A Pior Hora

Se faltava alguma coisa para aumentar a popularidade de Jack McMurdo entre seus companheiros, sua prisão e sua absolvição tiveram esse efeito. Um homem fazer alguma coisa, na própria noite em que se filiou à Loja, que o obrigasse a comparecer diante de um juiz era um novo recorde nos registros da sociedade. Ele já conseguira a reputação de um sujeito bastante alegre, um farrista inveterado, e também um homem de temperamento forte, que não aceitaria um insulto nem mesmo do todo-poderoso chefe. Mas, além disso, havia impressionado seus camaradas com a idéia de que entre todos eles não havia nenhum com um cérebro capaz de elaborar tão rapidamente um plano sanguinário, ou cuja mão fosse mais capaz de executar esse plano. “Ele será o rapaz do serviço perfeito”, comentavam os mais antigos entre si enquanto esperavam a hora em que pudessem dar-lhe um trabalho. McGinty já tinha bastante gente, mas reconhecia que

este era especialmente capaz. Ele se sentia como alguém que segurava pela correia um cão de caça irrequieto. Havia os vira-latas para os serviços menores, mas algum dia ele soltaria essa criatura sobre suas vítimas. Alguns membros da Loja, Ted Baldwin entre eles, ressentiam-se do rápido prestígio do novato e o odiavam por isso, mas tinham muito cuidado com ele, pois estava tão pronto para lutar como para rir.

Mas se ele ganhou prestígio com os companheiros, havia um outro lugar em que seu prestígio fora por água abaixo. O pai de Ettie Shafter não queria mais saber dele nem permitia mais que entrasse em sua casa. Ettie estava tão perdidamente apaixonada que não queria perdê-lo, embora seu bom senso a prevenisse do que seria o casamento com um homem tido como criminoso. Certo dia, após uma noite inteira sem conseguir pregar olhos, ela decidiu ir vê-lo, possivelmente pela última vez, e se esforçar para afastá-lo daquelas péssimas influências que estavam acabando com ele. Ela foi até a casa dele, atendendo a um pedido que ele lhe fazia com freqüência, e dirigiu-se ao cômodo que usava como sala de estar. Ele estava sentado a uma mesa, de costas para ela, e tinha uma carta diante dele. Uma súbita vontade infantil de brincar a dominou – tinha apenas 19 anos. Ele não ouvira a porta se abrir. Ela se aproximou dele na ponta dos pés e pôs as mãos suavemente sobre os ombros dele.

Se ela esperava assustá-lo, com certeza conseguiu, mas de um modo que a assustou também. Ele deu um salto e segurou o pescoço dela com a mão direita. Ao mesmo tempo, com a outra mão, amassou o papel que estava lendo. Durante algum tempo ficou paralisado, olhando para ela. Então, uma expressão de perplexidade e alegria surgiu em seu rosto, substituindo a ferocidade – ferocidade que a fez recuar aterrorizada, como se em toda a sua vida tranqüila jamais tivesse visto coisa semelhante.

– É você! – disse ele, erguendo as sobrancelhas. – E pensar que você veio falar comigo, minha querida, e eu não achei nada melhor pra fazer do que quase estrangulá-la! Venha, querida – e estendeu os braços. – Quero que você esqueça isso.

Mas ela ainda não conseguira esquecer aquele olhar de medo culpado que vira no rosto dele. Seu instinto feminino dizia-lhe que aquele arroubo não era apenas o medo normal de um homem que se assusta. Culpa – era isso – culpa e medo.

– Acredite, eu estava com o pensamento longe. E você entrou tão de mansinho, com esses seus pezinhos lindos...

– Não, não. Foi mais que isso, Jack. – Então uma súbita suspeita a dominou. – Deixe-me ver aquela carta que você estava escrevendo.

– Ah, Ettie, não posso fazer isso.

A suspeita transformou-se em certeza.

– É para outra mulher! – ela gritou. – Sei que é. Que outro motivo você teria para escondê-la de mim? Como vou saber se não é casado, você que é novo por aqui e ninguém o conhece?

– Não sou casado, Ettie. Eu lhe juro que não sou. Você é a única. Eu juro, em nome de Cristo!

Ele estava pálido, falando com tanta sinceridade que ela não podia fazer outra coisa a não ser acreditar nele.

– Então por que você não me mostra a carta?

– Vou lhe explicar – ele disse. – Prometi não mostrar essa carta a ninguém, e do mesmo modo como não quebraria um juramento que tivesse feito a você, tenho de manter minha palavra. É assunto da Loja, e nem para você eu posso mostrar. E se eu me assustei quando pôs a mão no meu ombro, será que você não entende que poderia ter sido a mão de um detetive?

Ela sentiu que ele estava falando a verdade. Ele a envolveu em seus braços e afastou de vez seus temores e dúvidas ao beijá-la.

– Sente-se aqui perto de mim. É um trono muito feio para uma rainha como você, mas é o único que seu pobre amor pode lhe oferecer. Ele lhe dará algo melhor um dia desses. Acho que sim. Agora você está calma de novo, não está?

– Como posso me sentir bem, Jack, se sei que você é um criminoso que vive no meio de criminosos, se não sei se algum dia vou ouvir que você está no banco dos réus por assassinato? McMurdo, o Scowrer: foi assim que um dos nossos hóspedes se referiu a você ontem. Isso perfurou meu coração como uma faca.

– Na verdade, palavras duras não matam.

– Mas o que ele disse é verdade.

– Bem, querida, a coisa não é tão ruim quanto você pensa. Não passamos de homens pobres que estamos tentando à nossa maneira conseguir os nossos direitos.

Ettie enlaçou o pescoço do namorado.

– Saia disso, Jack! Faça isso por mim. Pelo amor de Deus, saia disso! Foi para pedir isso que vim até aqui. Oh, Jack, eu lhe peço isso de joelhos. Ajoelhada aqui, diante de você, eu peço para que desista de tudo isso.

Ele a levantou e encostou a cabeça da moça no seu peito.

– Pra falar a verdade, querida, você não sabe o que está me pedindo. Como eu poderia desistir se isso significaria quebrar meu juramento e desertar? Se você soubesse como estão as coisas comigo, jamais me pediria isso. Além do mais, mesmo se eu quisesse sair, como poderia fazê-lo? Você acha que a Loja deixa que um homem a abandone com todos os seus segredos?

– Pensei nisso, Jack. Planejei tudo. Papai guardou algum dinheiro. Ele está cansado deste lugar aqui, onde o medo desse pessoal acaba com a nossa vida. Ele está pronto para partir. Podemos ir juntos para a Filadélfia ou para Nova York onde estaríamos livres deles.

McMurdo riu.

– A Loja tem o braço comprido. Você acha que ela não poderia estendê-lo daqui até a Filadélfia ou a Nova York.

– Bem, podemos então ir para o oeste, para a Inglaterra ou para a Alemanha, de onde o papai veio. Pra qualquer lugar longe deste Vale do Medo.

McMurdo pensou no velho Morris.

– Esta é a segunda vez que ouço alguém chamar o vale assim – ele disse. – O medo parece estar enraizado em alguns de vocês.

– Esse medo pesa em cada minuto de nossas vidas. Você acha que Ted Baldwin nos perdoou? Se não fosse o fato de ele temer você, quais seriam as nossas chances? Se você visse como aqueles olhos negros e famintos olham para mim!

– Puxa! Vou ensiná-lo a ter melhores modos se eu pegá-lo assim. Veja bem, menina. Não posso sair daqui. Não posso. Fique sabendo disso de uma vez por todas. Mas se você deixar que eu cuide disso do meu jeito, acabo encontrando um modo de sair dessa de maneira honrosa.

– Não há honra numa coisa dessas.

– É apenas o modo de ver as coisas. Mas se você me der seis meses, vou dar um jeito de sair daqui sem sentir vergonha de encarar os outros.

A moça riu de contentamento.

– Seis meses! – ela disse. – É uma promessa?

– Bem, podem ser sete ou oito. Mas no máximo em um ano vamos deixar o vale para trás.

Foi o máximo que Ettie pôde conseguir, e mesmo assim já era alguma coisa. Havia essa luz ao longe para iluminar a escuridão do futuro imediato. Ela voltou para a casa do pai com o coração mais alegre. Foi o melhor dia desde que Jack McMurdo entrara em sua vida.

Pode-se pensar que, como membro da sociedade, ele seria informado de todas as suas atividades, mas logo descobriu que a organização era maior e mais complexa do que a simples Loja. Até mesmo o chefe McGinty ignorava muitas coisas, pois havia uma pessoa chamada de delegado do condado, que morava em Hobson’s Patch, mais adiante naquele ramal, e que tinha controle sobre várias lojas, que dirigia de modo arbitrário e rígido. McMurdo só o viu uma vez, um homem astuto, pequeno e de cabelos grisalhos, o andar furtivo e o olhar oblíquo cheio de malícia. Evans Pott era o seu nome, e mesmo o grande chefe de Vermissa sentia por ele um pouco de repulsa e medo, do mesmo modo que o gigantesco Danton deve ter sentido em relação ao fraco mas perigoso Robespierre.

Um dia, Scanlan, que era companheiro de pensão de McMurdo, recebeu um bilhete de McGinty que continha outro bilhete de Evans Pott, que lhe informava estar mandando dois homens dos bons, Lawler e Andrews, que tinham instruções para agir nas vizinhanças, embora fosse melhor para o caso que nenhum detalhe fosse revelado. Seria possível o chefe providenciar acomodações adequadas e todo o conforto até que chegasse a hora de os dois agirem? McGinty acrescentou que era impossível alguém permanecer incógnito no sindicato e que, por isso, seria obrigado a pedir para McMurdo e Scanlan acomodá-los por uns dias na pensão onde moravam.

Na mesma noite os dois homens chegaram, cada um com uma sacola de mão como bagagem. Lawler era um homem idoso, astuto, calado e reservado, vestido com uma velha sobrecasaca preta que, juntamente com o chapéu de feltro e a barba irregular e grisalha, davam-lhe o aspecto de um pregador itinerante. Seu companheiro, Andrews, era pouco mais que um menino, alegre e com um rosto franco, com todo o jeito de uma pessoa em férias e ansiosa para aproveitar cada minuto do passeio. Os dois eram abstêmios e se comportavam, em tudo, como membros exemplares da sociedade, exceto pelo fato de serem ambos assassinos que demonstraram com freqüência que eram os melhores instrumentos para essa associação de assassinatos. Lawler já executara 14 serviços desse tipo, e Andrews, três.

Eles eram, como McMurdo descobriu, pessoas sempre dispostas a falar sobre seus feitos do passado, que repetiam com um orgulho meio acanhado, como se tivessem feito um trabalho bom e altruísta para a comunidade. Mas eram reticentes quanto ao novo serviço que tinham pela frente.

– Fomos escolhidos porque nem eu nem o menino aqui bebemos – Lawler explicou. – Sabem que nós nunca falaremos mais do que devemos. Vocês não devem levar isso a mal, mas são ordens do delegado do condado que nós obedecemos.

– Certo, todos nós estamos juntos nisso – disse Scanlan, companheiro de McMurdo, quando os quatro se sentaram para o jantar.

– Isso é verdade, e vamos falar à beça sobre o assassinato de Charlie Williams ou o de Simon Bird, ou sobre qualquer outro serviço do passado. Mas até esse serviço terminar, não falaremos nada sobre ele.

– Há certas coisas sobre esse serviço que eu gostaria de perguntar – disse McMurdo. – Suponho que não seja atrás de Jack Knox, de Ironhill, que vocês estejam. Eu gostaria de vê-lo recebendo o que merece.

– Não, não é ele ainda.

– Nem Herman Strauss?

– Não é ele também.

– Bem, se vocês não querem dizer, não podemos obrigá-los, mas eu gostaria de saber.

Lawler sorriu e sacudiu a cabeça. Ele não diria nada.

Apesar da reserva dos dois forasteiros, Scanlan e McMurdo estavam decididos a participar do que chamavam brincadeira. Quando, certa manhã, bem cedo ainda, McMurdo os ouviu descendo a escada, acordou Scanlan e os dois se vestiram rapidamente. Quando já estavam vestidos, viram que os outros já tinham saído e deixado a porta aberta atrás de si. Não tinha amanhecido ainda e com a luz das lâmpadas puderam ver os dois homens na rua a uma certa distância. Eles os seguiram com muita cautela, procurando não fazer ruído ao pisar na neve espessa.

A pensão ficava perto do limite da cidade, e logo chegaram ao cruzamento de estradas que ficava pouco depois da divisa. Havia no local três homens à espera, com os quais Lawler e Andrews falaram rapidamente. Depois seguiram todos juntos. Era claro que seria um serviço dos grandes, que precisava de muita gente. Chegaram a um ponto de onde partiam diversas trilhas que levavam às várias minas. Os forasteiros tomaram o caminho que ia para Crow Hill, uma grande mina que estava em mãos de gente poderosa e que conseguira, graças ao enérgico e destemido gerente da Nova Inglaterra, Josiah H. Dunn, manter alguma ordem e disciplina durante o longo reinado do terror.

O dia começava a raiar agora, e alguns operários caminhavam lentamente para o trabalho, uns em grupos e outros sozinhos, ao longo daquele caminho escuro.

McMurdo e Scanlan também caminhavam, com a atenção voltada para os homens que estavam seguindo. Uma névoa espessa os envolvia, e em meio à névoa soou um apito. Era o sinal dado dez minutos antes de os elevadores descerem e o trabalho começar.

Quando chegaram perto da mina, havia uma centena de operários esperando, batendo com os pés no chão e soprando os dedos, pois estava extremamente frio. Os forasteiros pararam ao lado de um grupo à sombra da casa de máquinas. Scanlan e McMurdo subiram num monturo de lixo, de onde podiam ver tudo abaixo deles com nitidez. Viram o engenheiro da mina, um escocês grande e barbudo chamado Menzies, sair da casa de máquinas e tocar o apito para que o elevador descesse. Nesse instante um jovem alto, de aparência desleixada mas de rosto sério e barbeado, avançou rapidamente em direção à boca da mina. Enquanto andava, seus olhos bateram no grupo, silencioso e imóvel, junto à casa de máquinas. Eles tinham tirado

o chapéu e levantado a gola dos casacos para proteger o rosto. Por um instante o pressentimento da morte pôs sua mão gelada no coração do gerente. Mas pouco depois ele tirou esse pensamento da cabeça e viu a situação apenas como a invasão da área de trabalho por estranhos.

– Quem são vocês? – ele perguntou, enquanto avançava em sua direção. – O que estão querendo aqui?

Não houve resposta, mas Andrews deu um passo à frente e atirou na barriga do homem. Os operários que estavam esperando a hora de descer ficaram sem ação e aterrorizados, como se estivessem paralisados. O gerente pôs as duas mãos sobre o ferimento e se curvou. Depois tentou andar, meio cambaleante, mas outro dos assassinos o acertou, e ele caiu de lado no chão, batendo em cheio sobre uma pilha de escória de carvão. Menzies, o escocês, deu um grito de raiva ao presenciar essa cena e partiu para cima dos assassinos com uma ferramenta nas mãos, mas foi interceptado por duas balas que lhe atingiram o rosto e o fizeram cair aos pés dos seus assassinos. Houve uma movimentação dos operários em direção aos cadáveres e um grito inarticulado de piedade e raiva, mas um dos forasteiros descarregou o revólver atirando para o alto, acima da cabeça da turba, e todos fugiram e se dispersaram, muitos indo para suas casas, em Vermissa. Quando alguns dos mais corajosos se juntaram novamente e voltaram ao serviço, a quadrilha assassina já desaparecera na névoa fria da manhã sem que nenhuma testemunha fosse capaz de reconhecer algum desses homens que cometeram um crime duplo diante de centenas de pessoas.

Scanlan e McMurdo voltaram para casa, Scanlan um pouco deprimido, pois este fora o primeiro serviço desse tipo que ele vira com os próprios olhos, e lhe parecera menos divertido do que estava acostumado a pensar. Os gritos terríveis da mulher do gerente morto perseguiam os dois enquanto corriam de volta à cidade. McMurdo estava absorto e calado, mas não demonstrou simpatia pela debilidade do companheiro.

– Na verdade isso é como uma guerra – ele repetia. – O que é isso, senão uma guerra entre eles e nós? E nós atacamos onde podemos.

Houve uma grande festa na sala da Loja, no sindicato, naquela noite, não só pelo assassinato do gerente e do engenheiro da Crow Hill, o que colocaria esta empresa na lista de companhias vítimas de extorsão e do terror da região, mas também devido a uma vitória conseguida pela própria Loja. Seria revelado que quando o delegado do condado enviara cinco homens dos bons a Vermissa para executar um serviço, tinha pedido que, em troca, fossem escolhidos em Vermissa e enviados secretamente três homens para matar William Hales, da Stake Royal, um dos mais conhecidos e populares proprietários de minas do distrito de Gilmerton, um homem que, segundo se dizia, não tinha um inimigo sequer, porque era, em todos os aspectos, um empregador-modelo. Mas ele insistira na questão de eficiência no trabalho e tinha, em conseqüência disso, demitido alguns empregados beberrões e outros indolentes que eram membros da todo-poderosa sociedade. Notícias ameaçadoras pregadas na sua porta não enfraqueceram sua decisão e, assim, num país livre e civilizado, ele se viu condenado à morte.

A execução tinha sido agora convenientemente levada a cabo. Ted Baldwin, que se espreguiçava no lugar de honra ao lado do chefe, tinha sido o chefe da operação. Seu rosto corado e seus olhos reluzentes e afogueados eram testemunhas da noite passada em claro e da bebida. Ele e seus dois companheiros haviam passado a noite anterior entre as montanhas. Estavam despenteados e sujos. Mas nenhum herói que voltasse de um serviço qualquer poderia ter tido uma recepção mais calorosa dos companheiros. A história era contada e recontada entre gritos de entusiasmo e gargalhadas ruidosas. Eles haviam esperado a vítima voltar para casa, ao anoitecer, instalados no alto de uma colina íngreme onde o cavalo do homem teria de andar lentamente. Ele estava tão agasalhado para se proteger do frio que não conseguiu puxar a arma. Eles o arrancaram do cavalo e atiraram nele várias vezes. Ele gritava pedindo misericórdia, e os gritos foram repetidos na Loja, para divertimento dos presentes.

Nenhum deles conhecia o homem, mas há um drama eterno num assassinato, e eles haviam mostrado aos Scowrers de Gilmerton que os homens de Vermissa eram pessoas confiáveis. Houve um pequeno contratempo, pois enquanto estavam descarregando seus revólveres no corpo imóvel, um homem e a esposa passaram por ali. Alguém sugeriu que matassem o casal também, mas os dois eram pessoas que não ofereciam perigo e que não tinham qualquer ligação com as minas, de modo que foram severamente advertidos de que deveriam seguir e ficar de boca fechada para que algo ruim não acontecesse com eles. E então aquela figura coberta de sangue foi deixada ali como um aviso a todos os empregadores implacáveis, e os três vingadores correram para as montanhas, onde a natureza contínua se precipita até as fornalhas e os montes de escória das minas.

Aquele fora um grande dia para os Scowrers. A noite caíra mais negra ainda sobre o vale. Mas assim como o general astuto escolhe o momento da vitória para redobrar seus ataques, para que os inimigos não possam ter tempo de se organizar depois da derrota, também o chefe McGinty, observando toda a operação com olhos meditativos e maliciosos, pensara em novo ataque contra os que se opunham a ele. Naquela mesma noite, quando os companheiros meio bêbedos foram embora, ele tocou no braço de McMurdo e o levou para aquela sala onde conversaram no seu primeiro encontro.

– Ouça, meu rapaz – disse ele. – Finalmente tenho um serviço ótimo para você. Terá o comando dele em suas mãos.

– Fico feliz em ouvir isso – McMurdo respondeu.

– Pode levar dois homens com você: Manders e Reilly. Já foram avisados sobre o serviço. Nunca ficaremos sossegados por aqui enquanto Chester Wilcox não for liquidado. Você terá a gratidão de todas as lojas da região das minas se conseguir eliminá-lo.

– Farei o melhor possível. Quem é ele e onde posso encontrá-lo?

McGinty tirou seu eterno charuto, meio mordido, meio fumado, do canto da boca, e começou a desenhar um diagrama tosco numa página arrancada do seu caderninho de anotações.

– Ele é o capataz-chefe da Iron Dike Company. É um cara difícil, e antigo primeiro-sargento da guerra, cheio de cicatrizes e já grisalho. Fizemos duas tentativas, mas não tivemos sorte, e Jim Carnaway perdeu sua vida assim. Agora é você o encarregado. Essa é a casa, isolada no desvio da Iron Dike, como você está vendo aqui no mapa, sem outra por perto. Não é bom ir lá de dia. Ele anda armado e atira depressa e com precisão, sem perguntar nada. Mas à noite, aqui está ele, com a mulher, os três filhos e uma criada. Você não pode parar para pensar. É tudo ou nada. Se você pudesse colocar uma bolsa com pólvora na porta da frente com um estopim...

– O que ele fez?

– Eu não lhe disse que ele acertou Jim Carnaway?

– Por que ele o acertou?

– O que isso tem a ver com você? Carnaway estava perto da casa dele à noite e ele o acertou. Isso basta pra mim e pra você. Você tem de fazer a coisa direito.

– E essa mulher e as crianças... Liquido também?

– Tem de ser, porque, do contrário, como vamos pegá-lo?

– Parece injusto com eles, pois não fizeram nada de errado.

– Que conversa é essa? Quer voltar atrás?

– Calma, conselheiro, calma. O que eu já disse ou fiz que pudesse levar o senhor a pensar que desejo voltar atrás de uma ordem do chefe da minha Loja? O certo e o errado é o senhor quem decide.

– Você faz isso, então?

– Claro que farei.

– Quando?

– Bem, dê-me uma noite ou duas para que eu possa ver a casa e planejar tudo. Então...

– Ótimo – disse McGinty, apertando-lhe a mão. – Deixo por sua conta. Será um dia maravilhoso quando você vier nos contar a novidade. Será o golpe final para que todos se curvem.

McMurdo pensou longa e profundamente sobre o serviço que fora confiado a ele tão de repente. A casa isolada em que Chester Wilcox morava ficava a cerca de 5 milhas, num vale vizinho. Naquela mesma noite começou a preparar sozinho o ataque. Já era dia quando voltou do reconhecimento do lugar. No dia seguinte conversou com seus dois subordinados, Manders e Reilly, jovens impetuosos que estavam tão excitados como se fossem a uma caçada. Duas noites depois encontraram-se fora da cidade, todos armados, e um deles carregando um saco com a pólvora usada nas minas. Eram duas horas quando chegaram à casa isolada. Ventava muito, e as nuvens passavam rapidamente diante da lua em quarto crescente. Eles haviam sido advertidos para ficarem atentos a emboscadas, de modo que caminhavam cautelosamente, com as armas nas mãos. Mas não havia nenhum ruído, a não ser o lamento do vento, e também não havia movimento algum a não ser o balanço dos galhos acima deles. McMurdo foi até a porta da casa e ficou escutando, mas estava tudo quieto lá dentro. Então ele pôs o saco de pólvora junto à porta, fez um furo nele com sua faca e colocou o estopim. Quando ficou bem aceso, ele e os dois companheiros saíram correndo, e estavam a uma distância segura, abrigados numa vala, antes que o barulho da explosão lhes dissesse que o trabalho estava terminado. Nenhum serviço mais limpo constava dos registros sangrentos da sociedade. Mas todo aquele trabalho tão bem organizado e audaciosamente executado fora em vão! Advertido pelo destino de várias vítimas, e sabendo que estava marcado para morrer, Chester Wilcox mudara-se com a família no dia anterior, para um lugar mais seguro e menos conhecido, onde um grupo de policiais tomava conta da casa. Fora uma casa vazia que explodira, e o inflexível ex-primeiro-sargento da guerra ainda estava ensinando disciplina aos mineiros da Iron Dike.

– Deixe-o pra mim – disse McMurdo. – Ele é meu e vou pegá-lo, nem que espere um ano.

Um voto de agradecimento e confiança foi aprovado por toda a Loja, e por ora o assunto estava encerrado. Quando, algumas semanas depois, foi noticiado nos jornais que Wilcox morrera numa emboscada, não era segredo para ninguém que McMurdo ainda estava em atividade para acabar o que havia começado.

Eram esses os métodos da Sociedade dos Homens Livres, e esses os feitos dos Scowrers, por meio dos quais espalhavam o medo naquele distrito grande e rico que por muito tempo foi dominado pela sua terrível presença. Por que macular estas páginas com outros crimes? Eu já não disse o suficiente para mostrar quem eram esses homens e seus métodos? Esses fatos fazem parte da História e há registros nos quais podem ser lidos os detalhes. Nesses registros pode-se ler sobre o assassinato dos policiais Hunt e Evans porque se atreveram a prender dois membros da sociedade – uma violência dupla planejada na Loja de Vermissa, e executada a sangue-frio contra dois homens desarmados e indefesos. Pode-se ler também sobre a morte da sra. Larbey enquanto cuidava do marido, que fora espancado quase até a morte por ordem do chefe McGinty. A morte do velho Jenkins, seguida pouco depois pela morte do seu irmão, a mutilação de James Murdoch, a explosão da casa da família Staphouse e o assassinato dos Stendals ocorreram numa sucessão bárbara, todos no mesmo inverno terrível. A primavera chegara com riachos de águas agitadas e flores desabrochando. Havia esperança em toda a Natureza, mantida por tanto tempo aprisionada; mas não havia nenhuma esperança para os homens e as mulheres que viviam sob o jugo do terror. Nunca a nuvem que os cobria estivera tão carregada e sem esperança de dissipação como no início do verão do ano de 1875.


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