CAPÍTULO QUATRO
Struan estava jantando sozinho no espaçoso salão de refeições da majestosa feitoria da companhia, na Colônia de Cantão. A grande mansão de três andares fora construída pela Companhia das índias Orientais, há quarenta anos. Struan sempre a cobiçara como o local perfeito para a Casa Nobre. Oito anos atrás, ele a comprara.
O salão de refeições ficava no segundo andar, com vista para o Rio Pérola. Abaixo deste piso, havia um labirinto de escritórios, armazéns e depósitos. Acima, aposentos residenciais e os cômodos particulares do Tai-Pan, cuidadosamente separados. Havia pátios, passeios, suítes e dormitórios em toda a extensão do interior. Entre quarenta e cinqüenta funcionários portugueses viviam e trabalhavam no prédio, e entre dez e quinze europeus de outras nacionalidades. Cem criados chineses do sexo masculino. As criadas não eram permitidas, de acordo com a lei chinesa.
Struan afastou da mesa sua cadeira entalhada, e acendeu um charuto, cheio de irritação. Uma grande lareira aquecia o mármore que revestia paredes e piso. À mesa poderiam sentar-se quarenta pessoas, a prataria era georgiana, e o candelabro de cristal, todo iluminado por velas. Ele caminhou até uma janela e ficou olhando para os negociantes que passeavam pelo jardim, lá embaixo.
Para além do jardim, havia uma praça que ia de um extremo a outro da Colônia, no sentido do comprimento, e era contígua aos cais, na margem do rio. A praça estava, como de hábito, apinhada de vendedores ambulantes chineses, transeuntes, negociantes e compradores, advinhos, escrevedores de cartas, mendigos e cachorros. Fora da feitoria da Companhia, apenas no Jardim Inglês — como era chamado — os mercadores podiam movimentar-se com relativa tranqüilidade. Os chineses, fora os criados, tinham acesso proibido ao jardim e às feitorias. Havia treze prédios no terraço, com colunas que iam de uma ponta a outra da Colônia, com exceção de duas estreitas vielas — a Rua Hog e o Beco Velha China. Só Struan e Brock possuíam prédios inteiros. Os outros negociantes dividiam os restantes, ocupando o espaço necessário às suas necessidades, e. pagavam aluguel à Companhia das índias Orientais, que construíra a Colônia há um século.
Ao norte, a Colônia tinha como fronteira a Rua Treze, das feitorias. As muralhas da cidade de Cantão ficavam à distância de um quarto de milha. Entre as muralhas da cidade e a Colônia havia um formigueiro de casas e galpões. O rio estava congestionado com as inevitáveis cidades flutuantes, dos moradores em barcos. E, acima de tudo, havia um perpétuo murmúrio, pulsante e monótono, sugerindo uma enorme colméia.
Num dos lados do jardim, Struan viu Brock absorto numa conversa com Cooper e Tillman. Ficou imaginando se estariam explicando as complexidades da venda espanhola de chá-ópio a Brock. Boa sorte para eles, pensou, sem rancor. Vale tudo no amor e no comércio.
— Onde estará, com mil demônios, Jin-qua? — Ele comentou, em voz alta.
Durante vinte e quatro dias, Struan tentara ver Jin-qua, mas a cada dia seu mensageiro voltava à Colônia com a mesma resposta:
— Eli num volto du mesmu jeito. Sinhô tem de espelá. Manhã devi tá di volta Cantão. Num si incomodi.
Culum passara dez dias na Colônia de Cantão com ele. No décimo primeiro, chegara uma mensagem urgente de Longstaff, pedindo a Culum para voltar a Hong Kong: havia problemas relativos à venda de terras.
Junto com a mensagem de Longstaff chegou uma carta de Robb. Robb escrevia que o editorial de Skinner a respeito da bancarrota de Struan provocara consternação entre os negociantes, e a maioria mandara despachos imediatos para seu país, espalhando seu dinheiro em vários bancos; que a maior parte estava esperando pelo décimo terceiro dia; que não haveria crédito, e as sugestões por ele feitas aos inimigos de Brock tinham sido inúteis; que a Marinha ficara enfurecida, quando foi divulgada a negativa oficial da ordem referente ao contrabando de ópio emitida por Longstaff, e o almirante despachara uma fragata para a Grã-Bretanha, com um pedido para que o Governo lhe desse a permissão desejada diretamente; e, finalmente, que Chen Sheng, o compradore da Companhia, fora procurado por inúmeros credores pedindo pagamento de dívidas de menor importância que, normalmente, seriam cobradas no devido tempo.
Struan sabia que seria derrotado, se não encontrasse Jin-qua dentro dos próximos seis dias, e perguntou a si próprio, outra vez, se Jin-qua o evitava, ou se estaria mesmo fora de Cantão. Ele é um velho ladrão, pensou Struan, mas não me evitaria nunca. E se você, realmente, o encontrar, rapazinho, vai mesmo fazer a oferta àquele demônio Ti-sen?
Houve um ruído de vozes cadenciadas, e a porta se abriu com violência, deixando entrar uma suja jovem Hoklo — a gente que vivia nos barcos — e um criado tentando segurá-la. A mulher usava o grande chapéu cônico costumeiro, o sampana, calça e blusa negras e encardidas e, sobre elas, um também encardido colete acolchoado.
— Ninguém pudê pará esta vaca cria aqui, sinhô — disse o criado, numa
corruptela de inglês falado na China, enquanto segurava a moça que lutava. Só através dessa corruptela os negociantes podiam conversar com seus criados, e vice-versa. “Vaca” significava “mulher”. E “cria” era uma variante de “criança”. “Vaca cria” significava “jovem mulher”.
— Vaca cria sai! E bem depressa, entendido? — disse Struan.
— Quer vaca cria, quer? Vaca cria boa na cama. Dois dólar tá bom — gritou a moça.
O criado agarrou-a e o chapéu dela caiu, possibilitando a Struan ver seu rosto claramente, pela primeira vez. Ela quase não estava reconhecível, por causa da sujeira, e ele morreu de rir. O criado ficou boquiaberto, diante dele, como se ele estivesse louco, e soltou a moça.
— Essa cria de vaca — disse Struan, em meio às risadas — pode ficar, não se preocupe.
A moça limpou iradamente suas repugnantes roupas e gritou outra torrente de insultos para o criado que partia.
— Vaca cria muito boa, você vê, Tai-Pan.
— É você, May-may? — Struan olhou para ela. — Que diabo está fazendo aqui, e qual o motivo de toda essa sujeira?
— Vaca cria acha que você está fazendo pim-pim com nova vaca cria, né?
— Pelo sangue de Cristo, garota, estamos sozinhos, agora! Pare de usar inglês pidgin! Gastei bastante tempo e dinheiro ensinando a você o inglês da rainha! — Struan ergueu-a até onde seus braços alcançaram. — Meu Deus, May-may, você está fedendo tanto que se sente à distância.
— Você também fedê se usá estas roupas fedolentas!
— Federia, se usasse essas roupas fedorentas — ele disse, corrigindo-a, automaticamente. — O que está fazendo aqui, e qual o motivo de usar essas roupas fedorentas?
— Me bota no chão, Tai-Pan. — Ele assim fez, e ela se curvou, com tristeza. — Cheguei aqui em segredo e com grande tristeza pela sua perda da Suprema Senhora e de todas as crianças que ela teve, menos um filho. — As lágrimas faziam sulcos na sujeira em seu rosto. — Sinto muito, sinto muito.
— Obrigado, garota. Sim. Mas agora já aconteceu, e não há dor que possa trazê-los de volta. — Ele deu pancadinhas na cabeça da moça e acariciou-lhe o queixo, tocado por sua compaixão.
— Não conheço seus costumes. Como devo me vestir, em sinal de luto?
— Não ponha luto, May-may. Eles foram embora. Não adianta todo pranto e nem todo luto.
— Queimei incenso, para um perfeito renascimento.
— Obrigado. Agora, o que está fazendo aqui, e por que partiu de Macau? Eu lhe disse para ficar lá.
— Primeiro banho, depois mudar de roupa, depois conversar.
— Não temos roupas aqui, May-may.
— A tola da minha ama, Ah Gip, está lá embaixo. Ela carrega roupas, e minhas coisas, não se preocupe. Onde é o banheiro?
Struan puxou a corda do sino e, imediatamente, apareceu o servo, com os olhos arregalados.
— Vaca cria quer banho, sabe? Ama pode fazer tudo. Pegue comida! — E depois, para May-may — Diga que comida quer. May-may conversou com o criado boquiaberto, em tom imperioso, e saiu.
Seu modo de caminhar oscilante jamais deixava de comover Struan. May-may tivera os pés atados. Eles tinham apenas três polegadas de comprimento. Quando Struan a comprara, há cinco anos, cortou as ataduras e ficou horrorizado com a deformidade que os antigos costumes tinham decretado ser um sinal essencial de beleza para uma moça — pés pequenos. Só uma moça com pés pequenos — pés de lótus — poderia ser uma esposa ou uma concubina. As que tinham pés normais tornavam-se camponesas, criadas, prostitutas de baixa classe, amas e operárias, e eram desprezadas.
Os pés de May-may eram aleijados. Sem o apertado envoltório das ataduras, a agonia que ela sentira causava pena. Então, Struan permitiu que as ataduras fossem recolocadas e, após um mês, a dor já diminuíra e May-may pudera andar outra vez. Só na velhice os pés atados se tornavam insensíveis à dor.
Struan perguntara-lhe, então, usando Gordon Chen como intérprete, como aquilo fora feito. Contara-lhe, orgulhosamente, que sua mãe começara a atar seus pés quando ela tinha seis anos.
— As ataduras eram bandagens de duas polegadas de largura e doze de comprimento, e úmidas. Minha mãe amarrou-as com força em torno dos meus pés... em volta dos calcanhares e sobre o peito e plantas dos pés, dobrando os quatro dedos menores para baixo da sola e deixando livre o dedo grande. Quando as bandagens secavam e se apertavam, a dor era terrível. No curso dos meses e anos, o calcanhar se aproxima do dedo e o peito se arqueia. Uma vez por semana, as bandagens são retiradas por alguns minutos, e os pés lavados. Depois de alguns anos, os dedos menores ficam encarquilhados e mortos, e são removidos. Quando eu tinha quase doze anos, podia andar muito bem, mas meus pés ainda não eram suficientemente pequenos. Foi então que minha mãe consultou uma mulher entendida na arte de atar os pés. No dia do meu décimo segundo aniversário, a sábia mulher veio para nossa casa com uma faca aguçada e óleos. Ela fez um profundo corte com a faca no meio da sola dos meus pés. Este corte fundo permitiu que o calcanhar fosse empurrado para mais perto dos dedos, quando as bandagens foram recolocadas.
— Que crueldade! Pergunte a ela como suportou a dor.
Struan lembrava-se de seu olhar trocista quando Chen traduziu a pergunta e de como ela respondeu numa cadência encantadora.
— Ela diz: “Para cada par de pés atados, há um lago de lágrimas. Mas, o que são as lágrimas e a dor! Agora não tenho vergonha de deixar ninguém medir meus pés.” Ela quer que o senhor os meça, Sr. Struan.
— Não vou fazer uma coisa dessas!
— Por favor, senhor. Isto a deixará muito orgulhosa. Eles são perfeitos, dentro do estilo chinês. Se não o fizer, ela vai pensar que o senhor está envergonhado dela. Perderá prestígio terrivelmente, diante do senhor.
— Por quê? .
— Acha que o senhor tirou as bandagens porque pensava que ela o estava enganando.
— Mas, por que eu pensaria assim?
— Porque o senhor é... bom, ela não conhecia nenhum europeu, antes. Por favor, senhor. Só o orgulho que sentir por ela compensará todas as lágrimas.
Então ele medira seus pés e manifestara uma alegria que não sentia, e ela se prosternara diante dele três vezes. Ele detestava ver homens e mulheres prosternando-se, com a testa a tocar o chão. Mas o costume antigo pedia este sinal de obediência de um inferior a um superior, e Struan não podia proibi-lo. Se protestasse, May-may ficaria assustada outra vez e se sentiria embaraçada diante de Gordon Chen.
— Pergunte se seus pés estão doendo agora.
— Vão doer sempre, senhor. Mas eu lhe garanto que ela sentiria muito mais dor se tivesse pés grandes e feios.
May-may então disse algo a Chen, e Struan reconheceu a palavra fan-quai, que significava “demônio bárbaro”.
— Ela quer saber o que fazer para agradar um não-chinês — disse Gordon.
— Diga a ela que os fan-quai não são diferentes dos chineses.
— Sim, senhor.
— E lhe diga que você vai lhe ensinar inglês. Imediatamente. Diga-lhe que ninguém pode saber que ela pode falar inglês. Diante dos outros, deve falar só chinês, ou pidgin, que você também lhe ensinará. Finalmente, você a protegerá com sua vida.
***
— Posso entrar agora? — May-may estava à porta, curvando-se delicadamente.
— Por favor.
O rosto dela era oval, os olhos amendoados, e as sobrancelhas perfeitos crescentes. Um perfume cercava-a agora, e seu vestido comprido e flutuante era do mais fino brocado de seda azul. Seu cabelo estava penteado em crescentes no alto da cabeça, e enfeitado com alfinetes de jade. Ela era alta, para uma chinesa, e sua pele tão branca a ponto de parecer quase translúcida. Era da província de Soochow.
Struan a comprara de Jin-qua, e discutira o preço por muitas semanas, mas sabia que, na realidade, Tchung May-may era um presente de Jin-qua, em troca de muitos favores, no curso de anos; que Jin-qua poderia tê-la vendido facilmente ao homem mais rico da China, a um príncipe manchu e até mesmo ao imperador, pelo seu peso em jade — e não apenas pelos quinze mil taéis de prata que, finalmente, acertaram. Ela era única, sem preço.
Struan ergueu-a e beijou-a, suavemente.
— Agora, conte-me o que está acontecendo. — Ele se sentou na poltrona, e segurou-a em seus braços.
— Em primeiro lugar, vim disfarçada por causa do perigo. Não apenas para mim, mas para você. Sua cabeça ainda está a prêmio. E o seqüestro em troca de resgate é um costume antigo.
— Onde deixou as crianças?
— Com a Irmã Mais Velha, claro — ela respondeu.
A Irmã Mais Velha era como May-may chamava a ex-amante de Struan, Kai-sung, de acordo com o costume, embora as duas não fossem parentes. E agora Kai-sung era a terceira esposa do compradore de Struan. Entretanto, entre May-may e Kai-sung havia um intenso afeto, e Struan sabia que as crianças estariam em segurança, e receberiam tantos carinhos como se fossem dela própria.
— Muito bem — disse. — E como estão eles?
— Duncan está com o olho machucado. Escorregou e caiu, e então eu chicoteei sua amaldiçoada ama, até ficar com o braço cansado. Duncan tem mau gênio, por causa do sangue bárbaro.
— É... o seu, não meu. E Kate?
— Nasceu seu segundo dente. Sinal de muita sorte. Antes do segundo aniversário.
— Ela se aninhou em seus braços um momento. — Então, li jornal. Aquele homem, Skinner? Mais pagode ruim, não? Aquele maldito Brock quer falir você, usando grandes dívidas em dinheiro. É verdade?
— Em parte, é. Sim, a menos que aconteça uma mudança de pagode, estamos falidos. Não vai haver mais sedas, perfumes, jades e casas — ele brincou.
— Ayeeee yah! — disse ela, abanando a cabeça. — Você não é o único homem na China.
Ele lhe deu uma palmada no traseiro, e ela o espetou com suas unhas compridas, até ele lhe agarrar o pulso.
— Não diga isso outra vez — declarou ele, e beijou-a apaixonadamente.
— Sangue de Cristo — disse ela, tentando respirar outra vez. — Veja o que você fez com meu cabelo. Aquela puta preguiçosa, Ah Gip, passou uma hora fazendo esse penteado, e veja só!
Ela sabia que o agradava muito e tinha orgulho de poder agora, aos vinte anos, ler e escrever inglês e chinês e falar inglês e cantonês, bem como seu próprio dialeto de Soochow, e também mandarim, a língua de Pequim e da corte do imperador; e também por saber muitas coisas que Gordon Chen aprendera na escola, pois ele ensinara bem, e entre eles havia um grande afeto. May-may sabia que ela era única em toda a China.
Houve uma discreta batida na porta.
— Um europeu? — ela sussurrou.
— Não, garota. É apenas um criado. Eles têm ordem para anunciar todos que chegam. Sim?
O criado estava acompanhado de dois outros, e todos afastaram os olhos de Struan e da moça. Mas sua curiosidade era óbvia, e eles gastaram mais tempo do que o necessário para pôr os pratos contendo comida chinesa e os pauzinhos.
May-may atacou-os com uma torrente de cantonês e eles curvaram-se nervosamente e saíram às pressas.
— O que você disse a eles? — perguntou Struan.
— Eu simplesmente os avisei, por Deus, que se dissessem a alguém que eu estava aqui eu cortaria pessoalmente suas línguas e lhes arrancaria os olhos, e depois convenceria você a acorrentá-los num de seus navios e o afundaria no mar, junto com suas malditas esposas e filhos e parentes e, antes disso, você colocaria mau-olhado nesses malditos patifes e em sua maldita descendência, para sempre.
— Pare de praguejar, sua diabinha. E pare de brincar a respeito de mau-olhado.
— Não é brincadeira. Você tem isso, seu demônio bárbaro. Para todo mundo, menos para mim. Eu sei lidar com você.
— O diabo carregue você, May-may. — Ele interceptou-lhe as mãos e a carícia íntima. — Coma, enquanto a comida está quente e, mais tarde, eu vou cuidar de você. — Ele a pegou e carregou-a até à mesa.
Ela o serviu de camarões fritos, porco magro, cogumelos cozidos requintadamente em soja, noz-moscada, mostarda e mel, e depois serviu a si própria.
— Pela morte de Cristo, estou faminta — disse ela.
— Faça o favor de parar de praguejar!
— Você se esquece do seu “por Deus”, Tai-Pan! — Ela estava exultante, e começou a comer com grande gosto.
Ele pegou os pauzinhos e começou a usá-los, habilmente. Achou a comida soberba. Levara meses para se acostumar com o sabor. Nenhum dos europeus comia comida chinesa. Struan também, antes, preferia a cozinha sólida da velha Inglaterra, mas May-may lhe ensinara que era mais saudável comer como os chineses.
— Como você chegou até aqui? — perguntou Struan. May-may escolheu um dos grandes camarões fritos e cozidos em seguida em molho e verduras com gosto de soja, e elegantemente o decapitou, começando a lhe tirar a casca.
— Comprei passagem numa lorcha. Comprei um bilhete fantasticamente barato, de terceira classe, e me sujei para maior segurança. Você me deve cinqüenta mangos.
— Tire de sua mesada. Não pedi a você para vir aqui.
— Esta vaca cria faz dinheilo bem fácil, não se incomodi.
— Pare com isso e se comporte.
Ela riu, ofereceu-lhe o camarão e começou a tirar a casca de outro.
— Obrigado, não quero mais.
— Coma tudo. Fazem muito bem a você. Eu já lhe disse muitas vezes que eles dão muita saúde e muita potência a você.
— Desista, garota.
— É verdade — disse ela, muito séria. — Os camarões contribuem muito para seu vigor. É muito importante ter bastante vigor! Uma esposa precisa cuidar de seu marido.
— Ela limpou os dedos num guardanapo bordado e, depois, pegou uma das cabeças dos camarões com seus pauzinhos.
— Diabo, May-may, você precisa comer as cabeças?
— Sim, por Deus, você não sabe que são a melhor parte? — ela disse, imitando-o, e riu tanto que sufocou. Ele lhe bateu nas costas, mas suavemente, e depois ela bebeu um pouco de chá.
— Bem feito — disse ele.
— Mesmo assim, as cabeças são a melhor parte, pode ter certeza.
— Mesmo assim, são horrorosas, pode ter certeza.
Ela comeu, em silêncio por um momento.
— Brock tem sido duro de roer?
— Duro.
— É terrivelmente simples resolver essa dureza. Mate Brock. Chegou a hora.
— É uma das maneiras de resolver.
— De uma maneira ou de outra, você achará um jeito.
— O que faz você ter tanta certeza?
— Você não quer me perder.
— Por que deveria eu perder você?
— Eu também não gosto de segundo lugar. Pertenço ao Tai-Pan. Não sou uma maldita Hakka, ou mulher de barco, ou puta cantonesa. Quer chá?
— Sim.
— Beber chá com a comida é muito bom para você. Assim você nunca vai ficar gordo. — Ela despejou o chá e lhe ofereceu a xícara graciosamente. — Eu gosto de você, quando você está zangado, Tai-Pan. Mas você não me assusta. Sei que agrado a você por demais, como você me agrada por demais. Quando ficar em segundo lugar, outra me substituirá, tenho certeza. Isto é pagode. Para mim. E também para você.
— Talvez você já esteja em segundo lugar agora, May-may.
— Não, Tai-Pan, agora não. Mais tarde, sim, mas agora não. Ela se curvou sobre ele e o beijou, e fugiu, enquanto ele tentava agarrá-la.
— Ayeeee yah, não posso dar tantos camarões a você! — Correu para longe dele, rindo, mas ele a agarrou, e ela colocou os braços em torno de seu pescoço e o beijou. — Você me deve cinqüenta mangos!
— O diabo a carregue! — Ele a beijou, sentindo necessidade dela, tanto quanto ela necessitava dele.
— Seu gosto é tão bom. Primeiro vamos jogar gamão.
— Não.
— Primeiro jogamos gamão e depois fazemos amor. Há tempo de sobra. Eu fico com você agora. Jogamos por um dólar o ponto.
— Não.
— Um dóla ponto. Talvez eu tenha dor de cabeça, estou cansada demais.
— Talvez eu não lhe dê o presente de Ano-Novo que eu estava pensando dar.
— Que presente?
— Deixa p'ra lá.
— Por favor, Tai-Pan, eu não vou mais aborrecer você. Que presente?
— Deixa p'ra lá.
— Por favor, me diga. Por favor. Era um alfinete de jade? Ou uma pulseira de ouro? Ou sedas?
— Como está sua dor de cabeça?
Ela lhe deu um tapa, zangada, e depois abraçou-lhe apertadamente o pescoço.
— Você é tão ruim para mim e eu sou tão boa para você. Vamos fazer amor, então.
— Jogaremos quatro partidas. Mil dóla ponto.
— Mas assim é jogo demais! — Ela viu o desafio trocista no rosto dele e seus olhos lampejaram. — Quatro jogos. Vou derrotar você, por Deus.
— Ah, não, por Deus.
Então, eles disputaram quatro partidas, e ela amaldiçoava e dava vivas, chorava e ria, e arquejava, consumida pela excitação, enquanto sua sorte mudava. Ela perdeu dezoito mil dólares.
— Pela morte de Cristo! Estou arruinada, Tai-Pan. Arruinada. Ah, que infelicidade, infelicidade, infelicidade. Todas as minhas economias e mais. Minha casa! Mais um jogo — ela implorou. — Você deve deixar-me tentar recuperar o dinheiro.
— Amanhã. Ao mesmo preço por ponto.
— Jamais jogarei outra vez com esses preços. Nunca, nunca, nunca. Só mais uma vez, amanhã.
***
Após fazerem amor, May-may saiu da cama de armação e foi até à lareira. Uma chaleira de ferro sibilava suavemente, na pequena prateleira de ferro perto das chamas.
Ela se ajoelhou e despejou a água quente da chaleira nas toalhas brancas limpas. As chamas dançaram sobre a pureza de seu corpo. Tinha os pés metidos em pequenas chinelas de dormir, e as ataduras estavam limpas, em torno de seus tornozelos. Suas pernas eram longas e bonitas. Ela escovou o cabelo negro-azulado e brilhante, que lhe caía pelas costas, e voltou para a cama.
Struan estendeu as mãos para pegar uma das toalhas.
— Não — disse May-may. — Deixe que eu faço. Me dá prazer, e é meu dever.
Quando acabou de enxugá-lo, ela lavou a si própria e, depois, instalou-se pacificamente ao lado dele, sob os cobertores. Um vento forte fez as cortinas de damasco farfalharem, e crepitarem as chamas na lareira. As sombras dançaram nas paredes e no teto alto.
— Veja, ali está um dragão — disse May-may.
— Não, é um navio. Você está bem aquecida?
— Como sempre, quando me encontro perto de você. E ali está um templo.
— Sim. — Ele pôs um braço em torno dela, exultando com o suave frescor de sua pele.
— Ah Gip está fazendo o chá.
— Ótimo. Chá será muito bom.
Depois do chá, ambos se sentiram reanimados, voltaram a se deitar na cama e ela apagou a lâmpada. Eles observaram, novamente, as sombras.
— O costume de vocês é que tenham só uma esposa, não é?
— Sim.
— O costume chinês é melhor. Uma Tai-tai é mais sensato.
— O que quer dizer isso, garota?
— “Suprema entre as supremas”. O marido é o supremo na família, naturalmente, mas no lar a primeira esposa é a suprema entre as supremas. Esta é a lei chinesa. A lei também fala em muitas esposas, mas uma delas é Tai-tai. — Ela movimentou para uma posição mais confortável seu longo cabelo. — Quando você se casará? Qual é seu costume?
— Acho que não tornarei a me casar.
— Você deve casar. Uma escocesa, ou uma inglesa. Mas, primeiro, deve casar comigo.
— Sim — disse Struan. — Talvez eu deva.
— Sim, talvez você deva. Eu sou a sua Tai-tai — e depois ela se aninhou mais próxima a ele e se deixou mergulhar num sono tranqüilo. Struan ficou olhando as sombras, por muito tempo. Depois, dormiu.
***
Pouco depois do amanhecer, ele acordou, sentindo perigo. Tirando e face de debaixo do travesseiro, caminhou sem fazer ruído até à janela e abriu as cortinas. Para pasmo seu, viu que a praça estava deserta. Além da praça, no rio, um silêncio estranho parecia pairar sobre as cidades flutuantes.
Depois, ouviu passos abafados que se dirigiam para o quarto. Ele olhou para May-may. Ela ainda dormia tranqüilamente. Com sua faca em riste, Struan encostou-se à parede atrás da porta e esperou.
Os passos pararam. Uma batida suave.
— Sim?
O criado entrou no quarto sem fazer barulho. Estava assustado e, quando viu Struan nu, com a faca na mão, falou com voz entrecortada:
— Sinhô! Tem um sinhô de naliz de gancho e um sinhô de cabelo pleto aqui. Dizem pla sinhô ir diplessa.
— Diz que vô diplessa.
Struan se vestiu, rapidamente. Deixou cair uma escova de cabelo e May-may quase acordou.
— É cedo demais para se levantar. Volte para a cama — disse ela, sonolenta. E se encolheu mais, embaixo dos cobertores, tornando a dormir imediatamente.
Struan abriu a porta. Ah Gip estava pacientemente acocorada no corredor, onde dormira. Struan desistira de mandá-la dormir em outro lugar, porque Ah Gip simplesmente sorria, fazia um sinal afirmativo com a cabeça, dizia: “Sim, sinhô.” E dormia do lado de fora da porta. Era baixa e robusta, e um sorriso parecia permanentemente fixado em seu rosto redondo, com marcas de bexiga. Há três anos era a escrava pessoal de May-may. Struan pagara por ela três taéis de prata.
Ele a convidou para entrar no quarto.
— Senhola pode dulmi. Você espelá dentlo quarto, intende?
— Intende, sinhô...
Ele desceu as escadas, apressadamente.
Cooper e Wolfgang Mauss estavam a esperá-lo na sala de jantar. Mauss examinava soturnamente suas pistolas.
— Desculpe incomodá-lo, Tai-Pan. Há problemas — disse Cooper.
— O quê?
— Está circulando um boato de que dois mil soldados manchus com bandeiras de guerra entraram em Cantão, a noite passada.
— Tem certeza?
— Não — disse Cooper. — Mas, se for verdade, haverá problemas.
— How-qua mandou me chamar esta manhã — disse Mauss, pesadamente.
— Ele disse se Jin-qua já voltou?
— Não, Tai-Pan. Ele ainda diz que seu pai está viajando. Quanto a mim, não acredito nisso, hein? How-qua estava com muito medo. Contou que fora acordado muito cedo, aquela manhã. Um edito imperial, assinado pelo próprio imperador, havia sido entregue a ele, e dizia que todo comércio conosco deveria cessar, de imediato. Eu o li. Os selos estavam corretos. Toda a Co-hong está num rebuliço.
Houve um estardalhaço lá embaixo. Eles correram à janela. Uma companhia de soldados montados manchus trotou para a extremidade leste da praça e desmontou. Eram homens altos, fortemente armados — mosquetes, longos arcos, espadas e lanças embandeiradas. Alguns eram barbados. Eram chamados bandeireiros por serem soldados imperiais e conduzirem as bandeiras imperiais. Os chineses não tinham permissão para ingressar em seus regimentos; eram a elite do exército do imperador.
— Bom, há com certeza quarenta ou cinqüenta em Cantão — disse Struan.
— E se houver dois mil? — perguntou Cooper.
— É melhor nos prepararmos para partir da Colônia.
— Bandeireiros são um mau sinal — disse Mauss. Ele não queria sair da Colônia; queria ficar com seus convertidos chineses e continuar a pregar para os pagãos, o que ocupava todo seu tempo, quando não estava servindo de intérprete para Struan. — Schrechlich mau.
Struan considerou as possibilidades e depois tocou a campanhia, para chamar um criado.
— Traz bastante comida, diplessa, diplessa. Caie, chá, ovos, carne... diplessa, diplessa.
— Há bandeireiros na praça e você só pensa em tomar o desjejum? — perguntou Cooper.
— Não adianta se preocupar com o estômago vazio — disse Struan. — Estou com muita fome, hoje de manhã.
Mauss riu. Ele ouvira o rumor, sussurrado entre os criados, de que a legendária amante do Tai-Pan chegara em segredo. Por sugestão de Struan, há dois anos ele secretamente ensinara o cristianismo a May-may e a convertera. Sim, pensou, com orgulho, o Tai-Pan confia em mim. Por causa dele, ó Senhor, pelo menos uma foi salva. Por causa dele, outros estão sendo salvos por Vossa divina mercê.
— O café é uma boa idéia.
Sentado junto à janela, Cooper via os negociantes esgueirando-se pelo jardim e entrando em suas feitorias. Os bandeireiros estavam reunidos numa massa desarrumada, acocorados e conversando.
— Talvez seja como da última vez. Os mandarins vão nos prender, em troca de resgate — disse Cooper.
— Não desta vez, rapazinho. Se começarem alguma coisa, vai ser nos liquidando.
— Por quê?
— Qual o motivo de mandarem soldados imperiais a Cantão? São combatentes... e não como o exército chinês local.
Os criados entraram e começaram a pôr a grande mesa. Mais tarde, a comida foi trazida. Havia frangos frios e ovos cozidos, pão, carne quente, bolinhos e tortas de carne quente, além de manteiga, marmelada e geléia.
Struan comeu com gosto e Mauss também. Mas Cooper estava sem vontade de provar sua comida.
— Sinhô? — disse um criado.
— Sim?
— Sinhô de um olho só está aqui. Pode?
— Pode.
Brock caminhou para dentro da sala. Seu filho Gorth estava com ele.
— Bom-dia, senhores. Bom-dia, meu caro Dirk.
— Quer café?
— Ah, muito obrigado.
— Fez boa viagem, Gorth?
— Sim, obrigado, Sr. Struan. — Gorth era da mesma altura do pai, um homem rijo, marcado por cicatrizes e com o nariz quebrado, cabelo grisalho e barba. — Da próxima vez, eu vencerei o Thunder Cloud.
— Da próxima vez, rapaz — disse Brock, com uma risada. — você será o capitão desse navio. Ele se sentou e começou a se fartar.
— Quer passar a carne, Sr. Cooper? — Estendeu o polegar esticado em direção à janela. — Aqueles filhos da mãe não significam nada de bom.
— Sim. O que acha, Brock? — perguntou Struan.
— O pessoal da Co-hong está arrancando os rabichos. O comércio está interrompido, no momento. É a primeira vez que vejo esses malditos bandeireiros.
— Vão evacuar a Colônia?
— Eu não serei expulso por chineses ou por bandeireiros.
— Brock se serviu de mais carne. — Claro que posso me afastar um pouco. Quando eu quiser. A maioria de nós vai sair amanhã para a venda de terras. Mas faremos bem convocando um conselho imediatamente. Têm armas aqui?
— Não suficientes.
— Temos o bastante para um cerco. Gorth as trouxe. Este lugar é o melhor para a defesa. Já é quase nosso, de qualquer jeito — acrescentou.
— Quantos guarda-costas você tem?
— Vinte. São rapazes do Gorth. São capazes, cada um, de derrubar cem chineses.
— Eu tenho trinta, contando os portugueses.
— Esqueça os portugueses. É melhor nós sozinhos. — Brock limpou a boca e partiu em dois um pequeno pão, passando nele, em seguida, manteiga e marmelada.
— Você não pode defender a Colônia, Brock — disse Cooper.
— Podemos defender esta feitoria, rapaz. Não se preocupe conosco. Você e o resto dos americanos vão se entocar na sua. Eles não vão tocar em vocês... é atrás de nós que estão.
— Sim — disse Struan. — E vamos precisar de vocês para vigiar nosso comércio, se tivermos de partir.
— Essa é outra razão que me fez vir aqui, Dirk. Queria falar francamente sobre o comércio e sobre Cooper-Tillman. Fiz uma proposta que foi aceita.
— A proposta foi aceita a depender o fato de Struan e Companhia não poderem cumprir acertos anteriores -— disse Cooper. — Vamos dar a você trinta dias, Dirk. Depois dos trinta dias...
— Obrigado, Jeff. É generoso de sua parte.
— Isso é estúpido, rapaz. Mas eu não me incomodo quanto à ocasião. Sou generoso também com seu tempo. Mais cinco dias, Dirk, hein? Struan virou-se para Mauss.
— Volte para a Co-hong e descubra o que puder. Tenha cuidado e leve um dos meus homens.
— Não preciso de um homem comigo. — Mauss arrancou o corpanzil da cadeira e partiu.
— Nós vamos realizar o conselho no andar de baixo — disse Struan.
— Ótimo. Talvez todos devam vir para cá. Haverá espaço suficiente.
— Isso nos denunciaria. É melhor nos prepararmos e esperarmos. Talvez seja apenas um truque.
— Você tem razão, rapaz. Estamos em segurança até os criados desaparecerem. Vamos, Gorth. Conferência dentro de uma hora? No andar de baixo?
— Sim.
Brock e Gorth partiram. Cooper rompeu o silêncio.
— O que significa tudo isso?
— Acho que é um plano de Ti-sen para nos deixar nervosos. A fim de nos preparar para algumas concessões que ele deseja. — Struan pôs a mão no ombro de Cooper. — Obrigado pelos trinta dias. Eu não vou esquecer.
— Moisés teve quarenta dias. Achei que trinta seriam adequados para você.
***
A conferência foi barulhenta e todos estavam irados, mas Brock e Struan dominaram as conversações.
Todos os negociantes — com exceção dos americanos — estavam no grande salão nobre que Struan usava como seu escritório particular. Barriletes de conhaque, uísque, rum e cerveja enfileiravam-se numa das paredes. Havia prateleiras com livros e volumes de escrituração na outra. Pinturas de Quance enchiam as paredes — paisagens de Macau, retratos e navios. Arcas com tampo de vidro, contendo canecas de estanho e canecões de prata. E armeiros com espadas e mosquetes, pólvora e balas.
— Não é nada, garanto a vocês — Masterson disse, bufando. Era um homem com
o rosto vermelho e papada, no início da casa dos trinta, diretor da firma de Masterson, Roach e Roach. Ele estava vestido como os outros homens — casaco de marinheiro de tecido de lã inglês, colete resplandecente e cartola de feltro.
— Os chineses jamais molestaram a Colônia, desde sua criação, por Deus.
— Sim. Mas isso foi antes de entrarmos em guerra com eles e ganharmos. — Struan queria que todos chegassem a um acordo e fossem embora. Segurava um lenço perfumado contra o nariz, para se proteger do fedor rançoso de seus corpos.
— Eu digo, vamos arrancar da praça os malditos bandeireiros agora mesmo — disse Gorth, tornando a encher seu canecão de cerveja.
— Vamos fazer isso, se for necessário — Brock cuspiu na escarradeira de estanho.
— Estou cansado de toda essa conversa. Agora, vamos concordar com o plano de Dirk, ou não? Ele olhou fixamente em torno do salão. A maioria dos negociantes devolveu o olhar. Havia quarenta ali reunidos — ingleses e escoceses, com exceção de Eliksen, o Dinamarquês, que era agente comercial de uma firma londrina, e um corpulento parse, com um traje flutuante. Rumajee, da Índia. MacDonald, Kerney, Maltby, de Glasgow, e Messer, Vivien, Tobe, Smith, de Londres, eram os principais negociantes, todos homens rijos, com uma dureza de carvalho, na casa dos trinta.
— Estou farejando problemas, senhor — disse Rumajee, e puxou seu grande bigode. — Aconselho uma retirada imediata.
— Pelo amor de Deus, o ponto central de todo o plano, Rumajee, é não nos retirarmos — disse Roach, causticamente. — Só nos retiraremos se necessário. Eu voto a favor do plano. E concordo com o Sr. Brock. Chega dessa maldita conversa, estou cansado. Retirar-se diante de pagãos? Nunca, por Deus.
O plano de Struan era simples. Eles esperariam em suas próprias feitorias; se começassem perturbações, a um sinal de Struan convergiriam para sua feitoria, sob fogo de cobertura de seus homens, se necessário.
— Posso sugerir algo, Sr. Struan? — perguntou Eliksen. Struan fez um aceno afirmativo de cabeça para o homem alto, de cabelos claros e taciturno.
— Claro.
— Talvez um de nós deva apresentar-se como voluntário para levar a notícia a Whampoa. De lá uma lorcha veloz pode ir procurar a armada, em Hong Kong. Só para o caso de eles nos cercarem e nos isolarem, como antes.
— Boa idéia — disse Vivien. Ele era alto, pálido e estava muito embriagado. — Vamos todos nos apresentar como voluntários. Posso tomar um uísque? Esse é um bom sujeito.
Então, de imediato, todos começaram a falar outra vez e a discutir sobre quem deveria apresentar-se como voluntário, e afinal Struan os pacificou.
— Foi sugestão do Sr. Eliksen. Se ele pensou nisso, por que não o deixar ter essa honra?
Eles se reuniram no jardim e espiaram quando Struan e Brock escoltaram Eliksen através da praça, até à lorcha que Struan colocara à sua disposição. Os bandeireiros não lhes prestaram a menor atenção, limitando-se a apontar e fazer troça.
A lorcha seguiu pelo rio.
— Talvez nós não tornemos a vê-lo — disse Brock.
— Não acredito que vão tocar nele, senão não o deixaria nunca partir. Brock resmungou.
— Para um estrangeiro, ele não é um mau sujeito. — Voltou com Gorth para sua própria feitoria. Os outros negociantes seguiram para as suas. Quando Struan ficou satisfeito com a disposição da guarda armada no jardim, e diante da porta dos fundos, que dava para a Rua Hog, voltou para sua suíte. May-may fora embora. E Ah Gip.
— Onde está a senhora?
— Num sei, sinhô. Num vi mais vaca cria. Ele procurou por todo o prédio, mas elas haviam desaparecido. Era quase como se jamais tivessem estado ali.