CAPÍTULO 40


— Tenho instruções de indagar se Kiku-san estaria livre esta noite — disse Mariko.

— Oh, sinto muito, Senhora Toda, mas não estou certa — disse cordialmente Gyoko, a Mama-san. — Posso perguntar se o honrado cliente solicitaria a Senhora Kiku para a noite toda ou parte dela, ou talvez até amanhã, se ela já não estiver comprometida?

A Mama-san era uma mulher alta, elegante, no começo dos cinqüenta, com um sorriso adorável. Mas bebia saquê demais, seu coração era um ábaco, e o nariz podia sentir o cheiro de uma única moeda de prata a cinqüenta ris de distância.

As duas mulheres encontravam-se numa sala de oito esteiras, contíguas aos aposentos privados de Toranaga. Fora destinada a Mariko e dava para um pequeno jardim, fechado pelo primeiro dos muros internos de defesa. Chovia novamente e os pingos faziam archotes faiscarem.

— Isso seria um assunto que caberia ao cliente decidir — disse Mariko delicadamente. — Talvez se pudesse fazer um acordo agora que abrangesse qualquer eventualidade.

— Sinto muito, por favor, desculpe-me por eu não saber da disponibilidade dela imediatamente. Ela é muito procurada, Senhora Toda. Estou certa de que compreende.

— Oh, sim, claro. Somos realmente muito afortunados de ter uma dama da sua qualidade aqui em Anjiro. — Mariko acentuara o "Anjiro". Mandara chamar Gyoko ao invés de ir visitá-la, como poderia ter feito. E quando a mulher chegara, tarde o suficiente para ser distinta, mas não o suficiente para ser rude, Mariko ficara contente com a oportunidade de terçar armas com uma adversária tão à sua altura.

— A casa de chá ficou muito danificada? — perguntou.

— Não, felizmente, com exceção de alguma louça de valor e roupas, embora vá custar uma pequena fortuna para reparar o telhado e pôr ordem no jardim. É sempre tão dispendioso conseguir que as coisas sejam feitas rapidamente, não acha?

— Sim. É muito cansativo. Em Yedo, em Mishima, ou mesmo nesta aldeia.

— É tão importante ter arredores tranqüilos, neh? O cliente nos honraria, talvez, na casa de chá? Ou desejaria que Kiku-san o visitasse aqui, se ela estiver disponível?

Mariko franziu os lábios, pensando.

— Na casa de chá.

— Ah, so desu! — O verdadeiro nome de Mama-san era Heiko-ichi, Primeira Filha do Construtor de Muros. Seu pai e seu avô tinham sido especialistas na construção de muros de jardim. Durante muitos anos ela fora cortesã em Mishima, a capital de Izu, atingindo a categoria de segunda classe. Mas os deuses lhe sorriram e, com presentes do seu protetor, associados a um astuto senso de negócios, juntara dinheiro suficiente para comprar o próprio contrato a bom tempo e assim tornar-se uma empresária de damas, com uma casa de chá própria, quando deixara de ser procurada pelo corpo excelente e o espírito atrevido com que os deuses a haviam dotado. Agora se chamava Gyoko-san, Senhora Sorte. Aos catorze anos, ainda cortesã iniciante, recebera o nome de Tsukaiko — Senhora Encantadora de Cobras. Sua proprietária lhe explicara que aquela parte especial do homem podia ser comparada a uma cobra, que cobras davam sorte, e que se ela conseguisse se tornar uma encantadora de cobras, nesse sentido, teria um êxito imenso. Além disso o nome faria os clientes rirem, e o riso era essencial naquele negócio. Gyoko nunca se esquecera da advertência sobre o riso.

— Saquê, Gyoko-san?

— Sim, obrigada, Senhora Toda, obrigada.

A criada serviu. Depois Mariko dispensou-a.

Beberam silenciosamente um momento. Mariko tornou a encher os cálices.

— Que louça adorável. Tão elegante — disse Gyoko.

— É muito pobre. Sinto muito que tenhamos que usá-la.

— Se eu conseguisse deixá-la disponível, cinco kobans seriam uma soma aceitável? — Um koban era uma moeda de ouro que pesava dezoito gramas. Equivalia a três kokus de arroz.

— Desculpe, talvez eu não me tenha feito clara. Não desejava comprar toda a casa de chá de Mishima, apenas os serviços da dama por uma noite.

Gyoko riu. — Ah, Senhora Toda, sua reputação é bem merecida. Mas posso assinalar que Kiku-san é de primeira categoria? A corporação concedeu-lhe essa honra no ano passado.

— Estou certa de que a classificação é merecida. Mas isso foi em Mishima. Mesmo em Kyoto... mas é claro que a senhora estava fazendo pilhéria, desculpe.

Gyoko engoliu a vulgaridade que lhe estava na ponta da língua e sorriu benevolamente.

— Infelizmente eu teria que reembolsar os clientes que, se bem me lembro, já reservaram. Pobre criança, quatro dos seus quimonos ficaram arruinados quando a água extinguiu as chamas. Tempos difíceis se aproximam, senhora. Tenho certeza de que compreende. Cinco não seria irrazoável.

— Claro que não. Cinco seria justo em Kyoto, para uma semana de orgia, com duas damas de primeira classe. Mas os tempos não são normais e é preciso fazer economias. Meio koban. Saquê, Gyoko-san?

— Obrigada, obrigada. O saque é muito bom, a qualidade é excelente, excelente. Só mais um, por favor, depois tenho que ir. Se Kiku-san não estiver livre esta noite, ficaria encantada em combinar com uma das outras damas. Akeko, talvez. Ou talvez outro dia seria satisfatório? Depois de amanhã, talvez?

Mariko não respondeu por um instante. Cinco kobans eram um ultraje — tanto quanto se pagaria por uma famosa cortesã de primeira classe em Yedo. Meio koban seria mais que razoável para Kiku. Mariko conhecia os preços das cortesãs porque Buntaro as usava de tempos em tempos, chegara até a comprar o contrato de uma, e ela tivera que pagar as contas, as quais, como era natural e correto, tinham-lhe sido encaminhadas. Seus olhos avaliaram Gyoko. A mulher sorvia seu saquê calmamente, a mão firme.

— Talvez — disse Mariko. — Mas não creio, nem outra dama nem outra noite... Não, se não puder combinar para esta noite, receio que depois de amanhã seria tarde demais, sinto muito. E quanto a uma outra dama... — Mariko sorriu e deu de ombros.

Gyoko pousou o cálice tristemente.

— Ouvi dizer, realmente, que os nossos gloriosos samurais estão de partida. Que pena! As noites são tão agradáveis aqui. Em Mishima não se tem a brisa do mar como aqui. Também sentirei muito partir daqui.

— Talvez um koban. Se este acordo for satisfatório, depois eu gostaria de discutir quanto custaria o contrato dela.

— O contrato dela!

— Sim. Saque?

— Sim, obrigada. Contrato... o contrato dela? Bem, isso é outra coisa. Cinco mil kokus.

— Impossível!

— Sim — concordou Gyoko —, mas Kiku-san é como se fosse minha filha. É minha filha, mais do que a minha própria filha. Eduquei-a desde os seis anos de idade. É a dama do Mundo do Salgueiro mais completa de toda Izu. Oh, eu sei, em Yedo a senhora encontraria damas formidáveis, mais espirituosas, mais mundanas, mas isso só porque Kiku-san não teve a boa fortuna de cruzar com a mesma qualidade de pessoas. Mas mesmo agora, nenhuma se equipara em canto e no samisen. Juro por todos os deuses. Dê-lhe um ano em Yedo, com o protetor certo e as fontes de conhecimento, e ela competirá satisfatoriamente com qualquer cortesã do império. Cinco mil kokus é uma soma pequena por uma flor como ela. — A perspiração porejava na testa da mulher. — A senhora deve me desculpar, mas nunca considerei antes a venda do contrato dela. Mal tem dezoito anos, é imaculada. Na realidade penso que jamais poderei vender-lhe o contrato, mesmo pelo preço mencionado. Não, acho que terei que reconsiderar, sinto muito. Talvez pudéssemos discutir isso amanhã. Perder Kiku-san? Minha pequena Kiku-chan? — Lágrimas juntaram-se nos cantos dos olhos da mulher e Mariko pensou: essas lágrimas são tão autênticas, Gyoko, quanto o fato de você nunca ter-se entregado a um Pilão Magnífico.

— Sinto muito. Shikata ga nai, neh? — disse cortesmente, e deixou a mulher lamentar-se e chorar, enchendo-lhe continuamente o cálice. Quanto será que o contrato vale realmente? perguntava a si mesma. Quinhentos kokus seriam fantasticamente mais do que justo. Depende da ansiedade do homem, que neste caso não está ansioso. Certamente o Senhor Toranaga não está. Para quem estará comprando? Omi? Provavelmente. Mas por que Toranaga ordenou que o Anjin-san viesse aqui?

— Concorda, Anjin-san? — perguntara-lhe com um riso nervoso, por sobre a turbulência dos oficiais embriagados.

— Está dizendo que o Senhor Toranaga arranjou uma dama para mim? Como parte da minha recompensa?

— Sim. Kiku-san. Dificilmente o senhor poderia recusar. Eu... recebi ordem de interpretar.

— Ordem?

— Oh, ficarei feliz em interpretar para o senhor. Mas, Anjin-san, o senhor de fato não pode recusar. Seria terrivelmente descortês, depois de tantas honras, neh? — Ela lhe sorrira, desafiando-o, orgulhosa e encantada com a inacreditável generosidade de Toranaga. — Por favor. Nunca estive numa casa de chá... adoraria ver a mim mesma conversando com uma autêntica dama do Mundo do Salgueiro.

— O quê?

— Oh, elas são chamadas assim porque se supõe que sejam tão graciosas quanto salgueiros. Às vezes é Mundo Flutuante, porque são comparadas a lírios flutuando num lago. Vamos, Anjin-san, concorde, por favor.

— E Buntaro-sama?

— Oh, ele sabe que devo fazer os arranjos para o senhor. O Senhor Toranaga lhe disse. É tudo muito difícil, naturalmente. Recebi ordem. O senhor também! — Depois dissera em latim, muito contente de que mais ninguém em Anjiro falasse a língua: — Há uma outra razão que lhe direi mais tarde.

— Ah... diga agora.

— Mais tarde. Mas concorde, com prazer. Porque eu estou pedindo.

— A senhora... como posso lhe recusar?

— Mas com prazer. Tem que ser com prazer. Prometa!

— Com riso. Prometo que tentarei. Não lhe prometo nada além de que tentarei fazer o melhor.

Depois ela o deixara se preparar.

— Oh, fico perturbada com o simples pensamento de vender o contrato da minha beldade — estava gemendo Gyoko. — Sim, obrigada, só mais um pouco de saquê. Depois realmente tenho que ir embora. — Esvaziou o cálice e estendeu-o debilmente para ser enchido de novo. — Digamos dois kobans para esta noite... uma prova do meu desejo de agradar a uma senhora de tanto mérito?

— Um. Se isso for combinado, talvez possamos falar mais sobre o contrato, esta noite, na casa de chá. Sinto muito por ser precipitada, mas o tempo, a senhora compreende... — Mariko acenou vagamente na direção da sala de conferência. — Negócios de Estado... o Senhor Toranaga... o futuro do reino... a senhora compreende, Gyoko-san.

— Oh, sim, Senhora Toda, naturalmente. — Gyoko começou a se levantar. — Estamos de acordo em um koban e meio para a noite. Ótimo, então isso está...

— Um.

— Oh ko, senhora, o meio koban é um mero símbolo e nem merece discussão — lamuriou-se Gyoko, agradecendo aos deuses pela sua sagacidade e mantendo a angústia fingida no rosto. Um koban e meio seria paga tripla. Mas mais do que o dinheiro, aquilo era, finalmente, o primeiro convite vindo da aristocracia autêntica de todo o Japão, coisa de que vinha atrás há muito tempo, pela qual ela de bom grado aconselharia Kiku-san a fazer tudo por nada, duas vezes. — Por todos os deuses, Senhora Toda, coloco-me à sua mercê, um koban e meio. Por favor, pense nas minhas outras crianças, que têm que ser vestidas e treinadas e alimentadas durante anos, que não se tornam tão inestimáveis como Kiku-san, mas que têm que ser nutridas como ela.

— Um koban, de ouro, amanhã. Neh?

Gyoko ergueu o frasco de porcelana e encheu dois cálices. Ofereceu um a Mariko, bebeu o outro, e tornou a encher o seu imediatamente.

— Um — disse ela, a voz abafada.

— Obrigada, é muito gentil e atenciosa. Sim, os tempos estão difíceis. — Mariko sorveu o seu vinho afetadamente. — O Anjin-san e eu estaremos na casa de chá dentro em breve.

— Hein? O-que-foi-que-disse?

— Que o Anjin-san e eu logo estaremos na casa de chá. Vou interpretar para ele.


— O bárbaro? — exclamou Kiku, boquiaberta.

— O bárbaro. E estará aqui a qualquer momento, a menos que o detenhamos... com ela, a hárpia mais cruel e que já conheci, que renasça como prostituta de décima quinta categoria!

Apesar do seu temor, Kiku riu francamente.

— Oh, Mamasan, por favor, não se aflija! Ela parece uma senhora tão adorável, e um koban inteiro... a senhora realmente fez um negócio maravilhoso! Ora, ora, temos muito tempo. Primeiro um pouco de saque para dissipar o seu azedume. Ako, rápida como um beija-flor!

Ako desapareceu.

— Sim, o cliente é o Anjin-san. — Gyoko quase sufocou de novo.

Kiku abanou-a e Hana, a pequena aprendiz, abanou-a e segurou-lhe ervas aromáticas junto ao nariz. — Pensei que ela estivesse negociando para o Senhor Buntaro... ou o próprio Senhor Toranaga. Claro que quando ela disse que era o Anjin-san eu perguntei por que a consorte dele mesma, a Senhora Fujiko, não negociou, conforme a educação correta determina, mas tudo o que ela disse foi que a senhora está seriamente doente, com queimaduras, e ela recebeu ordem do próprio Senhor Toranaga de conversar comigo.

— Oh! Oh, como eu seria afortunada de servir ao senhor!

— Você o fará, criança, fará se nós planejarmos. Mas o bárbaro! O que pensarão todos os seus outros clientes? O que dirão? Claro que deixei a coisa em suspenso, dizendo à Senhora Toda que não sabia se você estava livre, portanto você ainda pode recusá-lo se quiser, sem ofensa.

— O que os outros clientes podem dizer? O Senhor Toranaga ordenou isso. Não há nada a fazer, neh? — Kiku dissimulou a própria apreensão.

— Oh, você pode recusar facilmente. Mas tem que ser rápida, Kiku-chan. Oh ko, eu devia ter sido mais esperta... devia.

— Não se preocupe, Gyoko-sarna. Tudo dará certo. Mas temos que pensar com clareza. É um grande risco, neh?

— Sim. Enorme.

— Nunca poderemos voltar atrás se aceitarmos.

— Sim. Eu sei.

— Aconselhe-me.

— Não posso, Kiku-chan. Sinto que fui pega numa armadilha por kamis. A decisão deve ser sua.

Kiku avaliou todos os horrores. Depois avaliou as vantagens.

— Vamos arriscar. Vamos aceitá-lo. Afinal de contas, é samurai, e hatamoto, e o vassalo favorito do Senhor Toranaga. Não se esqueça do que disse o adivinho: que eu a ajudaria a ficar rica e famosa para sempre. Rezo para poder fazer isso, para poder retribuir-lhe todas as gentilezas.

Gyoko acariciou o adorável cabelo de Kiku.

— Oh, criança, você é tão boa, obrigada, obrigada. Sim, acho que é sábia. Concordo. Deixemos que ele nos visite. — Beliscou-lhe a maçã do rosto afetuosamente. — Você sempre foi a minha favorita! Mas eu teria pedido o dobro pelo almirante bárbaro, se soubesse.

— Mas conseguimos o dobro, Mama-san.

— Deveríamos receber o triplo!

Kiku deu um tapinha na mão de Gyoko.

— Não se preocupe... este é o começo da sua boa fortuna.

— Sim, e é verdade que o Anjin-san não é nenhum bárbaro comum, mas um samurai e hatarnoto. A Senhora Toda contou-me que ele recebeu um feudo de dois mil kokus, foi feito almirante de todos os navios de Toranaga, e toma banho como uma pessoa civilizada e não fede mais...

Ako chegou sem fôlego e serviu o vinho sem derramar uma gota. Quatro cálices desapareceram em rápida sucessão. Gyoko começou a se sentir melhor.

— Esta noite tem que ser perfeita. Sim. Se o Senhor Toranaga ordenou, claro que tem que ser. Ele não ordenaria pessoalmente se não fosse importante para ele pessoalmente, neh? E o Anjin-san é realmente como um daimio. Dois mil kokus anuais... por todos os kamis, devíamos mesmo ter uma sorte tão boa! Kiku-san, ouça! — Chegou mais perto, e o mesmo fez Ako, toda olhos. — Perguntei à Senhora Toda, vendo que ela falava a infame linguagem deles, se conhecia alguns dos estranhos costumes ou modos deles, histórias, danças, posições, canções, instrumentos ou estimulantes que o Anjin-san preferiria.

— Ah, isso seria muito útil, muito — disse Kiku, assustada e desejando ter tido a prudência de recusar.

— Ela não me disse nada! Fala a língua deles, mas não conhece nada sobre os hábitos de "travesseiro". Perguntei-lhe se já lhe havia perguntado alguma vez e ela disse que sim, mas com resultados desastrosos. — Gyoko relatou o ocorrido no Castelo de Osaka. — Você pode imaginar como isso deve ter sido embaraçoso!

— Pelo menos sabemos que não devemos sugerir meninos... já é alguma coisa.

— Além disso, há apenas a criada da casa!

— Temos tempo para mandar buscar a criada?

— Fui lá eu mesma. Direto à fortaleza. Nem um mês de salário abriu a boca da garota, carunchinho estúpido!

— Ela é apresentável?

— Oh, sim, para uma criada amadora e destreinada. Tudo o que disse foi que o amo era viril e não era pesado, que "travesseirava" abundantemente, na posição mais comum. E que era generosamente dotado.

— Isso não ajuda muito, Mama-san.

— Eu sei. Talvez o melhor a fazer seja ter tudo preparado, só para o caso de ser necessário. Tudo.

— Sim. Simplesmente terei que ser mais cautelosa. É muito importante que saia tudo perfeito. Será muito difícil — se não impossível — entretê-lo corretamente se eu não conversar com ele.

— A Senhora Toda disse que interpretaria.

— Ah, que gentileza da parte dela. Isso ajudará enormemente, embora não seja a mesma coisa, claro.

— É verdade, é verdade. Mais saque, Ako... graciosamente, criança, sirva graciosamente. Mas Kiku-san, você é uma cortesã de primeira classe. Improvise. O almirante bárbaro salvou a vida do Senhor Toranaga hoje, e senta-se à sombra dele. Nosso futuro depende de você! Sei que conseguirá lindamente. Ako!

— Sim, ama!

— Certifique-se de que os futons estejam perfeitos, que tudo esteja perfeito. Veja que as flores... não. Eu mesma cuidarei das flores! E o Cozinheiro, onde está o Cozinheiro? — Deu um tapinha no joelho de Kiku. — Use o quimono dourado, com o verde por baixo. Temos que impressionar muito a Senhora Toda esta noite. — Saiu correndo para começar a pôr a casa em ordem, todas as damas, criadas, aprendizes e empregados apressados limpando e ajudando, muito orgulhosos da boa fortuna que tocara a sua casa.

Quando tudo ficou arrumado, o horário das outras garotas reajustado, Gyoko foi para o seu quarto e deitou-se um instante para recuperar as forças. Ainda não havia falado a Kiku sobre a oferta do contrato.

Vou esperar e ver, pensou. Se conseguir fazer o acordo que pretendo, então talvez eu deixe a minha adorável Kiku partir. Mas nunca antes de saber com quem. Fico contente por ter tido a antevisão de deixar isso claro à Senhora Toda antes de vir embora. Por que está chorando, sua velha tola? Está bêbada de novo? Ponha os miolos a funcionar! De que lhe serve a infelicidade?

— Hana-chan!

— Sim, Mãe-sama? — A criança veio correndo a ela. Seis anos recém-completados, grandes olhos castanhos, e um cabelo longo, encantador. Usava um quimono novo, de seda escarlate. Gyoko a comprara há dois dias, por intermédio de Mura e do vendedor de crianças local.

— O que acha do seu novo nome, criança?

— Oh, gosto muitíssimo, muitíssimo. Estou honrada, Mãe-sama!

O nome significava "Pequena Flor" — assim como Kiku significava "Crisântemo" —, e Gyoko o dera a ela no primeiro dia. — Sou sua mãe agora — dissera-lhe, gentilmente mas com firmeza, ao pagar o preço e tomar posse da menina, maravilhada de que tanta beleza potencial pudesse surgir de uma pescadora tão grosseira como a rotunda mulher Tamasaki. Após quatro dias de barganha intensa, pagara um koban pelos serviços da criança até a idade de vinte anos, o suficiente para alimentar a família Tamasaki durante dois anos. — Vá buscar um pouco de chá, depois o meu pente e algumas folhas de chá aromático para me tirar o saque do cérebro.

— Sim, Mãe-sama. — Saiu na disparada cegamente, sem fôlego, ávida por agradar, e colidiu com as saias de Kiku, leves como teia, na soleira da porta.

— Oh, oh, oh, descuuuuuulpe...

— Deve tomar cuidado, Hana-chan.

— Desculpe, desculpe, Irmã Mais Velha... — Hana-chan estava quase em lágrimas.

— Por que está triste, Pequena Flor? Pronto, pronto — disse Kiku, secando-lhe as lágrimas ternamente. — Nesta casa eliminamos a tristeza. Lembre-se, nós do Mundo do Salgueiro nunca precisamos de tristeza, criança, pois que bem faria isso? A tristeza nunca agrada. Nosso dever é agradar e ser alegres. Corra, criança, mas gentilmente, gentilmente, seja graciosa. — Kiku voltou-se e se mostrou à mulher mais velha, com um sorriso radiante. — Isto lhe agrada, Ama-san?


Blackthorne olhou para ela e murmurou:

— Aleluia!

— Esta é Kiku-san — disse Mariko formalmente, exultante com a reação dele.

A garota entrou no aposento com um roçar de seda, ajoelhou-se, curvou-se e disse alguma coisa que Blackthorne não entendeu.

— Ela diz que o senhor é bem-vindo, que honra esta casa.

— Domo — disse ele.

— Do itashimashité. Saquê, Anjin-san? — disse Kiku.

— Hai, domo.

Blackthorne observou-lhe as mãos perfeitas buscarem o frasco com precisão, certificar-se de que a temperatura estava correta, depois encher o cálice que ele ergueu para ela, conforme Mariko lhe mostrara, com mais graça do que ele imaginara possível.

— Promete que se comportará como um japonês, de verdade? — perguntara Mariko quando saíram da fortaleza, ela no palanquim, ele caminhando ao lado, descendo o caminho que coleava até a aldeia e a praça que ficava de frente para o mar. Carregadores de archotes avançavam à frente e atrás deles. Dez samurais os acompanhavam, como guarda de honra.

— Tentarei, sim — disse Blackthorne. — O que devo fazer?

— A primeira coisa que deve fazer é esquecer o que o senhor tem que fazer e simplesmente se lembrar de que esta noite é dedicada apenas ao seu prazer.

Este foi o melhor dia da minha vida, pensava ele. E esta noite... que tal esta noite? Estava excitado com o desafio e determinado a tentar ser japonês, apreciar tudo e não ficar embaraçado.

— Quanto... quanto é que a noite ... bem ... vai custar? — perguntara.

— Isso é muito não-japonês, Anjin-san — censurou-o ela. — O que é que tem a ver? Fujiko-san concordou que o trato era satisfatório.

Ele vira Fujiko antes de sair. O médico a visitara e trocara as bandagens e lhe dera remédios de ervas. Estava orgulhosa das honras e do feudo e havia tagarelado muito, não demonstrando dor, contente por ele estar indo à casa de chá — claro, Mariko-san a consultara e tudo fora arranjado, como Mariko-san era boa! Que pena que ela tivesse aquelas queimaduras e não tivesse podido fazer os arranjos pessoalmente. Ele tocara a mão de Fujiko antes de sair, gostando dela. Ela lhe agradecera, desculpara-se de novo, e se despedira, esperando que ele tivesse uma noite maravilhosa.

Gyoko e as criadas esperavam cerimoniosamente ao portão da casa de chá para saudá-lo.

— Esta é Gyoko-san, a Mama-san aqui.

— Muito honrada, Anjin-san, muito honrada.

Mama-san? Quer dizer "mamãe"? "Mãe"? É o mesmo que em inglês, Mariko-san. "Mama"... "mommy"... "mother".

— Oh! É quase a mesma coisa, mas desculpe, "mama-san" só quer dizer "madrasta" ou "parente adotivo", Anjin-san. "Mãe" é "haha-san" ou "oba-san".

Num instante Gyoko se desculpou e se afastou às pressas. Blackthorne sorriu para Mariko. Ela estivera como uma criança, olhando tudo de olhos arregalados. — Oh, Anjin-san, sempre desejei ver o lado de dentro de um destes lugares. Os homens têm tanta sorte! Não é lindo? Não é maravilhoso, mesmo numa aldeia minúscula? Gyoko-san deve ter mandado mestres artesãos reformar tudo completamente! Olhe a qualidade das madeiras e... oh, é tão gentil de me permitir estar com o senhor. Nunca terei outra oportunidade... olhe as flores... que arranjo extraordinário ... e, oh, olhe o jardim ...

Blackthorne estava muito contente e muito pesaroso de haver uma criada na sala, e a porta shoji aberta, pois mesmo ali, numa casa de chá, seria impensável e letal para Mariko ficar sozinha com ele numa sala.

— A senhora é linda — disse em latim.

— O senhor também. — O rosto dela dançava. — Estou muito orgulhosa do senhor, almirante dos navios. E Fujiko também... oh, estava tão orgulhosa que mal conseguia permanecer imóvel!

— As queimaduras parecem graves.

— Não tenha receio. Os médicos têm muita prática e ela é jovem, forte e confiante. Esta noite nada de preocupações... apenas coisas mágicas.

— A senhora é mágica para mim.

Ela agitou o leque, serviu o vinho e não disse nada. Ele a observou, depois sorriram juntos. — Como há outros aqui e as línguas se movem, devemos continuar sendo cautelosos. Mas, oh, estou tão feliz pelo senhor.

— Qual era a outra razão? A senhora disse que havia outra razão para querer que eu viesse aqui esta noite.

— Ah, sim, a outra razão. — O mesmo perfume pairava densamente em torno dele. — É um antigo costume nosso, Anjin-san. Quando uma senhora que pertence a outra pessoa se interessa por outro homem, e deseja dar-lhe alguma coisa significativa que é proibido dar, então providencia para que outra lhe tome o lugar — um presente —, a cortesã mais perfeita que ela puder pagar.

— A senhora disse "quando uma senhora se interessa por alguém". Quer dizer, "ama"?

— Sim. Mas só esta noite.

— Por que esta noite, Mariko-san, por que não antes?

— Esta é uma noite mágica e os kamis caminham conosco.

Eu o desejo.

Então Kiku apareceu à soleira da porta.

— Aleluia! — E ele recebeu boas-vindas e foi servido de saque.

— Como digo que a dama é particularmente bonita? Mariko lhe disse e ele repetiu as palavras. A garota riu alegremente, aceitou o cumprimento, e retribuiu.

— Kiku-san pergunta se o senhor gostaria de que ela cantasse ou dançasse para o senhor.

— Qual é a sua preferência? — perguntou ele em latim.

— Esta dama está aqui apenas para o seu prazer, samurai, não para o meu.

— E a senhora? Também está aqui para o meu prazer?

— Sim, de certo modo... num sentido muito particular.

— Então, por favor, peça-lhe que cante.

Kiku bateu palmas gentilmente e Ako trouxe o samisen. Era comprido, de formato semelhante ao de uma guitarra, e de três cordas. Ako colocou-o em posição no chão e deu o plectro de marfim a Kiku.

— Senhora Toda — disse Kiku —, por favor, diga ao nosso honrado hóspede que primeiro cantarei a canção da libélula.

— Kiku-san, eu ficaria honrada se esta noite, aqui, você me chamasse de Mariko-san.

— É muito gentil comigo, senhora. Por favor, desculpe-me. Possivelmente eu não conseguiria ser tão descortês.

— Por favor.

— Farei isso, se lhe apraz, embora... — Seu sorriso foi adorável.

— Obrigada, Mariko-sama.

Feriu o acorde. Desde o momento em que os hóspedes atravessaram o portão, entrando no mundo dela, todos os seus sentidos tinham-se aguçado. Observara-os secretamente enquanto estavam com Gyoko-san e enquanto estiveram sozinhos, procurando qualquer indício de como agradá-lo ou como impressionar a Senhora Toda.

Não estava preparada para o que logo se tornou óbvio: o Anjin-san desejava a Senhora Toda, embora o dissimulasse tão bem quanto qualquer pessoa civilizada. Isso, em si, não era de surpreender, pois a Senhora Toda era muito bonita, completa e, o mais importante, era a única que podia conversar com ele. O que a assombrou foi que teve certeza de que a Senhora Toda o desejava igualmente, se não mais.

O samurai bárbaro e a senhora samurai, filha patrícia do assassino Akechi Jinsai, esposa do Senhor Buntaro! Iiih! Pobre homem, pobre mulher. Muito triste. Com certeza isso vai terminar em tragédia.

Kiku sentiu-se prestes a irromper em lágrimas ao pensar na tristeza da vida, na injustiça. Oh, como desejaria ser samurai e não camponesa, de modo a poder até me tornar consorte de Omi-sama, não apenas um brinquedo temporário. De bom grado daria a minha esperança de renascer em troca disso.

Afaste a tristeza. Dê prazer, é esse o seu dever.

Seus dedos feriram um segundo acorde, um acorde cheio de melancolia. Então notou que embora Mariko estivesse encantada com a sua música, o Anjin-san não estava.

Por quê? Kiku sabia que não era por causa do seu modo de tocar, pois tinha certeza de que tocava quase perfeitamente. Talento como o seu era concedido a poucas.

Um terceiro acorde, mais bonito, experimentalmente. Não há dúvida, disse-se ela impaciente, isto não lhe agrada. Deixou que o acorde se extinguisse e começou a cantar sem acompanhamento, sua voz elevando-se com as repentinas mudanças de ritmo que se levava anos para aprender. Novamente Mariko ficou fascinada, ele não, então imediatamente Kiku parou. — Esta noite não é para música nem canto — anunciou. — Esta noite é para felicidade. Mariko-san, como digo "por favor" na língua dele?

— "Por favor".

— Por favor, Anjin-san, esta noite devemos apenas rir, neh? — Domo, Kiku-san. Hai.

— É difícil entreter sem palavras, mas não impossível, neh? Ah, já sei! — Pôs-se em pé e começou a fazer pantomimas cômicas — daimio, kaga, pescador, falcoeiro, um samurai pomposo, até um velho fazendeiro coletando um balde cheio —, e as fez tão bem e tão humoristicamente que logo Mariko e Blackthorne estavam rindo e. aplaudindo. Então ela ergueu a mão. Brejeiramente começou a mostrar através de mímica um homem urinando, segurando-se ou achando falta de alguma coisa, agarrando, procurando o insignificante ou maravilhado com o inacreditável, em todos os estágios de sua vida, começando primeiro como uma criança molhando a cama e berrando, depois um rapaz apressado, outro tendo que se deter, outro com tamanho, outro com pequenez ao ponto de “onde foi parar", e finalmente um homem muito velho gemendo de êxtase simplesmente por ser capaz de urinar.

Kiku curvou-se ao aplauso e tomou um gole de chá, secando com tapinhas a leve perspiração da testa. Notou que ele estava contraindo os ombros e as costas.

— Oh, por favor, senhor! — disse em português, e se ajoelhou atrás dele e começou a massagear-lhe a nuca.

Seus dedos experientes imediatamente encontraram os pontos de prazer.

— Oh, Deus, isso é... hai... bem aí!

Ela fez conforme ele pedia. — Seu pescoço logo estará melhor. Está sentado há muito tempo, Anjin-san!

— Isso é muito bom, Kiku-san. Faz Suwo quase mau!

— Ah, obrigada, Mariko-san, os ombros do Anjin-san são tão vastos, e a senhora me ajudaria? Cuide do ombro esquerdo, enquanto eu me ocupo do direito, sim? Desculpe, mas as minhas mãos não são suficientemente fortes.

Mariko permitiu-se ser persuadida e fez o que ela pedira. Kiku ocultou o próprio sorriso ao senti-lo retesar-se sob os dedos de Mariko, e ficou muito satisfeita com as suas improvisações. Agora o cliente estava sendo satisfeito através do seu talento e conhecimento, e manobrado como devia ser.

— Está melhor, Anjin-san?

— Bem, muito bem, obrigado.

— Oh, não há de quê. O prazer é meu. Mas a Senhora Toda é muito mais hábil do que eu. — Kiku podia sentir a atração entre eles, embora tentassem esconde-la. — Agora um pouco de comida, talvez. — Veio imediatamente.

— Para o senhor, Anjin-san — disse orgulhosamente. O prato continha um pequeno faisão, cortado em pedaços minúsculos assados sobre brasas, com um molho doce de soja. Ela serviu.

— Está delicioso, delicioso — disse ele. E estava.

— Mariko-san?

— Obrigada. — Mariko pegou um pedaço simbólico, que não comeu.

Kiku segurou um fragmento nos pauzinhos e mastigou-o com prazer.

— Está bom, neh?

— Não, Kiku-san, está ótimo! Ótimo!

— Por favor, Anjin-san, coma mais. — Ela pegou um segundo bocado. — Há muito.

— Obrigado. Por favor. Como foi... como isto? — Apontou para o espesso molho marrom.

Mariko traduziu.

— Kiku diz que é açúcar com soja e um pouco de gengibre. Perguntou se o senhor tem açúcar e soja no seu país.

— Açúcar de beterraba sim, soja, não, Kiku-san.

— Oh! Como pode alguém viver sem soja? — Kiku tornou-se solene. — Por favor, diga ao Anjin-san que temos açúcar aqui há mil anos. O monge budista Ganjin trouxe-o da China. Todas as nossas melhores coisas vieram da China, Anjin-san. O chá chegou a nós há cerca de quinhentos anos. O monge budista Eisai trouxe sementes e plantou-as na província de Chikuzen, onde nasci. Também trouxe o zen-budismo.

Mariko traduziu com igual formalidade, então Kiku soltou uma gargalhada. — Oh, desculpe, Mariko-sarna, mas os dois pareciam tão graves. Eu só estava fingindo solenidade em relação ao chá... como se tivesse importância! Era só para diverti-los.

Observaram Blackthorne terminar o faisão.

— Bom — disse ele. — Muito bom. Por favor, agradeça a Gyoko-san.

— Ela ficará honrada. — Kiku serviu mais saquê para os dois. Depois, sabendo que era tempo, disse inocentemente: — Posso perguntar o que aconteceu hoje durante o terremoto? Ouvi dizer que o Anjin-san salvou a vida do Senhor Toranaga. Consideraria uma honra saber em primeira mão.

Acomodou-se pacientemente, deixando Blackthorne e Mariko apreciar o relato, juntando um "oh" ou "que aconteceu depois?", ou servindo saquê, nunca interrompendo, sendo a ouvinte perfeita.

Quando terminaram, Kiku maravilhou-se com a bravura deles e com a boa fortuna do Senhor Toranaga. Conversaram algum tempo, depois Blackthorne levantou-se e a criada recebeu ordem de mostrar-lhe o caminho.

Mariko rompeu o silêncio.

— Você nunca tinha comido carne antes, tinha, Kiku-san?

— É meu dever fazer tudo o que posso para agradá-lo, só por algum tempo, neh?

— Eu não sabia como uma dama podia ser perfeita. Compreendo agora por que tem sempre que haver um Mundo Flutuante, um Mundo do Salgueiro, e como os homens têm sorte, como sou inadequada.

— Oh, não tive a intenção, Mariko-sama, nunca. E não é a nossa intenção. Estamos aqui apenas para agradar, por um momento fugaz.

— Sim. Eu só quis dizer que a admirava muito. Gostaria que fosse minha irmã.

Kiku curvou-se.

— Eu não seria digna dessa honra. — Havia cordialidade entre elas. — Este é um lugar muito secreto e todo o mundo merece confiança, não há olhos à espreita. A sala de prazer no jardim é muito escura, se alguém a desejar escura. E a escuridão guarda todos os segredos.

— O único modo de guardar um segredo é estar sozinha e sussurrá-lo dentro de um poço vazio ao meio-dia, neh? — disse Mariko despreocupadamente, precisando de tempo para se decidir.

— Entre irmãs não há necessidade de poços. Dispensarei a minha criança até o amanhecer. Nossa sala de prazer é um lugar muito privado.

— Lá você deve ficar sozinha com ele.

— Sempre posso ficar sozinha, sempre.

— É muito gentil comigo, Kiku-chan, muito atenciosa.

— É uma noite mágica, neh? E muito especial.

— Noites mágicas terminam cedo demais, Irmãzinha. Noites mágicas são para as crianças, neh? Não sou uma criança.

— Quem sabe o que acontece numa noite mágica? A escuridão encerra tudo.

Mariko meneou a cabeça, triste, e tocou-a ternamente.

— Sim. Mas para ele, se a noite contivesse você, seria tudo.

Kiku fez uma pausa. Depois disse. Sou um presente para o Anjin-san? Ele não pediu por mim pessoalmente?

— Se a tivesse visto, como poderia não pedir? Sinceramente, é uma honra para ele que você o tenha recebido. Compreendo isso agora.

— Mas ele me viu uma vez, Mariko-san. Eu estava com Omi-san quando ele passou a caminho do navio para ir para Osaka, na primeira vez.

— Oh, mas o Anjin-san disse que viu Midori-san com Omi-san. Era você? Ao lado do palanquim?

— Sim, na praça. Oh, sim, era eu, Mariko-san, não a senhora esposa de Omi-sama. Ele me disse "konnichi wa”. Mas, claro, ele não se lembraria. Como poderia? Foi durante a sua vida anterior, neh?

— Oh, ele se lembra dela, a bela garota com a sombrinha verde. Disse que era a garota mais bela que já vira. Falou-me dela muitas vezes. — Mariko estudou-a mais de perto. — Sim, Kiku-san, você poderia facilmente ser confundida com ela num dia como aquele, sob a sombrinha.

Kiku serviu saquê e Mariko ficou fascinada pela sua elegância inconsciente.

— Minha sombrinha era verde-mar — disse Kiku, muito satisfeita de que ele se lembrasse.

— Como era o Anjin-san então? Muito diferente? A Noite dos Gritos deve ter sido terrível.

— Sim, sim, foi. E ele era mais velho então, a pele do rosto repuxada... Mas ficamos sérias demais, Irmã Mais Velha. Ah, não sabe como me sinto honrada em ser autorizada a chamá-la assim. Esta é uma noite de prazer apenas. Nada de seriedade mais, neh?

— Sim. Concordo. Por favor, perdoe-me.

— Agora, passando a assuntos mais práticos, a senhora me daria alguns conselhos?

— Pois não — disse Mariko, igualmente amistosa.

— Quanto a "travesseiro", as pessoas do país dele preferem algum instrumento ou posição de que a senhora esteja a par? Desculpe por perguntar, mas talvez a senhora pudesse me orientar.

Mariko precisou de todo o seu treinamento para permanecer impassível.

— Não, não que eu saiba. O Anjin-san é muito suscetível a qualquer coisa que tenha a ver com "travesseiro".

— Ele poderia ser interrogado de algum modo indireto?

— Não creio que você possa fazer perguntas a um estrangeiro assim. Com certeza não ao Anjin-san. E, sinto muito, não sei quais são os instrumentos, exceto, claro, o harigata.

— Ah! — Novamente a intuição de Kiku a guiou e ela perguntou com naturalidade. — A senhora gostaria de vê-los? Eu poderia mostrá-los, talvez com ele lá, então não seria preciso perguntar-lhe. Poderíamos ver pelas reações dele.

Mariko hesitou, sua curiosidade turvando-lhe a capacidade de julgamento.

— Se pudesse ser feito com humor...

Ouviram Blackthorne aproximando-se. Kiku deu-lhe boas-vindas e serviu vinho. Mariko tomou o seu, contente por não estar mais sozinha, embaraçadamente certa de que Kiku podia ler-lhe os pensamentos.

Tagarelaram, jogaram alguns jogos e, quando Kiku julgou que chegara o momento certo, perguntou-lhes se não gostariam de ver o jardim e as salas de prazer.

Saíram para a noite. O jardim faiscava à luz dos archotes onde as gotas de chuva ainda escorriam. O caminho coleava ao lado de um lago minúsculo e uma gorgolejante queda d'água.

Na extremidade do caminho ficava a pequena casa isolada no centro do bosque de bambu. Erguia-se sobre solo tratado e tinha quatro degraus até a varanda que a rodeava. Tudo na construção de dois cômodos era de bom gosto e caro. As melhores madeiras, a melhor carpintaria, os melhores tatamis, as melhores almofadas de seda, os mais elegantes reposteiros no takonoma.

— É encantador, Kiku-san — disse Mariko.

— A casa de chá em Mishima é muito mais bonita, Mariko-san. Por favor, ponha-se à vontade, Anjin-san! Por favor, isto lhe agrada, Anjin-san?

— Sim, muitíssimo.

Kiku viu que ele ainda estava inebriado pela noite e pelo saquê, mas totalmente consciente de Mariko. Estava muito tentada a se levantar, entrar para a sala onde os futons estavam desdobrados, sair para a varanda de novo e ir embora. Mas se o fizesse sabia que estaria violando a lei. Mais que isso, sentia que tal atitude seria irresponsável, pois sabia que no íntimo Mariko estava pronta e já quase ultrapassara qualquer preocupação.

Não, pensou, não devo empurrá-la para uma indiscrição trágica, por mais valiosa que pudesse ser para o meu futuro. Ofereci, mas Mariko-san se impôs recusar. Prudentemente. Serão amantes? Não sei. Isso é o karma deles.

Ela se inclinou para a frente e riu, com ar de cúmplice.

— Ouça, Irmã Mais Velha, por favor, diga ao Anjin-san que há alguns instrumentos de "travesseiro" aqui. Ele os tem no seu país?

— Diz que não, Kiku-san. Lamenta mas nunca ouviu falar de nenhum.

— Oh! Ele não se divertiria em vê-los? Estão na sala ao lado, posso ir buscá-los. São realmente muito excitantes.

— Gostaria de vê-los, Anjin-san? Ela diz que são realmente muito engraçados. — Mariko mudou deliberadamente a palavra.

— Por que não? — disse Blackthorne, a garganta apertada, todo o seu ser carregado com a consciência do perfume e feminilidade delas. — Vocês... vocês usam instrumentos para "travesseirar"? — perguntou.

— Kiku-san diz que às vezes sim. Diz, e isso é verdade, que é nosso costume sempre tentar prolongar o momento das Nuvens e Chuva, pois acreditamos que por esse breve instante nós, mortais, tornamo-nos um com os deuses. — Mariko observava-o. — Por isso é muito importante fazê-lo durar tanto quanto possível, neh? Quase um dever, neh?

— Sim.

— Sim. Ela diz que tornar-se um com os deuses é muito essencial. É uma boa crença e bem possível, não acha? A sensação de Aguaceiro é tão extraterrena e divina. Não é? Portanto qualquer meio de se igualar aos deuses tanto tempo quanto possível é nosso dever, neh?

— Sim. Oh, sim.

— Aceitaria um pouco de saque? Anjin-san? — Obrigado.

Ela se abanou.

— Isso sobre Aguaceiro e Nuvens e Chuva ou Fogo e Torrente, como chamamos às vezes, é muito japonês, Anjin-san. É muito importante ser japonês em coisas de "travesseiro", neh?

Para seu alívio, ele sorriu e se curvou para ela como um palaciano.

— Sim. Muito. Sou japonês, Mariko-san. Honto!

Kiku voltou com a caixa revestida de seda. Abriu-a e tirou um substancial pênis em tamanho natural, feito de marfim, e outro feito de material mais suave, elástico, que Blackthorne nunca vira antes. Negligentemente, colocou-os de lado.

— Isso, naturalmente, são harigatas comuns, Anjin-san — disse Mariko desinteressada, de olhos grudados nos outros objetos.

— Isso é um fato? — disse Blackthorne, sem saber o que dizer. — Mãe de Deus!

— Mas é só um harigata comum, Anjin-san. Com certeza as suas mulheres os têm!

— Certamente que não! Não, não têm — exclamou ele, tentando se lembrar do humor.

Mariko não podia acreditar. Explicou a Kiku, que ficou igualmente surpresa. Kiku falou longamente, Mariko concordando.

— Kiku-san diz que isso é muito estranho. Devo concordar, Anjin-san. Aqui quase todas as garotas usam um harigata para se aliviar, sem pensar duas vezes. De que outro modo uma garota pode permanecer saudável quando tem restrições onde o homem não tem? Tem certeza, Anjin-san? Não está arreliando?

— Não... eu, eu, tenho certeza de que as nossas mulheres não os têm. Isso seria... Jesus, isso... bem, não, nós... elas... não os têm.

— Sem eles a vida deve ser muito difícil. Temos um ditado que diz que um harigata é como um homem, mas melhor, porque é exatamente como a melhor parte dele, sem as partes piores. Neh? E também é melhor porque nem todos os homens são... têm uma suficiência, como os harigatas têm. Além disso, são devotados, Anjin-san, e nunca se cansam da gente, como um homem se cansaria. E podem ser tão ásperos ou macios... Anjin-san, o senhor prometeu, lembra-se? Com humor!

— Tem razão! — Blackthorne sorriu. — Por Deus, a senhora tem razão. Por favor, desculpe-me. — Pegou o harigata e o estudou de perto, assobiando desafinado. Depois levantou-o. — Estava dizendo, Professora-san? Pode ser áspero?

— Sim — disse ela alegremente. — Pode ser tão áspero ou liso como se desejar, e os harigatas muito particularmente têm muito mais resistência do que qualquer homem e nunca se esgotam!

— Oh, esse é um detalhe e tanto!

— Sim. Não se esqueça de que nem toda mulher tem a sorte de pertencer a um homem viril. Sem um objeto destes para ajudar a libertar paixões comuns e necessidades normais, uma mulher comum logo se tornaria envenenada de corpo, e isso certamente muito em breve lhe destruiria a harmonia, ferindo a ela e aos que a rodeassem. As mulheres não têm a liberdade que os homens têm, em maior ou menor grau, e com razão, neh? O mundo pertence aos homens, e com razão, neh?

— Sim. — Ele sorriu. — E não.

— Lastimo pelas suas mulheres, sinto muito. Devem ser iguais a nós. Quando voltar, o senhor deve instruí-las, Anjin-san. Ah, sim, diga à sua rainha, ela compreenderá. Somos muito sensatas em assuntos de "travesseiro".

— Mencionarei isso a Sua Majestade. — Blackthorne pôs o harigata de lado com uma relutância fingida. — E depois?

Kiku retirou da caixa quatro contas redondas e grandes de jade branco, presas a intervalos num forte fio de seda. Mariko ouviu atentamente a explicação de Kiku, os olhos maiores do que nunca, o leque esvoaçando, e olhou para as contas maravilhada, quando Kiku concluiu. — Ah so desu! Bem, Anjin-san — começou com firmeza —, isto é chamado konomi-shinju. Pérolas de Prazer, e tanto o homem quanto a mulher podem usá-las. Saque, Anjin-san?

— Obrigado.

— Sim. Tanto a dama quanto o homem podem usá-las. As contas são cuidadosamente colocadas na passagem de trás e depois, no momento das Nuvens e Chuva,.puxadas lentamente, uma a uma.

— O quê?

— Sim. — Mariko pousou as contas na almofada à frente dele. — A Senhora Kiku diz que a sintonia é muito importante e que sempre... não sei como o senhor diria, ah, sim, sempre se deve usar uma pomada oleosa... por conforto, Anjin-san. — Ela levantou os olhos para ele e acrescentou: — Ela também diz que as Pérolas de Prazer podem ser encontradas em muitos tamanhos e que, se usadas corretamente, podem causar um resultado realmente muito considerável.

Ele riu ruidosamente e exclamou em inglês:

— Aposto um barril de dobrões contra uma moeda de bosta de porco que se pode acreditar nisso!

— Desculpe, não compreendi, Anjin-san.

Quando conseguiu falar, ele disse em português:

— Aposto uma montanha de ouro contra uma folha de grama, Mariko-san, que o resultado deve ser realmente muito considerável! — Apanhou as contas e as examinou, assobiando sem notar. — Pérolas de Prazer, hein? — Pouco depois, pousou-as no chão. — O que mais?

Kiku estava satisfeita de sua experiência estar tendo êxito. E mostrou-lhe um himitsu-kawa, a Pele Secreta. — É um anel de prazer, Anjin-san, que o homem usa para se manter ereto quando está exaurido. Com isto Kiku-san diz que o homem pode gratificar a mulher após ter passado o seu apogeu, ou o seu desejo ter esmorecido. — Mariko observou-o. — Neh?

— Absolutamente. — Blackthorne sorriu. — O Senhor me proteja tanto de uma coisa quanto da outra, e de não ser gratificante. Por favor, peça a Kiku-san para me comprar três... só para o caso de serem necessários!

Depois mostraram-lhe os hiro-gumbi, o Equipamento do Cansado, talos secos e finos de uma planta que, quando encharcados e envoltos em torno da Parte Sem Par, faziam-na inchar e parecer forte. Depois havia todo tipo de estimulantes — para excitar ou aumentar a excitação —, e todo tipo de pomada — para umedecer, para avolumar, para reforçar.

— Nunca para enfraquecer? — perguntou ele, para maior hilaridade.

— Oh, não, Anjin-san. Isso seria despropositado!

Depois Kiku lhes mostrou outros anéis para o homem, de marfim, elástico ou seda, com nódulos, cerdas, fitas, penduricalhos e apêndices de todo tipo, feitos de marfim, crina de cavalo, grãos ou até de sinos minúsculos.

— Kiku-san diz que quase qualquer um destes objetos deixará voluptuosa a mais acanhada das damas.

Oh, Deus, como eu gostaria de ver você voluptuosa, pensou ele.

— Mas isto é só para homens, neh? — perguntou.

— Quanto mais excitada esteja a dama, maior é o gozo do homem, neh? — disse Mariko. — Claro, dar prazer à mulher é igualmente um dever do homem, não é, e com um destes objetos, se ele infelizmente for pequeno, fraco, ou velho ou cansado, ainda poderá satisfazê-la com honra.

— A senhora os usou, Mariko-san?

— Não, Anjin-san, nunca os tinha visto antes. Essas coisas... as esposas não são para o prazer, mas para engravidar e para tomar conta da casa e do lar.

— As esposas não esperam ser satisfeitas?

— Não. Isso não seria usual. Isso é para as damas do Mundo do Salgueiro. — Mariko abanou-se e explicou a Kiku o que fora dito. — Ela diz que com certeza acontece o mesmo no seu mundo, não? Que é dever do homem satisfazer a mulher, assim como é dever dela satisfazê-lo.

— Por favor, diga-lhe que sinto muito, mas não acontece o mesmo, apenas exatamente o contrário.

— Ela diz que isso é muito mau. Saquê?

— Por favor, diga-lhe que somos ensinados a nos envergonhar do nosso corpo, de "travesseiro", da nudez e... e todo tipo de estupidez. Foi só depois de ter chegado aqui que entendi isso. Agora que estou um pouco civilizado, sei melhor.

Mariko traduziu. Ele esvaziou seu cálice. Foi enchido imediatamente por Kiku, que se inclinou para a frente e segurou a longa manga com a mão esquerda, de modo que não tocasse a mesinha laqueada enquanto ela servia com a direita.

— Domo.

— Do itashimashité, Anjin-san.

— Kiku-san diz que devemos nos sentir honrados de que o senhor diga coisas assim. Eu concordo, Anjin-san. Fiquei muito orgulhosa do senhor hoje. Mas com certeza não é tão mau quanto o senhor diz.

— É pior. É difícil compreender, quanto mais explicar, se vocês nunca estiveram lá nem foram criadas lá. Veja... na verdade... — Blackthorne viu-as a observá-lo, esperando pacientemente, tão atraentes e limpas, o aposento tão austero, despojado, tranqüilo. Imediatamente sua mente começou a contrastá-lo com o cálido e amistoso mau cheiro do seu lar inglês, palha sobre o chão de terra, fumaça da lareira aberta de tijolos erguendo-se para o buraco no telhado - em toda a sua aldeia só havia três das novas lareiras com chaminés, apenas para os muito abastados. Dois pequenos dormitórios e depois a grande e desarrumada sala do chalé, para comer, viver, cozinhar e conversar. Entrava-se de botas no chalé, no verão ou no inverno, a lama despercebida, a bosta despercebida, e sentava-se numa cadeira ou banco, a mesa de carvalho atravancada como a sala, três ou quatro cães e as duas crianças — seu filho e a menina do falecido irmão, Arthur — subindo e caindo e brincando numa balbúrdia só, Felicity cozinhando, seu vestido comprido arrastando pelas palhas e pela sujeira, a empregada fungando e atrapalhando o caminho e Mary, a viúva de Arthur, tossindo no cômodo contíguo que ele construíra para ela, às portas da morte como sempre, mas não morrendo nunca.

Felicity. Querida Felicity. Um banho por mês, talvez, e no verão, muito em particular, na banheira de cobre, mas lavando o rosto, as mãos e os pés todos os dias, sempre escondida até o pescoço e os punhos, envolta em camadas de lãs pesadas o ano todo, que não eram lavadas durante meses ou anos, cheirando forte como todo mundo, infestada de piolhos como todo mundo, coçando-se como todo mundo.

E todas as outras crenças e superstições estúpidas, que a limpeza podia matar, janelas abertas podiam matar, água podia matar e estimular a gripe ou trazer a peste, que piolhos, pulgas, moscas, sujeira e doença eram punições de Deus para os pecados na terra.

Pulgas, moscas e palha trocada a cada primavera, mas todo dia na igreja e duas vezes aos domingos, para ouvir a Palavra martelada nos ouvidos.

Nascida em pecado, vivendo em vergonha, preocupada com o Demônio, condenada ao inferno, orando pela salvação e pelo perdão, Felicity tão devota e cheia de temor pelo Senhor e de terror pelo Diabo, desesperada pelo paraíso. Depois indo para casa para comer. Um pernil no espeto, e caso um pedaço caísse no chão era apanhado, espanado e comido, isso se os cães não o agarrassem primeiro, mas os ossos eram atirados a eles de qualquer modo. Restos jogados ao chão para serem varridos, talvez, e talvez atirados na rua. Dormindo a maior parte das vezes com as roupas usadas de dia e coçando-se como um cão satisfeito, sempre se coçando. Velha tão jovem, e feia tão jovem, morrendo tão jovem. Felicity. Agora com vinte e nove anos, grisalha, com poucos dentes, velha, murcha.

— Antes do tempo, pobre mulher. Meu Deus, que desnecessário! — gritou ele, enraivecido. — Que maldito e fedorento desperdício!

— Nan desu ka, Anjin-san? — disseram ambas as mulheres no mesmo fôlego, seu contentamento esvanecido.

— Desculpem... foi só que... vocês são todos tão limpos e nós somos imundos, e é um desperdício tão grande, milhões incontáveis, eu também, toda a minha vida... e só porque não somos mais bem informados! Jesus Cristo, que desperdício! São os padres... são os educados e os educadores, os padres são donos de todas as escolas, responsáveis por todo o ensino, sempre em nome de Deus, imundície em nome de Deus... Essa é a verdade!

— Oh, sim, naturalmente — disse Mariko apaziguadora, tocada pelo sofrimento dele. — Por favor, não se preocupe com isso agora, Anjin-san. Deixe para amanhã...

Kiku ostentou um sorriso, mas estava furiosa consigo mesma. Você devia ter sido mais cuidadosa, disse a si mesma. Estúpida, estúpida, estúpida! Mariko-san preveniu-a! Agora você permitiu que a noite se arruinasse, e a mágica se foi, foi, foi!

De fato a pesada, quase tangível sexualidade que os tocara a todos desaparecera. Talvez esteja igualmente bem, pensou ela. Pelo menos Mariko e o Anjin-san estão protegidos por mais uma noite.

Pobre homem, pobre senhora. Tão triste. Ela os observou conversando, depois sentiu uma mudança do tom entre eles.

— Agora devo deixá-los — disse Mariko em latim.

— Vamos partir juntos.

— Rogo-lhe que fique. Pela sua honra e a dela. E a minha, Anjin-san.

— Não quero esse seu presente. Quero a senhora.

— Eu sou sua, acredite, Anjin-san. Por favor, fique, imploro-lhe, e saiba que esta noite eu sou sua.

Ele não insistiu para que ela ficasse.

Depois que ela se foi, ele se deitou, passou o braço por sob a cabeça e contemplou a noite pela janela. A chuva respingava nas telhas, o vento soprava acariciante do mar.

Kiku estava ajoelhada imóvel diante dele. Tinha as pernas rígidas. Também teria gostado de se deitar, mas não desejava alterar-lhe o ânimo com o menor movimento. Você não está cansada. Suas pernas não estão doendo, disse-se ela. Ouça a chuva e pense em coisas agradáveis. Pense em Omi-san e na casa de chá em Mishima, e que você está viva, que o terremoto de ontem foi apenas mais um terremoto. Pense em Toranaga-sama e o preço inicial inacreditavelmente extravagante que Gyoko-san ousou pedir pelo seu contrato. O adivinho estava certo, é sua boa fortuna faze-la rica para além dos sonhos. E se essa parte é verdade, porque não o resto todo? Que um dia você se casará com um samurai a quem honrará, e terá um filho dele, que você viverá e morrerá em idade avançada, fazendo parte da família dele, rica e honrada, e que, milagre dos milagres, seu filho crescerá em condição igual — samurai — à dos filhos dele.

Kiku começou a se animar com o seu futuro maravilhoso, inacreditável. Depois de algum tempo, Blackthorne espreguiçou-se voluptuosamente, com um agradável cansaço. Viu-a e sorriu.

— Nan desu ka, Anjin-san?

Ele meneou a cabeça gentilmente, levantou-se e abriu a shoji para o aposento contíguo. Não havia nenhuma criada ajoelhada junto aos futons sob o mosquiteiro. Ele e Kiku estavam sozinhos na magnífica casinha. Dirigiu-se para o quarto de dormir e começou a tirar o quimono. Ela se apressou a ajudá-lo. Ele despiu-se completamente, depois vestiu o quimono de dormir, de seda leve, que ela lhe segurou. Kiku abriu o mosquiteiro e ele se deitou.

Depois Kiku também se trocou. Ele a viu tirar o obi, o primeiro quimono, o segundo, de um verde mais claro e barra escarlate, e finalmente a combinação. Vestiu o quimono de dormir, cor de pêssego, depois removeu a elaborada peruca formal e soltou o cabelo. Era preto-azulado, belíssimo e muito comprido.

Ajoelhou-se do lado de fora do mosquiteiro.

— Dozo, Anjin-san?

— Domo — disse ele.

— Domo arigato goziemashita — sussurrou ela.

Ela deslizou por sob o mosquiteiro e deitou-se ao lado dele. As velas e lâmpadas de óleo ardiam brilhantemente. Ele ficou contente de que houvesse luz, porque ela era muito bonita.

Sua necessidade desesperadora desaparecera, embora a dor continuasse. Não a desejo, Kiku-san, pensou. Se você fosse Mariko, seria a mesma coisa. Ainda que você fosse a mulher mais bela que eu já tivesse visto, mais até do que Midori-san, que achei mais bela do que uma deusa. Não a desejo. Mais tarde, talvez, mas agora não, sinto muito.

A mão dela esticou-se e tocou-o.

— Dozo?

— Iyé — disse ele gentilmente, meneando a cabeça. Segurou-lhe a mão, depois deslizou um braço por sob os seus ombros. Obedientemente ela se aninhou contra ele, compreendendo de imediato. Seu perfume combinava com a fragrância dos lençóis e futons. Tão limpa, pensou ele, tudo tão inacreditavelmente limpo.

O que foi que Rodrigues disse? "O Japão é o paraíso na terra, Inglês, se você souber para onde olhar", ou "Isto é o paraíso, Inglês". Não me lembro. Só sei que não é lá, do outro lado do mar, onde pensei que fosse. Não é lá.

O paraíso na terra é aqui.


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