a aventura dos


homenzinhos dançantes

Holmes estava sentado em silêncio havia algumas horas, com as suas costas longas e magras curvadas sobre um recipiente químico, no qual despejava algum produto malcheiroso. Seu queixo estava enterrado no peito, e ele parecia um pássaro estranho e encolhido, com uma plumagem cinza-fosca e um topete preto.

– Então, Watson – ele disse de repente –, você não pretende investir em ações sul-africanas?

Dei um gemido de espanto. Embora eu estivesse acostumado aos curiosos talentos de Holmes, esta intromissão repentina nos meus pensamentos mais íntimos era completamente inexplicável.

– Como é que sabe disso? – perguntei.

Ele girou em seu tamborete, com um tubo de ensaio fumegante na mão e um

brilho divertido nos olhos fundos.

– Ora, Watson, confesse que foi apanhado inteiramente de surpresa – disse ele.

– Fui mesmo.

– Devia fazer você assinar um papel dizendo isso.

– Por quê?

– Porque daqui a cinco minutos vai dizer que isso tudo é muito simples.

– Tenho certeza de que não direi nada desse tipo.

– Veja, meu caro Watson – pôs o tubo de ensaio no seu suporte e começou a falar como um professor se dirigindo à sua classe –, não é realmente difícil elaborar uma série de deduções, cada uma dependente de sua antecessora e simples em si mesma. Se, depois de fazer isso, simplesmente deitamos por terra todas as deduções centrais e apresentamos ao público o ponto de partida e a conclusão, podemos produzir efeitos espantosos, embora possivelmente falsos. Portanto, não foi realmente difícil, pela observação do sulco entre seu dedo indicador e o polegar esquerdos, perceber que você pretende investir seu pequeno capital nas minas de ouro.

– Não vejo nenhuma ligação.

– Provavelmente não; mas posso mostrar-lhe rapidamente uma ligação estreita. Aqui estão os elos que faltam nessa cadeia simples: 1) Você tinha giz entre seu dedo e o polegar esquerdos quando voltou do clube na noite passada. 2) Você passa giz aí quando joga bilhar, para fixar o taco. 3) Nunca joga bilhar, a não ser com Thurston. 4) Você me disse, quatro semanas atrás, que Thurston tinha uma opção sobre algumas propriedades na África do Sul que expiraria em um mês, e que ele queria dividi-la com você. 5) Seu talão de cheques está trancado na minha gaveta, e você não me pediu a chave. 6) Você não pensa em investir o seu dinheiro desta maneira.

– Como é absurdamente simples! – exclamei.

– De fato! – disse ele, um pouco irritado. – Todo problema passa a ser infantil depois que é explicado a você. Aqui está um inexplicado. Veja o que pode fazer com isto, caro Watson. Atirou um pedaço de papel sobre a mesa, e virou-se de novo para a sua análise química.

Olhei com espanto para os hieróglifos absurdos que estavam no papel.

– Mas, Holmes, é um desenho de criança – exclamei.

– Oh, é o que pensa?

– O que mais poderia ser?

– Isso é o que o sr. Hilton Cubitt, de Riding Thorpe Manor, Norfolk, está muito ansioso para saber. Este pequeno enigma veio pela primeira remessa e ele viria depois, no próximo trem. A campainha está tocando, Watson. Não me surpreenderia se fosse ele.

Ouvimos passos pesados na escada e logo depois entrou um homem alto, corado e bem barbeado, cujos olhos claros e bochechas vermelhas indicavam uma vida passada bem longe da neblina de Baker Street. Parecia trazer junto com ele um sopro forte, fresco e revigorante do ar litorâneo quando entrou. Depois de nos cumprimentar com um aperto de mão, estava prestes a se sentar quando seu olhar pousou no papel com as marcas curiosas que eu havia examinado e deixado sobre a mesa.

– Bem, sr. Holmes, o que acha delas? – perguntou. – Disseram-me que gostava de mistérios estranhos, e não acredito que encontre um mais estranho do que esse. Mandei o papel primeiro, para que tivesse tempo de examiná-lo antes da minha chegada.

– É de fato uma criação curiosa – disse Holmes. – À primeira vista parece ser uma brincadeira de criança. Consiste em algumas figurinhas ridículas dançando no papel em que estão desenhadas. Por que dá importância a uma coisa tão grotesca?

– Eu nunca daria, sr. Holmes. Mas a minha mulher dá. Isso a está matando de medo. Ela não diz nada, mas vejo terror nos seus olhos. Por isso quero tirar tudo a limpo.

Holmes segurou o papel de modo que a luz do sol batesse em cheio nele. Era uma página arrancada de um caderno. As marcas eram feitas a lápis, e dispunham-se desta maneira:

Holmes examinou o papel por algum tempo e depois, dobrando-o com cuidado, guardou-o em sua agenda de bolso.

– Este caso promete ser muito interessante e incomum – disse ele. – O senhor me deu alguns detalhes em sua carta, sr. Hilton Cubitt, mas agradeceria se repetisse tudo, por gentileza, para o meu amigo, dr. Watson.

– Não sou um bom contador de histórias – disse nosso visitante, torcendo nervosamente as mãos grandes e fortes. Perguntem-me qualquer coisa que eu não deixe clara. Começarei na época do meu casamento, no ano passado, mas, antes de tudo, quero dizer que, embora não seja um homem rico, minha família está em Riding Thorpe há cerca de cinco séculos, e que não existe família mais conhecida no condado de Norfolk. No ano passado, vim a Londres para o jubileu, e me hospedei numa pensão, na praça Russell, porque Parker, o vigário de nossa paróquia, estava lá. Havia uma jovem americana – Patrick era o sobrenome – Elsie Patrick. De certo modo nos tornamos amigos, e antes do final do mês eu estava tão apaixonado quanto um homem poderia estar. Nós nos casamos discretamente num cartório e voltamos a Norfolk como marido e mulher. Pode achar loucura, sr. Holmes, que um homem de uma família tradicional possa se casar com uma mulher desta maneira, sem saber nada do seu passado ou de sua família, mas compreenderia se a visse e a conhecesse.

– Elsie foi muito correta em relação a isso. Não posso dizer que ela não me deu muitas oportunidades de desistir, se eu quisesse fazê-lo. “Tive alguns relacionamentos muito desagradáveis na minha vida”, ela disse. “Quero esquecer tudo sobre eles. Prefiro nunca aludir ao passado, pois isso é muito doloroso para mim. Se me quiser, Hilton, ficará com uma mulher que não tem nada do que se envergonhar; mas você terá de se contentar com a minha palavra, e me permitir silenciar sobre tudo o que me aconteceu até o dia em que passei a ser sua. Se estas condições forem muito duras, então volte para Norfolk, e me deixe na vida solitária em que me encontrou.” Foi só na véspera do nosso casamento que ela me disse essas palavras. Eu lhe respondi que aceitava ficar com ela nas suas próprias condições, e tenho cumprido minha palavra.

– Bem, estamos casados há um ano e temos sido muito felizes. Mas, um mês atrás, em fins de junho, foi que percebi os primeiros sinais de problemas. Um dia minha esposa recebeu uma carta dos Estados Unidos. Vi o selo americano. Ficou branca como a morte, leu a carta e a jogou no fogo. Não comentou nada sobre isso, e eu também não, porque promessa é promessa; mas ela não teve uma hora de tranqüilidade desde aquele momento. Há sempre um olhar de medo em seu rosto – como se estivesse sempre esperando, na expectativa. Ela faria melhor confiando em mim. Descobriria que sou seu melhor amigo. Mas até que fale, não posso dizer nada. Acredite, ela é uma mulher sincera, sr. Holmes, e qualquer problema que tenha ocorrido no passado não foi por culpa sua. Sou um simples proprietário rural de Norfolk, mas não existe um homem na Inglaterra que preze tanto a honra de sua família quanto eu. Ela sabe disso muito bem, e sabia antes de se casar comigo. Não a mancharia – estou certo disso.

– Bem, agora chego à parte mais estranha de minha história. Há cerca de uma semana – foi na terça-feira da semana passada – descobri, no peitoril de uma das janelas, várias figurinhas dançantes absurdas. Estavam riscadas a giz. Pensei que fora o garoto da estrebaria quem as desenhara, mas o rapaz jurou que não sabia nada sobre aquilo. De qualquer modo, apareceram ali durante a noite. Mandei lavá-las, e só depois mencionei o fato à minha esposa. Para minha surpresa, ela as levou a sério e me implorou que, se aparecesse mais alguma, eu a deixasse ver. Não apareceu nada durante uma semana, e então ontem de manhã achei este papel caído perto do relógio de sol no jardim. Mostrei-o a Elsie, e ela desmaiou. Desde então parece uma mulher num sonho, meio aturdida, com o terror permanentemente nos olhos. Foi quando escrevi e mandei o papel para o senhor. Não era uma coisa que eu pudesse levar para a polícia, pois eles ririam de mim, mas o senhor me dirá o que fazer. Não sou um homem rico, mas se algum perigo estiver ameaçando minha esposa, gastaria até meu último para protegê-la.

Era um sujeito digno, este homem do velho solo inglês – simples, direto e gentil, com seus grandes e honestos olhos azuis, o rosto largo e bonito. Sua expressão demonstrava amor e confiança na esposa. Holmes ouvira sua história com a maior atenção e agora estava sentado, em meditação silenciosa, durante algum tempo.

– Não acha, sr. Cubitt – disse ele por fim –, que o seu melhor procedimento seria fazer um apelo direto à sua esposa, e pedir que ela divida o seu segredo com o senhor?

Hilton Cubitt balançou sua cabeça imponente.

– Uma promessa é uma promessa, sr. Holmes. Se Elsie quisesse me contar, ela o faria. Do contrário, não forçarei uma confidência sua. Mas eu tenho motivo para adotar minha própria linha de ação – e o farei.

– Então eu o ajudarei de todo o coração. Em primeiro lugar, ouviu falar de algum estranho pelas redondezas?

– Não.

– Presumo que seja um lugarejo muito tranqüilo. Qualquer cara nova provocaria comentários?

– Na vizinhança próxima, sim. Mas temos vários balneários pequenos, não muito distantes. E os fazendeiros aceitam hóspedes.

– Estes hieróglifos certamente têm um significado. Se for um sentido puramente arbitrário, talvez nos seja impossível decifrá-lo. Se, por outro lado, for sistemático, não tenho dúvidas de que chegaremos ao fundo disto. Mas esta amostra específica é tão curta que não posso fazer nada, e os fatos que me trouxe são tão vagos que não tenho uma base para a investigação. Sugiro que volte a Norfolk, fique de olhos abertos, e faça uma cópia exata de qualquer figura dançante que apareça. É uma pena que não tenha uma reprodução daqueles que foram feitos a giz no peitoril da janela. Faça também uma investigação discreta sobre algum estranho na vizinhança. Quando tiver conseguido algum novo indício, venha aqui outra vez. É o melhor conselho que posso lhe dar, sr. Hilton Cubitt. Se houver qualquer novo acontecimento urgente, estarei sempre pronto a sair e ir até sua casa em Norfolk.

A entrevista deixou Sherlock Holmes muito pensativo, e várias vezes nos dias que se seguiram, eu o vi tirar do seu caderno aquele pedaço de papel e olhar longa e seriamente para as curiosas figuras desenhadas nele. Entretanto, não comentou nada sobre o caso até uma tarde, há mais ou menos duas semanas. Eu estava saindo quando ele me chamou.

– Seria melhor você não sair, Watson.

– Por quê?

– Porque recebi um telegrama, esta manhã, de Hilton Cubitt. Lembra-se de Hilton Cubitt, dos homenzinhos dançantes? Ele vai chegar à Liverpool Street às 13:20h. Pode estar aqui a qualquer momento. Deduzi, pelo seu telegrama, que ocorreram alguns incidentes importantes.

Não tivemos que esperar muito, pois o nosso proprietário rural de Norfolk veio tão depressa quanto podia um cabriolé. Parecia deprimido e preocupado, com os olhos cansados e a testa marcada.

– Esse negócio está me dando nos nervos, sr. Holmes – disse ele, enquanto afundava numa poltrona como um homem exausto. – É péssimo você sentir que está cercado por alguém invisível e desconhecido que está planejando alguma coisa, ainda por cima, quando sabe que isto está matando sua esposa aos poucos, e aí chega ao máximo que a carne e o sangue podem agüentar. Ela está se consumindo por causa disso – definhando diante dos meus olhos.

– Ela já disse alguma coisa?

– Não, sr. Holmes, não disse. Mesmo assim houve vezes em que a pobre moça quis falar, mas não consegui convencê-la a dar esse passo arriscado. Tentei ajudá-la, mas confesso que o fiz de modo desajeitado, e a amedrontei. Falou de minha família antiga, de nossa reputação no condado e de nosso orgulho da honra imaculada, e sempre senti que estávamos chegando ao ponto, mas de algum modo nos desviávamos antes de chegar lá.

– Mas descobriu alguma coisa por conta própria?

– Muito, sr. Holmes. Tenho uma grande quantidade de novos homenzinhos dançantes para o senhor examinar e, o que é mais importante, eu vi o sujeito.

– O quê, o homem que os desenha?

– Sim, eu o vi trabalhando. Mas contarei tudo para o senhor pela ordem. Quando voltei de minha visita, a primeira coisa que vi na manhã seguinte foi uma nova safra de homenzinhos dançantes. Estavam desenhados na porta preta de madeira do galpão de ferramentas, que fica ao lado do jardim, dando diretamente para as janelas da frente. Peguei uma cópia exata, e aqui está. – Desdobrou um papel e o deixou sobre a mesa. Eis a cópia dos hieróglifos:

– Excelente! – exclamou Holmes. – Excelente! Por favor, continue.

– Quando tirei a cópia, apaguei as marcas, mas dois dias depois, apareceu um novo desenho. Tenho uma cópia dele aqui.

Holmes esfregou as mãos, exultante.

– Nosso material está se acumulando rapidamente – disse ele.

– Três dias depois uma mensagem escrita num papel foi deixada no relógio de sol, presa por uma pedra. Aqui está. Os caracteres são, como vê, iguais aos do último. Depois deste, resolvi ficar à espreita; então peguei meu revólver e me sentei no meu estúdio, de onde se avista o gramado e o jardim. Por volta das duas horas, eu estava sentado à janela, tudo escuro, com exceção do luar lá fora, quando ouvi passos atrás de mim, e apareceu minha esposa de roupão. Ela me implorou que fosse para a cama. Disse-lhe francamente que queria ver quem estava fazendo essas brincadeiras absurdas conosco. Ela respondeu que era algum trote sem sentido, e que eu não devia dar importância.

– “Se isso o irrita tanto, Hilton, podíamos viajar, você e eu, e assim evitar este aborrecimento.”

– “O quê, ser posto para fora de minha própria casa por um engraçadinho?”, eu disse. “Mas todo o condado iria rir de nós.”

– “Ora, venha para a cama”, disse ela, “e falaremos sobre isso de manhã.”

– De repente, enquanto falava, vi seu rosto ficar mais branco que o luar e suas mãos se crisparam no meu ombro. Algo se movera na sombra do galpão de ferramentas. Vi uma figura escura, furtiva, que se arrastou e agachou em frente à porta. Segurando minha arma, eu ia sair correndo quando minha esposa jogou seus braços em torno de mim e me segurou com muita força. Tentei me desvencilhar dela, mas se agarrou a mim desesperadamente. Por fim me livrei, e quando abri a porta e cheguei ao galpão, a criatura já tinha ido embora. Entretanto, deixara uma marca de sua presença, pois na porta havia quase o mesmo conjunto de homenzinhos dançantes que já havia aparecido por duas vezes, e que eu copiara naquele papel. Não havia sinal do sujeito em lugar nenhum, embora eu tivesse procurado por toda parte. E o mais incrível é que deve ter estado lá o tempo todo, pois quando examinei a porta de manhã, ele tinha feito mais alguns desenhos, abaixo da linha que já vira.

– Tem esse último desenho?

– Sim, é muito curto, mas fiz uma cópia dele. Está aqui.

De novo nos mostrou um papel. A nova dança tinha esta forma:

– Diga-me – continuou Holmes, e eu podia ver pelos seus olhos que estava muito excitado –, isto era um mero adendo ao primeiro ou parecia estar inteiramente separado?

– Estava num painel diferente da porta.

– Excelente! Este é de longe o mais importante dos nossos objetivos. Enche-me de esperanças. Agora, sr. Hilton Cubitt, por favor, continue seu relato interessantíssimo.

– Não tenho mais nada a dizer, sr. Holmes, a não ser que fiquei irritado com minha esposa naquela noite por ter me segurado, quando poderia ter apanhado aquele canalha fujão. Ela disse que eu podia ter me machucado. Por um instante veio à minhamente a idéia de que ela temia que acontecesse algum mal a , pois eu estava certo de que ela conhecia aquele homem e sabia o que aqueles sinais queriam dizer. Mas havia um tom na sua voz, sr. Holmes, e algo em seus olhos que não permitiam dúvidas, e estou certo de que era na minha própria segurança que ela pensava. Aqui está todo o caso, e agora quero seu conselho sobre como proceder. Minha idéia é colocar meia dúzia de meus rapazes nos arbustos e, quando esse sujeito aparecer novamente, dar-lhe uma recepção que o fará nos deixar em paz daqui para a frente.

– Receio que o caso seja profundo demais para estes remédios tão simples – disse Holmes. – Quanto tempo pode ficar em Londres?

– Tenho de voltar ainda hoje. De modo algum deixaria minha mulher sozinha a noite toda. Ela está muito nervosa e me implorou para que eu voltasse.

– Acho que está certo. Mas se ficasse, eu poderia voltar com o senhor em um ou dois dias. Enquanto isso, vai deixar comigo esses papéis, e é muito provável que eu possa fazer-lhe uma visita em breve e esclarecer alguma coisa sobre seu caso.

Sherlock Holmes manteve a sua calma profissional até que o nosso visitante foi embora, mas para mim, que o conhecia tão bem, era fácil notar que estava extremamente excitado. No momento em que as largas costas de Hilton Cubitt desapareceram pela porta, meu amigo correu para a mesa, abriu os pedaços de papel com os homenzinhos dançantes à sua frente, e se lançou à elaboração de um cálculo intrincado. Durante duas horas eu o observei enquanto cobria o papel de letras e figuras, e estava tão absorvido em seu problema que evidentemente esquecera a minha presença. Algumas vezes fazia progressos, e cantava e assobiava enquanto trabalhava; em outras mostrava-se confuso e fazia longos discursos, com as sobrancelhas cerradas e o olhar distante. Finalmente ele pulou de sua cadeira com um grito de satisfação, e começou a andar de um lado para o outro na sala, esfregando as mãos. Então escreveu um longo telegrama num formulário. “Se minha resposta a isto vier como espero, você terá um belo caso para acrescentar à sua coleção, Watson”, disse ele. “Espero que possamos ir a Norfolk amanhã, e levar ao nosso amigo algumas novidades sobre o segredo que o preocupa.”

Confesso que estava curioso, mas sabia que Holmes gostava de fazer suas revelações na hora que achasse conveniente e à sua maneira; de modo que esperei até que quisesse confiar em mim.

Mas houve um atraso na resposta do telegrama, e seguiram-se dois dias de impaciência, durante os quais Holmes ficava com os ouvidos atentos a cada toque da campainha. Na noite do segundo dia chegou uma carta de Hilton Cubitt. Estava tudo bem com ele, exceto que uma longa inscrição aparecera naquela manhã no pedestal do relógio de sol. Incluiu uma cópia dela, que é reproduzida aqui:

Holmes curvou-se durante alguns minutos sobre este friso grotesco, e então, de repente, deu um pulo, com uma exclamação de surpresa e consternação. Seu rosto estava crispado de ansiedade.

– Nós deixamos este caso ir longe demais – disse ele. – Há algum trem para North Walsham esta noite?

Peguei o horário dos trens. O último acabara de sair.

– Então devemos tomar o café-da-manhã bem cedo e pegar o primeiro de amanhã – disse Holmes. – Precisam da nossa presença com urgência. Ah! Aqui está o nosso esperado cabograma. Um momento, sra. Hudson, talvez haja uma resposta. Não, é exatamente como eu esperava. Com esta mensagem, não devemos perder nem uma hora para deixar Hilton Cubitt saber como vão as coisas, porque é uma rede bem estranha e perigosa esta em que o nosso simples proprietário de terras de Norfolk está metido.

Era realmente, e quando cheguei ao final sinistro da história que me parecia ser apenas infantil e bizarra, senti mais uma vez o horror e a consternação que me dominavam. Gostaria de ter um final mais alegre para contar aos meus leitores, mas estas são as crônicas dos fatos e devo seguir, até o momento decisivo, a estranha série de acontecimentos que por alguns dias fizeram de Riding Thorpe Manor um nome conhecido em toda a Inglaterra.

Mal chegamos em North Walsham e mencionamos o nome de nosso destino, o chefe de estação correu até nós. “Suponho que sejam detetives de Londres?”, disse ele.

Um olhar de irritação passou pelo rosto de Holmes.

– O que o faz pensar assim?

– Porque o inspetor Martin, de Norwich, acabou de passar por aqui. Mas talvez os senhores sejam cirurgiões. Ela não está morta – ou não estava, segundo os últimos relatos. Talvez ainda tenham tempo de salvá-la, embora seja para a forca.

A expressão de Holmes mostrava ansiedade.

– Nós estamos indo para Riding Thorpe Manor – disse ele –, mas não ouvimos nada sobre o que aconteceu lá.

– Algo terrível – disse o chefe da estação. – Foram baleados, o sr. Hilton Cubitt e a esposa. Ela atirou nele e depois em si mesma – é o que dizem os empregados. Ele está morto e ela, desenganada. Meu Deus, meu Deus, uma das famílias mais antigas do condado de Norfolk e uma das mais honradas.

Sem uma palavra, Holmes correu até a carruagem, e durante os sete longos quilômetros do trajeto não abriu a boca. Raras vezes o vi tão desconsolado. Esteve inquieto durante toda a viagem, e notei que folheara os jornais da manhã com uma atenção ansiosa, mas agora a repentina concretização de seus piores temores deixou-o numa melancolia confusa. Recostou-se no assento, perdido em especulações tristes. Ainda assim, havia muita coisa à nossa volta que nos interessasse, pois passávamos pelo campo, tão singular quanto qualquer outro na Inglaterra, onde alguns chalés representam a população de hoje em dia, enquanto, por todo lado, enormes igrejas de torres quadradas levam-se na paisagem verde e contam a glória e a prosperidade da velha East Anglia. Por fim surgiu a orla violeta do mar do Norte por sobre a borda verde da costa de Norfolk, e o condutor apontou com seu chicote para dois telhados de tijolos e madeira que se projetavam de um bosque. “Aquela é Riding Thorpe Manor”, ele disse.

Ao passarmos pela entrada de colunas, observei diante dela, ao lado da quadra de tênis, o galpão de ferramentas preto e o relógio de sol com o pedestal, com os quais tínhamos associações tão estranhas. Um homem baixo e ativo, com um bigode enorme, acabara de descer de uma carruagem. Apresentou-se como o inspetor Martin, da polícia de Norfolk, e ficou muito surpreso quando ouviu o nome do meu amigo.

– Oh, sr. Holmes, o crime só foi cometido às três horas. Como pôde ouvir falar dele em Londres e estar no local ao mesmo tempo que eu?

– Eu o previ. Vim com a esperança de evitá-lo.

– Então deve ter um indício importante que ignoramos, pois dizia-se que eles eram um casal muito unido.

– Só tenho o indício dos homenzinhos dançantes – disse Holmes. – Explicarei tudo a você depois. Enquanto isso, já que é tarde demais para evitar a tragédia, estou ansioso para usar o conhecimento que possuo, a fim de que a justiça seja feita. Vai me incluir na sua investigação ou prefere que eu aja de modo independente?

– Ficaria orgulhoso de saber que estamos trabalhando juntos, sr. Holmes – disse o inspetor com sinceridade.

– Nesse caso, gostaria de ouvir os depoimentos e examinar o local sem demora.

O inspetor Martin teve o bom senso de deixar meu amigo fazer as coisas a seu modo, contentando-se em anotar cuidadosamente os resultados. O cirurgião local, um homem idoso, de cabelos brancos, acabara de vir do quarto da sra. Hilton Cubitt, e nos informou que seus ferimentos eram graves mas não necessariamente fatais. A bala atravessara a região frontal do cérebro, e ela provavelmente levaria algum tempo até recobrar a consciência. Quanto a saber se ela fora baleada ou atirara em si mesma, ele não se arriscava a dar nenhuma opinião definitiva. Certamente a bala fora disparada de muito perto. Encontramos uma única pistola no quarto, da qual dois cartuchos tinham sido esvaziados. O sr. Hilton Cubitt fora atingido no coração. Também era possível que tivesse atirado nela e depois em si mesmo, ou que ela fora a criminosa, pois o revólver estava no chão, entre os dois.

– Ele foi retirado? – perguntou Holmes.

– Não retiramos nada, a não ser a senhora. Não podíamos deixá-la caída no chão, ferida.

– Há quanto tempo está aqui, doutor?

– Desde as quatro horas.

– Mais alguém?

– Sim, o guarda aqui.

– E tocou em alguma coisa?

– Nada.

– Agiu com muita discrição. Quem o chamou?

– A criada, Saunders.

– Foi ela quem deu o alarme?

– Ela e a sra. King, a cozinheira.

– Onde estão agora?

– Na cozinha, eu acho.

– Pois então é melhor ouvir logo a história delas.

O velho saguão, com painéis de carvalho e janelas altas, fora transformado em corte de investigação. Holmes sentou-se numa cadeira grande e antiga, seus olhos inexoráveis brilhando no rosto ansioso. Podia ler neles o firme propósito de dedicar sua vida a esta questão, até que o cliente, que ele não conseguira salvar, fosse vingado. O elegante inspetor Martin, o velho médico do campo, de cabelos brancos, eu e um robusto policial da vila completávamos aquele grupo estranho.

As duas mulheres contaram sua história de modo bem claro. Foram acordadas pelo som de uma explosão, seguido por outro, um minuto depois. Desceram juntas a escada. A porta do estúdio estava aberta e uma vela estava acesa sobre a mesa. O patrão estava caído no centro do quarto, com o rosto para o chão. Estava morto. Perto da janela sua esposa estava agachada, com a cabeça apoiada na parede. Estava horrivelmente ferida, com o lado do rosto vermelho de sangue. Respirava pesadamente, mas não era capaz de dizer nada. O corredor, bem como o quarto, estava cheio de fumaça e com cheiro de pólvora. Certamente a janela ficara fechada e trancada por dentro. As duas mulheres eram positivas sobre este ponto. Imediatamente foram chamar o médico e o policial. Depois, com a ajuda do criado e do rapaz da estrebaria, levaram a patroa ferida para o quarto. Ela e o marido tinham usado a cama. Ela estava vestida – ele estava com o roupão sobre o pijama. Nada fora mexido no estúdio. Até onde sabiam, nunca houve uma discussão entre marido e mulher. Sempre os consideraram um casal muito unido.

Estes eram os pontos principais do depoimento das empregadas. Em resposta ao inspetor Martin, afirmaram que todas as portas estavam trancadas por dentro e que ninguém poderia ter fugido da casa. Em resposta a Holmes, ambas se recordaram do cheiro da pólvora, desde o momento em que saíram de seus quartos, no último andar. “Recomendo a sua atenção especial para este fato”, disse Holmes ao seu colega de profissão. “E agora acho que estamos em condições de fazer um exame completo no quarto.”

O estúdio mostrou ser um aposento pequeno, repleto de livros em três lados, e com uma escrivaninha de frente para uma janela comum, que dava para o jardim. Demos atenção primeiro ao corpo do infeliz proprietário de terras, que estava estendido no chão do quarto. Sua roupa desarrumada mostrava que tinha sido acordado repentinamente. A bala fora disparada contra ele de frente e permanecera em seu corpo depois de penetrar no coração. Sua morte certamente foi instantânea e indolor. Não havia marcas de pólvora no seu roupão nem nas mãos. De acordo com o médico, a mulher tinha manchas no rosto, mas nenhuma na mão.

– A ausência destas últimas não significa nada, ao passo que sua presença significa tudo – disse Holmes. – A menos que a pólvora de um cartucho mal colocado espirre para trás, uma pessoa pode dar vários tiros sem deixar traço. Sugeriria que o corpo do sr. Cubitt fosse removido agora. Suponho, doutor, que ainda não recuperou a bala que feriu a senhora.

– Será necessária uma operação difícil para que isso possa ser feito. Mas ainda há quatro cartuchos no revólver. Dois foram disparados e dois ferimentos foram causados, de modo que cada bala pode ser responsável por eles.

– Parece que sim – disse Holmes. – Talvez possa explicar também a bala que tão obviamente lascou a borda da janela?

Ele se virara de repente, e seu dedo longo e magro apontava para um buraco feito diretamente na baixa janela corrediça, menos de 1 centímetro acima do parapeito.

– Ora! – exclamou o inspetor. – Como viu isso?

– Porque o procurei.

– Maravilhoso! – disse o médico do campo. – O senhor está certo. Então um terceiro tiro foi disparado e, portanto, uma terceira pessoa esteve presente. Mas quem teria sido, e como conseguiu ir embora?

– Este é o problema que estamos prestes a resolver agora – disse Sherlock Holmes. – Lembra-se, inspetor Martin, de que quando as empregadas disseram que, ao saírem de seus quartos, logo perceberam um cheiro de pólvora, eu comentei que esse detalhe era extremamente importante?

– Sim, senhor; mas confesso que não consegui entender o motivo.

– Isso sugere que, na hora dos disparos, a janela e a porta estavam abertas. Do contrário, o cheiro da pólvora não teria se espalhado tão rapidamente pela casa. Para isto era preciso uma corrente de ar no quarto. Mas a porta e a janela ficaram abertas por muito pouco tempo.

– Como prova isso?

– Porque a vela não havia pingado.

– Excelente! – exclamou o inspetor. – Excelente!

– Tendo certeza de que a janela estava aberta na hora da tragédia, imaginei que devia haver uma terceira pessoa no caso, que ficou do lado de fora desta abertura e atirou através dela. Qualquer tiro dirigido a essa pessoa poderia acertar o caixilho. Olhei e lá estava, é claro, a marca da bala!

– Mas como é que a janela foi fechada e trancada?

– O primeiro impulso da mulher foi o de fechar e trancar a janela. Mas, ah! o que é isto?

Era uma bolsa de mulher que estava sobre a mesa do estúdio – uma bolsa pequena e elegante de couro de crocodilo e prata. Holmes a abriu e retirou o seu conteúdo. Havia 25 notas de uma libra do Banco da Inglaterra, presas por um elástico de borracha da Índia – e nada mais.

– Isto precisa ser guardado, pois vai aparecer no julgamento – disse Holmes, enquanto entregava a bolsa e seu conteúdo ao inspetor. – Agora é necessário tentar esclarecer alguma coisa sobre essa terceira bala que, pelo lascado da madeira, foi disparada de dentro do quarto. Gostaria de ver de novo a sra. King, a cozinheira. Disse, sra. King, que foi acordada por uma explosão alta. Quando disse isso, queria dizer que parecia ser mais alta do que a segunda?

– Bem, senhor, ela me arrancou do sono, por isso é difícil dizer. Mas me pareceu bem alta.

– Não acha que poderiam ser dois tiros disparados quase ao mesmo instante?

– Não posso afirmar isso, senhor.

– Não tenho dúvidas de que foi assim. Creio que já esgotamos tudo o que este quarto poderia nos mostrar, inspetor Martin. Se quiser, por gentileza, dar uma volta comigo, veremos que novos indícios o jardim tem para nos apresentar.

Um canteiro de flores se estendia até a janela do estúdio, e todos nós soltamos uma exclamação, quando nos aproximamos. As flores estavam caídas e a terra macia, cheia de pegadas. Eram pés grandes e masculinos, com o bico do sapato especialmente longo e fino. Holmes vasculhou a grama e as folhas como um cão de caça atrás de um pássaro ferido. Então, com um grito de satisfação, curvou-se e pegou um pequeno cilindro cor de bronze.

– Como eu pensava – ele disse –, o revólver tinha um ejetor, e aqui está o terceiro cartucho. Penso realmente, inspetor Martin, que o nosso caso está quase completo.

O rosto do inspetor provinciano mostrou seu grande assombro com o rápido e magistral progresso da investigação de Holmes. No início mostrara certa disposição para impor a própria posição, mas agora estava cheio de admiração e pronto a seguir sem questionar o caminho que Holmes indicasse.

– De quem o senhor suspeita? – perguntou.

– Chegarei lá mais tarde. Existem vários pontos neste problema que ainda não posso explicar para vocês. Agora que já cheguei tão longe, é melhor continuar na minha própria linha, e então esclarecer este caso inteiro de uma vez por todas.

– Como queira, sr. Holmes, até que peguemos nosso homem.

– Não quero fazer mistérios, mas é impossível, no momento da ação, entrar em explicações longas e complexas. Tenho todos os fios da meada em minha mão. Mesmo que essa senhora nunca recobre a consciência, podemos reconstituir os fatos da noite passada, e garantir que seja feita justiça. Antes de mais nada, gostaria de saber se existe algum hotel na vizinhança chamado “Elrige’s”.

Os criados foram interrogados, mas nenhum deles ouvira falar de tal lugar. O rapaz da estrebaria lançou alguma luz no assunto, lembrando que um fazendeiro com aquele nome vivia a alguns quilômetros dali, na direção de East Ruston.

– É uma fazenda isolada?

– Muito isolada, senhor.

– Talvez eles ainda não tenham sabido nada sobre o que aconteceu aqui durante a noite.

– Talvez não, senhor.

Holmes pensou um pouco, e então um curioso sorriso apareceu em seu rosto.

– Sele um cavalo, meu rapaz – disse. – Gostaria que levasse um bilhete à fazenda de Elrige.

Tirou do bolso os vários pedaços de papel dos homenzinhos dançantes. Com eles na sua frente, trabalhou durante algum tempo na escrivaninha. Finalmente entregou um bilhete ao garoto, com instruções para só entregá-lo nas mãos da pessoa a quem estava endereçado, e, principalmente, não responder a nenhuma pergunta que lhe fizessem. Vi o verso da nota, endereçada numa letra irregular e espalhada, muito diferente da habitual escrita precisa de Holmes. Era dirigida ao sr. Abe Slaney, fazenda de Elrige, East Ruston, Norfolk.

– Creio, inspetor – observou Holmes –, que seria bom telegrafar para pedir uma escolta, porque talvez tenha um prisioneiro particularmente perigoso para levar à cadeia do condado. Certamente o rapaz que vai levar esta nota chegará antes do seu telegrama. Se houver algum trem à tarde para a cidade, Watson, acho melhor pegá-lo, pois tenho uma análise química interessante para acabar, e esta investigação está caminhando rapidamente para um desfecho.

Quando o jovem foi despachado com a nota, Sherlock Holmes deu suas instruções aos empregados. Se aparecesse alguma visita procurando pela sra. Hilton Cubitt, nenhuma informação deveria ser-lhe dada a respeito de sua situação, e ela deveria ser conduzida imediatamente à sala de visitas. Enfatizou estes pontos com a maior seriedade. Por fim, dirigiu-se à sala de visitas, com a observação de que agora o negócio estava fora de nossas mãos, e que devíamos passar o tempo o melhor que pudéssemos até conseguirmos ver o que nos estava reservado. O doutor tinha ido cuidar dos seus outros pacientes, e só o inspetor e eu ficamos.

– Creio que posso ajudá-los a passar uma hora de modo interessante e proveitoso – disse Holmes, puxando sua cadeira até a mesa, e espalhando à sua frente os vários papéis nos quais estavam desenhados os grotescos homenzinhos dançantes. – Quanto a você, amigo Watson, devo-lhe uma compensação por ter deixado sua curiosidade natural insatisfeita por tanto tempo; ao senhor, inspetor, todo o incidente deve tê-lo interessado como um notável estudo profissional. Devo contar-lhe, antes de tudo, as circunstâncias curiosas ligadas às consultas prévias que o sr. Hilton Cubitt me fez em Baker Street. – Ele então recapitulou os fatos de que já falamos. Tenho aqui estas inscrições singulares, diante das quais alguém poderia sorrir, se não tivessem mostrado que foram as precursoras de uma tragédia tão terrível. Estou familiarizado com todas as formas de escrita secreta, e eu mesmo sou o autor de uma monografia banal sobre o assunto, na qual analiso 160 códigos diferentes, mas confesso que este era inteiramente novo para mim. O objetivo daqueles que o inventaram aparentemente seria ocultar que estes caracteres continham uma mensagem, dando a idéia de que eram meros rabiscos de crianças.

– Entretanto, tendo reconhecido que os símbolos representavam letras, e tendo aplicado as regras que servem para qualquer forma de escrita secreta, a solução ficou bem fácil. A primeira mensagem entregue a mim era tão curta que era impossível fazer algo mais do que dizer, com alguma certeza, que o símbolo representava o E. Como sabem, o E é a letra mais comum no alfabeto inglês, e predomina de modo tão notável, que mesmo numa sentença curta podemos esperar encontrá-la com muita freqüência. Dos 15 símbolos da primeira mensagem, quatro eram os mesmos, portanto seria razoável apontá-los como E. É verdade que em alguns casos a figura segurava uma bandeira e em outros não, mas era provável, pela maneira como as bandeiras estavam distribuídas, que eram usadas para dividir as palavras da frase. Aceitei isso como uma hipótese, e anotei que E era representado por .

– Mas agora vinha a verdadeira dificuldade da pesquisa: a ordem das letras inglesas depois do E não é bem demarcada, e qualquer preponderância que possa ser mostrada na média de uma folha impressa pode ser revertida numa única frase pequena. De modo aproximado, T, A, O, I, N, S, H, R, D e L são a ordem numérica em que as letras ocorrem; mas T, A, O e I aparecem com freqüência quase igual uma da outra, e seria um trabalho infindável tentar cada combinação, até chegar a um sentido. Portanto, esperei por novo material. Na minha segunda entrevista com o sr. Hilton Cubitt, ele me deu duas outras frases curtas e uma mensagem, que parecia – já que não havia bandeiras – ser uma única palavra. Aqui estão os símbolos. Agora, na palavra única, consegui dois E, vindo em segundo e quarto lugares num total de cinco letras. Podia ser “”, “” ou “”*. Não há dúvida de que a última, em resposta a um apelo, é a mais provável, e as circunstâncias a apontavam como sendo uma resposta escrita pela senhora. Aceitando isso como correto, podemos dizer agora que os símbolos representam respectivamente N, V e R.

– Mesmo assim eu estava numa grande dificuldade, mas uma idéia feliz deu-me várias outras letras. Ocorreu-me que se esses apelos vinham, como esperava, de alguém íntimo da senhora em sua vida passada, uma combinação que contivesse dois E, com três letras entre eles, podia muito bem ser o nome “Elsie”. Num exame, descobri que esta combinação formava o final da mensagem, que se repetia três vezes. Devia ser algum apelo a “Elsie”. Desta maneira consegui meus L, S e I. Mas que apelo seria esse? Só havia quatro letras na palavra que precedia “Elsie” e terminava em E. Certamente a palavra seria “”.** Tentei todas as outras quatro letras, terminando em E, mas não consegui encontrar nenhuma que se encaixasse no caso. De modo que agora eu tinha C, O e M, e estava em condições de atacar mais uma vez a primeira mensagem, dividindo-a em palavras e colocando pontos para cada símbolo ainda desconhecido. Fiz isso, e saiu desta maneira:


. M . E R E . . E S L . N E.


– Agora, a primeira letra só ser A, o que é uma descoberta muito útil, já que aparece não menos do que três vezes nesta frase curta, e o H também é evidente na segunda palavra. Agora ficou assim:


AM HERE A. E. SLANE.


Ou, preenchendo os espaços óbvios no nome:


AM HERE ABE SLANEY***


Tinha tantas letras agora que podia continuar com bastante confiança na segunda mensagem, que ficou desta forma:


A . ELRI. ES.


Aqui só podia fazer sentido colocando T e G no lugar das letras que faltavam, e supondo que o nome era o de uma casa ou hotel em que estava o autor da mensagem.

O inspetor Martin e eu ouvimos com o maior interesse o relato completo e claro de como meu amigo obteve os resultados que nos levaram a superar completamente nossas dificuldades.

– O que fez então, senhor? – perguntou o inspetor.

– Tinha motivo para supor que este Abe Slaney era americano, porque Abe é uma contração americana e uma carta dos Estados Unidos é que foi o ponto de partida de todo o problema. Também tinha motivos para pensar que havia algum segredo criminoso no assunto. As alusões da senhora sobre o seu passado e sua recusa em confiar no marido apontavam nessa direção. De modo que passei um cabograma ao meu amigo Wilson Hargreave, do Departamento de Polícia de Nova York, que mais de uma vez recorreu aos meus conhecimentos do crime de Londres. Perguntei a ele se conhecia o nome Abe Slaney. Aqui está a resposta: “O bandido mais perigoso de Chicago”. Na mesma noite em que recebi esta resposta, Hilton Cubitt me mandou a última mensagem de Slaney. Trabalhando com as letras conhecidas, ela ficou com esta forma:


ELSIE . RE . ARE TO MEET THY GO.


O acréscimo de um P e um D completaram a mensagem,* que me mostrou que o patife estava passando da persuasão às ameaças, e o meu conhecimento a respeito dos bandidos de Chicago fez com que eu achasse que ele transformaria rapidamente suas palavras em ação. Vim imediatamente para Norfolk com o meu amigo e colega, dr. Watson, mas, infelizmente, apenas a tempo de descobrir que o pior já tinha acontecido.

– É um privilégio trabalhar junto com o senhor em um caso – disse o inspetor com entusiasmo. – Porém, vai me desculpar se lhe falar francamente. O senhor só precisa dar respostas a si mesmo, mas eu tenho de prestar contas aos meus superiores. Se este Abe Slaney, que mora em Elrige, é de fato o assassino, e se ele escapou enquanto estou sentado aqui, eu certamente terei sérios problemas.

– Não precisa se preocupar. Ele não tentará escapar.

– Como sabe?

– A fuga seria uma confissão de culpa.

– Então vamos prendê-lo.

– Espero-o aqui a qualquer momento.

– Mas por que ele viria?

– Porque escrevi pedindo a ele que viesse.

– Mas isto é incrível, sr. Holmes! Ele viria porque o senhor pediu? Um pedido deste tipo não despertaria sua suspeita e o faria fugir?

– Creio que soube elaborar a carta – disse Sherlock Holmes. – De fato, se não me engano, aqui está o cavalheiro subindo pela estrada.

Um homem entrava pelo caminho que ia até a porta. Era alto, bonito e moreno, vestido com um terno de flanela cinza, com um chapéu panamá, uma barba negra eriçada e um nariz adunco, grande e agressivo, e balançando uma bengala enquanto andava. Passou pelo caminho como se o lugar lhe pertencesse, e ouvimos seu toque alto e confiante na campainha.

– Creio, cavalheiros – disse Holmes calmamente –, que é melhor nos colocarmos atrás da porta. Toda precaução é necessária ao lidarmos com esse camarada. Vai precisar de suas algemas, inspetor. Pode deixar a conversa comigo.

Esperamos em silêncio por um minuto – um desses minutos dos quais nunca poderemos nos esquecer. Então a porta se abriu e o homem entrou. Num instante Holmes apontou a pistola para sua cabeça e Martin colocou as algemas nos seus pulsos. Tudo foi feito com tanta rapidez e habilidade que o sujeito estava indefeso antes de perceber que fora atacado. Olhou-nos um a um com seus olhos negros em chamas. Então explodiu numa gargalhada.

– Bem, cavalheiros, vocês me pegaram desta vez. Acho que bati em alguma coisa dura. Mas vim em resposta à carta da sra. Hilton Cubitt. Não me digam que ela está metida nisso. Não me digam que ela ajudou a preparar essa armadilha para mim.

– A sra. Hilton Cubitt foi gravemente ferida e está à beira da morte.

O homem deu um grito rouco de dor, que ecoou pela casa.

– Está maluco! – gritou, furioso. – Foi ele o atingido, não ela. Quem iria machucar a pequena Elsie? Posso tê-la ameaçado – Deus me perdoe! – mas não tocaria num fio de cabelo de sua linda cabeça. Diga que é mentira! Diga que ela não está machucada!

– Ela foi encontrada, muito ferida, ao lado de seu marido morto.

Ele mergulhou no sofá com um gemido profundo e cobriu o rosto com suas mãos algemadas. Durante cinco minutos ficou em silêncio. Depois ergueu o rosto mais uma vez, e falou com a fria serenidade do desespero.

– Não tenho nada a esconder de vocês, cavalheiros – disse. – Se atirei no homem, ele também atirou em mim, e não há assassinato nisso. Mas se pensam que eu poderia ter machucado aquela mulher, então não me conhecem, nem a ela. Digo-lhes, nunca houve no mundo um homem que amasse uma mulher mais do que eu a amava. Tinha direito a ela. Estava comprometida comigo há anos. Quem era esse inglês para se manter entre nós? Eu lhes digo que tinha prioridade em relação a ela e só estava reclamando o que era meu.

– Ela escapou à sua influência quando descobriu o homem que você é – disse Holmes com rispidez. – Fugiu dos Estados Unidos para evitá-lo, e se casou com um cavalheiro respeitável na Inglaterra. Você a perseguiu, a seguiu, e transformou a vida dela num tormento para induzi-la a abandonar o marido, a quem amava e respeitava, para ir com você, de quem tinha medo e ódio. Você acabou levando à morte um homem nobre e induzindo sua mulher ao suicídio. Este é o seu papel neste negócio, sr. Abe Slaney, e vai responder por isto à justiça.

– Se Elsie morrer, não me importo com o que vier a acontecer comigo – disse o americano. Abriu uma das mãos e olhou para um bilhete amassado em sua palma. – Olhe aqui, senhor! – exclamou, com um brilho de suspeita nos olhos –, não está tentando me amedrontar com isto, está? Se a senhora está tão ferida quanto diz, quem foi que escreveu este bilhete? – Ele o jogou sobre a mesa.

– Eu o escrevi, para trazê-lo aqui.

– Você o escreveu? Não havia ninguém fora da União que conhecesse o segredo dos homenzinhos dançantes. Como conseguiu escrevê-lo?

– O que um homem inventa, outro pode descobrir – disse Holmes. – Há um carro chegando para transportá-lo até Norwich, sr. Slaney. Mas, enquanto isso, tem tempo para reparar um pouco do dano que causou. Sabe que a própria sra. Hilton Cubitt esteve sob séria suspeita de ter assassinado o marido, e que foi só a minha presença e o conhecimento que eu possuo que a salvaram da acusação? O mínimo que o senhor deve fazer por ela é esclarecer ao mundo inteiro que ela não foi, direta ou indiretamente, responsável pelo trágico fim dele.

– Não peço nada mais que isso – disse o americano. – Creio que o melhor que posso fazer por mim mesmo é a verdade nua e crua.

– É meu dever avisá-lo de que isto vai ser usado contra você – exclamou o inspetor, com a sublime honestidade da lei criminal britânica.

Slaney encolheu os ombros.

– Tentarei isso – disse. – Antes de qualquer coisa, quero que os cavalheiros entendam que conheço esta senhora desde que era uma criança. Éramos sete numa gangue em Chicago, e o pai de Elsie era o chefe da União. Era um homem esperto, o velho Patrick. Foi ele quem inventou aquela escrita, que passaria por um desenho de criança, a menos que se soubesse a chave dela. Bem, Elsie aprendeu alguns dos nossos métodos, mas não podia suportar o negócio, e tinha um pouco de seu próprio dinheiro honesto, então passou-nos a perna e foi para Londres. Era minha noiva e teria se casado comigo, acho, se eu tivesse outra profissão, mas ela não teria conhecido a desgraça. Só depois que havia casado com este inglês é que consegui descobrir onde estava. Escrevi para ela, mas não obtive resposta. Depois disso, vim para cá e, como as cartas eram inúteis, coloquei minhas mensagens em lugares onde ela poderia ler.

– Bem, estou aqui há 1 mês. Vivi naquela fazenda, onde tinha um quarto embaixo, e podia entrar e sair todas as noites, sem testemunhas. Fiz de tudo para que Elsie fosse embora. Sabia que lera as mensagens, pois uma vez escreveu uma resposta embaixo de uma delas. Então perdi a calma e comecei a ameaçá-la. Mandou-me uma carta, então, implorando que eu fosse embora, dizendo que seu coração ficaria partido se houvesse algum escândalo envolvendo seu marido. Disse que desceria quando o marido estivesse dormindo, às três horas, e falaria comigo pela janela de trás, se depois eu fosse embora e a deixasse em paz. Ela veio e trouxe dinheiro, tentando me convencer a ir embora. Isto me deixou louco e agarrei seu braço, tentando puxá-la através da janela. Naquele momento entrou o marido com o revólver na mão. Elsie jogou-se no chão, e nós ficamos cara a cara. Também me agachei e apontei minha arma, a fim de assustá-lo e poder fugir. Ele atirou e errou. Atirei quase ao mesmo tempo, e ele caiu. Saí correndo pelo jardim e ouvi a janela se fechar atrás de mim. Esta é a verdade de Deus, cavalheiros, cada palavra dela; e não ouvi mais nada sobre isso até que aquele rapaz veio me entregar um bilhete, que me fez vir até aqui, como um palerma, e me entregar em suas mãos.

Um carro havia chegado enquanto o americano falava. Dois policiais uniformizados estavam sentados lá dentro. O inspetor Martin levantou-se e bateu no ombro do seu prisioneiro.

– É hora de irmos.

– Posso vê-la primeiro?

– Não, ela não está consciente, sr. Sherlock Holmes, só espero que, se me aparecer novamente um caso importante, eu tenha a sorte de contar com o senhor a meu lado.

Vimos da janela a partida do cabriolé. Quando me virei, vi o pedaço de papel que o prisioneiro jogara sobre a mesa. Era o bilhete com o qual Holmes o atraíra.

– Veja se consegue lê-la, Watson – disse, com um sorriso.

Não continha nenhuma palavra, mas esta fila de homenzinhos dançantes:

– Se usar o código que eu expliquei – disse Holmes –, descobrirá que significa simplesmente “”.* Eu estava certo de que era um convite que ele não recusaria, pois nunca imaginaria que pudesse vir de alguém que não fosse a senhora. E assim, meu caro Watson, acabamos desviando os homenzinhos dançantes para o bem, depois de terem sido com freqüência agentes do mal, e acho que cumpri minha promessa de lhe dar algo incomum para o seu caderno. Nosso trem é às 15:40h, e acho que estaremos de volta a Baker Street para o jantar.

Apenas uma palavra de epílogo. O americano, Abe Slaney, foi condenado à morte numa sessão de inverno do tribunal superior, em Norwich, mas sua pena foi transformada em trabalhos forçados em consideração às circunstâncias atenuantes e à certeza de que Hilton Cubitt atirou primeiro. Da sra. Hilton Cubitt só sei que se recuperou completamente, e que ainda permanece viúva, dedicando sua vida a cuidar dos pobres e administrando as propriedades do marido.


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