CAPÍTULO 18


Na hora mais escura da noite, o assassino pulou o muro e entrou no jardim. Estava quase invisível. Usava roupas pretas, bem justas, os tubis eram pretos, e um capuz e uma máscara pretos cobriam-lhe a cabeça. Era um homem pequeno. Correu sem fazer nenhum ruído até a fortaleza interna de pedra, e parou pouco antes dos muros altíssimos. Cinqüenta jardas à frente, dois marrons guardavam a porta principal. Habilmente ele atirou um gancho revestido de pano, amarrado a uma corda de seda muito fina.

O gancho prendeu-se à borda de pedra da seteira. Ele subiu pela corda, espremeu-se através da fenda, e desapareceu lá dentro.

O corredor estava quieto e iluminado por velas. Ele o percorreu rápida e silenciosamente, abriu uma porta externa, e saiu para o parapeito. Outro hábil arremesso, uma subida curta e ele se viu no corredor acima. As sentinelas que se encontravam nos cantos das ameias não o ouviram, embora estivessem alerta.

Ele se comprimiu contra um nicho de pedra quando outros marrons passaram tranqüilamente por perto, patrulhando. Depois que se afastaram, ele deslizou por toda a extensão do corredor. Na virada, parou. Silenciosamente observou à sua volta. Um samurai guardava a porta na outra extremidade. Velas tremulavam no silêncio. O guarda estava sentado de pernas cruzadas. Bocejou, encostou-se ao muro e espreguiçou-se. Seus olhos fecharam-se por um instante. Imediatamente o assassino se arremessou. Sempre sem ruído. Formou um laço com a corda de seda nas mãos, atirou-o ao pescoço do guarda e apertou com força. Os dedos do guarda tentaram arrancar o garrote, mas ele já estava morrendo. Um golpe curto com a faca entre as vértebras, tão hábil quanto o de um cirurgião, e o guarda ficou imóvel.

O homem empurrou a porta lentamente. A sala de audiência estava vazia, as portas internas sem guardas. Ele puxou o cadáver para dentro e fechou a porta de novo. Sem hesitação, atravessou o espaço e escolheu a porta interna à esquerda. Era de madeira pesadamente reforçada. O homem passou a faca curva para a mão direita. Bateu suavemente.

- "No tempo do Imperador Shirakawa - disse ele, dando a primeira parte da senha.

Do outro lado da porta houve uma sibilação de aço saindo da bainha e a resposta:

- ... vivia um homem sábio chamado Entaku-ji... "

- “que escreveu a trigésima primeira sutra". Tenho despachos urgentes para o Senhor Toranaga.

A porta se abriu e o assassino arremeteu. A faca subiu até a garganta do primeiro samurai, pouco abaixo do queixo, desceu com a mesma rapidez, para se enterrar identicamente no segundo guarda. Uma leve torção e a faca saiu de novo. Ambos os homens estavam mortos e de pé. O assassino agarrou um e deixou-o descer suavemente; o outro caiu, mas sem ruído. O sangue escorria pelo chão e os corpos se contraíam nas agonias da morte.

O homem apressou-se por esse corredor interno. Estava fracamente iluminado. Então uma shoji se abriu. Ele se deteve no mesmo instante e lentamente olhou em torno.

Kiri o encarava, pasmada, a dez passos. Trazia uma bandeja nas mãos.

Ele viu que as duas xícaras sobre a bandeja não tinham sido usadas, e a comida não fora tocada. Um filete de vapor subia do bule de chá. Ao lado dele, crepitava uma vela. Então a bandeja caiu, as mãos dela foram para o obi, puxaram uma adaga, sua boca moveu-se mas não emitiu som, e ele já estava correndo para o canto do corredor.

Na extremidade, uma porta se abriu e um samurai alarmado, caindo de sono, pôs a cara para fora.

O assassino se atirou contra ele e despedaçou uma shoji à direita, que era a que procurava. Kiri estava gritando, o alarma soava, e ele correu, com passo firme na escuridão, através da antesala, por sobre as mulheres despertando e suas criadas, para o corredor interno do outro lado.

Ali estava escuro como breu mas ele, imperturbável, procurou às apalpadelas até encontrar a porta certa. Correu a porta e saltou sobre a figura deitada no futon. Mas o braço com a faca foi agarrado por um aperto como que de torques e o homem foi arrastado para o chão. Lutou com destreza, libertou-se e golpeou de novo, mas errou, emaranhado com o acolchoado. Arremessou-o longe e se atirou à figura, a faca erguida para o ataque de morte. Mas o homem se esquivou com inesperada agilidade e um pé enrijecido afundou-se na virilha do invasor. Este sentiu a explosão de dor, enquanto sua vítima escapava para um canto seguro.

Nisso uma multidão de samurais se aglomerou à soleira da porta, alguns com lanternas, e Naga, usando apenas uma tanga, o cabelo em desalinho, saltou entre o assassino e Blackthorne, espada em riste.

- Renda-se!

O assassino simulou um ataque, gritou "Namu Amida Butsu" - "Em nome de Buda Amida" -, voltou a faca contra si mesmo e com ambas as mãos cravou-a sob a base do queixo. O sangue jorrou e ele caiu de joelhos, Naga desferiu um único golpe, sua espada um arco turbilhonante, e a cabeça rolou.

Em meio ao silêncio, Naga levantou a cabeça do chão, segurando pelo topete do cabelo penteado à samurai, e arrancou a máscara. O rosto era comum, os olhos ainda volteando nas órbitas.

- Alguém o conhece?

Ninguém respondeu. Naga cuspiu no rosto, jogou enraivecido

a cabeça para um de seus homens, rasgou as roupas pretas e ergueu o braço direito do homem, para descobrir o que estava procurando. A pequena tatuagem — o símbolo chinês de Amida, o

Buda especial - estava gravada na axila.

- Quem é o oficial do turno?

- Eu, senhor. - O homem estava branco de choque.

Naga lançou-se para ele e os outros abriram caminho. O oficial não fez nenhuma tentativa de evitar o feroz golpe de espada que lhe arrancou a cabeça, parte do ombro e um braço.

- Hayabusa-san, ordene que todos os samurais deste turno se dirijam ao pátio - disse Naga a um oficial. - Dobre a guarda para o próximo turno. Tirem o corpo daqui. Os demais..

Parou quando Kiri se aproximou da soleira, ainda com a adaga na mão. Ela olhou para o cadáver, depois para Blackthorne.

- O Anjin-san não está ferido? - perguntou.

Naga olhou para o homem que respirava com dificuldade. Não viu ferimentos nem sangue. Apenas um homem desgrenhado que quase fora morto. Pálido, mas sem medo aparente. - Está ferido, piloto?

- Não compreendo.

Naga se aproximou dele e puxou-lhe o quimono de dormir para ver se o piloto fora ferido.

- Ah, compreendo agora. Não. Não ferido - Naga ouviu o gigante dizer, e viu-o sacudir a cabeça.

- Bom - disse ele. - Não parece ferido, Kiritsubo-san.

Viu o Anjin-san apontar para o corpo e dizer alguma coisa.

- Não o compreendo - retrucou Naga. - Anjin-san, fique aqui - e a um dos homens disse: - Traga-lhe comida e água, se ele quiser.

- O assassino estava com a tatuagem de Amida, neh? - perguntou Kiri.

- Sim, Senhora Kiritsubo.

- Demônios... demônios.

- Sim.

Naga fez-lhe uma mesura, depois olhou para um dos amedrontados samurais. - Você, venha comigo. Traga a cabeça. - Afastou-se a passos largos, perguntando a si mesmo como contaria ao pai. Oh, Buda, obrigado por proteger meu pai.


- Era um ronin - disse Toranaga bruscamente. - Você jamais lhe encontrará a trilha, Hiromatsu-san.

- Sim. Mas Ishido é responsável. Não teve honra para fazer isto, neh? Nenhuma. Usar esse lixo de assassinos! Por favor, rogo-lhe que me deixe convocar nossas legiões agora. Paro com isto de uma vez por todas.

- Não. - Toranaga olhou novamente para Naga. - Tem certeza de que o Anjin-san não está ferido?

- Tenho, senhor.

- Hiromatsu-san, rebaixe todos os guardas deste turno por falhar com o dever. Estão proibidos de cometer seppuku. Ordeno que vivam com essa vergonha diante de todos os meus homens como soldados da mais baixa categoria. Mande arrastar os guardas mortos pelos pés através do castelo e da cidade até o pátio de execução. Que os cães se alimentem dos seus restos.

Depois olhou para o filho. Antes, naquela noite, chegara uma mensagem urgente do mosteiro de Johji, em Nagoya, sobre a ameaça de Ishido contra Naga. Toranaga ordenara imediatamente que o filho se confinasse e se rodeasse de guardas, e os outros membros da família em Osaka - Kiri e a Senhora Sazuko - fossem igualmente guardados. A mensagem do prior acrescentava que ele considerava prudente libertar a mãe de Ishido imediatamente e mandá-la de volta para a cidade com suas criadas. "Não ouso arriscar a vida de um de seus ilustres filhos tolamente. Pior ainda, a saúde dela não está boa. Está gripada. É melhor que morra em sua casa e não aqui."

- Naga-san, você é igualmente responsável pela entrada do assassino - disse Toranaga, com voz fria e áspera. - Cada samurai é responsável, estivesse ou não no turno, dormindo ou acordado. Você fica multado em metade de seu rendimento anual.

- Sim, senhor - disse o jovem, surpreso por poder conservar alguma coisa, inclusive a cabeça. - Por favor, rebaixe-me também. Não posso viver com a vergonha. Não mereço nada além de desprezo pelo meu fracasso, senhor.

- Se eu quisesse rebaixá-lo, teria feito isso. Parta imediatamente para Yedo. Irá com vinte homens esta noite e se apresentará ao seu irmão. Chegará lá em tempo recorde! Vá! - Naga curvou-se e se afastou, pálido. A Hiromatsu, Toranaga disse, de modo igualmente áspero: - Quadruplique a minha guarda. Cancele a caça de hoje, e a de amanhã. Deixo Osaka no dia seguinte ao da reunião de regentes. Você fará todos os preparativos e até lá ficarei aqui. Não receberei ninguém que não seja convidado. Ninguém.

Fez um gesto com a mão, numa despedida encolerizada.

- Saiam todos vocês. Hiromatsu, fique.

A sala esvaziou-se. Hiromatsu ficou contente pelo fato de que a sua humilhação seria em particular, pois, de todos eles, enquanto comandante da guarda de corpo, era ele o mais responsável.

- Não tenho desculpas, senhor. Nenhuma.

Toranaga estava perdido em pensamentos. Não havia raiva visível agora.

- Se você quisesse contratar os serviços do Amida Tong secreto, como os encontraria? Como se aproximaria deles?

- Não sei, senhor.

- Quem saberia?

- Kasigi Yabu.

Toranaga olhou pela seteira. Flocos de aurora misturavam-se com a escuridão a leste.

- Traga-o aqui ao amanhecer.

- Acha que ele é o responsável?

Toranaga não respondeu e voltou às suas meditações. Finalmente o velho soldado não agüentou mais o silêncio.

- Por favor, senhor, deixe-me sair da sua presença. Estou tão envergonhado com o nosso fracasso...

- É quase impossível prever um atentado assim - disse Toranaga.

- Sim. Mas devíamos tê-lo agarrado lá fora, nunca perto do senhor.

- Concordo. Mas não o considero responsável.

- Eu me considero. Há uma coisa que devo dizer, senhor, pois sou responsável pela sua segurança até que esteja de volta a Yedo. Haverá mais atentados contra o senhor, e todos os nossos espiões relatam um movimento maior de tropas. Ishido está se mobilizando.

- Sim - disse Toranaga casualmente. - Depois de Yabu, quero ver Tsukku-san, depois Mariko-san: Dobre a guarda do Anjin-san.

- Chegaram mensagens esta noite de que o Senhor Onoshi tem cem mil homens melhorando suas fortificações em Kyushu - disse Hiromatsu, acossado pela sua preocupação com a segurança de Toranaga.

- Perguntarei a ele sobre isso, quando nos encontrarmos.

O equilíbrio de Hiromatsu rompeu-se.

- Não o entendo, em absoluto. Devo dizer-lhe que arrisca tudo estupidamente. Sim, estupidamente. Não me importo que o senhor me tome a cabeça por lhe dizer isso, mas é a verdade. Se Kiyama e Onoshi votarem com Ishido, o senhor estará perdido! Será um homem morto. Arriscou tudo vindo aqui e perdeu! Escape enquanto pode. Pelo menos terá a cabeça sobre os ombros!

- Ainda não estou em perigo.

- O ataque desta noite não lhe diz nada? Se não tivesse mudado de quarto novamente, estaria morto agora.

- Sim, talvez, mas provavelmente não - disse Toranaga.

- Havia muitos guardas do lado de fora do meu quarto esta noite, assim como na noite passada. E você também estava de guarda esta noite. Nenhum assassino conseguiria chegar perto de mim. Nem este, que estava tão bem preparado. Conhecia o caminho, até a senha, neh? Kiri-san diz que o ouviu usando-a. Portanto acho que ele sabia em que quarto eu me encontrava. Não era eu a presa. Era o Anjin-san.

- O bárbaro?

- Sim.

Toranaga antecipara que o bárbaro correria perigo após as extraordinárias revelações daquela manhã. Evidentemente para alguns o Anjin-san era perigoso demais para continuar vivo. Mas Toranaga nunca presumira que se organizasse um ataque dentro dos seus aposentos privados, nem que acontecesse tão depressa. Quem está me traindo? Não fez caso da possibilidade de alguma informação ter transpirado através de Kiri, ou de Mariko. Mas castelos e jardins sempre têm lugares secretos de onde espreitar, pensou. Estou no centro da fortaleza do inimigo, e onde tenho um espião, Ishido e os outros terão vinte. Talvez fosse apenas um espião.

- Dobre a guarda do Anjin-san. Ele vale dez mil homens para mim.

Depois que a Senhora Yodoko partira aquela manhã, ele retornara à casa de chá no jardim e notara imediatamente a profunda debilidade do Anjin-san, os olhos anormalmente brilhantes e a sua fadiga opressiva. Então controlara a própria excitação e a necessidade quase subjugante de esquadrinhar mais fundo, e o dispensara, dizendo que continuariam no dia seguinte. O Anjin-san fora entregue as cuidados de Kiri, com instruções de mandar-lhe um médico, fazê-lo recuperar as forças, dar-lhe alimento bárbaro se ele desejasse, e até ceder-lhe o quarto de dormir que o próprio Toranaga usava muitas noites.

- Dê-lhe tudo o que achar necessário, Kiri-san - dissera a ela em particular. - Preciso dele perfeito de mente e corpo, e muito rapidamente.

Então o Anjin-san pedira que ele libertasse o monge da prisão, pois o homem era velho, estava doente. Respondera que consideraria o pedido e mandara o bárbaro embora com agradecimentos, sem lhe dizer que já ordenara aos samurais que fossem à prisão imediatamente, buscar aquele monge que talvez fosse igualmente valioso, tanto para ele quanto para Ishido.

Toranaga sabia da existência daquele padre há muito tempo, sabia que era espanhol e hostil aos portugueses. Mas o homem fora enviado para lá por ordem do taicum, portanto era prisioneiro do taicum e ele, Toranaga, não tinha jurisdição sobre ninguém em Osaka. Deliberadamente enviara o Anjin-san para aquela prisão não só para fingir a Ishido que o estrangeiro não tinha valor, como também com a esperança de que o impressivo piloto fosse capaz de extrair os conhecimentos do monge.

O canhestro atentado à vida do Anjin-san, na cela, fora frustrado, e imediatamente se colocara uma tela de proteção em torno dele. Toranaga recompensara o vassalo espião, Minikui, um carregador de kaga, tirando-o de lá em segurança, dando-lhe quatro kagas e o direito hereditário de usar o trecho da estrada Tokaido - a grande via que unia Yedo a Osaka -, entre o segundo e o terceiro estágios, que ficavam em seus domínios perto de Yedo, e o mandara secretamente para fora de Osaka no primeiro dia. No decorrer dos outros dias, seus outros espiões enviaram relatórios de que os dois homens eram amigos agora, o monge falando e o Anjin-san fazendo perguntas e ouvindo. O fato de que Ishido provavelmente também tivesse espiões na cela não o incomodou. O Anjin-san estava protegido e seguro. Então, inesperadamente Ishido tentara dar sumiço nele.

Toranaga lembrou-se de como se divertira com Hiromatsu planejando a "emboscada" - sendo os "bandidos ronins" um dos pequenos grupos isolados de samurais seus, de elite, que estavam escondidos dentro e em torno de Osaka - e sincronizando o aparecimento de Yabu, que, sem suspeitar de nada, efetuara o "resgate". Haviam rido juntos, sabendo que mais uma vez tinham usado Yabu como títere para esfregar o nariz de Ishido no seu próprio excremento.

Tudo correra lindamente. Até hoje.

Hoje o samurai que enviara para buscar o monge regressara de mãos vazias.

- O padre morreu - relatara o homem. - Quando seu nome foi chamado, ele não saiu, Senhor Toranaga. Entrei para procurá-lo, mas estava morto. Os criminosos em torno dele disseram que quando os carcereiros chamaram o nome ele simplesmente desabou. Estava morto quando o desvirei. Por favor, desculpe-me, o senhor me mandou buscá-lo e eu falhei. Eu não sabia se o senhor queria a cabeça dele, ou a cabeça no corpo, já que era um bárbaro, então trouxe o corpo ainda com a cabeça. Alguns dos criminosos em torno dele disseram que eram seus convertidos. Queriam conservar o corpo e tentaram fazer isso, por isso matei alguns e trouxe o cadáver. Cheira mal e tem vermes, mas está no pátio, senhor.

Por que o monge morreu? perguntou-se Toranaga mais uma vez. Então viu Hiromatsu a olhá-lo inquisitivamente.

- Sim?

- Só perguntei quem quereria o piloto morto.

- Os cristãos.


Kasigi Yabu seguiu Hiromatsu pelo corredor, sentindo-se ótimo ao amanhecer. Havia um agradável travo de sal na brisa, que lhe lembrava Mishima, sua cidade. Estava contente porque finalmente veria Toranaga e a espera terminara. Banhara-se e vestira-se com cuidado. As últimas cartas foram escritas para a mulher e a mãe, e as últimas vontades lacradas, para o caso de a entrevista não lhe ser favorável. Estava usando a sua lâmina Murasama, dentro da bainha honrada por muitas batalhas.

Dobraram outra esquina, então inesperadamente Hiromatsu abriu uma porta reforçada com ferro e tomou a dianteira, subindo os degraus de pedra para a torre central daquela parte das fortificações. Havia muitos guardas a postos e Yabu pressentiu perigo.

As escadas subiam em espiral e terminavam num reduto facilmente defendível. Guardas abriram a porta de ferro. Ele saiu para o parapeito. Será que Hiromatsu recebeu ordens de me atirar lá embaixo, ou vai me mandar pular? perguntou a si mesmo sem medo.

Para surpresa sua, Toranaga encontrava-se ali e, inacreditavelmente, levantou-se para saudá-lo, com uma deferência jovial que Yabu não tinha o direito de esperar. Afinal de contas, Toranaga era senhor das Oito Províncias, enquanto ele era apenas senhor de Izu. Algumas almofadas tinham sido cuidadosamente colocadas. Havia um bule de chá envolto num abafador de seda. Uma garota ricamente trajada, de rosto quadrado e não muito bonita, estava se curvando profundamente. Chamava-se Sazuko e era a sétima consorte oficial de Toranaga, a mais jovem, visivelmente grávida.

- Que prazer em vê-lo, Kasigi Yabu-san! Sinto muito tê-lo feito esperar.

Agora Yabu teve certeza de que Toranaga resolvera arrancar-lhe a cabeça de um jeito ou de outro, pois, por costume universal, o seu inimigo nunca é mais polido do que quando está planejando a sua destruição. Ele tirou as duas espadas, colocou-as cuidadosamente sobre as lajes de pedra, permitiu-se ser afastado delas e sentou-se no lugar de honra.

- Pensei que seria interessante observar o alvorecer, Yabu-san. Acho a vista daqui magnífica. Melhor até que a do torreão do herdeiro, neh?

- Sim, é linda - disse Yabu sem reservas, nunca tendo estado tão alto no castelo antes, mas certo agora de que a observação de Toranaga sobre "o herdeiro" insinuava que as suas negociações secretas com Ishido eram conhecidas.

- Estou honrado em poder compartilhá-la com o senhor.

Abaixo deles estavam a cidade adormecida, a enseada e as ilhas, Awaji a oeste, a linha da costa esbatendo-se para leste, a luz crescente no céu oriental recortando as nuvens com salpicos carmesins.

- Esta é a minha Senhora Sazuko. Sazuko, este é meu aliado, o famoso Senhor Kasigi Yabu de Izu, o daimio que nos trouxe o bárbaro e o navio do tesouro! - Ela curvou-se, cumprimentando-o, ele curvou-se, e ela retribuiu a reverência. Ofereceu a Yabu a primeira xícara de chá, mas ele, polidamente, declinou a honra, dando início ao ritual, e pediu-lhe que a passasse a Toranaga, que recusou e o instou a aceitá-la. Finalmente, dando continuidade ao ritual, Yabu, na qualidade de convidado de honra,

permitiu-se ser persuadido. Hiromatsu aceitou a segunda xícara, seus dedos nodosos segurando a porcelana com dificuldade, a outra mão agarrada ao punho da espada, solta no colo. Toranaga aceitou a terceira xícara e sorveu o chá, depois, juntos, entregaram-se à natureza e assistiram ao nascer do sol. Iodo silêncio do céu.

Gaivotas grasnavam. Os sons da cidade começaram. O dia tinha nascido.

A Senhora Sazuko suspirou, com os olhos úmidos. - Faz-me sentir como uma deusa estar tão alto e presenciar tanta beleza, neh? É tão triste que tenha acabado para sempre, senhor. Tão triste, neh?

- Sim - disse Toranaga.

Quando o sol estava a meio caminho acima do horizonte, ela se curvou e saiu. Para surpresa de Yabu, os guardas a imitaram. Ficaram sozinhos. Os três.

- Fiquei contente em receber o seu presente, Yabu-san. Foi muito generoso, o navio todo e tudo dentro dele - disse Toranaga.

- Tudo o que tenho é seu - disse Yabu, ainda profundamente emocionado pelo amanhecer. Gostaria de ter mais tempo, pensou. Que elegante da parte de Toranaga fazer isso! Dar-me um final de tamanha imensidade. - Obrigado por este amanhecer.

- Sim - disse Toranaga. - Era minha vez de dar. Fico contente de que tenha apreciado o meu presente, como apreciei o seu.

Houve silêncio.

- Yabu-san, o que sabe sobre o Amida Tong?

- Só o que a maioria das pessoas sabe: que é uma sociedade secreta de dez - unidades de dez -, um líder e nunca mais de nove acólitos em cada área, mulheres e homens. Prestam os mais sagrados e secretos juramentos de Buda Amida, o dispensador do amor eterno, de obediência, castidade e morte, juram passar a vida treinando para se tornarem uma perfeita arma letal; matar apenas por ordem do líder, e se falharem ao tentar matar a pessoa escolhida, seja homem, mulher ou criança, tirar a própria vida imediatamente. São fanáticos religiosos que têm certeza de ir diretamente desta vida para o convívio de Buda. Nenhum deles foi jamais capturado vivo. - Yabu sabia do atentado contra a vida de Toranaga. Toda Osaka sabia agora, e também sabia que o senhor de Kwanto, as Oito Províncias, se trancara por trás de portas de aço. - Eles matam com perfeição, seu próprio sigilo é completo. Não há chance de vingança contra eles porque ninguém sabe quem são, onde vivem, ou onde treinam.

- Se quisesse contratá-los, como faria?

- Eu faria a notícia correr por três lugares: o Mosteiro Heinan, os portões do santuário de Amida, e o mosteiro de Johji. Dentro de dez dias, se eu fosse considerado aceitável como contratador, seria abordado por intermediários. É tudo tão secreto o tortuoso que, mesmo que se quisesse traí-los ou capturá-los, nunca seria possível. No décimo dia, pedem uma soma em dinheiro, em prata, dependendo a quantia da pessoa a ser assassinada. Não há como pechinchar, paga-se o que eles pedem com antecedência. Apenas garantem que um deles tentará matar dentro de dez dias. Diz a lenda que se é bem sucedido, o assassino volta ao templo e então, com grande cerimônia, comete um suicídio ritual.

- Então acha que nunca conseguiríamos descobrir quem pagou pelo ataque de hoje?

- Acho.

- Acha que haverá outro?

- Talvez. Talvez não. Eles tratam para um atentado de cada vez, neh? Mas o senhor seria prudente em melhorar a sua segurança - entre seus samurais, e também entre suas mulheres.As mulheres Amida são treinadas para usar veneno, assim como a faca e o garrote, pelo que dizem.

- Você já os utilizou?

- Não.

- Mas seu pai sim?

- Não sei, não com certeza. Disseram-me que o taicum lhe pediu que os contratasse uma vez.

- O ataque teve êxito?

- Tudo o que o taicum fez teve êxito. De um modo ou de outro.

Yabu sentiu alguém se aproximar por trás e presumiu que fossem os guardas voltando secretamente. Estava medindo a distância até suas espadas. Tento matar Toranaga? perguntou novamente a si mesmo. Tinha resolvido fazer isso e agora não sei. Mudei. Por quê?

- Quanto você teria que pagar a eles pela minha cabeça? - perguntou Toranaga.

- Não há prata suficiente em toda a Ásia para me tentar a empregá-los com essa finalidade.

- Quanto uma outra pessoa teria que pagar?

- Vinte mil kokus... cinqüenta mil... cem... talvez mais, não sei.

- Você pagaria cem mil kokus para se tornar shogun? A sua linhagem remonta aos Takashima, neh?

- Eu não pagaria nada - disse Yabu com orgulho. - O dinheiro é imundo, um brinquedo para mulheres ou para mercadores nojentos. Mas se isso fosse possível, o que não é, eu daria minha vida, a de minha esposa, minha mãe e de toda a minha família, exceto meu filho, e de todos os meus samurais em Izu, com mulheres e filhos, para ser shogun um dia.

- E o que daria pelas Oito Províncias?

- O mesmo que antes, exceto a vida de minha esposa, minha mãe e meu filho.

- E pela província de Suruga?

- Nada - disse Yabu com desprezo. - Ikawa Jikkyu não vale nada. Se eu não lhe arrancar a cabeça e a de toda a sua descendência nesta vida, farei isso na próxima. Urino em cima dele e da sua semente por dez mil vidas.

- E se eu o desse a você? E Suruga inteira... e talvez a província vizinha, Totomi?

Yabu de repente se cansou do jogo de gato-e-rato e da conversa sobre Amida.

- O senhor resolveu tirar-me a vida, SenhorToranaga. Muito bem. Estou pronto. Agradeço-lhe pelo amanhecer. Mas não tenho vontade de empanar essa elegância com mais conversa. Portanto vamos em frente.

- Mas não resolvi tirar-lhe a vida, Yabu-san - disse Toranaga. - De onde lhe veio a idéia? Algum inimigo andou lhe envenenando o espírito? Ishido talvez? Você não é o meu aliado predileto? Acha que o receberia aqui, sem guardas, se o considerasse hostil?

Yabu voltou-se lentamente. Esperara encontrar samurais atrás de si, espadas em riste. Não havia ninguém. Olhou de novo para Toranaga.

- Não compreendo.

- Trouxe-o aqui para que pudéssemos conversar em particular. E para assistir ao amanhecer. Gostaria de governar as províncias de Izu, Suruga e Totomi... se eu não perder esta guerra?

- Sim. Muitíssimo - disse Yabu, suas esperanças crescendo.

- Tornar-se-ia meu vassalo? Aceitar-me-ia como seu suserano?

Yabu não hesitou:

- Nunca! Como aliado, sim. Como meu líder, sim. Menos que o senhor sempre, sim. Minha vida e tudo o que possuo do seu lado, sim. Mas Izu é minha. Sou daimio de Izu e nunca cederei a ninguém o poder sobre Izu. Fiz esse juramento a meu pai e ao taicum, que confirmou nosso feudo hereditário, primeiro a meu pai, depois a mim. O taicum confirmou a posse de Izu a mim e a meus sucessores para sempre. Ele era nosso suserano e jurei nunca aceitar outro até que seu herdeiro atingisse a maioridade.

Hiromatsu torceu ligeiramente a espada na mão. Por que Toranaga não me deixa acabar com isto de uma vez por todas? Foi combinado. Por que toda essa conversa cansativa? Estou com dores, com vontade de urinar e preciso me deitar.

Toranaga coçou a virilha.

- O que Ishido lhe ofereceu?

- A cabeça de Jikkyu... no momento em que a sua tiver rolado. E a província dele.

- Em troca de quê?

- De apoio, quando a guerra começar. Atacar o seu flanco meridional.

- Você aceitou?

- O senhor me conhece muito bem.

Os espiões de Toranaga na casa de Ishido haviam sussurrado que o acordo estava selado, e que incluía responsabilidade pelo assassinato de seus três filhos, Noboru, Sudara e Naga.

- Nada mais? Só apoio?

- Por todos os meios à minha disposição - disse Yabu delicadamente.

- Incluindo assassinato?

- Quando a guerra começar, pretendo combater com toda a minha força. Pelo meu aliado. Do modo que eu puder para garantir-lhe o êxito. Precisamos de um regente único durante a minoridade de Yaemon. A guerra entre o senhor e Ishido é inevitável. É o único jeito.

Yabu estava tentando ler a mente de Toranaga. Desprezava a indecisão de Toranaga, sabendo que ele mesmo era o homem melhor, que Toranaga precisava do seu apoio, que finalmente ele o derrotaria. Mas enquanto isso o que fazer? perguntou a si mesmo, e desejou que Yuriko estivesse ali para orientá-lo. Ela saberia o rumo mais prudente.

- Posso ser muito útil ao senhor. Posso ajudá-lo a tornar-se regente único - disse, decidindo jogar.

- Por que deveria eu querer me tornar regente único?

- Quando Ishido atacar, posso ajudar a vencê-lo. Quando ele quebrar a paz - disse Yabu.

- Como?

Ele lhes contou o plano com os canhões.

- Um regimento de quinhentos samurais-armas? – explodiu Hiromatsu.

- Sim. Pense no poder de artilharia. Todos homens de elite, treinados para agir como um homem só. Os vinte canhões igualmente juntos.

- É um mau plano. Péssimo - disse Hiromatsu. - Nunca se poderia mantê-lo em segredo. Se começarmos, o inimigo também começará. Nunca haveria um término para tal horror. Não há honra nisso e não há futuro.

- Esta guerra que se aproxima não é a única em que estamos interessados, Senhor Hiromatsu? - replicou Yabu. - Não estamos preocupados apenas com a segurança do Senhor Toranaga? Não é esse o dever de seus aliados e vassalos?

- Sim.

- Tudo o que o Senhor Toranaga tem que fazer é vencer a grande batalha. Isso lhe dará a cabeça de todos os seus inimigos - e o poder. Digo que essa estratégia lhe dará a vitória.

- Eu digo que não. É um plano nojento, sem honra.

Yabu voltou-se para Toranaga.

- Uma nova era requer que se tenha pensamento claro sobre o significado de honra.

Uma gaivota passou-lhes acima da cabeça grasnando.

- O que disse Ishido sobre o seu plano? – perguntou Toranaga.

- Não o discuti com ele.

- Por quê? Se considera seu plano valioso para mim, seria igualmente valioso para ele. Talvez até mais.

- O senhor me deu um amanhecer. Não é um camponês como Ishido. É o líder mais sábio e experimentado do império.

Qual será a verdadeira razão? Estava se perguntando Toranaga. Ou será que você também contou a Ishido?

- Se esse plano fosse adotado, os homens seriam metade seus e metade meus?

- Combinado. Eu os comandaria.

- Meu designado seria o segundo em comando?

- Combinado. Eu precisaria do Anjin-san para treinar os meus homens com as armas e os canhões.

- Mas ele seria minha propriedade permanente, você o trataria como faria com o herdeiro? Seria totalmente responsável por ele e agiria com ele precisamente como eu dissesse?

- Combinado.

Toranaga observou as nuvens carmesins um instante. Esse plano é um completo absurdo, pensou. Terei que declarar Céu Carmesim eu mesmo e arremeter sobre Kyoto à testa de todas as minhas legiões. Com mil homens contra dez vezes esse número.

- Quem será o intérprete? Não posso destacar Toda Mariko-san para sempre.

- Por algumas semanas, senhor? Verei que o bárbaro aprenda a nossa língua.

- Isso levaria anos. Os únicos bárbaros que jamais a dominaram foram os padres cristãos, neh? Gastaram anos. Tsukku-san está aqui há quase trinta anos, neh? Ele não aprenderá rápido o bastante, pelo menos não mais depressa do que poderíamos aprender as abomináveis línguas deles.

- Sim. Mas, prometo-lhe, este Anjin-san aprenderá muito depressa. - Yabu contou-lhe o plano que Omi sugerira como se fosse uma idéia sua.

- Isso poderia ser perigoso demais.

- Faria que ele aprendesse depressa, neh? E então estaria domesticado.

Após uma pausa, Toranaga disse:

- Como manteria o sigilo durante o treinamento?

- Izu é uma península, a segurança é excelente lá. Vou me basear perto de Anjiro, bem ao sul e longe de Mishima.

- Bom. Vamos estabelecer ligação por pombos-correio entre Anjiro, Osaka e Yedo imediatamente.

- Excelente. Preciso de apenas cinco ou seis meses e...

- Teremos sorte se dispusermos de seis dias! - bufou Hiromatsu. - Está dizendo que a sua famosa rede de espionagem foi destruída, Yabu-san? Certamente o senhor recebeu relatórios? Ishido não está se mobilizando? Onoshi não está se mobilizando? Não estamos trancados aqui?

Yabu não respondeu.

- Bem? - disse Toranaga.

- Os relatórios indicam que tudo isso está acontecendo, e mais - disse Yabu. - Se são seis dias, são seis dias, e isso é karma. Mas eu o creio inteligente demais para ser emboscado aqui. Ou incitado à guerra prematura.

- Se eu concordasse com o seu plano, você me aceitaria como seu líder?

- Sim. E quando o senhor vencesse, eu ficaria honrado em aceitar Suruga e Totomi como parte do meu feudo para sempre.

- Totomi dependeria do sucesso do seu plano.

- De acordo.

- Obedecerá a mim? Com toda a sua honra?

- Sim. Pelo bushido, por Buda, pela vida de minha mãe, de minha esposa e pela minha prosperidade.

- Bom - disse Toranaga. - Vamos urinar sobre o trato.

Dirigiu-se para a beirada das ameias. Caminhou pela borda da seteira, depois pelo parapeito. Setenta pés abaixo estava o jardim interno. Hiromatsu susteve o fôlego, horrorizado com a bravata do amo. Viu-o voltar-se e chamar Yabu com um aceno, para que se pusesse a seu lado. Yabu obedeceu. O mais leve toque os faria rolar para a morte.

Toranaga afrouxou o quimono e a tanga para o lado; o mesmo fez Yabu. Juntos urinaram e misturaram a urina e observaram-na borrifar o jardim lá embaixo.

- O último acordo que selei deste modo foi com o próprio taicum - disse Toranaga, enormemente aliviado por ter podido esvaziar a bexiga. - Foi quando ele resolveu me dar Kwanto, as Oito Províncias, como feudo. Claro, naquela altura o inimigo, Hojo, ainda era senhor delas, de modo que primeiro tive que conquistá-las. Eram tudo o que restava da oposição contra nós. Claro, também, que eu tive que renunciar aos meus feudos hereditários de Imagawa, Owari e Ise imediatamente, por honra. Ainda assim, concordei e urinamos sobre o trato. - Caminhou pelo parapeito com facilidade, ajeitando a tanga confortavelmente como se estivesse em pé no próprio jardim, e não pousado tão alto, como uma águia. - Foi um bom negócio para nós dois. Dominamos Hojo e cortamos cinco mil cabeças naquele ano. Destruímos a ele e a toda a sua tribo. Talvez você tenha razão, Kasigi Yabu-san. Talvez possa me ajudar, como ajudei ao taicum. Sem mim o taicum nunca se teria tornado taicum.

- Posso ajudá-lo a se tornar regente único, Toranaga-sama. Mas não shogun.

- É claro. Essa é uma honra que eu não busco, por mais que meus inimigos digam em contrário. - Toranaga pulou para a segurança das lajes de pedra. Olhou para Yabu que ainda se erguia sobre o estreito parapeito, arrumando o sash. Sentiu-se extremamente tentado a dar-lhe um rápido empurrão, pela insolência. Em vez disso, sentou-se e soltou sonoros gases. - Assim está melhor. Como está a sua bexiga, Punho de Aço?

- Cansada, senhor, muito cansada. - O velho dirigiu-se para o lado e também a esvaziou sobre as ameias, mas não se postou onde Toranaga e Yabu haviam estado. Estava contente por não ter tido que selar o trato com Yabu. Esse acordo eu nunca honrarei. Nunca.

- Yabu-san, tudo isto deve ser mantido em segredo. Penso que você deve partir dentro dos próximos dois ou três dias - disse Toranaga.

- Sim. Com as armas e o bárbaro, Toranaga-sama?

- Sim. Irá de navio. - Toranaga olhou para Hiromatsu.

- Prepare a galera.

- O navio está pronto. As armas e a pólvora continuam nos porões - retrucou Hiromatsu, seu rosto retratando a desaprovação.

- Ótimo.

Você conseguiu, Yabu queria gritar. Conseguiu as armas, o Anjin-san, tudo. Conseguiu os seus seis meses. Toranaga nunca irá à guerra rapidamente. Mesmo que Ishido o assassine nos próximos dias, ainda assim você conseguiu tudo. O Buda, proteja Toranaga até que eu esteja ao mar!

- Obrigado - disse, com uma sinceridade sem limites. - O senhor nunca terá um aliado mais fiel.

Depois de Yabu se retirar, Hiromatsu caiu em cima de Toranaga.

- Isso foi uma péssima coisa. Estou envergonhado por esse acordo. Estou envergonhado de que meu conselho conte tão pouco. Obviamente vivi para além da minha utilidade para o senhor e estou muito cansado. Esse pequeno daimio ordinário sabe que o manipulou como a um fantoche. Ora, ele até teve o descaramento de usar a espada Murasama na sua presença.

- Notei - disse Toranaga.

- Acho que os deuses o enfeitiçaram, senhor. O senhor abertamente ignorou um insulto assim e permitiu que ele se regozijasse na sua frente. Abertamente permitiu que Ishido o envergonhasse diante de todos nós. Impediu a mim e a todos nós de protegê-lo. Recusa à minha neta, uma dama samurai, a honra e a paz da morte. Perdeu o controle do conselho, seu inimigo está manobrando melhor e agora o senhor urina sobre um trato solene que é um plano repugnante como jamais ouvi, e faz isso com um homem que lida com imundície, veneno e traição, como o pai antes dele. - Hiromatsu tremia de raiva. Toranaga não respondeu, apenas o encarou calmamente, como se ele não tivesse dito nada. - Por todos os kamis, vivos e mortos, o senhor está enfeitiçado! - Hiromatsu explodiu. - Eu o questiono, grito, insulto-o, e o senhor apenas me encara! O senhor enlouqueceu ou fui eu quem enlouqueceu. Peço permissão para cometer seppuku ou, se o senhor não me conceder essa paz, rasparei a cabeça e me tornarei monge, qualquer coisa, qualquer coisa, mas deixe-me ir.

- Você não fará nem uma coisa nem outra. Vai, sim, mandar buscar o padre bárbaro, Tsukku-san.

E Toranaga riu.


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