CAPÍTULO 35


A TEMPESTADE ANTES DA TEMPESTADE




Abril de 1997


Apesar de parecer impossível, nove meses depois de o iate ter afundado, minha vida afundara-se a níveis ainda maiores de insanidade. Eu descobrira uma maneira inteligente – uma maneira também lógica, na verdade – de levar meu comportamento autodestrutivo a um novo extremo, ou seja, substituir minha droga favorita, Quaaludes, por cocaína. Sim, era hora de mudanças, imaginei, sendo minha principal motivação estar cansado de babar em locais públicos e adormecer em posições inadequadas.

Assim, em vez de começar o dia com quatro Quaaludes e um copo grande de café gelado, eu acordava com um grama do estimulante pó boliviano... sempre tendo o cuidado de dividir a dose igualmente, meio grama em cada narina, a fim de não privar um lado do meu cérebro da precipitação instantânea. Era o verdadeiro Café da Manhã dos Campeões. Então eu completava meu café da manhã com três miligramas de Xanax, para reprimir a paranoia que com certeza se seguiria. Depois disso – apesar de minhas costas não terem mais nenhuma dor –, tomava 45 miligramas de morfina, simplesmente porque cocaína e narcóticos eram feitos um para o outro. Além do mais, como eu tinha um monte de médicos prescrevendo-me morfina, qual era o problema?

De qualquer forma, uma hora antes do almoço eu tomava minha primeira dose de Quaaludes – quatro, para ser exato –, seguido por mais um grama de coca, a fim de afastar o cansaço incontrolável que com certeza se seguiria. Logicamente, eu ainda conseguia consumir minha dose diária de 20 Quaaludes, mas pelo menos agora eu os estava usando de maneira mais saudável, de maneira mais produtiva: para balancear a coca.

Era uma estratégia inteligente e funcionara à perfeição por um tempo. Mas, como todas as coisas da vida, havia alguns obstáculos no caminho. Nesse caso, o obstáculo principal era que eu estava dormindo apenas três horas por semana, e em abril eu sofria com uma paranoia tão profunda induzida pela cocaína que acabara atirando no leiteiro com uma espingarda de calibre 12.

Com um pouquinho de sorte, imaginei, o leiteiro espalharia o boato de que o Lobo de Wall Street não era homem de brincadeira, que estava armado e pronto – totalmente preparado para afastar qualquer invasor idiota que tentasse entrar em sua residência –, mesmo que seus guarda-costas estivessem dormindo em serviço.

Deixando isso de lado, foi em dezembro, quatro meses antes, que a Stratton finalmente fechara. Ironicamente, não foram os governos estaduais que abaixaram as portas da Stratton, mas os palhaços espalhafatosos da NASD. Eles revogaram a titularidade da Stratton – mencionando manipulações de ações e violações comerciais. Na essência, a Stratton fora afastada e, do ponto de vista legal, fora um golpe de morte. Ser membro da NASD era um prerrequisito para vender ações nos estados; sem isso, estava-se fora do negócio. Assim, com relutância, Danny fechou a Stratton, e a era dos strattonitas chegou ao fim. Fora uma viagem de oito anos. Não tinha muita certeza sobre como isso seria registrado, apesar de suspeitar que a imprensa não seria gentil.

A Biltmore e a Monroe Parker ainda estavam fortes e me pagavam 1 milhão de dólares por negócio, apesar de eu considerar possível os proprietários, com exceção de Alan Lipsky, estarem tramando contra mim. Como e por que, eu não tinha muita certeza, mas essa era a natureza das tramoias... principalmente quando os conspiradores eram seus amigos mais próximos.

E mais: Steve Madden estava tramando contra mim. Nosso relacionamento azedara-se por completo. De acordo com Steve, tinha a ver com o fato de eu aparecer no escritório chapado, ao que eu lhe respondera: “Vá se foder, seu idiota metido a santinho! Se não fosse por mim, você ainda estaria vendendo sapatos no porta-malas do carro!”. Verdade ou não, o fato era que as ações estavam sendo negociadas a 13 dólares, a caminho de chegar a 20.

Tínhamos 18 lojas agora, e nosso estoque para lojas de departamentos estava reservado por duas temporadas adiantadas. Eu podia apenas imaginar o que ele estava pensando sobre mim – o homem que pegara 85% de sua empresa e controlava o preço de suas ações havia quase quatro anos. Porém, agora que a Stratton estava fora do jogo, eu não tinha mais controle sobre suas ações. O preço da Sapatos Steve Madden era ditado pelas leis da oferta e da procura – subindo e caindo de acordo com o sucesso da própria empresa, não o sucesso de uma firma de corretagem qualquer que a estivesse recomendando. O Sapateiro tinha de estar tramando contra mim. Sim, era verdade: eu aparecia no escritório um pouco chapado, o que era errado, mas, ainda assim, tratava-se meramente de uma desculpa para me afastar da empresa e roubar minhas opções sobre ações. E o que eu podia fazer se ele tentasse fazer isso?

Bem, eu tinha nosso contrato secreto, mas isso cobria apenas minhas ações originais, 1,2 milhão delas; minhas opções sobre ações estavam no nome do Steve, e eu não tinha nada por escrito. Será que ele tentaria roubá-las de mim? Ou tentaria roubar tudo, tanto minhas ações como minhas opções? Talvez aquele idiota careca se iludisse, pensando que eu não teria culhões para expor nosso contrato secreto, que, por sua própria natureza, causaria problemas demais para nós dois se fosse a público.

Ele estava a caminho de um despertar cruel. As chances de ele se livrar roubando minhas ações e opções eram menores que zero... mesmo que isso significasse a prisão de nós dois.

Se fosse um homem sóbrio, lúcido, eu ainda teria pensado nisso, mas, naquele meu estado mental, essas ideias ardiam em minha mente de maneira totalmente venenosa. Mesmo que Steve não estivesse planejando me foder, isso era totalmente irrelevante; nunca teria a oportunidade de fazê-lo. Ele não era diferente de Victor Wang, a porra do China Depravado. Sim, Victor tentara me foder também, e eu o mandara de volta para Chinatown.

Era a segunda semana de abril, e eu não ia à Sapatos Steve Madden havia mais de um mês. Era uma tarde de sexta-feira, e eu estava no meu escritório em casa, sentado à minha escrivaninha de mogno. A Duquesa já fora para os Hamptons, e as crianças passavam o final de semana com a mãe. Eu estava sozinho com meus pensamentos, pronto para a guerra.

Liguei para Cabana em sua casa e falei: “Quero que telefone para Madden e diga a ele que, como agente de caução, você o está informando de que pretende liquidar cem mil ações imediatamente. Dá por volta de 1,3 milhão de dólares, um pouco mais ou um pouco menos. Diga-lhe que, de acordo com o contrato, ele tem o direito de vender suas ações também, na mesma proporção que eu, o que significa que pode vender 17 mil. A decisão depende da porra da cabeça dele”.

Cabana, o Fraco, respondeu: “Para fazer isso rapidamente, preciso da assinatura dele. E se ele se recusar?”.

Respirei fundo, tentando controlar minha fúria. “Se ele dificultar as coisas para você, diga-lhe que, de acordo com o contrato de caução, você irá executar a penhora na nota e vender as ações privativamente. Diga-lhe que eu já concordei em comprar. E diga para aquele careca cuzão que isso me dará 15% da empresa, o que significa que terei de registrar um 13D na Comissão, e então todos em Wall Street irão saber que boqueteiro do caralho ele é por tentar me foder. Diga para aquele cuzão que irei levar toda a coisa a público e que, toda semana, irei continuar comprando mais ações na porra do mercado aberto até adquirir 51% da empresa dele, e então irei chutar aquele rabo ossudo dele para longe daqui.” Respirei fundo novamente. Meu coração estava batendo com muita força. “E diga para aquele cuzão que, se ele acha que estou blefando, ele deveria se enfiar numa porra de um abrigo, porque estou prestes a soltar uma bomba atômica sobre aquele corpo fodido dele.” Levei a mão à gaveta da minha escrivaninha e puxei um saquinho Zippy com meio quilo de cocaína.

“Farei o que você quiser”, respondeu Cabana, o Fraco. “Apenas quero que pense sobre isso por um segundo. Você é o cara mais esperto que conheço, mas parece um pouco irracional agora. Como seu advogado, devo recomendar que não leve este contrato a públi...”

Cortei a porra do meu advogado. “Andy, deixe-me dizer-lhe uma coisa, caralho. Você não tem a menor ideia de como estou cagando para a porra da Comissão e a porra da NASD.” Abri o saquinho e peguei uma carta de baralho em minha escrivaninha, então a enfiei fundo no pó, cavoucando cocaína em quantidade suficiente para causar um ataque cardíaco numa baleia azul. Joguei sobre a escrivaninha. A seguir, inclinei-me, enfiei o rosto no pó e comecei a cheirar. “E mais”, completei, agora com o rosto coberto de cocaína, “estou cagando e andando para aquele cuzão do Coleman também. Ele tem me perseguido há quatro anos, caralho, e ainda não encontrou porra nenhuma contra mim.” Balancei a cabeça algumas vezes, tentando controlar a euforia que estava rapidamente me tomando. “E não há como eu ser indiciado por aquele contrato do caralho. Seria muito anticlímax para Coleman. Ele é um homem de honra e quer me pegar por algo sério. Isso seria como pegar Al Capone por sonegação de impostos. Então que se foda Coleman!”

“Entendido”, falou Cabana, “mas preciso de um favor seu.”

“O quê?”

“Estou ficando sem dinheiro...”, disse meu advogado charlatão, fazendo uma pausa para causar efeito. “Sabe, Danny realmente fodeu as coisas para mim ao não seguir a Teoria das Baratas. Ainda estou aguardando minha licença de corretor. Você pode me ajudar enquanto isso?”

Inacreditável!, pensei. A porra do meu próprio agente de caução estava me pedindo dinheiro emprestado. Aquele cuzão de peruca! Eu devia matá-lo também! “De quanto precisa?”

“Não sei...”, respondeu, fraco, “talvez 100 ou 200 mil.”

“Certo!”, disparei. “Vou te dar 250 mil, agora vá telefonar para o cuzão do Madden neste exato instante, caralho, e depois ligue para mim e conte o que ele falou.” Bati o telefone sem me despedir. Então me inclinei e enfiei a cabeça na coca novamente.

Dez minutos depois o telefone tocou. “O que o cuzão disse?”, perguntei.

“Você não vai gostar”, avisou Cabana. “Ele nega a existência do contrato de caução. Diz que é um contrato ilegal e que sabe que você não o levará a público.”

Respirei fundo, tentando manter o controle. “Então ele acha que estou blefando, né?”

“Sim”, disse Cabana, “mas diz que quer resolver as coisas amigavelmente. Ele está lhe oferecendo 2 dólares por ação.”

Girei o pescoço lentamente num grande círculo enquanto fazia os cálculos. A 2 dólares por ação, ele estaria roubando mais de 13 milhões de dólares de mim, e isso apenas nas ações; ele também mantinha um milhão de opções minhas, com um preço de exercício de 7 dólares. Pelo preço de mercado do dia – 13 dólares –, adicionemos 6 dólares ao montante. Assim eram mais 4,5 milhões de dólares. Contando tudo, ele estava tentando roubar 17,5 milhões de dólares de mim. Ironicamente, eu não estava nem furioso por isso. Afinal de contas, sabia disso havia muito tempo, desde aquele dia em meu escritório, vários anos atrás, quando contei para Danny que seu amigo não era confiável. Foi por esse motivo, na verdade, que fizera Steve assinar o contrato de caução e entregar os certificados de ações.

Assim, por que ficar nervoso? Fui forçado a esse caminho estúpido pelos palhaços da NASDAQ; não tive escolha e precisei alienar minhas ações para Steve, mas tomara todas as precauções necessárias – preparando-me para essa eventualidade. Pesquisei toda a história do nosso relacionamento em minha mente e descobri que não cometi nenhum erro. E, apesar de não haver como negar que aparecer chapado no escritório não fora legal de minha parte, isso não tinha nada a ver com o que estava acontecendo. Ele teria tentado me foder de qualquer forma; tudo que as drogas causaram foi trazer isso à tona mais rapidamente.

“Está certo”, falei, calmamente. “Tenho de ir para os Hamptons agora, então iremos cuidar disso logo cedo na segunda. Nem se preocupe em ligar para Steve novamente. Apenas junte toda a papelada para a aquisição de ações. É hora de entrar em guerra.”


SOUTHAMPTON! A HAMPTON DOS WASPs! Sim, era lá que ficava a minha casa de praia. Chegara a hora de crescer, e Westhampton era um pouco simples demais para os gostos refinados da Duquesa. Além do mais, Westhampton era cheia de judeus, e eu estava de saco cheio de judeus, apesar de ser um. Donna Karan (uma judia de nível mais alto) tinha uma casa a oeste da minha; Henri Kravis (também um judeu de nível mais alto) tinha uma casa a leste da minha. E, pela pechincha de 5,5 milhões de dólares, eu agora possuía uma mansão de mil metros quadrados, cinza e branca, pós-moderna, na fabulosa Meadow Lane, a estrada mais exclusiva em todo o planeta. A frente da casa dava para a baía Shinnecock; a parte de trás, para o oceano Atlântico; e os nasceres e pores do sol explodiam com uma quase indescritível paleta de laranjas, vermelhos, amarelos e azuis. Era realmente divino, uma vista digna do Lobo Selvagem.

Enquanto atravessava os portões de ferro forjado na frente da residência, tinha de me sentir orgulhoso. Aqui estava eu, no volante de um novíssimo Bentley turbo azul-marinho de 300 mil dólares. E, logicamente, havia cocaína no porta-luvas em quantidade suficiente para manter toda Southampton dançando o Watusi do Dia da Lembrança1 ao Dia do Trabalho.

Eu estivera nessa casa apenas uma vez, havia pouco mais de um mês, quando ainda não tinha móveis. Levara um parceiro de negócios chamado David Davidson. Esse nome era uma piada cruel, apesar de eu perder mais tempo observando seu olho direito piscando do que dando atenção a seu nome. Sim, ele era um piscador, mas apenas de um lado, o que tornava tudo muito mais perturbador. De qualquer forma, o Unipiscador possuía uma firma de corretagem chamada DL Cromwell, que empregava um monte de ex-strattonitas; estávamos fazendo negócios juntos, ganhando dinheiro demais. Porém, a característica mais atraente do Unipiscador – o que eu mais gostava nele – era ser viciado em coca, e, naquela noite em que eu o levara em casa, ele primeiro parara no Grand Union e comprara 50 latinhas de Reddi Wip. Então nos sentamos no chão de madeira clara, seguramos as latinhas de ponta-cabeça, empurramos os bocais para o lado e sugamos todo o óxido nitroso. Era um baita barato, principalmente quando intercalávamos cada sorvida com dois tiros de cocaína, um em cada narina.

Fora uma noite inesquecível, mas nada comparado ao que me aguardava hoje à noite. A Duquesa mobiliara a casa – à custa de dois milhões de dólares do meu dinheiro ganho com facilidade. Ela ficou tão empolgada com essa ideia que ficara vomitando sua merda de aspirante a decoradora infinitamente, e durante esse tempo nunca perdia uma oportunidade de me encher o saco por ser viciado em coca.

E foda-se ela por isso! Quem diabos era ela para me dizer o que fazer, principalmente quando eu ficara viciado em coca pelo bem dela? Afinal de contas, ela ficou ameaçando me abandonar se eu não parasse de dormir nos restaurantes. Portanto, foi por esse motivo que eu mudara para a coca. E agora ela estava dizendo coisas como: “Você está doente. Você não dorme há um mês. Você nem faz mais sexo comigo! E está pesando apenas 59 quilos. Você só come Froot Loops. E sua pele está verde!”. Possibilitei a Vida para a Duquesa e, no final de tudo, ela virou as costas para mim! Bem, foda-se ela também! Era fácil para ela me amar quando eu estava doente. Todas aquelas noites em que eu sofria com uma dor crônica, ela vinha e tentava me confortar, dizendo que me amava incondicionalmente. E agora descobri que era apenas um golpe. Ela não era mais confiável. Beleza. Bom. Que ela seguisse seu caminho. Não precisava dela. Na verdade, não precisava de ninguém.

Todos esses pensamentos estavam rugindo em meu cérebro quando subi pela escada de mogno e abri a porta de minha mais nova mansão. “Olá”, falei, bem alto, entrando pela porta. A parede de trás era toda feita de vidro, e eu tinha uma vista panorâmica do oceano Atlântico. Às sete da noite nessa época da primavera, o sol estava se pondo atrás de mim, na baía, e a água apresentava um matiz interessante de púrpura real. E a casa parecia maravilhosa. Pois é, não havia como negar que, apesar de a Duquesa ser uma pentelha de mão cheia – uma estraga-prazeres de proporções bíblicas –, ela tinha talento para a decoração. A entrada dava numa sala enorme. Era um espaço aberto com teto ascendente. Havia tantos móveis enfiados nesse espaço que era encantador pra caralho. Poltronas superestofadas, sofás de dois lugares e cadeiras espalhavam-se por todo lado, cada um no seu espaço. Toda a fabulosa mobília do caralho era branca e cinza-clara, bem praiana, bem na moda.

De repente, surgiu o comitê de recepção real. Era Maria, a cozinheira gorda, e seu marido, Ignácio, um baixinho mordomo mal-humorado, que, com 1,46 metro, era um pouquinho maior que a esposa. Eles vieram de Portugal e se orgulhavam por oferecer um serviço da maneira formal, tradicional. Eu os desprezava porque Gwynne os desprezava, e Gwynne era uma das poucas pessoas que realmente me entendiam... ela e meus filhos. Quem garantia que esses dois eram confiáveis? Eu tinha de ficar esperto com eles... e, se necessário, neutralizá-los.

“Boa noite, sr. Belfort”, disseram Maria e Ignácio em uníssono. Ignácio ajoelhou-se formalmente, e Maria fez uma reverência. Então Ignácio completou: “Como o senhor está?”.

“Melhor do que nunca”, murmurei. “Onde está minha adorável esposa?”

“Está na cidade, fazendo compras”, respondeu a cozinheira.

“Que surpresa do caralho!”, resmunguei, passando por eles. Eu estava carregando uma mala de viagens Louis Vuitton, cheia de drogas perigosas.

“O jantar será servido às 20 horas”, falou Ignácio. “A sra. Belfort pediu-me para informá-lo que seus convidados estarão aqui por volta das 19h30, e pediu a gentileza de o senhor estar arrumado.”

Ah, foda-se ela!, pensei. “Está bem”, resmunguei. “Estarei na sala de tevê; por favor, não me incomodem. Tenho negócios importantes para resolver.” Dizendo isso, fui para a sala de tevê, coloquei os Rolling Stones no vídeo e escondi as drogas. A Duquesa me instruíra para estar arrumado às 19h30. Que caralho ela queria dizer com isso? Que eu devia estar trajando uma porra de um terno... ou cartola e fraque? Quem ela achava que eu era, um macaquinho de merda? Eu vestiria um moletom cinza e uma camiseta branca, e isso estava bom pra caralho! Quem pagou por toda esta merda, caralho? Eu... só eu! E ela tinha a audácia de ficar me dando ordens!


SÃO 20 HORAS, o jantar está na mesa! E quem precisa comer? Me deem Froot Loops e leite desnatado, não essa porcaria que Maria e a Duquesa apreciam tanto. A mesa de jantar era do tamanho de um estábulo. Ainda assim, os convidados para o jantar não eram tão chatos, com exceção da Duquesa. Ela estava sentada à minha frente, no outro lado do estábulo. Estava tão distante que eu precisava de um interfone para conversar com ela, o que provavelmente era um fato bom. Tinha de admitir que ela estava deslumbrante. Mas esposas-troféu como a Duquesa eram fáceis de se achar, e as boas não iriam se virar contra mim sem motivo algum.

Sentados à minha direita estavam Dave e Laurie Beall, que vieram da Flórida para nos visitar. Laurie era uma boa loira burra. Sabia seu lugar no esquema geral das coisas, e por isso me entendia. O único problema era que ela também estava sob a influência da Duquesa, que se infiltrara em sua mente... plantando ideias subversivas contra mim. Portanto, Laurie não era totalmente confiável.

O marido dela, Dave, era outra história. Ele era confiável... mais ou menos. Era um caipira grande: 1,90 metro, 113 quilos de puro músculo. Quando estava na faculdade, trabalhava como segurança. Um dia, alguém falara de maneira grosseira com ele, e Dave deu-lhe um soco na lateral da cabeça, arrebentando-lhe o olho. Boatos correram na época de que o olho do cara ficou pendurado por alguns ligamentos. Dave era um ex-strattonita e agora trabalhava na DL Cromwell. Naquela noite, eu podia contar com ele para repelir intrometidos. Na verdade, ele o faria com prazer.

Meus outros dois convidados eram os Schneiderman, Scott e Andréa. Scott fora criado em Bayside, apesar de não termos sido amigos na juventude. Era um homossexual assumido que se casara por motivos inexplicáveis, porém meu palpite era porque desejava ter filhos, o que ele hoje tinha, uma filha. Ele, também, era um ex-strattonita, mas nunca possuíra o instinto assassino. Estava fora do mercado agora. E estava aqui por uma única razão: era meu traficante de drogas. Tinha um conhecido no aeroporto que me trazia cocaína pura da Colômbia. Sua esposa era inofensiva: uma morena rechonchuda que sabia dizer apenas poucas palavras, todas sem sentido.

Após quatro pratos e duas horas e meia de conversa torturante, finalmente eram 23 horas. Falei para Dave e Scott: “Venham, rapazes, vamos para a sala de tevê assistir a um filme”. Ergui-me da cadeira e dirigi-me para a sala de tevê, com Dave e Scott a reboque. Não tinha dúvidas de que a falta de vontade da Duquesa de conversar comigo era igual à minha. E isso era bom. Nosso casamento basicamente havia acabado; agora era apenas questão de tempo.


O QUE ACONTECEU EM seguida começou com uma ideia animada que tive de dividir meu estoque de cocaína para duas festas diferentes de cheiração. A primeira se iniciaria agora e consistiria de oito gramas de cocaína em pó. Ela aconteceria aqui, na sala de tevê, e duraria aproximadamente duas horas. Então passaríamos para a sala de jogos no andar de cima, onde jogaríamos bilhar e dardos e encheríamos a cara de uísque. Então, às duas da manhã, iríamos para a sala de tevê novamente e começaríamos a segunda festa de cheiração, que consistiria em uma pedra de vinte gramas de cocaína 98% pura. Cheirá-la de uma sentada seria uma conquista digna do próprio Lobo.

E seguimos esse plano – totalmente de acordo com a porra da programação, na verdade –, passando as duas horas seguintes cheirando carreiras gordas de cocaína através de um canudinho de ouro 18 quilates, enquanto assistíamos à MTV sem som e escutávamos “Sympathy for the Devil” repetidamente. Então subimos para a sala de jogos. Quando deu duas da manhã, falei com um grande sorriso no rosto: “Chegou a hora de cheirar a pedra, meus amigos! Sigam-me”.

Descemos para a sala de tevê e sentamo-nos em nossas posições anteriores. Levei a mão até onde estava a pedra e ela havia sumido. Sumido? Como isso era possível, caralho? Olhei para Dave e Scott e falei: “Está bem, gente. Parem de zoeira. Qual de vocês pegou a pedra?”.

Os dois olharam para mim, assustados. Dave disse: “O quê? Você está brincando comigo? Não peguei a pedra! Juro pelos olhos dos meus filhos!”.

Scott completou, num tom defensivo: “Não olhem para mim! Eu nunca faria algo assim”. Ele balançou a cabeça, sério. “Zoar com a coca de outro homem é um pecado capital. Sério.”

Nós três ficamos de quatro e começamos a engatinhar pelo carpete. Dois minutos depois estávamos olhando um para o outro, embasbacados... e de mãos vazias. Falei, cético: “Talvez tenha caído atrás do estofado do sofá”.

Dave e Scott concordaram com a cabeça, e começamos a averiguar todo o estofado. Não encontramos nada.

“Não acredito nesta merda”, falei. “Não faz sentido algum, caralho.” Então uma ideia surgiu borbulhando em meu cérebro. Talvez a pedra tenha caído dentro do estofado! Parecia improvável, mas coisas estranhas aconteceram antes, não?

Com certeza. “Já volto”, disse, corri para a cozinha, a toda velocidade, e retirei uma faca de açougueiro, de aço inoxidável, do suporte de madeira. Então corri de volta para a sala de tevê, armado e pronto. A pedra era minha!

“O que você vai fazer?”, perguntou Dave, incrédulo.

“Que porra você acha que vou fazer?”, bradei, ficando de joelhos e enfiando a faca no estofado. Comecei a jogar a espuma e as penas no carpete. O sofá tinha três estofados e o mesmo número de apoio para costas. Em menos de um minuto eu retalhara todos. “Filho da puta!”, murmurei. Voltei minha atenção para o sofá de dois lugares, abrindo o estofado, vingativo. Nada ainda. Agora eu estava ficando nervoso. “Não acredito nesta merda! Onde essa porra da pedra foi parar?” Olhei para Dave e perguntei: “Nós chegamos a ir para a sala de estar?”.

Ele balançou a cabeça, nervoso. “Não me lembro de ir para a sala de estar”, respondeu. “Por que não deixamos a pedra pra lá?”

“Você é louco ou o quê? Vou achar essa porra de pedra mesmo que seja a última coisa que faça!” Virei-me para Scott e franzi o cenho de maneira acusativa. “Não minta para mim, Scott. Nós estivemos na sala de estar, não?”

Scott balançou a cabeça. “Acho que não. Sinto muito, mas não me lembro de ter ido para a sala de estar.”

“Querem saber?”, gritei. “Você são um monte de merda! Sabem tão bem quanto eu que aquela porra de pedra caiu dentro de um estofado. Tem de estar aqui em algum lugar, e eu vou provar para vocês, caralho.” Levantei-me, chutei o restante do estofado para longe e caminhei, através de um amontoado de espuma e penas, para a sala de estar. Na minha mão direita estava a faca de açougueiro. Meus olhos, escancarados. Meus dentes, trincados de fúria.

Olhem essas merdas de sofás! Foda-se ela se pensa que pode ficar impune ao comprar toda essa mobília! Respirei fundo. Estava no limite. Precisava voltar a ter noção das coisas. Mas eu havia bolado um plano perfeito... só cheirar a pedra às duas da manhã. Poderia ter sido perfeito e veja todos esse móveis. Foda-se tudo! Fiquei de joelhos e comecei a agir, abrindo espaço na sala de estar, perfurando com selvageria até que todos os sofás e cadeiras ficaram destruídos. Pelo canto dos olhos, vi Dave e Scott me observando.

E então me dei conta... estava dentro do carpete! Óbvio pra caralho! Baixei os olhos para o carpete cinza-claro. Quanto essa porra custou? 100 mil? 200 mil? Para ela, era fácil gastar o meu dinheiro. Comecei a fatiar o carpete, como um homem possuído.

Um minuto depois, nada. Sentei-me no chão e corri o olhar pela sala de estar. Estava totalmente destruída. De repente, vi um abajur de latão deslumbrante. Parecia humano. Com o coração palpitando, deixei a faca de açougueiro cair. Peguei o abajur sobre a cabeça e comecei a balançá-lo como Thor, um deus nórdico, balançava o martelo. Então o soltei na direção da lareira, e ele foi voando contra a parede... CRASH! Corri até a faca novamente e a peguei.

De repente, a Duquesa saiu correndo da suíte principal, trajando um minúsculo roupão branco. Seu cabelo estava perfeito e suas pernas pareciam divinas. Era a maneira pela qual ela tentava me manipular, me controlar. Funcionara no passado, mas não dessa vez. Estava protegido agora. Conhecia o jogo dela.

“Ah, meu Deus! ”, gritou, levando a mão à boca. “Por favor, pare! Por que está fazendo isso?”

“Por quê?”, gritei. “Quer saber por que, caralho? Bem, vou te dizer por quê! Sou a porra do James Bond procurando um microfilme! É por isso, porra!”

Ela olhou para mim boquiaberta e com os olhos escancarados. “Você precisa de ajuda”, disse ela, desanimada. “Você está doente.”

Essas palavras me enfureceram. “Ah, vai se foder, Nadine! Quem é você, caralho, para me dizer que estou doente? O que vai fazer... tentar me bater? Bem, tente a sorte e veja o que vai acontecer!”

De repente, uma dor terrível em minhas costas! Alguém estava me empurrando para o chão! Meu pulso estava sendo esmagado. “Ahhh, caralho!”, gritei. Ergui a cabeça, e Dave Beall estava sobre mim. Ele apertou meu pulso até a faca de açougueiro cair.

Ele olhou para Nadine. “Volte para dentro”, falou, calmamente. “Eu cuido dele. Tudo ficará bem.”

Nadine voltou correndo para a suíte principal e bateu a porta. Um segundo depois, ouvi a fechadura.

Dave ainda estava sobre mim. Girei a cabeça para encará-lo e comecei a rir. “Está certo”, falei, “pode me soltar agora. Eu estava brincando. Não ia machucá-la. Estava apenas tentando mostrar a ela quem manda aqui.”

Agarrando meu bíceps direito com sua mão enorme, Dave me conduziu até um assento no outro lado da casa... um dos poucos que eu não destruíra. Colocou-me numa poltrona superestofada, olhou para Scott e disse: “Vá pegar o frasco de Xanax”.

A última coisa de que me lembro foi Dave entregando-me um copo de água e alguns Xanax.


ACORDEI E ERA noite... do dia seguinte. Estava em meu escritório em Old Brookville, sentado à minha escrivaninha de mogno. Não tinha certeza sobre como havia chegado lá, mas me lembrava de ter dito “Obrigado, Rocco!” para Rocco Dia, por me tirar do carro depois de eu tê-lo batido num poste na esquina da minha propriedade, enquanto voltava para casa. Ou teria agradecido a Rocco Noite? Bem... quem se importava? Eles eram leais a Bo, e Bo era leal a mim, e a Duquesa não falava muito com nenhum deles... então ela não os influenciara ainda. Contudo, ficaria alerta.

Fiquei me perguntando onde estava a Duquesa Triste. Não a vira desde o episódio da faca de açougueiro. Ela estava em casa, mas escondida em algum canto da mansão... escondida de mim! Estaria na suíte principal? Não importa. O importante eram meus filhos; pelo menos eu era um bom pai. No final, era assim que eu seria lembrado: um bom pai, um verdadeiro homem de família e um provedor maravilhoso!

Fui até a gaveta da escrivaninha e peguei meu saquinho Zippy com quase meio quilo de coca. Joguei-o sobre a mesa, enfiei a cabeça no monte e cheirei com ambas as narinas simultaneamente. Dois segundos depois, joguei a cabeça para trás e murmurei: “Puta que pariu! Ah, meu Deus!”. Então desmoronei na cadeira e comecei a respirar com sofreguidão.

Naquele momento, o volume da tevê pareceu aumentar drasticamente, e ouvi uma voz grosseira, acusadora, falar: “Sabe que horas são? Onde está sua família? Essa é sua ideia de diversão, sentado diante de uma televisão a essa hora da manhã... sozinho? Bêbado, chapado, arrasado? Olhe seu relógio por um segundo, se ainda tiver um”.

Que caralho era aquilo? Olhei para meu relógio: um Bulgari de ouro de 22 mil dólares. Lógico que ainda tinha um! Foquei novamente na tevê. Que rosto! Puta merda! Era um homem com 50 e poucos anos, cabeça enorme, pescoço comprido, feições ameaçadoramente bonitas, cabelo grisalho penteado com perfeição. Naquele mesmo instante, o nome Fred Flintstone surgiu borbulhando em meu cérebro.

Fred Flintstone continuou: “Quer se livrar de mim agora? Que tal se livrar de sua doença já? Alcoolismo e vício estão te matando. Seafield tem as respostas. Ligue para nós hoje; nós podemos ajudar”.

Inacreditável!, pensei. Intrusivo pra caralho! Comecei a resmungar para a tevê: “Seu cabeça de Fred Flintstone do caralho... vou chutar seu rabo de merda daqui até Timbuktu!”.

Flintstone continuou falando: “Lembre-se, não há vergonha alguma em ser um alcoólatra ou viciado; a única vergonha é não fazer nada quanto a isso. Por isso, ligue já e pegue...”.

Corri os olhos pela sala... lá está!... uma escultura Remington sobre um pedestal de mármore verde. Tinha 60 centímetros, feito de latão sólido... um vaqueiro cavalgando um bronco selvagem. Peguei-o e corri na direção da tela de tevê. Com toda a força que consegui juntar, girei-o na direção de Fred Flintstone e... CRASH!

Não havia mais Fred Flintstone.

Dirigi-me para a tevê estilhaçada: “Seu filho da puta! Eu avisei! Vir até a porra da minha casa e me dizer que tenho uma merda de um problema. Olhe para você agora, cuzão!”.

Voltei para minha escrivaninha e me sentei, então enfiei meu nariz sangrando dentro do monte de coca. Mas, em vez de cheirar, simplesmente descansei a cabeça sobre ele, usando-o como travesseiro.

Senti uma ligeira pontada de culpa por meus filhos estarem lá em cima, mas, sendo um provedor tão maravilhoso, todas as portas eram de mogno puro. Não havia como alguém ter escutado algo. Ou pelo menos foi isso que achei até ouvir passos pesados na escada. Um segundo depois, veio a voz da Duquesa: “Ah, meu Deus! O que você está fazendo?”.

Ergui a cabeça, totalmente ciente de que meu rosto estava coberto de coca, mas sem me importar. Olhei para a Duquesa, e ela estava completamente nua... tentando me manipular com a possibilidade de sexo.

Falei: “Fred Flintstone estava tentando sair da tevê. Mas não se preocupe... eu o peguei. Você pode voltar a dormir agora. Não há perigo”.

Ela me encarou, boquiaberta. Seus braços estavam cruzados abaixo dos peitos, e não consegui evitar olhar seus mamilos. Pena que a mulher virou-se contra mim. Seria difícil substituí-la... não impossível, mas difícil.

“Seu nariz está jorrando sangue”, falou com delicadeza.

Balancei a cabeça com nojo. “Pare de exagerar, Nadine. Quase nem está sangrando, e é apenas um ataque de alergia.”

Ela começou a chorar. “Não posso mais ficar aqui, a não ser que você vá a uma clínica de reabilitação. Eu te amo demais para ficar vendo você se matar. Sempre te amei; não se esqueça disso.” E então ela saiu do quarto, fechando a porta, mas sem bater.

“Vai se foder!”, gritei para a porta. “Não tenho porra de problema nenhum! Posso parar quando quiser! ” Respirei fundo e usei minha camiseta para limpar o sangue do nariz e do queixo. O que ela estava pensando? Que podia me convencer a ir a uma clínica de reabilitação? Por favor! Senti outro jorro quente sob o nariz. Ergui a camiseta novamente e limpei mais sangue. Porra! Se eu tivesse éter, podia transformar a cocaína em crack. Então eu podia apenas fumar a coca e evitar todos esses problemas nasais. Mas espere! Havia outras formas de fazer crack, não? Sim, havia receitas caseiras... algo com bicarbonato de sódio. Tinha de haver uma receita para fazer crack na Internet!

Cinco minutos depois, encontrara minha resposta. Entrei tropeçando na cozinha, peguei os ingredientes e os derramei sobre o balcão de granito. Enchi um pote de cobre com água e adicionei a cocaína e o bicarbonato de sódio, então acendi o fogão em fogo alto e fechei a boca do pote de cobre. Com uma jarra de cerâmica para guardar biscoitos.

Sentei-me num banco perto do forno e descansei a cabeça sobre o balcão. Comecei a sentir tontura, então fechei os olhos e tentei relaxar. Eu estava sendo levado pela corrente... pela corrente... CABUM! Quase saí pulando da pele quando minha receita caseira explodiu por toda a cozinha. Havia crack por todo lado... teto, chão e paredes.

Um minuto depois, a Duquesa veio correndo. “Ah, meu Deus! O que aconteceu? O que foi essa explosão?”. Ela estava sem fôlego, quase tomada pelo pânico.

“Nada”, murmurei. “Estava assando um bolo e caí no sono.”

A última fala dela de que me lembro: “Vou para a casa de minha mãe amanhã de manhã”.

E o último pensamento de que me lembro: quanto mais cedo, melhor.



1 Dia da Lembrança: última segunda de maio, em que se homenageiam os cidadãos americanos que morreram em guerra; Dia do Trabalho: primeira segunda de setembro, nos Estados Unidos. (N. T.)


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