LIVRO QUATRO

CAPÍTULO 47


O Erasmus resplendia ao sol alto do meio-dia, ao lado do ancoradouro de Yedo.

— Jesus Deus no paraíso, Mariko, olhe só! Já viu alguma coisa como ele? Olhe que linhas!

O navio estava além das paliçadas fechadas, circundantes, a uns cem passos de distância, atracado ao cais com cordas novas. A área toda estava pesadamente guardada, havia mais samurais no convés, e os sinais por toda parte diziam que a área era proibida, exceto com a permissão do Senhor Toranaga.

O Erasmus fora recentemente pintado e pichado, os conveses estavam imaculados, o casco calafetado e o cordame reparado. Até o mastro de proa, que fora arrebatado pela tempestade, fora substituído pelo último dos sobressalentes que o navio carregava no porão, e colocado num ângulo perfeito. Todas as cordas estavam caprichosamente enroladas, todos os canhões brilhando sob uma camada protetora de óleo, por trás das portinholas. E o esfarrapado Leão da Inglaterra tremulava orgulhosamente acima de tudo.

— Ó de bordo! — gritou ele alegremente de fora das barreiras, mas não houve resposta. Uma das sentinelas lhe disse que não havia bárbaros a bordo hoje.

— Shikata ga nai — disse Blackthorne. — Domo. — Sofreou a impaciência crescente por ir a bordo imediatamente e sorriu para Mariko. — É como se ele tivesse acabado de sair de uma reforma no estaleiro de Portsmouth, Mariko-san. Olhe os canhões — os rapazes devem ter trabalhado como cães. É lindo, neh? Não posso esperar para ver Baccus e Vinck e os outros. Nunca pensei que o encontraria desse jeito. Jesus Cristo, parece tão bonito, neh?

Mariko observava a ele e não ao navio. Sabia que agora fora esquecida. E substituída.

Não importa, disse a si mesma. Nossa viagem terminou. Naquela manhã haviam chegado ao último dos postos de controle nos arredores de Yedo. Mais uma vez seus papéis de viagem foram examinados. Mais uma vez foram polidamente autorizados a passar, mas dessa vez uma nova guarda de honra os esperava.

— Vão nos levar até o castelo, Anjin-san. O senhor ficará lá, e esta noite devemos nos encontrar com o Senhor Toranaga. — Bom, então há muito tempo. Olhe, Mariko-san, o cais não está a mais de uma milha da praia, neh? Meu navio está lá em algum lugar. Quer perguntar ao Capitão Yoshinaka se podemos ir lá, por favor?

— Ele diz que sente muito mas não tem instruções para fazer isso, Anjin-san. Tem que nos levar ao castelo.

— Por favor, diga-lhe... talvez seja melhor que eu tente. Taicho-san! Okashira, sukoshi no aida watakushi wa ikitai no desu. Watakushi no funega asoko ni arimasu. Capitão, quero ir até lá um instante. Meu navio está lá.

— Iyé, Anjin-san, gomen nasai. Ima...

Mariko ouvira aprovadora e divertida enquanto Blackthorne discutia cortesmente e insistia com firmeza, e depois, relutante, Yoshinaka os permitira fazer um desvio, mas só por um momento, neh? e só porque o Anjin-san alegou o status de hatamoto, o que lhe dava certos direitos inalienáveis, e assinalara que um exame rápido era importante para o Senhor Toranaga, que isso certamente pouparia ao senhor deles um tempo imensamente valioso e era vital para o seu encontro à noite. Sim, o Anjin-san pode olhar um instante, mas, sinto muito, naturalmente é proibido subir ao navio sem papéis assinados pessoalmente pelo Senhor Toranaga, e deve ser apenas por um momento porque somos esperados, sinto muito.

— Domo, Taicho-san — dissera Blackthorne expansivamente, muito satisfeito com a sua compreensão aumentada dos meios corretos de persuadir e com o seu domínio crescente da língua.

A noite e grande parte do dia anterior eles haviam passado numa hospedaria a mais ou menos duas ris ao sul, Yoshinaka permitindo-lhes perder tempo como antes.

Oh, foi uma noite tão adorável, pensou ela.

Houvera tantos dias e noites adoráveis. Tudo perfeito, exceto o primeiro dia depois de partirem de Mishima, quando o Padre Tsukku-san os alcançara de novo e a precária trégua entre os dois homens se rompera furiosamente. A discussão fora repentina, violenta, alimentada pelo incidente com Rodrigues e por excesso de conhaque. Ameaças, contra-ameaças e imprecações e depois o Padre Alvito disparara para Yedo na frente, deixando desastre no seu rastro, a alegria da viagem arruinada.

— Não devemos deixar que isso aconteça, Anjin-san. — Mas aquele homem não tinha o direito...

— Oh, sim, concordo. E naturalmente você tem razão. Mas, por favor, se deixar esse incidente destruir a sua harmonia, estará perdido, e eu também. Por favor, imploro-lhe que seja japonês. Afaste esse incidente — isso é tudo o que ele é, um incidente entre dez mil. Não deve permitir que ele destroce a sua harmonia. Afaste-o para um compartimento.

— Como? Como posso fazer isso? Olhe as minhas mãos. Estou tão furioso que não posso impedi-Ias de tremer!

— Olhe para esta rocha, Anjin-san. Ouça-a crescendo. — O quê?

— Ouça a rocha crescer, Anjin-san. Concentre a mente nisso, na harmonia da rocha. Ouça o kami da rocha. Ouça o meu amor, pela salvação da sua vida. E da minha.

Ele tentara e conseguira um pouco, e no dia seguinte, amigos de novo, amantes de novo, em paz novamente, ela continuou a ensinar, tentando moldá-lo — sem que ele soubesse que estava sendo moldado — à Cerca Octupla, construindo paredes interiores e defesas que eram o único caminho que o levaria à harmonia. E à sobrevivência.

— Estou contente de que o padre tenha ido embora e não vá voltar, Anjin-san.

— Sim.

— Teria sido melhor se não tivesse havido discussão alguma. Tenho medo por você.

— Nada está diferente. Ele sempre foi meu inimigo, sempre será. Karma é karma. Mas não se esqueça de que não existe nada além de nós. Ainda não. Nem ele nem ninguém. Não até Yedo. Neh?

— Sim. Você é muito sábio. E tem razão de novo. Estou muito feliz de estar com você...

A estrada de Mishima deixou as terras planas rapidamente e se retorceu montanha acima até o passo de Hakoné. Descansaram ali durante dois dias no alto das montanhas, alegres e contentes, o monte Fuji glorioso ao nascer do sol e ao crepúsculo, o cume obscurecido por uma grinalda de nuvens.

— A montanha é sempre assim?

— Sim, Anjin-san, quase sempre encoberta. Mas isso faz a vista de Fuji-san, clara e limpa, tão mais admirável, neh? Pode-se subir até o topo, se se quiser.

— Vamos fazer isso agora!

— Não agora, Anjin-san. Um dia. Temos que deixar alguma coisa para o futuro, neh? Escalaremos o Fuji-san no outono... Houve sempre hospedarias bonitas e privadas ao longo das planícies do Kwanto. E sempre rios e riachos e regatos para cruzar, o mar à direita agora. Sua expedição coleara em direção norte ao longo da movimentada e alvoroçada Tokaido, através da maior tigela de arroz do império. As lisas planícies de aluvião eram ricas em água, cada polegada cultivada. O ar era quente e úmido agora, denso com o cheiro de esterco humano que os fazendeiros regavam com água e punham a conchadas sobre as plantas com todo o amor e carinho.

— O arroz nos dá alimento para comer, Anjin-san, tatamis para dormir, sandálias com que andar, roupas para nos proteger da chuva e do frio, sapé para manter as nossas casas aquecidas, papel para escrever. Sem arroz não podemos existir.

— Mas o mau cheiro, Mariko-san!

— Esse é um preço pequeno a pagar por tanta generosidade, neh? Faça apenas o que fazemos, abra os olhos, os ouvidos e a mente. Ouça o vento e a chuva, os insetos e os pássaros, escute as plantas crescendo, e, mentalmente, veja as suas gerações seguindo até o fim dos tempos. Se fizer isso, Anjin-san, logo estará aspirando apenas o encanto da vida. Exige prática... mas o senhor se torna muito japonês, neh?

— Ah, obrigado, senhora! Mas devo confessar que estou começando a gostar de arroz. Sim. Certamente prefiro arroz e batatas e, quer saber de outra coisa? Não sinto falta de carne como sentia. Isso não é estranho? Não sinto tanta fome quanto antes.

— Eu sinto mais fome do que nunca. — Ah, eu estava falando de comida. — Ah, eu também ...

A três dias do passo de Hakoné, o período mensal dela começara e ela pedira a ele que tomasse uma das criadas da hospedaria. — Seria prudente, Anjin-san.

— Prefiro não fazer isso, sinto muito.

— Por favor, eu lhe peço. É uma salvaguarda. Uma discrição.

— Já que você me pede, então sim. Mas amanhã, não esta noite. Esta noite vamos dormir em paz.

Sim, pensou Mariko, naquela noite dormimos pacificamente e o amanhecer seguinte foi tão fascinante, que eu me sentei na varanda com Chimmoko e assisti ao nascimento de mais um dia.

— Ah, bom dia, Senhora Toda — dissera Gyoko, curvandose, à sua espera na entrada do jardim. — Um deslumbrante amanhecer, neh?

— Sim, lindo.

— Por favor, posso interrompê-la? Poderia lhe falar em particular... a sós? Sobre um assunto de negócios.

— Naturalmente. — Mariko deixara a varanda, não desejando perturbar o sono do Anjin-san. Mandara Chimmoko buscar chá e ordenara que se colocassem mantas sobre o gramado, perto da pequena queda d'água.

Quando foi correto começar e elas ficaram sozinhas, Gyoko disse: — Estive considerando de que modo eu poderia ser de mais valia para Toranaga-sama.

— Os mil kokus seriam mais que generosos. — Três segredos poderiam ser mais.

— Um, talvez, Gyoko-san, se fosse o segredo correto.

— O Anjin-san é um bom homem, neh? O futuro dele deve ser ajudado também, neh?

— O Anjin-san tem o seu próprio karma — replicara ela, sabendo que chegara o momento de negociar, perguntando-se o que devia conceder, se é que ousaria conceder alguma coisa. — Estávamos falando sobre o Senhor Toranaga, neh? Ou um dos segredos é sobre o Anjin-san?

— Oh, não, senhora. É como a senhora diz. O Anjin-san tem o seu próprio karma, assim como estou certa de que ele tem seus próprios segredos. Só me ocorreu que o Anjin-san é um dos vassalos favoritos do Senhor Toranaga, portanto qualquer proteção que o nosso senhor tenha em certo sentido ajuda a seus vassalos, neh?

— Concordo. Naturalmente é dever dos vassalos transmitir qualquer informação que pudesse ajudar o seu senhor.

— É verdade, senhora, muito verdade. Ah, é uma honra tão grande para mim servi-Ia. Honto. Posso dizer-lhe de como fiquei honrada em ser autorizada a viajar com a senhora, conversar com a senhora, comer e rir com a senhora, e ocasionalmente agir como uma modesta conselheira, por menos à altura que eu seja, pelo que peço desculpas. E finalmente dizer que a sua sabedoria é tão grande quanto a sua beleza, e a sua bravura tão vasta quanto a sua posição.

— Ah, Gyoko-san, por favor, desculpe-me, a senhora é muito gentil, muito atenciosa. Sou apenas a esposa de um dos generais do meu senhor. Estava dizendo? Quatro segredos?

— Três, senhora. Eu estava me perguntando se a senhora intercederia junto ao Senhor Toranaga por mim. Seria impensável que eu sussurrasse diretamente a ele o que sei ser verdadeiro. Seria muita falta de educação, porque eu não saberia as palavras certas a escolher, ou como colocar a informação diante dele, e em qualquer caso, num assunto de qualquer importância, o nosso costume de usar um intermediário é tão melhor, neh?

— Kiku-san não seria melhor escolha? Não tenho como saber quando serei chamada ou dentro de quanto tempo terei uma audiência com ele, ou mesmo se ele estaria interessado em ouvir qualquer coisa que eu pudesse ter para lhe dizer.

— Por favor, desculpe-me, senhora, mas a senhora seria extraordinariamente melhor. Poderia julgar o valor da informação, ela não. A senhora possui o ouvido, ela, outras coisas.

— Não sou conselheira, Gyoko-san. Nem avaliadora. — Eu diria que eles valem mil kokus.

— So desu ka?

Gyoko certificou-se perfeitamente de que ninguém estava ouvindo, depois contou a Mariko o que o padre cristão renegado murmurara que o Senhor Onoshi lhe havia sussurrado ao confessionário, e que ele relatara ao tio, o Senhor Harima; depois o que o segundo cozinheiro de Omi ouvira da conspiração de Omi e sua mãe contra Yabu; e por último, tudo o que sabia sobre Zataki, sua aparente luxúria pela Senhora Ochiba, e sobre Ishido e a Senhora Ochiba.

Mariko ouvira atentamente sem fazer comentário — embora romper o sigilo do confessionário a chocasse grandemente —, a mente dançando ante o enxame de possibilidades que aquelas informações desvendavam. Depois interrogou mais uma vez Gyoko com cuidado, para ter certeza de que entendera claramente o que lhe estava sendo dito e gravá-lo completamente na própria memória.

Quando ficou satisfeita, achando que sabia tudo o que Gyoko estava preparada para divulgar no momento — pois, obviamente, uma negociante tão astuta sempre conservaria muito de reserva —, mandou buscar chá.

Serviu pessoalmente a xícara de Gyoko, e tomaram o chá com gravidade afetada. Ambas cautelosas, ambas confiantes.

— Não tenho meio de saber quão valiosa é essa informação, Gyoko-san.

— Naturalmente, Mariko-sama.

— Imagino que essa informação — e os mil kokus — agradariam grandemente ao Senhor Toranaga.

Gyoko engoliu a obscenidade que lhe relampejou por trás dos lábios. Esperara uma redução substancial no lance inicial. — Desculpe, mas o dinheiro não tem significado para tal daimio, embora seja uma herança para uma camponesa como eu — mil kokus me tornam uma ancestral, neh? Sempre se deve saber o que se é, Senhora Toda. Neh? — Seu tom de voz tinha farpas.

— Sim. É bom saber o que a senhora é, e quem é, Gyokosan. Esse é um dos raros dons que a mulher tem sobre o homem. Uma mulher sempre sabe. Felizmente eu sei o que sou. Oh, sim, muito. Por favor, vá ao ponto.

Gyoko não vacilou sob a ameaça, mas revidou o ataque com uma concisão descortês correspondente. — O ponto é que ambas conhecemos a vida e compreendemos a morte, e ambas acreditamos que o tratamento no inferno e em qualquer outro lugar depende de dinheiro.

— Acreditamos?

— Sim. Sinto muito, acho que mil kokus é demais. — A morte é preferível?

— Já escrevi o meu poema de morte, senhora: "Quando eu morrer, não me queimem, não me enterrem, simplesmente atirem meu corpo num campo para cevar algum cão de barriga vazia".

— Isso poderia ser providenciado. Facilmente.

— Sim. Mas tenho ouvidos aguçados e uma língua segura, o que poderia ser mais importante.

Mariko serviu mais chá. Para si mesma. — Desculpe, tem mesmo?

— Oh, sim, muito. Por favor, desculpe-me, mas não é ostentação dizer que fui bem treinada, senhora, nisso e em muitas outras coisas. Não tenho medo de morrer. Escrevi o meu testamento, e detalhei instruções aos meus parentes para o caso de uma morte repentina. Fiz as pazes com os deuses há muito tempo, e quarenta dias depois de morrer sei que renascerei. Se não renascer — a mulher deu de ombros —, então serei um kami. — O leque dela estava parado. — Portanto posso me permitir aspirar à lua, neh? Por favor, desculpe-me por mencionar isto, mas sou como a senhora: não temo nada. Mas, ao contrário da senhora nesta vida, não tenho nada a perder.

— Tanta conversa sobre coisas más, Gyoko-san, numa manhã tão agradável. Está agradável, neh? — Mariko preparou-se para cravar as presas. — Eu preferiria muitíssimo vê-Ia viva, vivendo até uma velhice honrada, um dos sustentáculos da sua nova corporação. Ah, essa foi uma idéia de muita sensibilidade. Muito boa, Gyoko-san.

— Obrigada, senhora. Eu igualmente gostaria de vê-Ia segura e feliz e prosperando do modo como a senhora quisesse. Com todos os brinquedos e honras de que necessitasse.

— Brinquedos? — repetiu Mariko, perigosa agora.

Gyoko era como um cão de faro treinado. — Sou apenas uma camponesa, senhora, por isso não saberia que honras a senhora desejaria, que brinquedos a agradariam. Nem ao seu filho.

Sem que nenhuma das duas notasse, o delgado cabo de madeira do leque de Mariko quebrou-se entre os seus dedos. A brisa morrera. Agora o ar quente e úmido pairava sobre o jardim que dava para um mar sem ondas. Moscas enxamearam e pousaram e enxamearam de novo.

— De que... que honras ou brinquedos a senhora gostaria? Para si mesma? — Mariko encarou-a com uma fascinação malévola, claramente consciente agora de que precisava destruí-Ia ou seu filho pereceria.

— Nada para mim mesma. O Senhor Toranaga concedeu-me honras e riquezas para além dos meus sonhos. Mas para o meu filho? Ah, sim, ele poderia ter uma mão que o auxiliasse. — Que ajuda?

— Duas espadas. — Impossível.

— Eu sei, senhora. Sinto muito. Tão fácil de conceder e no entanto tão impossível. A guerra se aproxima. Muitos serão necessários para combater.

— Não haverá guerra agora. O Senhor Toranaga irá a Osaka.

— Duas espadas. Não é pedir demais.

— Isso é impossível. Sinto muito, não cabe a mim dar isso.

— Sinto muito, mas não pedi que a senhora concedesse coisa alguma. Mas essa é a única coisa que me agradaria. Sim. Nada mais. — Um fio de suor escorreu do rosto ao colo de Gyoko. — Eu gostaria de oferecer ao Senhor Toranaga quinhentos kokus do preço do contrato, como símbolo da minha estima nestes tempos difíceis. Os outros quinhentos irão para o meu filho. Um samurai necessita de um legado, neh?

— Está condenando seu filho à morte. Todos os samurais Toranaga morrerão ou se tornarão ronins muito em breve.

— Karma. Meu filho já tem filhos, senhora. Eles contarão aos próprios filhos que um dia fomos samurais. Isso é tudo o que importa, neh?

— Não cabe a mim dar isso.

— É verdade. Sinto muito. Mas isso é tudo o que me satisfaria.


Irritado, Toranaga meneou a cabeça. — A informação dela é interessante, talvez, mas não vale que eu lhe faça o filho samurai.

— Ela parece ser uma vassala leal, senhor — replicou Mariko. — Disse que ficaria honrada se o senhor deduzisse mais quinhentos kokus do preço do contrato para alguns samurais necessitados.

— Isso não é generosidade. Não, em absoluto. É meramente culpa pelo preço extorsivo que pediu originalmente.

— Talvez valha a pena considerar, senhor. A idéia dela sobre a corporação, sobre as gueixas e as novas classes de cortesãs terá efeitos de longo alcance, neh? Talvez não houvesse mal algum.

— Não concordo. Não. Por que deveria ela ser recompensada? Não há razão para conceder-lhe essa honra. Ridículo! Ela certamente não lhe pediu isso, pediu?

— Teria sido mais que um pouco impertinente da parte dela fazer isso, senhor. Fiz a sugestão porque acredito que ela poderia lhe ser muito valiosa.

— É melhor que ela seja mais valiosa. Os segredos provavelmente também são mentiras. Atualmente ela não tem nada além de mentiras. — Toranaga tocou um sininho e um escudeiro apareceu imediatamente à porta oposta.

— Senhor?

— Onde está a cortesã Kiku?

— Nos seus aposentos, senhor.

— A mulher Gyoko está com ela? — Sim, senhor.

— Ponha as duas para fora do castelo. Imediatamente! Mande-as de volta para... Não, aloje-as numa hospedaria, numa hospedaria de terceira classe, e diga-lhes que esperem lá até que eu mande chamá-las. — Quando o homem sumiu, Toranaga disse irritado: — Nojento! Alcoviteiros querendo ser samurais? Camponeses imundos, não conhecem mais o seu lugar?

Mariko observou-o sentado sobre a almofada, o leque agitando-se irregularmente. Estava chocada com a mudança nele. Abatimento, irritação e rabugice onde antes houvera sempre uma animada confiança. Ouvira os segredos com interesse, mas não com a animação que ela esperara. Pobre homem, pensou ela com pena, desistiu. De que lhe serve qualquer informação? Talvez ele seja sábio em pôr de lado as coisas do mundo e se preparar para o desconhecido. Seria melhor que você também fizesse isso, pensou ela, morrendo internamente um pouquinho mais. Sim, mas você não pode, ainda não, de algum modo você tem que proteger o seu filho.

Estavam no sexto andar do alto torreão fortificado e as janelas davam para a cidade inteira, abrangendo três pontos cardeais. O pôr-do-sol estava escuro aquela noite, um filete de lua baixo no horizonte, o ar úmido e sufocante, embora ali, quase cem pés acima das muralhas do castelo, o aposento apanhasse cada sopro de vento. A sala era baixa e fortificada, e tomava metade do andar inteiro, com outras salas adiante.

Toranaga pegou o despacho que Hiromatsu lhe enviara por Mariko e leu-o de novo. Ela notou que a mão dele tremia. — Para que ele quer vir a Yedo? — Com impaciência, Toranaga atirou o pergaminho para um lado.

— Não sei, senhor, sinto muito. Só me pediu que lhe entregasse esse despacho.

— Você conversou com o renegado cristão?

— Não, senhor. Yoshinaka-san disse que o senhor tinha dado ordens para que ninguém fizesse isso.

— Como esteve Yoshinaka durante a viagem?

— Muito capaz, senhor — disse ela, pacientemente respondendo à pergunta pela segunda vez. — Muito eficiente. Protegeu-nos muito bem e trouxe-nos exatamente no prazo.

— Por que o Padre Tsukku-san não voltou com vocês o caminho todo?

— Na estrada de Mishima, senhor, ele e o Anjin-san discutiram — disse-lhe Mariko, não sabendo o que o Padre Alvito já poderia ter contado a Toranaga, se, de fato, Toranaga já tivesse mandado chamá-lo. — O padre resolveu continuar a viagem sozinho.

— Sobre o que foi a discussão?

— Parcialmente sobre mim, minha alma, senhor. Na maior parte por causa da inimizade religiosa deles e por causa da guerra entre seus governantes.

— Quem começou?

— Os dois são igualmente responsáveis. Começou por causa de um frasco de bebida. — Mariko contou-lhe o que se passara com Rodrigues, depois continuou: — O Tsukku-san havia trazido uma segunda garrafa consigo, desejando, conforme disse, interceder por Rodrigues-san, mas o Anjin-san disse, chocante e abruptamente, que não queria nenhuma "bebida papista", preferia saquê, e que não confiava em padres. O... o santo padre enfureceu-se, foi abrupto de modo igualmente chocante, dizendo que nunca lidara com veneno, nunca o faria, e nunca poderia desculpar uma coisa dessas.

— Ah, veneno? Eles usam veneno como arma?

— O Anjin-san me disse que alguns deles sim, senhor. Isso levou à palavras mais violentas e depois se puseram a se agredir mutuamente sobre religião, a minha alma, católicos e protestantes... Saí para procurar Yoshinaka-san tão rápido quanto pude, e ele interrompeu a discussão.

— Os bárbaros só causam problemas. Os cristãos só problemas. Neh?

Ela não lhe respondeu. A petulância dele a perturbava. Não era nada do seu feitio e parecia não haver razão para tal colapso do seu lendário autocontrole. Talvez o choque de ser derrotado seja demais para ele, pensou ela. Sem ele estamos todos liquidados, meu filho está liquidado, e o Kwanto logo estará em outras mãos. A melancolia de Toranaga a estava contagiando. Ela notara nas ruas e no castelo a mortalha que parecia pairar sobre a cidade inteira — uma cidade que era famosa pela sua alegria, impudente bom humor e encanto com a vida.

— Nasci no ano em que os primeiros cristãos chegaram e desde então eles não pararam de atormentar o país — disse Toranaga. — Durante cinqüenta e oito anos, causam nada além de problemas. Neh?

— Sinto muito que eles o tenham ofendido, senhor. Há mais alguma coisa? Com a sua perm...

— Sente-se. Ainda não terminei. — Toranaga tocou o sino de novo. A porta se abriu. — Mande Buntaro-san entrar. Buntaro avançou. De cara fechada, ajoelhou-se e curvou-se. Ela se curvou para ele estarrecida, pois ele não fizera menção de tê-la notado.

Pouco antes Buntaro encontrara o seu cortejo ao portão do castelo. Após uma breve saudação, dissera-lhe que devia se apresentar ao Senhor Toranaga imediatamente. O Anjin-san seria chamado mais tarde.

— Buntaro-san, pediu para me ver na presença de sua esposa o mais cedo possível?

— Sim, senhor. — O que deseja?

— Humildemente peço-lhe permissão para cortar a cabeça do Anjin-san — disse Buntaro.

— Por quê?

— Por favor, desculpe-me, mas eu... eu não gosto do modo como ele olha para a minha mulher. Eu queria... queria dizer isso diante dela, pela primeira vez, na sua frente. Além disso, ele me insultou em Anjiro e não posso mais viver com essa vergonha. Toranaga deu uma olhada em Mariko, que parecia ter congelado no tempo. — Acusa-a de encorajá-lo?

— Eu ... eu peço permissão para tirar-lhe a cabeça. — Acusa-a de encorajá-lo? Você a acusa? Responda à pergunta!

— Por favor, desculpe-me, senhor, mas se eu achasse isso, seria forçado pelo dever a tirar a cabeça dela imediatamente — respondeu Buntaro como uma pedra, de olhos nos tatamis. — O bárbaro é uma constante irritação à minha harmonia. Acredito que ele seja um aborrecimento ao senhor. Deixe-me tirar-lhe a cabeça, peço-lhe. — Levantou os olhos, as pesadas mandíbulas por barbear, os olhos profundamente ensombrecidos. — Ou deixe-me tomar minha esposa agora e esta noite iremos antes do senhor... para preparar o caminho.

— O que diz a isso, Mariko-san?

— Ele é meu marido. Qualquer coisa que decida é o que eu farei — a menos que o senhor decida em contrário. Esse é o meu dever.

Toranaga olhou do homem para a mulher. Depois sua voz se endureceu, e por um instante foi como o Toranaga de antigamente. — Mariko-san, você partirá dentro de três dias para Osaka. Vai preparar esse caminho para mim e me esperará lá. Buntaro-san, você me acompanhará como comandante da minha escolta quando eu partir. Depois de ter agido como meu auxiliar, você ou um dos seus homens pode fazer o mesmo com o Anjin-san — com ou sem a aprovação dele.

Buntaro pigarreou. — Senhor, por favor, ordene Céu...

— Cale-se! Não sabe se comportar? Já lhe disse não três vezes! Na próxima vez em que tiver a impertinência de oferecer um conselho indesejável, você rasgará o ventre num monturo de Yedo!

A cabeça de Buntaro tocou os tatamis. — Peço desculpas, senhor. Peço desculpas pela minha impertinência.

Mariko ficou igualmente estarrecida com a falta de educação de Toranaga, a vergonhosa explosão, e também se curvou profundamente para ocultar o próprio embaraço. Pouco depois Toranaga disse: — Por favor, desculpem-me o mau humor. Seu pedido está concedido, Buntaro-san, mas só depois de ter agido como meu assistente.

— Obrigado, senhor.

— Ordenei que vocês fizessem as pazes. Fizeram? Buntaro assentiu secamente. Mariko também.

— Bom. Mariko-san, você voltará à noite, à hora do Cão. Pode ir agora. Ela se curvou e saiu.

Toranaga encarou Buntaro. — Bem?

— É... é impensável que ela me traísse, senhor — respondeu Buntaro sombriamente.

— Concordo. — Toranaga afastou uma mosca com o leque, parecendo muito cansado. — Bem, você terá a cabeça do Anjin-san dentro em breve. Preciso que ela esteja sobre os ombros dele um pouco mais.

— Obrigado, senhor. Desculpe-me de novo por tê-lo irritado. — Estes tempos são irritantes. Tempos abomináveis. — Toranaga inclinou-se para a frente. — Ouça, quero que você vá a Mishima imediatamente para render seu pai por alguns dias. Ele pede permissão para vir aqui consultar-se comigo. Não sei o que... De qualquer modo, preciso ter alguém em Mishima em quem eu possa confiar. Parta por favor ao amanhecer, mas via Takato.

— Senhor? — Buntaro viu que Toranaga conservava a calma apenas com um enorme esforço, e apesar da própria vontade a voz tremia.

— Tenho uma mensagem particular para minha mãe em Takato. Você não deve dizer a ninguém que irá lá. Mas assim que estiver longe da cidade, rume para o norte.

— Compreendo.

— O Senhor Zataki pode impedi-lo de entregar a mensagem, pode tentar impedir. Você deve entregá-la apenas nas mãos dela. Compreendeu? Apenas a ela. Pegue vinte homens e parta a galope. Mandarei um pombo-correio para pedir um salvo-conduto a ele.

— Sua mensagem será oral ou escrita, senhor? — Escrita.

— E se eu não conseguir entregá-la?

— Tem que entregá-la, claro que tem. É por isso que estou escolhendo você! Mas... se for traído como eu fui... se for traído, destrua-a antes de se suicidar. No momento em que eu receber essa má notícia, a cabeça do Anjin-san lhe rolará dos ombros. E se ... e Mariko-san? E a sua esposa, se alguma coisa der errado?

— Por favor, mate-a, senhor, antes de morrer. Eu ficaria honrado se... Ela merece um assistente digno.

— Ela não morrerá desonrosamente, você tem a minha promessa. Providenciarei isso. Pessoalmente. Agora, por favor, volte ao amanhecer para levar a mensagem. Não me falhe. Apenas nas mãos de minha mãe.

Buntaro agradeceu-lhe de novo e saiu, envergonhado pela demonstração de medo de Toranaga.

Sozinho agora, Toranaga puxou um lenço e enxugou o suor do rosto. Seus dedos tremiam. Tentou controlá-los, mas não conseguiu. Exigira-lhe toda a força continuar se comportando como o simplório estúpido, esconder a desmedida excitação com os segredos, os quais, fantasticamente, prometiam a longamente ansiada prorrogação.

— Uma prorrogação possível, apenas possível... se for verdade — disse ele alto, quase incapaz de pensar, a surpreendentemente bem-vinda informação de Gyoko que Mariko trouxera ainda a lhe guinchar no cérebro.

Ochiba, exultava ele... então essa hárpia é a isca para trazer o meu irmão aos trambolhões do seu ninho na montanha. Meu irmão quer Ochiba. Mas agora é igualmente óbvio que ele quer mais do que ela, e mais do que apenas o Kwanto. Quer o reino. Ele detesta Ishido, tem aversão aos cristãos, e agora está doente de ciúme devido à notória luxúria de Ishido por Ochiba. Por isso ele vai se desavir com Ishido, Kiyama e Onoshi. Porque o que o meu traiçoeiro irmão realmente deseja é tornar-se xógum. É Minowara, com toda a linhagem necessária, toda a ambição, mas não o mandato. Nem o Kwanto. Primeiro tem que conseguir o Kwanto, para depois conseguir o resto.

Toranaga esfregou as mãos de alegria ante as maravilhosas possibilidades novas que esse conhecimento recente lhe dava contra o irmão.

E Onoshi, o leproso! Uma gota de mel no ouvido de Kiyama no momento exato, pensou ele, o teor da traição do renegado alterado um pouco, melhorado modestamente, e Kiyama poderia reunir suas legiões e imediatamente cair a ferro e fogo em cima de Onoshi. "Gyoko tem toda a certeza, senhor. O Irmão José disse que o Senhor Onoshi sussurrou no confessionário que havia feito um acordo secreto com Ishido contra um daimio cristão amigo, e queria absolvição. O acordo solenemente combinava que, em troca de apoio agora, Ishido prometia que, no dia em que o senhor estiver morto, esse cristão amigo seria impedido por traição e convidado a partir para o Vazio; no mesmo dia, à força se necessário, o filho e herdeiro de Onoshi herdaria todas as terras. O nome do cristão não foi pronunciado, senhor."

Kiyama ou Harima de Nagasaki? perguntou-se Toranaga. Não tem importância. Para mim deve ser Kiyama.

Levantou-se trêmulo, apesar do seu júbilo, dirigiu-se a uma das janelas e apoiou-se pesadamente ao peitoril de madeira. Esquadrinhou a lua e o céu além. As estrelas estavam baças. Nuvens de chuva se formavam.

— Buda, todos os deuses, quaisquer deuses, deixem meu irmão morder a isca — e façam os cochichos daquela mulher serem verdadeiros!

Nenhuma estrela cadente apareceu para mostrar que os deuses haviam tomado conhecimento da mensagem. Nenhum vento surgiu, nenhuma nuvem súbita obscureceu a lua crescente. Mesmo que tivesse havido um sinal celeste, ele o teria ignorado como coincidência.

Seja paciente. Considere apenas os fatos. Sente-se e pense, disse a si mesmo.

Sabia que o esforço estava começando a agir sobre ele, mas era vital que nenhum dos seus íntimos ou vassalos — portanto nenhum da legião de imbecis de língua frouxa ou espiões em Yedo — suspeitasse um instante que ele estava apenas fingindo capitulação e representando o papel de um homem derrotado. Em Yokosé ele percebera de imediato que aceitar o segundo pergaminho do irmão era o seu dobre de morte. Resolvera que a sua única e minúscula chance de sobrevivência era convencer a todo mundo, até a si mesmo, que aceitara totalmente a derrota, embora na realidade isso fosse uma dissimulação para ganhar tempo, continuando o esquema que usara a vida toda, de negociação, adiamento, e aparente retirada, sempre esperando pacientemente até que uma fenda na armadura aparecesse acima de uma jugular, depois cravando a faca violentamente, sem hesitação.

Desde Yokosé ele esperava, ao longo de dias e noites de vigília solitária, cada dia mais difícil de suportar. Nada de caça ou riso, nada de conspiração, planejamento, natação, gracejos, dança ou canto nas peças nó que o encantaram a vida toda. Apenas o mesmo papel solitário, o mais difícil da sua vida: melancolia, rendição, indecisão, aparente desamparo, com semi-inanição auto-imposta.

Para ajudar a passar o tempo, continuara a burilar o Legado. Tratava-se de uma série de instruções secretas particulares aos seus sucessores, que ele vinha formulando ao longo dos anos, sobre o melhor modo de governar depois dele. Sudara já havia jurado conformar-se ao Legado, assim como cada herdeiro seria solicitado a fazer. Desse modo o futuro do clã estaria garantido — pode ser garantido, lembrou-se Toranaga enquanto trocava uma palavra ou acrescentava uma frase ou eliminava um parágrafo, desde que eu escape desta armadilha atual.

O Legado começava assim: "O dever do senhor de uma província é dar paz e segurança ao povo e não consiste em fazer resplandecer os seus ancestrais ou trabalhar para a prosperidade dos seus descendentes..."

Uma das máximas era: "Lembre-se de que a fortuna e o infortúnio devem ser deixados ao céu e à lei natural. Não devem ser comprados por oração ou qualquer ardil astucioso a ser pensado por qualquer homem ou santo por atribuição própria". Toranaga eliminou "... ou santo por atribuição própria" e mudou a frase de modo a terminar em "...por qualquer homem que seja".

Normalmente ele apreciaria esforçar a mente para escrever clara e sucintamente, mas durante os longos dias e noites fora-lhe necessária toda a autodisciplina para continuar a desempenhar esse papel tão estranho.

O fato de ter tido êxito lhe agradava, mas como as pessoas podiam ser tão ingênuas?

Agradeça aos deuses por elas o serem — respondeu a si mesmo pela milionésima vez. Aceitando a "derrota" você evitou a guerra duas vezes. Ainda está encurralado, mas agora, finalmen te, a sua paciência trouxe a recompensa e você tem uma nova chance.

Talvez você tenha uma chance, corrigiu-se ele. A menos que os segredos sejam falsos e dados por um inimigo para emaranhar você ainda mais, desanimava.

O peito começou a doer, ele se sentiu fraco e com vertigem, então sentou e respirou fundo, conforme seus professores zen lhe haviam ensinado anos atrás. "Dez fundos, dez lentos, dez fundos, dez lentos, envie a mente para o Vazio. Não há passado nem frio, dor nem alegria — do nada, para o futuro, calor nada..."

Logo começou a pensar com clareza, guio-se para a sua mesa e começou a escrever. Uma carta que agisse como intermediária entre ele e o meio irmão, e apresentasse uma oferta para o futuro do clã. Primeiro solicitava ao irmão que considerasse um casamento com a Senhora Ochiba: ... claro que seria impensável que eu fizesse isso, irmão. Muitos daimios ficariam enfurecidos com a minha ‘ambição exagerada'. Mas tal ligação com você consolidaria a paz do reino, e confirmaria a sucessão de Yaemon — ninguém duvida da sua lealdade, embora alguns, erroneamente, duvidem da minha. Você certamente poderia encontrar uma esposa mais conveniente, mas ela dificilmente conseguiria encontrar um marido melhor. Uma vez que os traidores de Sua Alteza Imperial sejam eliminados, e eu reassuma o meu legítimo lugar de presidente do conselho de regentes, convidarei o Filho do Céu a exigir o casamento, se você concordar em assumir tal encargo. Sinceramente penso que esse sacrifício é o único meio de podermos ambos assegurar a sucessão e cumprir o juramento que fizemos ao táicum. Em segundo lugar, ficam-lhe oferecidos todos os domínios dos traidores cristãos Kiyama e Onoshi, que atualmente conspiram, com os padres bárbaros, uma guerra traiçoeira contra todos os daimios não-cristãos, apoiados por uma invasão de bárbaros armados com mosquetes, como fizeram antes contra o nosso suserano, o taícurn. Depois, ficam-lhe oferecidas todas as terras de quaisquer outros cristãos de Kyushu que se alinhem ao lado do traidor Ishido contra mim na batalha final. (Você soube que esse camponês arrivista teve a impertinência de fazer saber que, assim que eu estiver morto e ele governar os regentes, planeja dissolver o conselho e se casar com a mãe do herdeiro?)

"Em troca do citado acima, apenas isto, irmão: um tratado de aliança secreto agora, passagem garantida para os meus exércitos através das montanhas de Shinano, um ataque conjunto sob o meu comando a Ishido no momento e do modo que eu escolher. Por último, como medida da minha confiança, mandarei imediatamente o meu filho Sudara, sua esposa, a Senhora Genjiko, e os filhos deles, inclusive o meu único neto, a você em Takato... "

Isto não é obra de um homem derrotado, disse-se Toranaga ao lacrar o pergaminho. Zataki notará imediatamente. Sim, mas agora a armadilha está montada. Shinano está atravessada no meu único caminho, e Zataki é a chave inicial aos planos de Osaka. Será verdade que Zataki deseja Ochiba? Arrisco tanto sobre os supostos sussurros de uma criada de pernas arreganhadas e um homem grunhindo. Gyoko poderia estar mentindo em vantagem própria, aquela sanguessuga impertinente! Samurai? Então essa é a verdadeira chave para lhe destrancar todos os segredos.

Ela deve ter prova de Mariko com o Anjin-san. Porque outro motivo Mariko me faria uma solicitação assim? Toda-Mariko e o bárbaro! O bárbaro e Buntaro! Iiiiih, a vida é estranha.

Outra pontada no coração alquebrou-o. Após um momento, escreveu a mensagem para o pombo-correio e subiu com dificuldade os degraus até o pombal. Cuidadosamente selecionou um pombo de Takato num dos muitos cestos e introduziu o minúsculo cilindro. Depois pôs o pombo sobre o poleiro na caixa aberta que permitiria à ave levantar vôo à primeira luz.

A mensagem pedia à mãe que solicitasse passagem em segurança para Buntaro, que levava um importante despacho para ela e para Zataki. E assinou-a, como à oferta, "Yoshi Toranaga noh-Minowara", ostentando o título pela primeira vez na vida. — Voe no rumo correto, avezinha — disse ele, acariciando-a com uma pena quebrada. — Você carrega uma herança de dez mil anos.

Mais uma vez seus olhos foram para a cidade lá embaixo. Uma ínfima faixa de luz aparecia no horizonte a oeste. Junto aos embarcadouros, viu os minúsculos archotes que rodeavam o navio bárbaro.

Lá está outra chave, pensou ele, e começou a repensar os três segredos. Sabia que alguma coisa lhe escapara.

— Gostaria que Kiri estivesse aqui — disse à noite.

Mariko estava ajoelhada diante do seu espelho de metal polido. Desviou o olhar do rosto. Nas suas mãos estava a adaga, captando a luz bruxuleante. — Eu deveria usá-la — disse, cheia de pesar. Seus olhos buscaram Nossa Senhora e a Criança no nicho ao lado do belo ramo de flores.

— Sei que suicídio é pecado mortal, como posso viver com esta vergonha? Seu olhos se encheram de lágrimas, mas o que posso fazer? É melhor que eu o faça antes de ser traída.

O quarto estava silencioso como a casa. Era a casa da família, construída dentro do anel mais interno de defesa, atrás do largo fosso em torno do castelo, onde apenas os hatamotos favoritos e dignos de confiança tinham autorização de morar. Rodeando a casa havia um jardim cercado de bambu e atravessado por um minúsculo riacho desviado da abundância de águas que rodeavam o castelo. Ela ouviu passos. O portão da frente rangeu e houve o som de criados acorrendo para saudar o amo. Rapidamente ela enfiou a faca no obi e enxugou as lágrimas. Logo houve mais passos e ela abriu a porta, curvando-se polidamente.

Mal-humorado, Buntaro disse-lhe que Toranaga mudara de idéia novamente, que agora lhe ordenara que fosse temporariamente para Mishima. — Partirei ao amanhecer. Quis desejar-lhe uma viagem segura... — Parou e observou-a, atento. — Por que está chorando?

— Desculpe-me, senhor. É só porque sou uma mulher e a vida me parece muito difícil. E por causa de Toranaga-sama.

— Ele é um junco quebrado. Envergonho-me de dizer. Terrível, mas foi isso o que ele se tornou. Devíamos ir à guerra. Muito melhor ir à guerra do que saber que o único futuro que tenho é ver a cara imunda de Ishido rindo do meu karma!

— Sim, sinto muito. Gostaria que houvesse alguma coisa que eu pudesse fazer para ajudar. O senhor tomaria saquê ou chá? Buntaro voltou-se e berrou a um criado que esperava no corredor. — Traga saquê! Depressa!

Entrou no quarto. Mariko fechou a porta. Ele parou junto da janela, olhando para os muros do castelo e o torreão além. — Por favor, não se preocupe, senhor — disse ela apaziguadora. — O banho está pronto e mandei chamar a sua favorita.

Ele manteve os olhos no torreão, alterado. Depois disse: — Ele deveria renunciar em favor do Senhor Sudara, se não tem mais estômago para a liderança. O Senhor Sudara é filho dele e herdeiro legal, neh? Neh?

— Sim, senhor.

— Sim. Ou, melhor ainda, ele devia fazer conforme Zataki sugeriu. Cometer seppuku. Aí teríamos Zataki e seus exércitos lutando conosco. Com eles e os mosquetes, poderíamos esmagar o inimigo até Kyoto, sei que poderíamos. Ainda que falhássemos, seria melhor que desistir como imundos e covardes comedores de alho! Nosso amo perdeu todos os seus direitos. Neh? Neh!? — Voltou-se bruscamente para ela.

— Por favor, desculpe-me... não cabe a mim dizer isso. Ele é nosso suserano.

Buntaro deu-lhe as costas de novo, meditando, fitando o torreão. Luzes tremulavam em todos os níveis. Particularmente no sexto. — Minha sugestão ao conselho dele é convidá-lo a partir, e se ele não fizer isso... ajudá-lo. Há precedentes suficientes! Há muitos que compartilham da minha opinião, mas não o Senhor Sudara, ainda não. Talvez o faça secretamente, quem sabe, quem sabe o que ele realmente pensa? Quando você encontrar a esposa dele, quando encontrar a Senhora Cenjiko, converse com ela, convença-a. Depois ela o convencerá — ela o traz pelo nariz, neh? Vocês são amigas, ela a ouvirá. Convença-a.

— Penso que isso seria muito grave, senhor. É traição. — Ordeno-lhe que converse com ela!

— Obedecerei.

— Sim, obedecerá a uma ordem, não? — vociferou ele. — Obedecer? Por que você é sempre tão fria e amarga? Hein? — Ele agarrou o espelho e o colocou com um repelão à frente dela. — Olhe-se!

— Por favor, desculpe se o desagrado, senhor. — A voz dela foi firme e ela desviou o olhar do espelho para encará-lo. — Não desejo enfurecê-lo.

Ele a observou um instante, depois repentinamente arremessou o espelho de volta à mesa laqueada. — Eu não a acusei. Se eu achasse isso eu ... eu não hesitaria.

Mariko ouviu-se revidar, de modo imperdoável. — Não hesitaria em fazer o quê? Matar-me, senhor? Ou deixar-me viver para me envergonhar mais?

— Não a acusei, apenas a ele! — berrou Buntaro.

— Mas eu o acuso! — guinchou ela de volta. — E o senhor me acusou!

— Cale a boca!

— Envergonhou-me na frente do nosso senhor! Acusou-me e não cumprirá o seu dever! Tem medo! O senhor é um covarde! Um imundo covarde e comedor de alho!

A espada dele voou para fora da bainha e ela exultou com o fato de finalmente ter ousado levá-lo além dos limites.

Mas a espada continuou assestada no ar. — Eu... eu tenho a sua... tenho a sua promessa diante do seu... seu Deus, em Osaka. Antes de... de irmos para a morte... tenho a sua promessa e eu... eu exijo que você a cumpra!

A ardilosa risada dela foi estridente e malévola. — Oh, sim, poderoso senhor. Serei sua almofada só mais uma vez, mas a sua acolhida será seca, amarga e rançosa!

Ele golpeou cegamente com a força de duas mãos uma coluna a um canto e a lâmina quase cortou em duas a trave de madeira com a espessura de um pé. Ele puxou com violência, mas a espada resistiu. Alucinado, ele a torceu, lutando por soltá-la, até que a lâmina se partiu. Com uma última imprecação, ele atirou o cabo quebrado através da frágil parede e dirigiu-se cambaleante para a porta. O trêmulo criado erguia-se ali com a bandeja e o saquê. Buntaro mandou a bandeja pelos ares com um murro. Imediatamente o criado se ajoelhou, encostou a cabeça ao chão, e se imobilizou.

Buntaro apoiou-se ao esqueleto da porta destroçada. — Espere... espere até Osaka.

Arrastou-se para fora da casa.

Mariko permaneceu imóvel durante algum tempo, aparentemente em transe. Depois a cor começou a voltar-lhe ao rosto. Seus olhos tornaram a enxergar. Silenciosamente voltou ao espelho. Estudou o próprio reflexo um instante. Depois, absolutamente calma, acabou de se maquilar.

Blackthorne subiu correndo, de dois em dois degraus, seu guarda consigo. Encontravam-se na escada principal, dentro do torreão, e ele se sentia contente por não estar estorvado pelas espadas. Entregara-as formalmente no pátio aos primeiros guardas, que também o haviam revistado polida mas completamente. Archotes iluminavam a escada e os patamares. No quarto patamar parou, quase explodindo de animação contida, e chamou: — Mariko-san, a senhora está bem?

— Sim, sim. Estou ótima, obrigada, Anjin-san.

Ele começou a subir de novo, sentindo-se leve e muito forte, até atingir o último patamar no sexto andar. Aquele andar estava pesadamente guardado como todos os outros. Seu samurai de escolta aproximou-se dos outros agrupados junto à última porta fortificada com ferro e curvou-se. Retribuíram-lhe a reverência e fizeram sinal a Blackthorne que esperasse.

Todo o trabalho em ferro e madeira no castelo inteiro era excelente. Ali no torreão, todas as janelas, embora delicadas e elevadas, também serviam de posições para arqueiros, e havia pesados postigos cobertos de ferro, prontos para se fecharem para maior proteção.

Mariko contornou o último ângulo da escada facilmente defendível e os alcançou.

— Está bem? — perguntou ele.

— Oh, sim, obrigada — respondeu ela, ligeiramente sem fôlego. Mas ainda possuía a mesma curiosa serenidade e desinteresse que ele notara imediatamente quando a encontrara no pátio, mas que nunca vira antes.

Não tem importância, pensou ele confiantemente, é só o castelo e Toranaga e Buntaro e o fato de estar aqui em Yedo. Sei o que fazer agora.

Desde que vira o Erasmus, fora dominado por uma imensa alegria. Na realidade nunca esperara encontrar o seu navio tão perfeito, tão limpo, cuidado e pronto. Quase não há motivo para ficar em Yedo agora, pensara ele. Vou só dar uma olhada rápida lá embaixo, para examinar os porões, um mergulho para examinar a quilha, depois as armas, a sala de pólvora, munição e velas. Durante a viagem para Yedo ele planejara como usar seda grossa ou tecido de algodão para fazer velas; Mariko lhe dissera que não existia lona no Japão. É tratar de utilizar as velas disponíveis, casquinou ele, e quaisquer outros sobressalentes de que necessitemos, depois zarpar para Nagasaki, como um dardo relâmpago. — Anjin-san! — O samurai estava de volta.

— Hai? — Dozo.

A porta fortificada girou nos gonzos silenciosamente. Toranaga estava sentado na outra extremidade da sala quadrada, sobre um elevado forrado de tatamis. Sozinho.

Blackthorne ajoelhou-se e se curvou profundamente, as mãos estendidas no chão. — Konbanwa, Toranaga-sama. Ikaga desu ka? — Okagesana de genki desu. Anata wa?

Toranaga parecia mais velho e sem viço, e muito mais magro do que antes. Shikata ga nai, disse Blackthorne a si mesmo. O karma de Toranaga não vai afetar o Erasmus — o navio será o seu salvador, por Deus.

Respondeu às perguntas-padrão de Toranaga num japonês simples de boa pronúncia, usando uma técnica simplificada que desenvolvera com a ajuda de Alvito. Toranaga cumprimentou-o pelo progresso e começou a falar mais depressa.

Blackthorne usou uma das frases de reserva que havia elaborado com Alvito e Mariko: — Por favor, desculpe-me, senhor, como o meu japonês não é bom, poderia falar mais devagar e usar palavras simples, assim como eu tenho que usar palavras simples? Por favor, desculpe-me por lhe causar tanto incômodo. — Está bem. Sim, certamente. Diga-me, o que achou de Yokosé?

Blackthorne respondeu, acompanhando-o, as respostas vacilantes, o vocabulário ainda muito limitado, até que Toranaga fez uma pergunta cujas palavras-chave ele perdeu inteiramente. — Dozo? Gomen nasai, Toranaga-sama — disse desculpando-se. — Wakarimasen.

Toranaga repetiu numa linguagem mais simples. Blackthorne olhou para Mariko. — Sinto muito, Mariko-san, o que é "sonkei sit beki um?

— "Em condição de navegar", Anjin-san.

— Ah! Domo. — Blackthorne voltou-se. O daimio perguntara se ele poderia se certificar rapidamente de que o navio estava em total condição de navegar, e quanto tempo isso levaria. Ele respondeu: — Sim, fácil. Meio dia, senhor.

Toranaga pensou um instante, depois disse-lhe que fizesse isso no dia seguinte e se apresentasse a ele à tarde, durante a hora do Bode. — Wakarimasu?

— Hai.

— Então você poderá ver os seus homens — acrescentou Toranaga.

— Senhor?

— Os seus vassalos. Mandei chamá-lo para lhe dizer que amanhã você terá os seus vassalos.

— Ah, desculpe, compreendi. Vassalos samurais. Duzentos homens.

— Sim. Boa noite, Anjin-san. Vê-lo-ei amanhã.

— Por favor, desculpe-me, senhor, posso respeitosamente perguntar três coisas?

— O quê?

— Primeiro: possível ver minha tripulação agora, por favor? Poupar tempo, neh? Por favor.

Toranaga concordou e deu uma ordem curta a um dos samurais para que guiasse Blackthorne. — Leve uma guarda de dez homens. Leve o Anjin-san lá e traga-o de volta ao castelo. — Sim, senhor.

— Depois, Anjin-san?

— Por favor, possível conversar sozinho? Pouco tempo. Por favor, desculpe minha rudeza. — Blackthorne tentou não demonstrar a ansiedade quando Toranaga perguntou a Mariko do que se tratava. Ela respondeu sinceramente que só sabia que o Anjin-san tinha alguma coisa particular a dizer, mas que não perguntara o que era.

— Tem certeza de que estará correto que eu peça a ele, Mariko-san? — dissera Blackthorne quando começaram a subir os degraus.

— Oh, sim. Desde que o senhor espere até ele terminar. Mas esteja certo de saber exatamente o que vai dizer, Anjin-san. Ele está... ele não está tão paciente quanto normalmente é. — Ela não perguntara o que ele queria perguntar, e ele não dissera nada.

— Muito bem, Anjin-san — disse Toranaga. — Por favor, espere lá fora, Mariko-san. — Ela se curvou e saiu. — Sim?

— Sinto muito ouvir Senhor Harima de Nagasaki agora inimigo.

Toranaga se surpreendeu, pois ficara sabendo do compromisso público de Harima com Ishido apenas quando chegara a Yedo. — Onde obteve essa informação?

— Por favor?

Toranaga repetiu a pergunta mais devagar.

— Ah! Compreendo. Ouvi sobre Senhor Harima em Hakoné. Gyoko-san nos diz. Gyoko-san ouvir em Mishima.

— Essa mulher é bem informada. Talvez bem informada demais.

— Senhor?

— Nada. Continue. O que há com o Senhor Harima?

— Senhor, posso respeitosamente dizer: meu navio, grande arma contra Navio Negro, neh? Se eu tomo Navio Negro bem rápido — padres muito zangados porque não dinheiro cristão aqui — não dinheiro também português outras terras. Ano passado não Navio Negro aqui, por isso não dinheiro, nelh? Se agora tomar Navio Negro rápido, muito rápido, e também próximo ano, todos padres grande medo. Essa é a verdade, senhor. Penso padres devem ceder se se ameaçar. Padres deste jeito para Toranaga-sama! — Blackthorne fechou a mão como quem agarra, para ser mais claro.

Toranaga ouvira atentamente, observando-lhe os lábios, assim como ele fazia o mesmo. — Estou acompanhando, mas para quê, Anjin-san?

— Senhor?

Toranaga adotou o mesmo esquema de usar poucas palavras: — Para obter o quê? Pegar o quê? Conseguir o quê?

— Senhor Onoshi, Senhor Kiyama e Senhor Harima.

— Então você quer interferir na nossa política, como os padres? Também acha que sabe como nos governar, Anjin-san? — Sinto muito, por favor, desculpe, não compreendo.

— Não tem importância. — Toranaga pensou um longo tempo, depois disse: — Os padres dizem que não têm poder para dar ordens aos daimios cristãos.

— Não verdade, senhor, por favor, desculpe. Dinheiro grande poder sobre padres. É a verdade, senhor. Se não Navio Negro este ano, e no próximo ano também não Navio Negro, ruína. Muito, muito mau para padres. É a verdade, senhor. Dinheiro é poder. Por favor, considere: com Céu Carmesim ao mesmo tempo ou antes, eu ataco Nagasaki. Nagasaki inimigo agora, neh? Tomo Navio Negro e ataco rotas marítimas entre Kyushu e Honshu. Talvez ameaça suficiente para transformar inimigo em amigo?

— Não. Os padres pararão o comércio. Não estou em guerra com os padres nem com Nagasaki. Oti com ninguém. Vou a Osaka. Não haverá Céu Carmesim. Wakarimasu?

— Hai. — Blackthorne não se perturbou. Sabia que agora Toranaga compreendia claramente que essa possível tática certamente esvaziaria uma larga proporção das forças de Kiyama Onoshi-Harima, todas baseadas em Kyushu. E o Erasmus certamente poderia destroçar qualquer transferência de tropa marítima em larga escala, daquela ilha para a ilha principal. Tenha paciência, advertiu a si mesmo. Deixe Toranaga pensar no assunto. Talvez seja como Mariko diz: há um longo tempo entre aqui e Osaka, e quem sabe o que pode acontecer? Prepare-se para o melhor, mas não tema o pior.

— Anjin-san, por que não dizer isso diante de Mariko-san? Ela diria aos padres? Você acha que sim?

— Não, senhor. Só querer tentar falar direto. Guerra não assunto de mulher. Um último pedido, Toranaga-sarna. — Blackthorne se lançou no rumo que escolhera. — Costume hatamoto pedir favores, às vezes. Por favor, desculpe, senhor, posso respeitosamente dizer agora possível pedido?

O leque de Toranaga parou. — Que favor?

— Sei divórcio fácil se senhor diz. Peço Toda Mariko-sama esposa. — Toranaga ficou pasmado e Blackthorne receou ter ido longe demais. — Por favor, desculpe a minha rudeza — acrescentou.

Toranaga recuperou-se rapidamente. — Mariko-san concorda?

— Não, Toranaga-sama. Segredo meu. Nunca dizer a ela, a ninguém. Segredo meu apenas. Não dizer a Toda Mariko-san. Nunca. Kinjiru, neh? Mas sei raiva entre marido e mulher. Divórcio fácil no Japão. Esse meu segredo apenas. Pedir Senhor Toranaga apenas. Muito secreto. Nunca Mariko-san. Por favor, desculpe se o ofendi.

— Isso é uma solicitação presunçosa para um estrangeiro. Inaudita! Como você é um hatamoto, o dever me obriga a considerá-la, embora você fique proibido de mencioná-la sob quaisquer circunstâncias, a ela ou ao marido. Está claro?

— Por favor? — perguntou Blackthorne, sem compreender nada, quase incapaz de pensar.

— Pedido e pensamento muito maus, Anjin-san. Compreende?

— Sim, senhor, sinto mui...

— Como Anjin-san é hatamoto, não estou zangado. Considerarei, compreende?

— Sim, acho que sim. Obrigado. Por favor, desculpe o meu mal japonês, sinto muito.

— Não fale a ela, Anjin-san, sobre divórcio. Mariko-san nem Buntaro-san. Kinjiru, wakarimasu?

— Sim, senhor. Compreendo. Apenas segredo senhor e eu. Segredo. Obrigado. Por favor desculpe minha rudeza e obrigado pela sua paciência. — Blackthorne curvou-se perfeitamente e, quase como num sonho, saiu. A porta fechou-se atrás dele. No corredor todos o olhavam de modo esquisito.

Quis compartilhar a sua vitória com Mariko. Mas ficou inibido pela serenidade distraída dela e a presença dos guardas. — Desculpe tê-la feito esperar — foi tudo o que disse.

— O prazer foi meu — respondeu ela, de modo igualmente inócuo.

Começaram a descer a escada. Depois, após um lance de degraus, ela disse: — O seu modo simples de falar é estranho, mas absolutamente compreensível, Anjin-san.

— Fiquei perdido muitas vezes. Saber que a senhora estava lá ajudou-me tremendamente.

— Eu não fiz nada.

Continuaram em silêncio, Mariko ligeiramente atrás dele, conforme o costume correto. A cada andar passavam por um cordão de samurais, depois, contornando uma espiral na escada, a cauda do quimono dela prendeu-se nas grades e ela pisou em falso. Ele a segurou, ajudando-a a se firmar, e o súbito toque íntimo agradou aos dois. — Obrigada — disse ela, aturdida, enquanto ele a soltava. Seguiram em frente, muito mais próximos do que já tinham estado aquela noite.

Fora, no adro iluminado de archotes, havia samurais por toda parte. Mais uma vez seus passes foram examinados e depois foram escoltados pelos carregadores de tochas através do portão principal do torreão, ao longo de uma passagem que se enroscava em labirinto, por entre altos muros de pedra com ameias, até o portão seguinte que levava ao fosso e à ponte de madeira. Ao todo havia sete anéis de fossos dentro do conjunto do castelo. Alguns artificiais, alguns adaptados dos riachos e rios que abundavam. Enquanto rumavam para o portão principal, o portão sul, Mariko disse a ele que, quando a fortaleza estivesse concluída, dentro de dois anos, abrigaria cem mil samurais e vinte mil cavalos, com todas as provisões necessárias para um ano.

— Então será a maior do mundo — disse Blackthorne.

— Esse era o plano do Senhor Toranaga. — A voz dela estava grave. — Shikata ga nai, neh? — Finalmente atingiram a última ponte. — Daqui, Anjin-san, pode ver que o castelo é o centro de Yedo, neh? O centro de um entrelaçamento de ruas que se dispõem em ângulos para formar a cidade. Há dez anos havia apenas uma pequena aldeia de pescadores aqui. Agora, quem sabe. Trezentos mil? Duzentos? Quatrocentos? O Senhor Toranaga ainda não contou a sua gente. Mas estão todos aqui apenas com uma finalidade: servir o castelo que protege o porto e as planícies que alimentam os exércitos.

— Nada mais? — perguntou ele.

— Nada.

Não há necessidade de se preocupar, Mariko, nem de parecer tão solene, pensou ele alegremente. Resolvi tudo isso. Toranaga me concederá todas as minhas solicitações.

Do outro lado da Ichi-bashi iluminada por archotes — a Primeira Ponte, que levava à cidade propriamente dita, ela parou. — Devo deixá-lo agora, Anjin-san.

— Quando posso vê-Ia?

— Amanhã. À hora do Bode. Esperarei no adro. — Não posso vê-Ia esta noite? Se eu voltar cedo?

— Não, sinto muito, por favor, desculpe-me. Esta noite não. — Depois se curvou formalmente: — Konbanwa, Anjin-san. Ele se curvou. Como um samurai. Observou-a voltando pela ponte, alguns dos carregadores de archotes indo com ela, insetos esvoaçando em torno dos archotes enfiados em recipientes presos a postes. Logo ela foi engolida pela multidão e pela noite. Então, sentindo crescer a própria animação, deu as costas ao castelo e se pôs em marcha atrás do guia.


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