CAPÍTULO CINCO

Struan estava no jardim. Era pouco antes da meia-noite. Havia uma estranha quietude no ar. Ele sabia que a maioria dos negociantes devia estar dormindo vestida, e com as armas ao lado. Espiou, através do portão, os bandeireiros. Alguns dormiam, outros tagarelavam por sobre uma fogueira que haviam feito na praça. A noite estava fria. Havia pouco movimento no rio.

Struan saiu do portão e perambulou, pensativo, pelo jardim. Onde diabo estaria May-may? Sabia que ela não deixaria a Colônia sem motivo. Talvez tivesse sido atraída para isso. Talvez — ah, sangue de Cristo, isso não era maneira de pensar. Mas ele sabia que o mais rico senhor da China não hesitaria em tomá-la — pela força, se necessário — assim que a visse.

Uma sombra pulou por sobre o muro lateral e a faca de Struan, instantaneamente, estava em sua mão.

Era um chinês que, tremulamente, estendeu um pedaço de papel. Era um homem de baixa estatura, esbelto, com os dentes quebrados, o rosto esticado e amarelado pelo ópio. Impresso no papel, estava o carimbo de Jin-qua, um selo particular usado apenas em contratos e documentos especiais.

Sinhô — disse o chinês baixinho. — Ninguém segue sinhô. Sozinho.

Struan hesitou. Era perigoso deixar a proteção da Colônia e de seus homens. Temeridade.

— Não poder. Jin-qua pode aqui vir.

— Não poder. Sem ninguém seguir. — O chinês apontou o selo. — Jin-qua quer ver, diplessa, diplessa.

— Amanhã — disse Struan. O chinês abanou a cabeça.

Agola. Diplessa, diplessa, sabe.

Struan pensou que, possivelmente, o selo de Jin-qua caíra em outras mãos e isto poderia muito bem ser uma armadilha. Mas ele não ousava levar Mauss ou qualquer de seus homens, porque o encontro poderia ser muito secreto. E quanto antes melhor. Estudou o papel sob a lanterna e se certificou inteiramente de que o carimbo estava correto.

Fez um sinal afirmativo com a cabeça.

— Pode.

O chinês seguiu na frente até o muro lateral e escalou-o. Struan seguiu-o, pronto para uma traição. O chinês andou apressadamente ao longo da parede lateral da feitoria, e dobrou na Rua Hog. Inacreditavelmente, a rua estava deserta. Mas Struan sentia olhos observando-o.

No final da Rua Hog, o chinês virou em direção leste. Havia duas liteiras, com cortinas, à espera. Os cules das liteiras estavam aterrorizados. O seu terror se intensificou quando viram Struan.

Struan entrou numa das liteiras, o chinês na outra. Imediatamente, os cules ergueram as cadeiras e seguiram a galope pela Rua da Décima Terceira Feitoria. Viraram em direção sul, por estreitas e desertas passagens entre edifícios, desconhecidos para Struan. Logo ele havia perdido todo o sentido de direção. Recostou-se e amaldiçoou sua estupidez, ao mesmo tempo exultando com a expectativa do perigo. Finalmente, os cules pararam numa suja viela de altos muros, cheia de lixo apodrecido. Um cão sarnento banqueteava-se.

O chinês deu aos cules algum dinheiro e, quando eles já se haviam evaporado na escuridão, bateu numa porta. Ela se abriu e ele se afastou lateralmente, para que Struan entrasse, Struan fez-lhe sinal para ir primeiro e depois, cautelosamente, seguiu-o até um rançoso estábulo, onde outro chinês estava à espera, com uma lanterna. Este homem virou-se e caminhou silenciosamente através do estábulo, passando por outra porta, sem olhar para trás. Agora, seguiam através de um grande armazém e, em seguida, subiram vacilantes escadas e desceram outras, indo dar em novo armazém. Ratos corriam pela escuridão.

Struan sabia que estavam em alguma parte próxima ao rio, porque ouvia um ruído de água batendo e cordas rangendo. Estava pronto para uma briga a qualquer momento, e tinha o cabo da faca dentro da mão fechada, enquanto a lâmina estava escondida em sua manga.

O homem com a lanterna mergulhou sob uma ponte de caixotes de embalagem e foi seguindo até outra porta, meio escondida. Bateu, e então abriram.

— Olá, Tai-Pan — disse Jin-qua. — Fazia tempo que nós num si via. Struan entrou na sala. Era outro armazém cheio de sujeira, fracamente iluminado por velas e cheio de caixotes de embalagem e redes de pescar emboloradas.

— Olá, Jin-qua — disse ele, aliviado. — Num si via faz tempo.

Jin-qua era velho, frágil, pequeno. Sua pele era como pergaminho. Mechas finas de barba grisalha caíam-lhe sobre o peito. Sua roupa era de um rico brocado e o chapéu tinha jóias. Usava sapatos bordados, de grossas solas, e seu rabicho era longo e brilhante. As unhas de seus pequenos dedos estavam protegidas por lâminas cravejadas de pedras preciosas.

Jin-qua fez um sinal afirmativo com a cabeça, todo satisfeito, e se encaminhou para um canto do armazém, sentando-se a uma mesa posta, com comida e chá.

Struan sentou-se diante dele, de costas para a parede. Jin-qua sorriu. Tinha apenas três dentes. Eram cobertos de ouro. Jin-qua disse alguma coisa em chinês ao homem que trouxera Struan, e ele saiu por outra porta.

— Chá? — perguntou Jin-qua.

— Sim.

Jin-qua fez um sinal com a cabeça ao criado que carregara a lanterna e ele despejou o chá e serviu Jin-qua e Struan de alguma comida. Depois, foi para um lado e ficou observando Jin-qua. Struan notou que o homem era musculoso e estava armado, com uma faca ao cinto.

Favo — disse Jin-qua, fazendo sinal a Struan para que se servisse.

— Obrigado.

Struan beliscou a comida e bebeu um pouco de chá, ficando à espera. Era preciso deixar Jin-qua fazer a primeira abertura. Depois de comerem em silêncio, Jin-qua disse:

Quelia mi vê?

— Jin-qua fez bom negócio em Cantão?

— Negócio bom e ruim ao mesmo tempo, não se incomode.

— Comércio parou agora?

Palou agola. Hoppo mandalim muito ruim. Soldados muitos, muitos. Meu lucro tem glandes impostos pala soldados. Ayeeee yah!

— Ruim.

Struan bebia seu chá! É agora ou nunca, ele disse a si próprio. E, agora que o momento certo, afinal, chegara, sabia que jamais poderia entregar Hong Kong. Maldito mandarim! Enquanto eu estiver vivo, não haverá nem um maldito mandarim em Hong Kong. Terá de ser Brock. Mas o assassinato não é maneira de resolver a bancarrota. Então, Brock está salvo porque todos esperam que eu solucione o problema dessa maneira. Mas estará mesmo salvo? Onde diabo se encontrará May-may?

— Ouvi dizer que Brock, o Demônio de Um Olho Só, botou o Tai-Pan com a corda no pescoço.

— Ouvi dizer que o Demônio Hoppo botou a Co-hong com a corda no pescoço — disse Struan. Agora que decidira não fazer um acordo, sentia-se muito melhor. — Ayeeee yah!

— Tudo mesma coisa. Mandalim Ti-sen tem raiva.

— Por quê?

Sinhô “Pênis odioso” escleveu calta muito ruim.

— O chá está excelente.

Sinhô “Pênis odioso” faz o que Tai-Pan diz, não é?

— Às vezes.

— É ruim quando Ti-sen tem raiva.

— É ruim quando Sinhô Longstaff tem raiva.

Ayeeee yah. — Jin-qua, fastidiosamente, pegou alguma comida e a comeu, com os olhos estreitando-se ainda mais. — Sabe Kung Hay Fat Choy?

— O Ano-Novo chinês? Sim.

— Ano-Novo começa logo. Co-hong tem dívidas glandes de anos antigos. Bom pagode começa Ano-Novo quando não tem dívidas. Tai-Pan tem muito papel da Co-hong.

— Não se incomode. Pode espelá. — Jin-qua e os outros mercadores da Co-hong deviam a Struan seiscentos mil.

— Demônio de Um Olho Só pode espelá?

— Papel de Jin-qua pode espelá. Terminado. Comida muito boa.

— Muito ruim. — Jin-qua bebia seu chá. — Ouvi dizer que Suprema Senhora e filhos de Tai-Pan mortos. Mau pagode, sinto.

— Mau pagode, muito.

— Não se incomode. — Muito jovem, tem muitas outras jovens. Sua jovem May-may. Por que Tai-Pan tem só um filho homem? Tai-Pan deve tomar remédio, talvez. Precisa.

— Quando quiser, eu peço. — Struan disse, afavelmente. — Ouvi dizer que Jin-qua tem novo filho homem. Que número é esse filho?

— Dez e sete — disse Jin-qua, radiante.

Deus do céu, Struan pensou, dezessete filhos — e provavelmente o mesmo número de filhas, que Jin-qua não conta. Ele curvou a cabeça e assobiou, apreciativamente. Jin-qua riu.

— Quanto chá quer esta temporada?

— Comércio parou. Como pode negociar? — Jin-qua piscou.

— Pode.

— Não sei. Venda a Brock. Quando eu querer chá eu pedir, está bem?

— Preciso saber em dois dias.

— Não pode.

Jin-qua disse alguma coisa, rudemente, a seu criado, que foi até um dos caixotes de embalagem embolorados e tirou a tampa. Estava cheio de barras de prata. Jin-qua apontou para os outros caixotes de embalagem.

— Aqui tem quarenta dólares laque (Cem mil rúpias – N. Do T.).

Um laque representava aproximadamente vinte cinco mil libras esterlinas. Quarenta laques eram um milhão de esterlinas. Os olhos de Jin-qua estreitaram-se ainda mais.

— Eu tomei emprestado. Muito difícil. Muito caro. Quer? Jin-qua empresta, talvez.

Struan tentou esconder seu choque. Sabia que haveria algum acordo difícil, vinculado a qualquer empréstimo. Sabia que Jin-qua devia ter arriscado sua vida, sua alma, sua casa, seu futuro e o de seus amigos e filhos, para reunir tanto dinheiro secretamente. O dinheiro tinha de ser secreto, senão o Hoppo o roubaria e Jin-qua, simplesmente, teria desaparecido. Se chegasse aos ouvidos dos piratas e bandidos, cujos refúgios abundavam dentro de Cantão ou nas imediações, a notícia de que havia até uma centésima parte de um tesouro assim nas proximidades, Jin-qua teria sido eliminado.

— São muitos laques de dólar — disse Struan. — Homem que recebe favor deve retribuir favor.

— Compre este ano duplo do chá ano passado, mesmo preço ano passado, pode?

— Pode.

— Venda duplo do ópio este ano mesmo preço ano passado Pode?

— Pode.

Struan pagaria pelo chá acima do preço do mercado e teria de vender o ópio a menos do que o preço atual, mas ainda teria um grande lucro. Se as outras condições forem possíveis, ele lembrou a si próprio. Talvez não estivesse liquidado, afinal de contas. Se Jin-qua não quisesse o mandarim. Struan rezou silenciosamente para que um mandarim não fizesse parte do acordo. Mas ele sabia que, se não houvesse mandarim em Hong Kong, não poderia haver Co-hong. E, se não houvesse Co-hong e nem monopólio, Jin-qua e os demais estariam fora do comércio. Eles também precisavam do sistema.

— Só compre a Jin-qua ou ao filho de Jin-qua, dez anos. Pode?

Meu Deus, pensou Struan, se eu lhe der um monopólio sobre nossa casa, ele poderá nos apertar à vontade.

— Pode... se o preço do chá e o preço da seda forem os mesmos do resto da Co-hong.

— Vinte por ano. Preço do mercado mais dez por cento.

— Mais cinco por cento... acrescente cinco por cento. Pode.

— Oito.

— Cinco.

— Sete.

— Não pode. Não dá lucro. É demais — disse Struan.

Ayeeee yah. É muito, muito lucro. Sete!

— Dez anos, seis por cento... dez anos, cinco por cento.

Ayeeee yah — Jin-qua respondeu, acaloradamente. — Ruim, muito ruim. — Ele acenou a frágil mão em direção às arcas. — Grande custo! Grande juro. É muito. Dez anos seis, dez anos cinco, acrescente mais dez anos cinco.

Struan ficou imaginando se a raiva era real ou fingida.

— Suponha nenhum Jin-qua, nenhum filho de Jin-qua?

— Muito filho... muito filho de filho. Pode?

— Mais dez anos, acrescente quatro por cento.

— Cinco.

— Quatro.

— Ruim, ruim. Juro muito alto, muito. Cinco.

Struan manteve os olhos afastados das barras, mas sentia que o cercavam. Não seja tolo. Aceite. Concorde com tudo. Você está salvo, rapazinho. Você tem tudo.

— Mandarim Ti-sen diz um mandarim Hong Kong — disse Jin-qua, bruscamente. — Por que você diz não? — Jin-qua não gosta mandarim, hein? Por que eu gostar de mandarim, hein? — Struan respondeu, com um bolo no estômago.

— Quarenta laques de dólar, um mandarim. Pode?

— Não pode.

— É fácil. Por que você diz não pode? Pode.

— Não pode. — Os olhos de Struan não vacilaram nunca. — Mandarim não pode.

— Quarenta laques de dólar. Um mandarim. Barato.

— Quarenta vezes dez laques de dólar e não pode. Morrer primeiro. — Struan decidiu encerrar a barganha. — Acabou. — Ele disse, abruptamente. — Por meus pais, acabou. — Ele se levantou e caminhou para a porta.

— Por que ir? — perguntou Jin-qua.

— Nenhum mandarim... nenhum dólar. Para que conversar, hein?

Para espanto de Struan, Jin-qua riu e disse:

— Ti-sen quer mandarim. Jin-qua não empresta dinheiro de Ti-sen. Jin-qua empresta dinheiro de Jin-qua. Acrescente mais dez anos cinco por cento. Pode?

— Pode. — Struan sentou-se outra vez, tonto.

— Cinco laques de dólar compram para Jin-qua terra em Hong Kong. Pode?

— Por quê? — perguntou Struan a si próprio, desamparadamente. Se Jin-qua me emprestar o dinheiro, ele deve saber que a Co-hong está liquidada. Por que ele iria destruir a si mesmo? Por que comprar terra em Hong Kong?

— Pode? — Jin-qua disse outra vez.

— Pode.

— Cinco laques de dólar ficam seguros.

Jin-qua abriu uma pequena caixa de teca e tirou dois carimbos. Os carimbos eram pequenos bastões quadrados de marfim, com duas polegadas de comprimento. O velho juntou-os habilmente e mergulhou-lhes as extremidades, que tinham elaborados entalhes, na grossa tinta. Imprimiu um carimbo numa folha de papel. Jin-qua deu a Struan um dos carimbos e colocou o outro de volta na caixa.

— Homem levá este pedaço de carimbo terra e dólar, cinco laques, está bem?

— Está bem.

— Seu filho homem Gordon Chen. Bom? Ruim, talvez?

— Bom filho. Chen Sheng diz que ele tem muitos pensamentos bons: — Obviamente, supunha-se que Struan fizesse alguma coisa por Gordon Chen. Mas por que, e como, Gordon Chen entrava nas maquinações de Jin-qua? — Penso dar Gordon talvez emprego melhor.

— Para que emprego melhor? — disse Jin-qua com desprezo. — Pense em emprestar um laque de dólar ao filho Chen.

— Com que juro?

— Metade do lucro.

Lucro em quê? Struan sentiu que Jin-qua estava brincando com ele, como se fosse um peixe. Mas você está fora do anzol, rapazinho, ele teve vontade de gritar. Vai conseguir o dinheiro sem o mandarim.

— Pode.

Jin-qua suspirou e Struan supôs que o acordo estava concluído. Mas não estava. Jin-qua pôs a mão no bolso de sua manga e tirou oito meias moedas e colocou-as sobre a mesa. Cada uma das quatro moedas fora toscamente partida em duas. Com um de seus protetores de unhas, Jin-qua empurrou metade de cada moeda através da mesa.

— Final. Quatro favores. Homem leva uma dessas, você faz favor.

— Que favor?

Jin-qua recostou-se em sua cadeira.

— Não sei, Tai-Pan — disse ele. — Quatro favores, em alguma ocasião. Não minha vida talvez, filho talvez. Não sei quando, mas peço quatro favores. Metade de cada moeda, um favor. Pode?

Struan sentia os ombros molhados por um suor frio. Concordar com um pedido assim era um convite aberto ao desastre. Mas, se recusasse, o dinheiro estava perdido para ele. Você colocou sua cabeça numa armadilha diabólica, ele disse a si mesmo. Aye, mas decida. Quer o futuro ou não? Você conhece Jin-qua há vinte anos. Ele sempre foi correto. Aye, e o homem mais astuto de Cantão. Por vinte anos, ele o ajudou e guiou — e juntos vocês conquistaram cada vez mais poder e riqueza. Então, confie nele; você pode confiar nele. Não, você não pode confiar em homem nenhum, e muito menos em Jin-qua. Você prosperou com ele apenas porque sempre guardou a cartada final. Agora, pedem-lhe para dar a Jin-qua quatro coringas, em seu baralho de vida ou morte.

Mais uma vez, Struan ficou aterrorizado diante da sutileza e da esperteza diabólica de uma mente chinesa. Diante de sua majestade. Da crueldade. Mas então, disse Struan a si mesmo, eles estavam ambos jogando com apostas altas. Ambos jogando com a honestidade um do outro, porque nada havia para garantir que os favores seriam feitos.

Exceto que você os fará e deve fazê-los, porque um trato é um trato.

— Pode — disse ele, estendendo a mão. — Meu costume, apertar mão. Não é costume chinês, não se incomode. — Jamais apertara a mão de Jin-qua antes, e sabia que o aperto de mão era considerado uma coisa bárbara. Jin-qua disse: — Favor talvez contra lei. Minha, sua, entendido?

— Entendido. Você amigo. Você ou seu filho não mandam moeda pedir mau favor.

Jin-qua fechou os olhos por um momento, e pensou a respeito dos bárbaros europeus. Eles eram cabeludos feito macacos. Suas maneiras eram repulsivas e feias. Fediam inacreditavelmente. Não tinham nenhuma cultura, nem maneira, nem graça. Mesmo o mais ínfimo cule era dez mil vezes melhor do que o melhor europeu. E o que se aplicava aos homens aplicava-se ainda mais às mulheres.

Ele lembrou-se de sua única visita à prostituta inglesa, que falava inglês, de Macau. Ele a visitara mais por curiosidade do que por satisfação, encorajado por seus amigos, que diziam ser uma experiência inesquecível, pois não havia refinamento que ela não praticasse diligentemente, se encorajada.

Ele estremeceu ao pensar em seus braços cabeludos e em seus sovacos cabeludos, nas pernas e no sexo cabeludos, na aspereza de sua pele e do resto e no fedor de suor misturado com o sujo perfume.

E a comida que os bárbaros comem — horrorosa. Ele estivera em seus jantares muitas vezes e tivera de ficar sentado, enquanto eram servidos os vários pratos, quase desmaiando de nojo e fingindo não estar com fome. Observando, horrorizado, as estupendas quantidades de carne meio crua que eles enfiavam na boca, após cortar, com o caldo sanguinolento escorregando-lhes pelo queixo. E as quantidades de bebidas enlouquecedoras que eles tomavam em grandes goles. E seus repugnantes vegetais cozidos, sem gosto. E as indigestas empadas duras. Tudo em quantidades monstruosas. Como porcos — como suados e glutões demônios gargantuescos. Inacreditável!

Não têm nenhuma qualidade que possa recomendá-los, pensou. Exceto sua tendência a matar, e isto eles podem fazer com incrível brutalidade, embora sem o menor refinamento. Pelo menos, são o meio que temos para ganhar dinheiro.

Os bárbaros são o Mal personificado. Todos, com exceção deste homem — este Dirk Struan. Antigamente, Struan era como os outros bárbaros. Agora, ele é parcialmente chinês. Em sua mente. A mente é importante, pois ser chinês é, em parte, uma atitude mental. E ele é limpo e cheira a asseio. E aprendeu algumas de nossas maneiras. Ainda é violento, bárbaro, um assassino. Mas está um pouco mudado. E, se um bárbaro pode ser transformado numa pessoa civilizada, por que isto também não poderá acontecer com muitos?

Seu plano é sábio, Jin-qua disse a si próprio. Abriu os olhos, estendeu a mão e delicadamente tocou a de Struan.

— Amigo.

Jin-qua fez sinal ao criado para servir chá.— Meus homens levam barras para sua feitoria. Dois dias. Noite. Muito segredo. — Jin-qua disse. — Muito perigo, entende? Muito, muito.

— Entendo. Dou papel e carimbo meu pelas barras. Mande amanhã.

— Nenhum carimbo, nenhum papel. Palavra melhor, hein? Struan fez um aceno afirmativo com a cabeça. Como seria possível explicar — digamos, para Culum — que Jin-qua lhe dera um milhão em prata e um acordo justo, sabendo que poderia pedir quaisquer condições, que lhe dará todo o necessário, com um aperto de mão?

— Três vezes dez dólares laque paga Jin-qua, dívidas da Co-hong. Agora ano novo, nenhuma dívida. Bom pagode — disse Jin-qua orgulhosamente.

— Sim — disse Struan. — Bom pagode para mim.

— Muito peligo, Tai-Pan. Não pode ajudá.

— Sim.

— Muito, muito peligo. Deve esperar duas noites.

Ayeeee yah perigo! — disse Struan. Ele pegou as quatro metades das moedas.

— Obrigado, Chen-tsé Jin Arn. Muito obrigado.

— Não agladece, Dirk Struan. Amigo.

De repente, o homem que guiara Struan até Jin-qua apareceu correndo. Ele falou com urgência a Jin-qua, que se virou para Struan, assustado.

Cliados folam embola! Folam embola da Colônia. Todos folam!


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