que me encontrei com ele quando estava na Suíça daquela vez. Por quê?”

“Porque ele foi indiciado também”, disse o Papagaio das Más Notícias. “Ele está na cadeia com Kaminsky; e também está detido sem fiança.”


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