CAPÍTULO OITO

Struan estava em seu escritório particular, no térreo, escrevendo um despacho para Robb. Eram quase duas horas. Lá fora, os negociantes, seus funcionários, cules e criados carregavam pertences de suas feitorias para suas lorchas. O Hoppo relaxara a ordem de retirada de todos os criados. Os criados e cules teriam permissão para ficar até a Hora do Macaco — três horas — ocasião em que a Colônia deveria ser abandonada. Os bandeireiros ainda estavam na praça, impedindo o acesso à feitoria americana.

Struan terminou a carta, afixou nela seu carimbo especial e selou-a com cera e o anel de sinete. Ele dissera a Robb para não se preocupar, pois levaria boas notícias para Hong Kong e, caso se atrasasse, Robb deveria ir para o leilão e comprar todas as terras que haviam escolhido há muito tempo. E comprar o outeiro, custasse o que custasse. Não importava a oferta de Brock, Robb deveria fazer o lance de um dólar a mais.

Em seguida, Struan recostou-se em sua cadeira, esfregou os olhos, para se livrar da fadiga, e começou a reconsiderar de novo o seu plano, tentando descobrir que falhas teria. Como todos os planos que envolviam as reações de outras pessoas, sempre seria preciso algum pagode. Mas sentiu que o cata-vento do seu pagode voltara à posição antiga, quando ele estava sempre protegido, e as coisas aconteciam como queria.

O alto relógio de pêndulo bateu três vezes. Struan levantou-se da escrivaninha de teca lavrada e uniu-se aos criados, que entravam e saíam da feitoria, sob a supervisão dos funcionários portugueses.

— Quase já terminamos, Sr. Struan — disse Manoel de Vargas.

Era um português idoso, de cabelos grisalhos e pálido, com grande dignidade. Trabalhava na Casa Nobre há onze anos, e era o chefe dos funcionários. Antes disso, tivera sua própria companhia, com sede em Macau, mas não conseguira competir com os negociantes ingleses e americanos. Mas não tinha nenhuma queixa deles. É a vontade de Deus, dissera, sem rancor, reunira em torno de si sua mulher e filhos e fora à missa, agradecer à Virgem todas as suas bênçãos. Ele era como a maioria dos portugueses — leal, calmo, contente e sem pressa.

— Poderemos ir logo que o senhor disser — declarou, cansadamente.

— Está se sentindo bem, Vargas?

— Um tanto febril, senhor. Mas, quando nos acomodarmos, eu vou ficar bem outra vez. — Vargas abanou a cabeça. — É ruim a gente não parar de se mudar de um lugar para outro. — Falou com dureza, em cantonês, com um cule que se demorava, ao passar, sob o peso de livros de escrituração, e apontou para uma lorcha. — Esta é a parte final dos livros, Sr. Struan.

— Ótimo.

— Hoje é um dia triste. Há muitos boatos ruins. Alguns estúpidos.

— Quais?

— De que seremos interceptados em nosso caminho, e mortos. Que Macau vai ser acabada, e seremos expulsos do Oriente, de uma vez por todas. E os costumeiros boatos de que voltaremos dentro de um mês, e o comércio será melhor do que nunca. Circula até um boato de que há quarenta laques de barras de prata em Cantão.

Struan manteve o sorriso no rosto.

— Não há tantos laques assim, nem em toda província de Kwangtung!

— Claro. É estupidez, mas é divertido contar. Supõe-se que as barras foram coletadas pela Co-hong, como uma dádiva para aplacar o imperador.

— Bobagem.

— Claro, bobagem. Ninguém ousaria ter tanto dinheiro num lugar só. Todos os bandidos da China cairiam em cima.

— Leve esta carta e entregue-a nas mãos do Sr. Robb. Logo que possível — disse Struan. — Depois, vá imediatamente para Macau. Quero que você reúna equipes de trabalhadores em construção. Quero que estejam na Ilha de Hong Kong daqui a duas semanas. Quinhentos homens.

— Sim, senhor. — Vargas suspirou e ficou imaginando por quanto tempo teria de manter o fingimento. Todos sabemos que a Casa Nobre está liquidada. Quinhentos homens? Para que precisamos de homens, quando não há dinheiro para comprar terra? — Será difícil, senhor.

— Dentro de duas semanas — repetiu Struan.

— Será difícil conseguir bons operários — disse Vargas, cortesmente. — Todos os negociantes estarão competindo por seus serviços... e a proclamação do imperador revogou o tratado. Talvez eles não concordem em trabalhar em Hong Kong.

— Bons salários farão com que mudem de idéia. Quero quinhentos homens. Os melhores. Paguem salários dobrados, se necessário.

— Sim, senhor.

— Se não tivermos dinheiro para pagar a eles — acrescentou Struan com um sorriso triste — Brock pagará você bem. Não há necessidade de se preocupar.

— Não estou preocupado com meu próprio trabalho — disse Vargas, com grande dignidade — mas estou preocupado com a segurança da casa. Não queria que a Casa Nobre deixasse de existir.

— Sim, eu sei. Você me serviu bem, Vargas, e eu aprecio isso. Leve todos os funcionários com você, agora. Eu irei com Mauss e meus homens.

— Devo trancar a porta, ou o senhor mesmo tranca?

— Faça isso quando todos os seus funcionários estiverem a bordo.

— Muito bem. Vá com Deus, senhor.

— E você também, Vargas.

Struan atravessou a praça. Em torno, todos se apressavam, fazendo acréscimos de última hora à carga das lorchas atulhadas, ao longo do cais. Mas acima, no cais, ele viu Brock e Gorth exortando com blasfêmias seus marinheiros e funcionários. Alguns dos negociantes já haviam partido, e ele acenou alegremente e para uma lorcha, enquanto seguia pelas águas. Do outro lado do rio, os moradores nos barcos espiavam o êxodo, bradando ofertas de suas sampanas para fazer cargas até o meio da água, pois a direção do vento tornava difícil a partida do cais.

A lorcha de Struan tinha dois mastros, quarenta pés de comprimento e era cômoda. Mauss já se encontrava à popa.

— Tudo ajeitado, Tai-Pan. Há um boato de que o Hoppo invadiu a casa de Ti-sen. Quarenta laques de barras de prata estavam lá.

— E daí?

— Nada, Tai-Pan. Um boato, hein? — Mauss parecia cansado. — Todos os meus convertidos desapareceram.

— Eles voltarão, não se preocupe. E haverá uma porção de gente para converter em Hong Kong — disse Struan, sentindo pena dele.

— Hong Kong é nossa única esperança, não?

— Sim. — Struan seguia ao longo do cais. Viu um cule alto sair da feitoria americana e unir-se à massa na praça. Mudou de direção. — Ei, o que você quer, ianque? — gritou para o cule.

— Vá para o inferno, Tai-Pan. — Cooper disse, sob o chapéu de cule. — Meu disfarce está tão ruim assim?

— É sua altura, rapaz.

— Só queria desejar a você feliz viagem. Não sei quando o verei outra vez. Você tem trinta dias, naturalmente.

— Não acha que são preciosos?

— Vou descobrir isso dentro de trinta dias, não é?

— Enquanto isso, compre oito milhões de libras de chá para nós.

— Com o que, Tai-Pan?

— Você paga o chá com o que, habitualmente?

— Somos seus agentes, certamente. Durante os próximos trinta dias. Mas não posso comprar para você sem barras de prata.

— Você vendeu todo seu algodão?

— Ainda não.

— É melhor vender depressa, rapaz.

— Por quê?

— Talvez as sobras não encontrem mercado.

— Se for assim, lá sé vai o Independence.

— Seria uma pena, não?

— Espero que você acerte com Brock, de alguma maneira. E construa seu Independent Cloud. Quero ter a satisfação de derrotá-lo eu mesmo.

— Fique na fila, rapaz — disse Struan, de bom humor. — Prepare-se para comprar muito, e depressa. Vou mandar notícias para você.

— Não seria a mesma coisa sem você, Tai-Pan. Se você for embora, todos perderemos um pouco.

— Talvez eu não vá, afinal de contas.

— Tem uma metade minha que quer ver você fora. Você, mais do que qualquer outro, teve uma fatia grande demais no mercado, por demasiado tempo. É hora de liberdade nos mares.

— Liberdade para navios americanos?

— E outros. Mas não em termos britânicos.

— Sempre dominaremos os mares, rapaz. Nós precisamos. Vocês têm um país agrícola. Nós somos industriais. Precisamos dos mares.

— Um dia, tomaremos os mares.

— Nessa ocasião, talvez não precisemos mais dos mares, porque dominaremos os ares. Cooper deu uma risadinha.

— Não se esqueça de nossa aposta.

— Estou lembrado. Recebi uma carta de Aristotle, há alguns dias. Ele me pedia um empréstimo para sustentá-lo porque “aquela adorável tarefa precisa esperar até o verão, devido ao fato de estar ela sofrendo de arrepios na pele”. Temos tempo suficiente para descobrir quem é... vamos procurá-la até na cama.

— Não pode ser Shevaun. Aquela tem gelo nas veias, em vez de sangue.

— Ela lhe disse não, outra vez?

— Sim. Diga alguma coisa a meu favor, sim?

— Eu não vou me meter numa negociação dessas.

Por sobre o ombro de Struan, Cooper viu Brock e Gorth se aproximando.

— Se os Brocks jamais chegarem a Hong Kong, você terá o tempo de que precisa, não é?

— Será que você está sugerindo um homicidiozinho?

— Não seria um homicidiozinho, mas um grande crime, Tai-Pan. Boa-tarde, Sr. Brock.

— Achei que era o senhor, Sr. Cooper — disso Brock maliciosamente. — Que gentileza vir ao nosso bota-fora. — Depois, para Struan — vai partir agora?

— Sim. Mostrarei a Gorth a popa do meu navio por todo o caminho até Whampoa. E depois, no China Cloud, por todo o caminho até Hong Kong. Como de costume.

— A única popa que você vai nos mostrar é a sua, dentro de quatro dias, quando será atirado na prisão por dívidas, que é o seu lugar. — disse Gorth, grosseiramente.

— O caminho todo, até Hong Kong, Gorth. Mas não adianta apostar corrida com você. Como marinheiro, você não tem condições para conduzir um barco.

— Sou melhor do que você, ora essa.

— Se não fosse seu pai, você seria alvo de riso da Ásia inteira.

— Por Deus, seu filho da...

— Cala essa boca! — gritou Brock. Ele sabia que Struan ficaria encantado de ser chamado de filho da puta publicamente por Gorth, porque assim poderia desafiá-lo para um duelo. — Por que provocar o rapaz, hein?

— Não o estou provocando, Tyler, mas apenas constatando um fato. É melhor você lhe ensinar algumas maneiras, bem como a navegar.

Brock manteve-se contido. Gorth ainda não era páreo para Struan. Ainda. Dentro de um ano ou dois, quando já fosse mais esperto, seria diferente. Mas não agora, por Deus. E não é próprio de um inglês dar um chute na barriga do inimigo, quando ele está deitado de costas, indefeso. Como o maldito Struan.

— Aposta amistosa. Aposto cem guinéus que meu rapaz pode derrotar você. Vamos ver quem é o primeiro a tocar o mastro da bandeira em Hong Kong.

— Vinte mil guinéus. O dinheiro dele, não o seu — disse Struan, zombando de Gorth com o olhar.

— Como você vai pagar, Tai-Pan? — perguntou Gorth, com desprezo, e Brock ferveu, diante da estupidez do filho.

— Ele está só brincando, Dirk — declarou Brock, depressa. — Vinte mil, tudo bem.

— Sim, uma brincadeira. Se você diz que é, Tyler. Struan estava frio por fora, mas interiormente exultante. Eles haviam engolido a isca! Agora Gorth e Brock iriam seguir às pressas para Hong Kong — vinte mil guinéus eram uma fortuna considerável, mas nada representavam, em comparação com quarenta laques salvos no China Cloud. Brock estava seguramente fora do caminho. Um jogo perigoso, entretanto. Gorth quase fora longe demais, e então sangue teria sido derramado. Era demasiado fácil matar Gorth.

Ele estendeu a mão a Cooper.

— Quero que mantenha o compromisso de trinta dias. — Eles se apertaram as mãos. Depois, Struan olhou para Gorth. — O mastro da bandeira em Hong Kong! Boa viagem, Tyler! — e correu para sua lorcha, que já desatracara e estava embicando para o meio da corrente.

Ele saltou por sobre a amurada, virou-se e acenou, zombeteiramente. Depois, desapareceu embaixo do convés.

— Com licença Sr. Cooper — disse Brock, puxando Gorth pelo braço. — Nós nos veremos!

Ele puxou Gorth em direção à sua lorcha. No convés da popa, empurrou-o violentamente contra a amurada.

— Seu debilóide, seu cretino! Quer que sua garganta seja cortada, de uma orelha a outra? Chame um homem de filho da puta aqui, e terá de lutar. Chame desse nome e ele terá o direito de matar você! — Deu uma bofetada em Gorth, com as costas da mão, e o sangue escorreu da boca do rapaz. — Eu já lhe disse cinqüenta vezes para ter cuidado com aquele demônio. Se eu preciso ter cuidado com ele, por Deus, quanto mais você!

— Eu posso matá-lo, papai, sei que posso!

— Eu já lhe disse, cinqüenta vezes, trate-o bem! Ele está esperando para liquidar você, seu idiota. E ele pode. Não se luta mais de uma vez com aquele demônio. Entendeu?

— Sim. — Gorth sentiu o sangue em sua boca, e o gosto fez sua raiva aumentar.

— Da próxima vez, eu deixo ele matar você, seu idiota. E mais uma coisa. Jamais aposte com um homem como ele, que é devedor. Nem lhe dê um chute na virilha, quando ele está derrotado e indefeso. Não se age dessa maneira!

— Malditas sejam as maneiras de agir!

Brock esbofeteou-o outra vez, com as costas da mão.

— Os Brocks obedecem a um código de honra. Aberto. De homem para homem. Desobedeça a esse código, e ponho você para fora de Brock and Sons! Gorth enxugou o sangue da boca.

— Não me bata de novo, papai!

Brock sentiu o tom de violência na voz do filho e seu rosto endureceu.

— Não faça mais isso, papai. Juro por Deus que bato em você de volta — disse Gorth, apoiado solidamente nas duas pernas, com os punhos como se fossem de granito.

— Você me bateu pela última vez. Se me bater de novo, eu não vou ficar parado. Por Deus, você me bateu pela última vez.

As veias na garganta de Brock se enegreceram e pulsaram, enquanto ele se preparava para brigar com o filho, não mais como filho, porém como inimigo. Não, um inimigo, não. Apenas um filho que não era mais nenhuma criança. Um filho que desafiara seu pai, como todos os filhos desafiam todos os pais. Brock sabia, e Gorth também sabia, que se eles brigassem seria derramado sangue, e alguém seria expulso. Nenhum dos dois queria uma expulsão mas, se acontecesse, tanto o pai como o filho sabiam que se tornariam inimigos do mesmo sangue.

Brock odiou Gorth, por fazê-lo sentir-se velho. E o amou por resistir a ele, quando sabia, sem a menor dúvida, que ele era mais astuto na arte de matar em combate do que Gorth jamais seria.

— É melhor você chegar a Hong Kong. Gorth descerrou os punhos, com esforço.

— Sim — disse, com voz rouca. — Mas é melhor você ajustar contas com aquele filho da mãe bem direitinho, se é que tem a cabeça no lugar... porque senão, da próxima vez, eu vou fazer tudo à minha maneira. — Olhou para o mestre. — Que diabo vocês estão esperando, seus miseráveis? Vamos embora!

Ele enxugou o sangue do queixo e cuspiu por sobre a amurada. Mas seu coração ainda batia muito forte e, ficou com pena de não ter havido uma terceira pancada. Eu estava preparado, por Deus, e poderia ter batido nele — como posso derrotar aquele filho da puta de olhos verdes. Eu sei que posso.

— Que rumo vamos seguir, papai? — perguntou, porque havia vários caminhos diferentes para se chegar lá. As abordagens a Cantão pelo rio eram através de um labirinto de ilhas, grandes e pequenas, e inumeráveis cursos d’água.

— Você se meteu nessa confusão. Escolha seu próprio caminho.

Brock caminhou para a amurada. Sentia-se muito velho e muito cansado. Lembrou-se de seu próprio pai, que era ferreiro, e de como, em menino, ele tivera de receber pancadas e ordens e tomar cuidado com o próprio gênio e fazer o que lhe diziam, até ter quinze anos e o sangue lhe subir à cabeça. Quando recuperou a calma, viu que estava em pé sobre o corpo inerte do pai.

Meu Deus, ele pensou, aquilo não está assim tão distante. Fico satisfeito de não ter precisado lutar com ele para valer. Não quero perder meu filho.

— Não chegue depois de Dirk Struan, Gorth — disse ele, com algo de gentil na voz. Gorth não disse nada. Brock esfregou a órbita vazia e substituiu o pano preto. Observou a lorcha de Struan. Já se encontrava no meio do rio, e Struan não estava à vista. A sampana, num impulso, deu uma volta, e depois partiu, precipitadamente, para o outro lado. Um grupo de homens de Struan estava inclinado por sobre as cordas, e cantava, enquanto as velas eram erguidas. A sampana voltou em direção à lorcha de Vargas.

Não é próprio de Dirk partir tão depressa, Brock refletiu. Não está certo, de maneira alguma. Ele deu uma olhada no cais e viu que Vargas e todos os funcionários de Struan estavam lá, a lorcha ainda amarrada. Ora, nem parece coisa de Dirk. Ir embora antes de seus funcionários. Dirk é estranho com essas coisas. Sim.

***

Struan estava escondido na cabina da sampana. Enquanto o barco circulava em torno da lorcha de Vargas, Struan enterrou bem fundo na cabeça o chapéu cule, e puxou mais apertado em torno de si o casaco chinês acolchoado. O proprietário da sampana e sua família não pareceram notá-lo. Eles tinham sido bem pagos para não ouvir e nem ver.

O plano que ele articulara com Mauss era o mais seguro, nas circunstâncias. Dissera a Mauss para ir apressadamente ao China Cloud, que estava ancorado ao largo da Ilha de Whampoa, a treze milhas de distância; para tomar a passagem mais curta em direção ao norte, ao chegar lá, e depois ordenar ao Capitão Orlov para navegar a velas plenas e seguir a toda para a extremidade da ilha; para mudar de curso ali, e dar uma volta, dirigindo-se pelo canal sul outra vez, em direção a Cantão; ele advertira que era da máxima importância a manobra não ser observada por Brock. Struan, enquanto isso, esperaria pela lorcha com as barras de prata e depois tomaria o caminho longo e se esgueiraria por tortuosos cursos d’água, até o lado sul da ilha, onde se encontrariam. Junto ao Pagode de Mármore. O pagode tinha duzentos pés de altura e era visto com facilidade.

— Mas por que, Tai-Pan? — perguntara Mauss. — É perigoso. Por que todo o risco, hein?

— Faça o que lhe disse, Mauss, apenas isso — declarara ele.

Quando a sampana chegou ao cais, Struan pegou alguns cestos que preparara e correu, através da multidão, até o portão do jardim. Ninguém lhe prestou a menor atenção. Uma vez lá dentro, ele atirou para um lado os cestos, correu para a janela da sala de jantar e espiou cuidadosamente através das cortinas. Sua lorcha estava bem afastada. Brock encontrava-se no meio do canal, ganhando distância, as velas inchando ao sabor da brisa. Gorth estava em pé à popa e Struan ouvia fracamente as obscenidades que ele dizia. Brock estava na amurada, a bombordo, olhando para as águas. Vargas acabara de checar os funcionários e voltava pelo jardim.

Struan saiu rapidamente da sala de jantar e correu para o andar de cima. Do patamar, viu Vargas entrar no saguão, fazer uma verificação final e sair. Struan ouviu a chave virar na porta. Relaxou e subiu por uma estreita escada, até o sótão. Seguiu mais devagar, enquanto passava por velhas caixas de embalagem, e caminhou cautelosamente em direção à frente do edifício.

— Olá, Tai-Pan — disse May-may.

Ela estava vestida com suas imundas calças Hoklo e colete acolchoado, mas não sujara o rosto. Encontrava-se ajoelhada numa almofada, perto de algumas caixas de embalagem. Ah Gip levantou-se e, depois, tornou a se acocorar, perto da pequena trouxa de roupas e utensílios de cozinha. May-may indicou outra almofada, diante dela, e a prancha de gamão montada.

— Vamos jogar, fazer algumas apostas, está bem?

— Espere só um momento, garota.

Havia uma clarabóia no sótão e outra na parede da frente. Struan podia examinar claramente toda a praça, em segurança. As pessoas ainda corriam de um lado para outro, praguejando e fazendo preparativos de última hora.

— Você me viu?

— Ah, sim, muito bem — disse ela. — Mas estávamos observando de cima. Lá embaixo, talvez ninguém tenha visto. Por que Brock bateu no filho, hein?

— Eu não sabia que ele tinha batido.

— Sim. Duas vezes. Por que aquelas bofetadas! Rimos até sufocar. O filho quase bateu de volta. Espero que lutem... matem um ao outro... e então não vai ser preciso pagar dinheiro nenhum. Eu ainda acho que você é muito louco de não pagar a algum pirata para assassiná-lo. — Ela se sentou na almofada, mas depois tornou a se ajoelhar, com uma praga.

— O que há?

— Minha bunda ainda está duendo.

Doendo — disse ele.

— Foi só brincadeira. Ayeee yah, desta vez vou ganhar longe de você e recuperar todos os meu dólar. — Ela acrescentou, inocentemente. — Quanto devo? Catorze mil?

— Você se lembra muito bem.

Ele se sentou e pegou o copo dos dados.— Quatro jogos. E depois vamos dormir. Temos uma longa noite pela frente. — Ele lançou os dados e ela praguejou.

— Que pagode você tem! Duplo seis, duplo seis, maldito seja o seis duplo! — Ela lançou os dados, igualou-se com ele, jogou o copo para um lado e gritou — Ah, maravilhoso duplo seis!

— Fale baixo, senão não podemos jogar.

— Estamos seguros, Tai-Pan. Meu pagode está bom, hoje!

— Vamos esperar que esteja muito bom — disse ele. — E amanhã também.

Ayeeee yah para o amanhã, Tai-Pan! Hoje. Hoje é que importa. — Ela tornou a lançar os dados. Outro seis duplo. — Dadozinhos queridos, eu adoro vocês. — E então franziu a testa. — O que quer dizer “adoro”?

— Amo.

— E “amo”?

Os olhos de Struan se enrugaram e ele esticou o dedo para ela.

— Não vou entrar nessa discussão outra vez.

Certa feita, ele tinha tentado explicar o que significava amor. Mas não havia nenhuma palavra chinesa para o conceito europeu.

***

O relógio antigo começou a badalar às onze. Struan mudou cansadamente de posição, junto à clarabóia da parede. May-may estava dormindo, encolhida, Ah Gip despencara em cima de uma caixa de embalagem embolorada. Há algumas horas, ele caíra no sono por um momento, mas seus sonhos eram bizarros e misturados com a realidade. Estava a bordo do China Cloud, esmagado ao peso de barras de prata. Jin-qua entrara na sala, tirara as barras de cima dele, e levara tudo, em troca de um caixão de defunto e vinte guinéus de ouro. Depois, não estava mais em seu navio, mas na praia, na Grande Casa sobre o outeiro. Winifred levou-lhe três ovos e ele comia seu desjejum quando May-may disse, atrás dele: “Pelo sangue de Cristo, como pode você comer os filhos ainda não nascidos de uma galinha?” Ele se virou, viu que ela estava sem roupa nenhuma, e lindíssima. Winifred dissera: “Mamãe era assim tão bonita, quando estava sem roupa?” E ele respondeu: “Sim, mas de maneira diferente”, e acordara, de repente.

Sonhar com sua família o entristecera. Tenho de voltar logo para minha terra, pensou. Não sei nem mesmo onde estão enterrados.

Ele se espichou e ficou olhando o movimento no rio, a pensar em Ronalda e May-may. São diferentes, muito diferentes — eram diferentes. Eu amei a ambas, igualmente. Ronalda teria gostado de Londres numa bela mansão, com temporadas em Brighton ou Bath. Teria sido uma perfeita anfitriã em todos os jantares e bailes. Mas agora eu estou sozinho.

Levarei May-may para a Inglaterra comigo? Talvez. Como Tai-tai? Impossível. Porque isto me afastaria daqueles que eu preciso usar.

Parou de meditar e se concentrou na praça. Estava deserta. Pouco antes do entardecer, os bandeireiros partiram. Agora, havia apenas o fosco luar e as sombras borradas, um vazio que Struan achava fantasmagórico e cruel.

Ele queria dormir. Você não pode dormir agora disse a si mesmo. Sim, mas estou cansado.

Ficou em pé, espichou-se e, depois, se colocou mais uma vez na posição de vigia. Os carrilhões bateram o quarto de hora e, depois, a meia hora, e ele decidiu acordar May-may e Ah Gip dentro de quinze minutos. Não há pressa, pensou. Não se permitiu especular sobre o que aconteceria, se a lorcha de Jin-qua não chegasse. Com os dedos tocando as quatro metades de moeda, em seu bolso, ficou meditando outra vez sobre Jin-qua. Que favores, e quando?

Agora compreendia parcialmente os motivos que haviam levado Jin-qua a fazer tudo aquilo. A queda de Ti-sen o esclarecera. Obviamente, haveria guerra. Obviamente, os ingleses iriam ganhá-la. Obviamente, o comércio começaria outra vez. Mas nunca sob os Oito Regulamentos. Então, a Co-hong perderia seu monopólio e ficaria cada um por si. Daí a extensão do comércio para trinta anos: Jin-qua, simplesmente, estava cimentando suas relações comerciais para as próximas três décadas. Essa era a maneira chinesa de agir, pensou: não se preocupar com o lucro imediato, mas com o lucro no curso de anos a fio.

Sim, mas o que realmente teria Jin-qua em mente? Por que comprar terra em Hong Kong? Por que educar um filho à maneira “bárbara”, com que objetivo? E quais seriam os favores? E agora que você concordou e prometeu, como vai fazer esses favores? Como pode garantir que Robb e Culum cumprirão a barganha?

Struan começou a pensar nisso. Ruminou uma dúzia de possibilidades, antes de chegar a uma resposta. Detestava o que sabia ser necessário fazer. Depois, tendo decidido, dirigiu os pensamentos para outros problemas.

O que fazer com Brock? E com Gorth? Por um momento, no cais, estivera pronto para ir atrás de Gorth. Mais uma palavra e ele iria ter de desafiá-lo abertamente. A honra teria obrigado — e permitido — que humilhasse Gorth. Com uma faca nas tripas. Ou com o chicote. E Culum. Em que anda metido? Por que não escreveu? Sim, e Robb, também. E que tolice terá feito Longstaff?

Os carrilhões bateram às onze. Struan acordou May-may. Ela bocejou e se espreguiçou voluptuosamente, como um gato. Ah Gip levantara-se no momento em que Struan se mexera e já estava juntando as trouxas.

— A lorcha chegou? — perguntou May-may.

— Não. Mas podemos descer e ficar preparados. May-may sussurrou algo para Ah Gip, e esta soltou-lhe os cabelos e escovou-os vigorosamente. May-may fechou os olhos e se deliciou. Depois, Ah Gip entrançou os cabelos, como faria uma Hoklo, e atou-os com um pedaço de fita vermelha, deixando a trança cair-lhe às costas.

May-may esfregou as mãos na poeira e sujou o rosto.

— O que vou fazer com você, Tai-Pan? Esta poeira suja vai destruir a perfeição da minha bela pele. Vou precisar de muito dinheiro para consertar isso. Quanto, hein?

— Mexa-se!

Ele seguiu em frente, com cuidado, desceu as escadas até a sala de jantar e depois, fazendo sinal para que as duas se sentassem, pacientemente, foi até a janela. A praça ainda estava deserta. Havia lâmpadas a óleo nas sampanas aglomeradas das cidades flutuantes. Vez por outra, cães ladravam, soavam fogos de artifício e vozes se elevavam, em discussões, e eram silenciadas, mas algumas vezes também eram vozes felizes — além do sempre presente cla-que-claque das pedras do mah-jong, atiradas sobre um convés ou uma mesa, e da cantilena das conversas. Erguia-se fumaça das fogueiras onde se cozinhava. Juncos, lorchas e sampanas enchiam o estuário. Tudo — os ruídos, cheiros e visões — parecia normal a Struan. Exceto o vazio da praça — ele supusera que estaria cheia de gente. Agora, tinham de atravessar uma extensão deserta e, ao luar, poderiam ser vistos a centenas de metros.

O relógio bateu meia-noite.

Ele espiou a praça, repetidas vezes, e ficou esperando.

Os minutos se tornaram mais longos e, depois de uma eternidade, os carrilhões

bateram o quarto de hora. Depois, a meia hora.

— Talvez a lorcha esteja no sul — disse May-may, sufocando um bocejo.

— Sim. Vamos esperar mais meia hora e, depois, iremos olhar.

Quase na hora, ele viu as duas lanternas numa lorcha que descia o rio. O barco estava distante demais para ele poder ver o olho pintado de vermelho, e prendeu a respiração, à espera. A lorcha navegava devagar, lenta e vagarosa na água. Era um sinal favorável para ele, porque as barras de prata pesariam muitas toneladas. Depois que o barco passou pela extremidade norte da Colônia, mudou de curso e se aproximou do cais. Dois dos tripulantes chineses saltaram em terra, com amarrações e as prenderam. Para alívio dele, outro chinês foi com a lanterna à proa, apagou-a e tornou a acendê-la, de acordo com o sinal combinado.

Struan observou a semi-escuridão, verificando se havia perigo. Não percebeu nenhum. Testou a escorva de suas pistolas e colocou-as à cinta.

— Sigam-me, depressa, agora!

Silenciosamente, foi até a porta da frente, destrancou-a, e guiou-as cautelosamente através do jardim. Abriu o portão, e os três seguiram depressa pela praça. Struan se sentia como se toda Cantão estivesse a observá-los. Ao chegar à lorcha, viu o olho pintado de vermelho e reconheceu à popa o homem que o levara até Jin-qua. Ajudou May-may a subir a bordo. Ah Gip pulou para dentro, com facilidade.

— Por que duas vaca cria, hein? Não poder.

— Como é seu nome? — perguntou Struan.

— Wung!

Vaca cria minha. Desatraque, Wung!

Wung notou os pés pequenos de May-may e seus olhos se estreitaram. Ele não podia ver o rosto de May-may, porque ela mantinha o chapéu sampana bem baixo por sobre a testa. Struan não gostou da maneira como Wung hesitava, e nem de como olhava para May-may.

— Desatraque! — disse, asperamente, e cerrou o punho. Wung deu uma ordem brusca. As amarras foram retiradas e a lorcha afastou-se do cais. Struan levou May-may e Ah Gip pelo passadiço até o convés inferior. Virou em direção à popa, onde deveria estar a cabina principal, e abriu a porta. Havia cinco chineses lá dentro. Fez sinal para que saíssem. Hesitantes, eles se levantaram e foram embora, olhando May-may de alto a baixo. Também espiaram seus pés.

A cabina era pequena, com quatro beliches e uma mesa tosca, com bancos. Cheirava a cânhamo e a peixe podre. Wung apareceu à porta da cabina e ficou examinando May-may.

— Para que vaca cria? Não pode.

Struan não prestou nenhuma atenção a ele.

— May-may, você tranca porta, hein? Só abre porta quando eu bater, entende?

Entende, sinhô. Struan foi até a porta e convidou Wung a sair, com um sinal. Ouviu o trinco ser passado, atrás deles, e então disse:

— Vamos para o porão!

Wung levou-o ao porão. Os quarenta engradados estavam empilhados em duas fileiras certinhas, contra os lados do navio, deixando uma ampla passagem entre eles.

— Que tem nas caixa, hein?

Wung parecia confuso.

— Pra quê dizê, hein? Tudo que disse Sinhô Jin-qua.

— Quantos homem sabe?

— Só os meu! Todos que sabe, ayeeee yah! — disse Wung passando o dedo pela garganta. Struan grunhiu.

— Guarde a porta.

Escolheu um engradado, ao acaso, e o abriu, com um pé de cabra. Ficou olhando para as barras de prata e, depois, tirou um dos tijolos de prata da camada superior. Sentiu a tensão de Wung e isto aumentou a sua própria. Recolocou o tijolo e a tampa do cesto.

— Para que vaca cria, hein? — perguntou Wung.

Vaca cria minha. É isso. — Struan certificou-se de que a tampa estava bem presa, outra vez. Wung enfiou os polegares na cintura de sua calça esfarrapada.

— Comida? Pode?

— Pode.

Struan foi para o convés e testou o cordame e as velas. Havia um canhão de quatro libras na proa e outro na popa. Verificou se os dois estavam carregados e escorvados e viu se o barrilete de pólvora estava cheio e a pólvora seca. A metralha e as balas estavam prontas, e ao alcance. Ele ordenou a Wung para reunir a tripulação e pegou uma malagueta. Havia oito homens a bordo.

Diz para trazer — disse ele a Wung — todas as facas, todas as armas de fogo para o convés, depressa.

Ayeee yah, não pode — protestou Wung. — Tem muito pirata no rio. Muito...

O punho de Struan alcançou-o na garganta e atirou-o contra a amurada. A tripulação conversou entre si, cheia de raiva, e se preparou para avançar contra Struan, mas a malagueta erguida desencorajou-os.

— Todas as facas, todas as armas de fogo no convés, bem depressa — repetiu Struan, com voz dura.

Wung soergueu-se com dificuldade e murmurou alguma coisa em cantonês. Depois de um agourento silêncio, atirou sua faca no convés e, com má vontade, os outros fizeram o mesmo, em seguida. Struan disse a Wung para reunir as facas e amarrá-las num pedaço de saco que se encontrava no convés. Em seguida, fez a tripulação dar a volta e começou a revistar a todos. Encontrou uma pequena pistola em poder do terceiro homem e, com a ponta da coronha, bateu-lhe no lado da cabeça. Mais quatro facas caíram com ruído sobre o convés, atiradas pelos outros homens. Pelo canto do olho, Struan viu Wung atirar por sobre a amurada uma machadinha militar.

Depois de revistar os homens, ordenou-lhes para permanecerem no convés e, levando as armas consigo, cuidadosamente revistou o resto da embarcação. Não havia ninguém escondido embaixo do convés. Descobriu um esconderijo com quatro mosquetes, seis espadas, quatro arcos e flechas e três armas de ferro, atrás de algumas embalagens, e levou tudo para a cabina.

— May-may, você consegue escuta o que se passa lá em cima? — ele sussurrou,

— Sim — disse ela, também baixinho. — Você diz que podemos falar inglês certo em frente de Ah Gip. Por que não fala, agora?

— Esqueci. Hábito. Ora, garota, está tudo bem.

— Por que bateu em Wung? Ele é da confiança de Jin-qua, não?

— A carga é o imã desta viagem.

— Imã?

— Magneto. Agulha de bússola.

— Ah, entendo. — May-may estava sentada no beliche, com os cílios piscando, por causa do cheiro de peixe podre. — Vou ficar muito enjoada, se continuar aqui. Não posso subir para o convés?

— Espere até nos afastarmos de Cantão. Você está mais segura aqui. Muito mais segura.

— Quanto tempo vai demorar, antes de encontrarmos o China Cloudi?

— Pouco depois do amanhecer... se Wolfgang não cometer nenhum erro, com relação ao que combinamos quanto ao nosso encontro.

— E isso é possível?

— Com essa carga, tudo é possível. — Struan pegou um dos mosquetes. — Sabe como usar isto?

— Por que eu iria atirar com armas de fogo? Eu sou uma velha mulher cheia de medo da civilização... de grande beleza, eu concordo, mas que não quer nada com revólveres.

Ele lhe mostrou como fazer.— Se alguém, além de mim, vier à cabina, você o mata. — Ele voltou para o convés, carregando outro mosquete.

A lorcha agora estava no meio do canal, sob a lua que se erguia, pesada e funda dentro d’água, viajando cerca de quatro nós. Ainda passavam pelos subúrbios de Cantão, e ambos os lados do rio estavam cheios de vilas flutuantes enfileiradas. De vez em quando, cruzavam com barcos, sampanas e juncos, que seguiam rio acima. O rio tinha ali meia milha de largura e havia embarcações de todos os tamanhos adiante e atrás deles, descendo a corrente.

O céu dizia a Struan que o tempo ia ser bom, mas o travo do vento era suave, seco e sem frescor, incorpóreo. Sabia que esse vento iria diminuir e, mais tarde, reduziria a velocidade em que navegavam. Mas não ficou preocupado; fizera a viagem tantas vezes que conhecia intimamente os baixios, os rios e afluentes, bem como os pontos onde poderiam surgir dificuldades.

A aproximação a Cantão era feita através de um labirinto de cursos de água e ilhas, grandes e pequenas, cobrindo uma área de cinco por vinte milhas. Havia muitos caminhos diferentes para subir o rio. E descê-lo.

Struan ficou satisfeito por estar outra vez navegando. E feliz com o fato de ter começado a viagem para o Pagode de Mármore. Oscilava, descontraidamente, de acordo com os movimentos da lorcha. Wung estava perto do timoneiro, e a tripulação espalhada pelo convés, malévola e sombria. Struan viu que o vigia da proa estava em seu lugar.

Em frente, a meia milha, o rio se bifurcava em torno de uma ilha. Nas imediações da forquilha, havia um baixio que deveria ser evitado. Struan nada disse e esperou. Ouviu Wung falar com o timoneiro, que virou a cana do leme e desviou a lorcha do baixio. Ótimo, pensou Struan. Pelo menos Wung conhecia parte dos cursos de água. Estava ansioso para ver que itinerário Wung seguiria, em torno da ilha. Ambos os itinerários eram bons, mas o do norte melhor do que o do sul. A lorcha manteve seu curso e se encaminhou para o canal norte. Struan virou-se e balançou a cabeça, apontando para o canal sul, simplesmente para o caso de Wung ter armado uma emboscada.

O timoneiro olhou para Wung, pedindo confirmação. Struan fez apenas um levíssimo movimento em direção ao timoneiro. O leme foi virado depressa e as velas adejaram momentaneamente, enquanto a lorcha tomava o novo curso.

Pra que toma esse caminho, hein? Pra que me bate? Muito ruim. Muito. — Wung foi até a amurada e olhou a noite. O vento refrescara ligeiramente e a lorcha aumentava de velocidade, enquanto eles se movimentavam em direção ao canal sul. No limite da amura, Struan fez sinal ao timoneiro para virar o leme. O barco deu a volta devagar e então, na nova amura, o vento pegou as velas adejantes. As retrancas rangeram por sobre o convés e o barco deu uma ligeira guinada, e começou a seguir em frente outra vez.

Ele mandou que as velas fossem mareadas, e navegaram suavemente por meia hora, em meio do tráfego do rio. Então, pelo canto do olho, Struan viu uma grande lorcha aproximar-se deles rapidamente, a barlavento. Brock estava em pé à proa. Struan agachou-se e disparou em direção ao leme, afastando o timoneiro. Wung e o timoneiro ficaram pasmados e começaram a conversar excitadamente, enquanto toda tripulação observava Struan.

Ele virou o leme, com toda força, a estibordo, e rezou para que a lorcha respondesse rapidamente. Ouviu a voz de Brock, fracamente: “Leme a estibordo!” e sentiu o vento fugir de suas velas. Struan virou a toda o timão, cambando na direção oposta; mas a lorcha não respondeu, e a embarcação de Brock colocou-se ao lado. Ele viu os ganchos agarrarem sua lorcha, prendendo-a firmemente. Levantou um mosquete.

— Ah, é você, Dirk, por Deus! — gritou Brock, fingindo espanto. Estava debruçado na amurada, com um largo sorriso no rosto.

— Enganchar é ato de pirataria, Brock! — Struan atirou sua faca, com o cabo na frente, para Wung. — Corte os ganchos depressa, depressa!

— Você está certo, rapaz. Peço perdão pelos ganchos — disse Brock. — Pensei que sua lorcha precisasse de um reboque. Não vejo uma bandeira no alto. Talvez tenha vergonha dela, quem sabe?

Struan viu que a tripulação de Brock estava armada e em posição de quem se prepara para agir. Gorth se encontrava no convés da popa, junto a um pequeno canhão de rodízio, e embora a arma não estivesse apontada para ele, sabia que devia achar-se escorvada e pronta para disparar.

— Da próxima vez que engancharem um navio meu, vou supor que são piratas e estourarei a cabeça de vocês.

— Permissão para ir a bordo, Dirk?

— Sim.

Brock esgueirou-se por entre o cordame de seu navio e pulou a bordo. Três homens pularam na amurada para segui-lo, mas Struan ergueu o mosquete e gritou:

— Parem aí! Liquido quem entrar a bordo sem permissão.Os homens pararam no meio do caminho.

— Muito bem — disse Brock, sardonicamente. — Esta é a lei do mar. Um capitão convida a quem gosta ou a quem quer. Fiquem onde estão! Struan empurrou Wung para a frente.

— Corte os ganchos!

O assustado chinês correu até lá e começou a cortar as cordas. Gorth virou o canhão de rodízio e Struan fez pontaria para ele.

— Afaste-se, Gorth! — disse Brock, com voz dura.

A lei do mar estava ao lado de Struan: enganchar era um ato de pirataria. E entrar a bordo armado, sem permissão, constituía pirataria, e nenhuma das leis inglesas era tão zelosamente protegida ou colocada em vigor como as referentes a navios no mar e aos poderes de um capitão, enquanto navegasse. Para a pirataria, só havia uma punição: enforcamento.

Wung cortou o último cabo e os barcos começaram a se afastar um do outro. Quando a lorcha de Brock estava a trinta pés de distância, Struan depôs o mosquete e gritou:

— Se chegar a cinqüenta pés de distância sem permissão, por Deus, vou acusar você de pirataria! — Depois, recostou-se na amurada. — O que quer dizer tudo isso, Tyler?

— Eu poderia fazer a mesma pergunta a você, Dirk — disse Brock, em tom despreocupado. — Eu vi você se enfiar naquela sampana ontem. — Seus olhos brilharam, à luz da lanterna. — Vi você, vestido estranhamente como um cule, voltar para a feitoria. Estranho, disse eu. Talvez o velho Dirk tenha enlouquecido. Ou talvez o velho Dirk precise de uma mão, para sair a salvo de Cantão. Então seguimos pelo rio e depois voltamos e ancoramos ao norte da Colônia. Vimos você a bordo desta embarcação fedorenta. Você e duas putas.

— O que eu faço só interessa a mim.

— Sim, é verdade.

A mente de Struan estava fervendo. Sabia que a lorcha de Brock era muito mais veloz do que a sua, a tripulação perigosa e bem armada, e não poderia enfrentá-la sozinho. Amaldiçoou a si mesmo por ter sido tão confiante e não se manter vigilante.

Mas, mesmo assim, você não poderia ter visto Brock esgueirar-se rio acima. Como escapar de Brock? Deve haver alguma maneira. Ele pode facilmente cair em cima de você durante a noite e, mesmo que você sobreviva, poderá provar muito pouco. Brock alegaria ter sido um acidente. Além disso, May-may não sabe nadar.— Esta banheira velha está lenta na água. Será que está vazando? Ou não será o peso da carga?

— O que tem na cabeça, Tyler?

— Boatos, rapaz. Havia boatos a manhã inteira, ontem. Antes de partirmos. Boatos a respeito da prata de Ti-sen. Ouviu falar nisso?

— Havia dúzias de boatos.

— Sim. Mas todos diziam que havia um resgate de rei em Cantão. Andei pensando a respeito. Até ver você voltar. E achei muito interessante. Depois da aposta de vinte mil guinéus. Muito interessante. Você entra numa lorcha pesada, como um ladrão de noite, e se dirige para o sul, pelo canal errado. — Brock espichou-se e, depois, coçou a barba, vigorosamente. — O velho Jin-qua não está por aí, está?

— Ele está fora de Cantão.

— O velho Jin-qua é um cão seu. Ou melhor — disse Brock, com um olhar astuto

— ele é um empregado seu, não?

— Vá direto à questão.

— Não tem pressa, rapaz. Não, por Deus! — Brock olhou para a proa de sua lorcha. — Tem o nariz leve, não?

Ele referia-se ao espigão de ferro de um pé quadrado que se projetava até uma distância de seis pés da proa, logo abaixo da linha-d’água. Struan inventara o esporão, há muitos anos, como método simples de perfurar e afundar um navio. Brock e muitos comerciantes da China o adotaram.

— Sim. E nós estamos pesados. Mas também estamos bem armados.

— Sim, já vi. Canhão de popa e canhão de proa, mas nenhum de rodízio. — Um silêncio cheio de escárnio. — Cinco dias e suas promissórias estão vencidas. Certo?

— Sim.

— Vai saldá-las?

— Você vai descobrir isso dentro de cinco dias.

— Quarenta ou cinqüenta laques de barras representam muitas toneladas de prata.

— Deve ser, sim.

— Eu perguntei a Gorth: “Ora, o que faria o velho Dirk, se ele tivesse algum mau pagode!” Gorth disse: “Ele ia tentar mudar esse pagode”. “Sim, eu disse, mas como?” “Pedir emprestado”, disse ele. “Ah, é mesmo, um empréstimo. Mas onde?” Então, Dirk, meu rapaz, pensei em Jin-qua e em Ti-sen. Ti-sen está liquidado, então tinha de ser Jin-qua. — Ele ficou ruminando por um momento. — Há duas mulheres a bordo. Eu ficaria satisfeito de levá-las a Whampoa ou Macau. Para onde você disser.

— Elas já têm passagem.

— Sim, mas essa banheira velha pode afundar. Não gosto de ver duas mulheres se afogarem sem necessidade.

— Não vamos afundar, Tyler.

Brock se espreguiçou outra vez e gritou para sua lorcha, pedindo uma chalupa. Depois, abanou a cabeça, tristemente.

— Bom, rapaz, eu só queria oferecer passagem às mulheres. E a você, é claro. Esta banheira não parece muito firme no mar. Estranhamente pouco firme.

— Tem muito pirata nestas águas. Se algum navio chegar perto demais, vou usar meu canhão.

— Será uma boa coisa, Dirk. Mas se, na escuridão da noite, eu enxergar de repente um navio adiante, tentando me evitar, e se esse navio for tão impertinente a ponto de disparar um canhão contra mim, bom, rapaz, você faria o mesmo que eu. Vou supor que é um navio pirata e acabar com ele. Certo?

— Isso se você ainda estiver vivo, depois do primeiro tiro.

— Sim. É um mundo cruel, este em que vivemos. Não é coisa boa disparar canhões. A chalupa parou ao lado.

— Obrigado, Dirk. É melhor você içar logo essa bandeira, enquanto ainda tem uma. Porque assim não vão acontecer malditos equívocos. Peço perdão pelos ganchos. Vejo você em Hong Kong.

Brock deslizou por sobre a amurada da lorcha e ficou em pé na chalupa. Ele acenou com desdém e se afastou, conduzido pelos remadores.

— O que o sinhô de um olho só quelia? — perguntou Wung, abalado. A tripulação estava horrorizada, diante da lorcha de Brock.

— O que você acha, hein? Façam todos o que eu disser, para não morrer — disse Struan, abruptamente. — A todo pano, depressa. Apaguem as lanternas, já!

Tomando impulso, eles apagaram as lanternas e correram ao sabor do vento.

Quando Brock pulou para bordo de sua própria lorcha, ficou olhando a escuridão.

Não conseguia distinguir a lorcha de Struan, no meio das muitas que navegavam como fantasma em direção ao sul, descendo a correnteza.

— Você a vê?

— Sim, papai.

— Eu vou para baixo. Se acontecer você afundar uma lorcha com o ferrão, isso será ruim. Muito ruim.

— As barras de prata estão a bordo?

— Barras, Gorth? — disse Brock, com surpresa fingida. — Eu não sei o que você quer dizer. — Baixou a voz. — Se você precisar de ajuda, me chame. Mas não use canhões, veja bem, a não ser que ele dispare em nós. Não vamos fazer pirataria com ele. Temos muitos inimigos que gostariam de nos marcar como piratas.

— Durma bem, papai — disse Gorth.

***

Durante três horas, Struan deu voltas por entre o tráfego do rio, recuando, mudando de curso, contornando perigosamente os bancos de areia, sempre se certificando de que havia embarcações entre ele e a lorcha de Brock, que o perseguia bem de perto, incansavelmente. Agora estavam saindo do canal sul dando a volta pela pequena ilha e entrando mais uma vez no rio principal. Ele sabia que ali haveria mais espaço para manobrar, mas isto ajudaria Brock mais do que a ele.

Uma vez no canal sul, Brock poderia passar ao largo, a barlavento, com toda facilidade, e depois atacá-lo, quando ele estivesse na amura a sotavento. Struan não teria vento para impeli-lo e ficaria preso a meia-nau. Um golpe direto, ou de raspão, com a sonda de ferro, poderia furar sua embarcação e fazê-la afundar como uma pedra. Como seus canhões eram solidamente presos na proa e na popa, não poderia virá-los para o meio da nau, a fim de se proteger. Se tivesse sua própria tripulação, seria diferente; ficaria manobrando até o amanhecer, certo de que seus homens poderiam usar suas armas para evitar qualquer tentativa de aproximação maior. Mas tinha dúvidas quanto à tripulação chinesa, e quanto aos antigos mosquetes que podiam, provavelmente, explodir no rosto de quem puxasse o gatilho. E Brock tinha razão, também. Se disparasse primeiro, na escuridão, Brock tinha o direito de devolver o tiro. E, se fosse dado com habilidade, no costado, iriam pelos ares.

Ele olhou para o céu, pela milésima vez. Precisava desesperadamente de uma repentina tempestade, com chuva, ou de nuvens que pudessem esconder a lua. Mas não havia nenhum sinal de tempestade, de chuva ou de nuvem.

Espiou em direção à popa e viu a lorcha aproximar-se deles. Estava cerca de cem jardas, à popa, e adiantava-se a barlavento, com a amura mais próxima ao vento do que eles, ganhando distância.

Struan esgaravatou os miolos, em busca de um plano viável. Sabia que só poderia escapar facilmente se tornasse o navio mais leve, atirando ao mar as barras de prata. Meia milha adiante, o rio iria bifurcar-se outra vez, em torno da Ilha de Whampoa. Se tomasse

o canal norte, estaria mais seguro, porque a maior parte do tráfego do rio era por aquele canal, e ele poderia evitar o esporão. Mas jamais poderia escapar em tempo suficiente para navegar ao longo de Whampoa, e em torno da ilha, a fim de se encontrar com o China Cloud, na extremidade sul. Era forçado a usar o canal sul.

Não conseguia ver nenhuma maneira de escapar à armadilha. A alvorada romperia dentro de duas ou três horas, e ele estaria perdido. De alguma maneira, tinha de escapar em meio à escuridão e se esconder, e depois deslizar, sub-repticiamente, até o seu local de encontro. Mas como?

Na escuridão, mais adiante, podia ver a bifurcação do rio, que reluzia, todo prateado, em torno da Ilha de Whampoa. Então notou Ah Gip no passadiço. Ela lhe fazia sinais. À popa, a lorcha de Brock estava bem afastada, ainda arribando a barlavento, preparando-se para correr em frente ao vento, se ele tomasse o canal norte.

Apontou para um pequeno pagode, na margem sul, dando ao timoneiro um rumo.

— Entendido?

— Entendido, sinhô!

— É bom ter entendido! — Struan fez um sinal com o dedo de um lado para outro da garganta. Desceu às pressas.

May-may estava muito enjoada. O fedor de peixe e o aperto da cabina, além do balanço do navio, fizeram-na quase desmaiar de náusea. Mas ainda segurava o mosquete. Struan ergueu-a e começou a carregá-la para o convés.

— Não — disse May-may, fracamente. — Chamei você por causa de Ah Gip.

— O que há com ela?

— Mandei que saísse, em segredo. Para escutar o que dizem os tripulantes. — May-may teve uma ânsia de vômito, mas se conteve. Quando o espasmo passara, disse — ela ouviu um homem falando com outro. Estavam falando sobre as barras de prata. Acho que todos sabem.

— Sim — disse Struan. — Tenho certeza de que sabem. — Ele deu pancadinhas no ombro de Ah Gip. — Seu pagamento grande vai chegar logo.

Ayeeee yah — disse Ah Gip. — Para que pagamento, hein?

— Brock ainda está em nossos calcanhares? — perguntou May-may.

— Sim.

— Talvez um raio o parta.

— Sim, talvez. Ah Gip, faça comida que a senhora possa comer! Sopa. Entendido? Sopa. Ah Gip fez um sinal afirmativo com a cabeça.

— Sopa não. Chá bom.

— Sopa!

— Chá.

— Ah, tudo bem — disse Struan, irritado, sabendo que seria chá, por mais vezes que ele dissesse sopa.

Carregou May-may para o convés e instalou-a no barrilete de pólvora. Wung, o timoneiro e os tripulantes não olharam para ela. Mas Struan sabia que estavam agudamente conscientes de sua presença e que ela fazia aumentar a tensão no convés. Então, lembrou-se do que ela falara a respeito de um raio, e isto deflagrou nele um plano. Sua preocupação o abandonou, e ele riu alto.

— Por que esse ha-ha, hein? — perguntou May-may, respirando fundo o ar marinho, com o estômago começando a se acalmar.

— Pensei numa boa maneira de liquidar o Sinhô de Um Olho Só — disse Struan.

— Ei, Wung! Vem cá. — Struan deu a May-may uma de suas pistolas. — Homem chegar perto, matar, entendido?

— Entendido, sinhô.

Struan fez sinal a Wung para acompanhá-lo e seguiu adiante. Ao caminhar, descontraidamente, pelo convés, a tripulação chinesa se afastava, para lhe abrir caminho. Parou no castelo de proa, verificando pela última vez se a lorcha de Brock estava bem visível, e correu para baixo, com Wung logo atrás. Os alojamentos dos tripulantes consistiam numa única cabina ampla, abrangendo a largura da embarcação, com beliches alinhando-se de cada lado. Havia uma tosca lareira, feita de tijolos, sob uma portinhola gradeada e aberta. Uma chaleira pendia sobre os carvões, que brilhavam fracamente. Molhos de ervas e cogumelos secos, peixe seco e fresco e verduras frescas, além de um saco de arroz, estavam nas proximidades, junto a grandes e pequenos jarros de cerâmica.

Ele tirou as tampas dos jarros e cheirou seu conteúdo.

Sinhô quer comida? Pode.

Struan abanou a cabeça. No primeiro jarro, havia soja. No segundo, gengibre em calda. Depois, raiz de ginseng em vinagre, e temperos. Havia óleos de cozinha, um jarro com óleo de amendoim e outro com óleo de milho. Struan despejou algumas gotas de ambos os jarros no fogo. O óleo de milho ardia mais do que o de amendoim.

— Wung, leve para cima — ele disse, apontando o jarro de óleo de milho.

Pra que, hein?

Struan voltou correndo para o convés. A lorcha aproximava-se do ponto da forquilha onde teriam de virar para o canal norte ou o canal sul. Struan apontou para o sul.

— Por que caminho longo, hein? — Wung perguntou, pondo o jarro no chão.

Struan olhou para ele e Wung recuou um pouquinho. O timoneiro já virará a cana do leme. Eles se encaminhavam para o lado sul da forquilha. A lorcha de Brock seguiu rapidamente na mesma amura. Havia ainda muitos barcos entre as duas lorchas e Struan estava salvo por algum tempo.

— Você fica — disse ele a Wung. — Ei, vaca cria. Você fica. Use pau de jogo do mesmo jeito.

— Entendido, sinhô — disse May-may. Ela se sentia muito melhor.

Struan entrou na cabina principal e reuniu todas as armas, levando-as em seguida de volta para a popa. Escolheu um mosquete, os dois arcos e flechas, e um chicote de ferro, e atirou o resto das armas por sobre a amurada.

— Pirata pode, não tem arma de fogo — Wung murmurou sombriamente.

Struan pegou o chicote de ferro e volteou-o sem rumo. Era um açoite feito de metal encadeado, uma arma mortal, se usada de perto — hastes de ferro de três pés de comprimento ligadas entre si e, na extremidade, uma bola de ferro com farpas. O cabo curto de ferro encaixava-se comodamente na mão, e uma correia protetora de couro passava por sobre o pulso.

— Pirata vem, vai ter muita morte — disse Struan, duramente. Wung apontou furiosamente para a lorcha de Brock.

Ele a gente não pode pará, não é? — Apontou para a praia mais próximas. — Ali. Corremos praia... salvos!

Ayeeee yah — Struan virou as costas, com desprezo. Ele sentou-se no convés, com a correia de couro do chicote de ferro amarrada ao pulso. A assustada tripulação observou, pasmada, quando Struan arrancou a manga de seu paletó acolchoado de cule e rasgou-a em tiras, cuidadosamente amarrando-as em torno da cabeça e uma flecha com ponta de ferro. Recuaram quando ele ajustou a flecha no arco, mirou ao longo do convés, em direção ao mastro, e disparou. A flecha não acertou no mastro, mas se encravou na porta de teca do castelo de proa. Arrancou a flecha com dificuldade.

Voltou e desatou a tira do tecido acolchoado e molhou-a no óleo. Em seguida, cuidadosamente pulverizou-a com pólvora, tornou a amarrá-la em torno à ponta da flecha e amarrou uma segunda tira por fora.

— Olá! — o vigia da popa gritou. A lorcha de Brock aproximava-se, perigosamente. Struan pegou o leme e pilotou a embarcação, por um momento. Deslizou arriscadamente por trás de um pesado junco e mudou de direção habilmente, de maneira que, ao navegar sem obstáculos, corria na amura oposta. A lorcha de Brock se virou depressa, para interceptá-lo, mas teve de se desviar, a fim de evitar um comboio de juncos que se dirigia para o norte. Struan entregou o leme a um dos tripulantes e terminou de preparar quatro flechas. Wung não conseguia mais se conter.

— Ei, sinhô o que pode?

— Vai pagar o fogo de clarear.

Murmurando xingamentos, Wung foi embora e voltou com uma lanterna.

— Fogo de clarear!

Struan fez uma pantomima, como se mergulhasse a flecha na chama da lanterna e disparasse a haste inflamada na vela grande da lorcha de Brock.

— Muito fogo, hein? Eles param, nós vamos, hein?

A boca de Wung se escancarou. Depois, ele estourou de rir. Quando conseguiu falar, explicou tudo à tripulação e eles olharam radiantes para Struan.

— Você muito... muito Tai-Pan. Ayeeee yah! — disse Wung.

— Muito fantástico você — disse May-may, rindo também. — Sinhô de Olho Só tá perdido!

— Olá — o vigia chamou.

A lorcha de Brock já fizera a manobra, desviando-se, e se aproximava. Struan tomou a cana do leme e começou a fazer mil curvas, através do tráfego, chegando cada vez mais perto do canal sul. A lorcha de Brock se aproximava, inexoravelmente, quase já se colocando a barlavento. Struan sabia que Brock estava esperando o tráfego diminuir, antes de dar sua fatal estocada. Struan estava um pouco mais confiante agora. Se a flecha atingir |sua vela, disse a si mesmo, e se não a atravessar, se permanecer acesa enquanto estiver no ar, se a vela principal estiver suficientemente seca para pegar fogo, se eles esperarem pelo menos quatro milhas, antes de fazerem a primeira aproximação final, e se meu pagode estiver bom, então posso acabar com eles.

— Maldito seja Brock! — disse.

O tráfego do rio diminuía bastante. Struan moveu o leme e encaminhou-se a barlavento a fim de chegar tão perto quanto possível do lado sul do rio, de modo que, ao se virar outra vez, o vento estivesse para a ré do través, e ele pudesse ser impelido diretamente. O lado sul do rio era cheio de baixios perigosos. Colocando-se numa amura tão a barlavento, Struan ficou em posição perigosamente aberta. A lorcha de Brock estava esperando para investir. Mas Struan queria que ele atacasse agora. Era tempo. Há muito, aprendera uma lei básica de sobrevivência: traga seu inimigo para o combate só em seus termos, jamais nos dele.

— Ei, May-may, vá para baixo.

— Quero espiá. Pode, não se preocupe.

Struan pegou o segundo mosquete e entregou-o a Ah Gip.

— Vão para baixo, agora! As mulheres obedeceram.

— Wung, pegue fogo de clarear, dois! Wung trouxe uma segunda lanterna e Struan acendeu as duas. Aprontou as flechas, e os dois arcos. Agora estamos comprometidos, disse a si mesmo.

A lorcha de Brock estava a duzentas jardas de distância, a barlavento. Gradualmente, o tráfego do rio desapareceu. Os dois barcos estavam sós. Instantaneamente, a lorcha de Brock virou de quilha para a frente e se atirou sobre ele. A tripulação de Struan se espalhou e correu para o passadiço mais afastado. Eles se penduraram no cordame e se prepararam para pular no mar. Só Wung permaneceu com Struan na popa.

Struan via Gorth nitidamente agora, pilotando a lorcha, com seus tripulantes em posições de ação. Examinou o convés, à procura de Brock, mas não conseguiu vê-lo, e ficou imaginando em que maldade estaria empenhado. Quando as lorchas estavam a cinqüenta metros de distância, Struan virou o leme e moveu-se pesadamente diante do vento, virando a popa para Gorth. Gorth avançava rapidamente, permanecendo a barlavento, e Struan sabia que ele era esperto demais para fazer uma investida do seu lado abrigado do vento. Fez sinal a Wung para tomar o leme e manter o curso. Aprontou o arco e as flechas e mergulhou sob o passadiço. Via os mastros da lorcha avançando sobre ele rapidamente. Enfiou uma das cabeças de flechas na chama da lanterna. O tecido acolchoado, embebido de óleo, incendiou-se imediatamente e ele ficou em pé e fez pontaria. A lorcha estava a trinta jardas de distância. A flecha descreveu um arco inflamado, em meio a gritos de advertência, e atingiu em cheio a vela principal. Mas a força do impacto apagou a chama.

Gorth gritou para sua tripulação e ainda avançava, quando a segunda flecha atingiu sua lorcha. Esta bateu na vela principal e ficou presa ali, espalhando centelhas pelo convés. A pólvora que estava dentro do tecido acolchoado inflamou-se e explodiu. Involuntariamente, Gorth virou o leme e o navio se desviou, balançando com a violência da guinada.

Struan tinha uma terceira flecha pronta e, quando a lorcha passou, velozmente, ele a disparou e viu-a bater na grande vela principal. As chamas começaram a lamber o convés. Alegremente, virou o leme, afastando-se a barlavento, e viu Brock subir correndo de debaixo do convés, dar um empurrão em Gorth, agarrar o leme, virando o navio. Então, Brock deu um safanão ainda mais forte no leme, virando agora a embarcação para estibordo de Struan, a meia-nau, cortando-lhe a fuga.

Struan previra o movimento de Brock, mas sua lorcha não respondeu ao leme e ele sentiu que estava liquidado. Acendeu a última flecha e esperou, com seu peso pressionado de encontro ao leme, rezando para que a lorcha se virasse. Brock estava em pé à popa, gritando à tripulação, que tentava desesperadamente apagar o fogo. Uma massa de cordame em chamas caiu perto de Brock, mas ele não prestou a menor atenção, concentrando-se apenas no ponto a estibordo, a meia-nau, que ele escolhera para o impacto.

Struan fez pontaria cuidadosamente e, quando a lorcha estava a quinze jardas de distância, disparou. A flecha encravou-se no tabique junto à cabeça de Brock, mas a lorcha manteve seu curso. O barco de Struan começou a se virar, mas era tarde demais. Struan sentiu um forte impacto e ouviu o doloroso rangido de madeira se despedaçando, enquanto a farpa da lorcha de Brock cortava seu barco a bombordo. A embarcação de Struan balançou para um lado e quase virou, atirando Struan no convés.

Salpicado de centelhas do cordame e das velas em chamas, Struan se ergueu. Houve gritos dos chineses em pânico e roucos berros dos homens de Brock, enquanto ambas as tripulações lutavam para se livrar do terrível emaranhamento. No meio do barulho, Struan ouviu Brock gritar: “Peça perdão”, e os dois barcos se separaram, com a lorcha de Brock movimentando-se em frente, as velas em chamas. A embarcação de Struan se endireitou, inclinou-se às tontas para estibordo, voltou a se endireitar, mas perigosamente adernada a bombordo.

Struan agarrou o leme e virou-o com toda sua força. A lorcha obedeceu vagarosamente e, quando o vento lhe apanhou as velas, Struan seguiu em direção à praia, esperando freneticamente poder alcançá-la antes que a embarcação afundasse.

Via que as duas velas de Brock estavam em chamas. Sabia que teriam de ser atiradas às ondas, cortadas, e depois substituídas. De repente, notou que seu convés estava num ângulo de dez graus a bombordo — o lado oposto ao impacto. Caminhou com dificuldade pelo convés inclinado e olhou por sobre a amurada o grande talho que fora aberto. A parte inferior do corte estava apenas uma polegada sob a linha-d’água e Struan percebeu que o choque do impacto mudara a posição dos engradados com as barras, no porão. O peso das barras estava mantendo o barco nesse adernamento permanente.

Ele gritou a Wung que tomasse o leme e o mantivesse no mesmo curso.

Então pegou o chicote de ferro, saiu engatinhando e, fazendo girar a arma, foi levando para baixo vários tripulantes. A caminho do porão, viu May-may e Ah Gip, ilesas, mas abaladas, em meio aos destroços da cabina principal.

— Subam! Segurem arma!

O porão estava em pedaços. Os engradados encontravam-se espalhados e havia tijolos de prata por toda parte. Os caixotes intactos estavam empilhados do lado a bombordo. A água entrava aos jorros pelo corte. Os tripulantes deram a volta, assustados, mas ele os impeliu para mais adiante, dentro do porão, e os fez apagar os pequenos incêndios provocados pelos carvões espalhados.

Praguejando e fazendo gestos, ele lhes mostrou que queria os engradados deslocados daquele lugar e empilhados mais adiante, a bombordo. Com água até os tornozelos, os chineses estavam mortos de medo de se afogar, porém mais assustados ainda diante do chicote de ferro que girava no ar, e então fizeram o que Struan ordenava. A lorcha inclinou-se perigosamente, rangendo, e o corte saiu da água por questão de poucas polegadas. Struan pegou a vela de reserva e começou a enfiar a lona no lado cortado da embarcação, usando como cunhas alguns poucos tijolos de prata.

— Pelo sangue de Cristo! — bradou. — Depressa, depressa! Os tripulantes pularam para ajudar e logo o corte estava fechado e protegido da água. Struan fez sinal à tripulação para pegar a vela que sobrara e conduziu-os de volta ao convés.

May-may e Ah Gip estavam abaladas, mas não haviam sofrido nada. May-may ainda agarrava a pistola, Ah Gip o mosquete. Wung, paralisado de terror, mantinha o curso. Struan impeliu os homens para a frente e, com a ajuda deles, passou a lona da vela sob a proa do navio, debaixo do casco, e depois atou-a fortemente por sobre o talho. A sucção da água endureceu a vela sobre o corte, enquanto o barco balançava loucamente, quase virando.

Mais uma vez, ele forçou os homens a descerem e, depois de prender com mais força a lona que servia para calafetar, fez com que tornassem a ajeitar o resto dos engradados, a fim de manter uma inclinação menos perigosa a bombordo.

Voltou para o convés e examinou as amarras da vela principal. Quando se certificou de que estavam firmes, tesas, prendendo bem, começou a respirar livremente outra vez.

— Você está bem, May-may?

— O quê? — perguntou ela.

— Feriu-se?

— Sim.

Ela apontou o pulso. Estava cortado e sangrando. Ele o examinou cuidadosamente. Embora doesse, não parecia estar quebrado. Ele despejou rum sobre as feridas e depois o bebeu em grandes goles e olhou em direção à popa. A lorcha de Brock estava à deriva, com a vela principal e a dianteira ardendo furiosamente. Ele espiou a tripulação cortar os cordames e as velas caíram no mar. Arderam por um momento, na água. Depois, ficaram completamente negras. Alguns juncos e sampanas estavam nas proximidades, mas nenhum deu assistência à lorcha em chamas.

Struan olhou para a frente. O Canal dos Seis Rochedos — um curso de água pouco conhecido, estava a sotavento. Experimentou o leme cautelosamente e o barco arriou alguns pontos. O vento empurrou as velas e o navio adernou bastante, fazendo o corte submergir. Houve um grito de advertência da tripulação e Struan corrigiu o adernamento. É perigoso navegar assim, pensou. Não ouso levar a amura a estibordo. As ondas podem rasgar a cobertura e nós afundaremos como uma pedra. Se eu chegasse ao Canal dos Seis Rochedos, Brock jamais me encontraria, mas não posso fazer essa manobra de amura. Então, tenho de ficar no rio. Correr na frente do vento, tão diretamente quanto possível.

Verificou sua posição. O Pagode de Mármore ficava a oito ou nove milhas, rio abaixo.

Com a vela protetora em torno à quilha funcionando como uma âncora de tempestade, a lorcha andava apenas a dois ou três nós. Ter de manter o curso do vento, a fim de evitar a amura, reduziria mais sua velocidade. Com pagode, eu não vou ter de colocar a amura a estibordo. Baixarei as velas, vou deixar o barco à deriva, e levantarei as velas outra vez quando estiver em posição.

Deu o leme a Wung e desceu, verificando outra vez como ia a lona que servia como calafate. Vai agüentar por algum tempo — com pagode — pensou ele. Pegou algumas xícaras de chá e subiu para o convés.

A tripulação estava reunida de um lado, segurando-se sombriamente. Havia apenas seis homens.

— Ei! Seis bois só. Onde estão os outros dois? Wung apontou por sobre a amurada e riu.

— Plaft, caíram! — Depois fez um aceno a popa e deu de ombros. — Não tem importância.

— Pelo sangue de Cristo, por que não os salvou, hein?

— Pra que salvá, hein?

Struan sabia que era inútil tentar explicar. Segundo os chineses, era pagode o fato de que os homens tinham caído por sobre a amurada. Simplesmente pagode — o pagode deles — se afogarem, e também vontade dos deuses. Muito pouco aconselhável interferir na vontade dos deuses. Salvando um homem de morrer, fica-se responsável por ele pelo resto da vida deste homem. É certo. Porque, quando se interfere com a vontade dos deuses, deve-se estar preparado para assumir a responsabilidade deles.

Struan encheu uma taça de rum e deu-a a May-may. Ofereceu aos tripulantes, um de cada vez, uma dose dupla, sem esperar nenhum agradecimento, como de fato aconteceu. Estranho, disse a si mesmo, mas bem próprio dos chineses. Por que deveriam agradecer-me, por salvar suas vidas? Foi por pagode que não afundamos.

— Obrigado, meu Deus, por meu pagode, obrigado.

— Olá! — gritou um dos tripulantes, ansiosamente, olhando por sobre a amurada.

A lona da calafetação saía e flutuava. Struan foi correndo para baixo. Tirou do pulso o chicote de ferro e empurrou mais a vela ensopada na ferida do navio. Água com a altura de três pés enchia todo o fundo do casco. Empurrou um engradado mais para perto da lona e enfiou outros tijolos de prata nas fendas.

— Vai agüentar — disse ele, alto. — Sim, talvez.

Pegou o ferro de combate e foi para a cabina principal. Estava completamente destroçada. Olhou para o beliche, saudosamente, apanhou um colchão de palha e subiu o passadiço.

Ficou gelado, no alto da escada. Wung apontava uma pistola para ele. Um segundo chinês segurava o mosquete e Ah Gip estava inerte a seus pés. Um dos tripulantes agarrava May-may com um braço e mantinha uma mão sobre sua boca. Wung puxou o gatilho, enquanto Struan instintivamente erguia o colchão de palha e se arremessava para um lado do passadiço. Sentiu a bala arranhar-lhe o pescoço e mergulhou sobre o convés com o rosto mordido pela pólvora e o colchão de palha como patético escudo. O segundo chinês disparou à queima-roupa, mas o mosquete explodiu e lhe arrancou as mãos. Ele ficou olhando para os tocos dos braços, pasmado, e gritou.

Struan fazia girar o chicote de ferro, enquanto Wung e a tripulação atacavam. A bola farpada alcançou Wung em cheio do lado do rosto, arrancando-lhe metade da boca, e ele se afastou. Struan brandiu o chicote e outro homem caiu, e ainda outro pulou sobre suas costas, tentando sufocá-lo, a usar seu próprio rabicho como garrote, mas Struan atirou-o para um lado. O homem que segurava May-may deu um salto para a frente e Struan bateu com o cabo do chicote de ferro em sua cara e então, quando o homem gritou e caiu, Struan pisoteou-o.

Os dois homens que estavam ilesos fugiram para a proa. Arquejando, numa tentativa de recuperar o fôlego, Struan imediatamente correu atrás deles. Eles pularam no mar. Houve um grito na popa. Wung, grotesco, com o sangue jorrando da metade do rosto, tentava cegamente agarrar May-may. Ela escapou às suas mãos e saiu manquejando à procura de proteção.

Struan recuou e matou-o.

O homem sem mãos gritava horrivelmente. Struan matou-o rapidamente, de maneira indolor.

Fez-se silêncio no convés.

May-may olhou para uma mão arrancada, caída ao chão, e ficou violentamente enjoada. Struan chutou a mão por sobre a amurada. Quando recuperou sua força, atirou todos os corpos, com exceção de um, pela amurada. Examinou Ah Gip. Ela respirava pela boca, com sangue escorrendo pelo nariz.

— Acho que vai ficar boa — disse ele, e ficou espantado com a rouquidão da própria voz. Apalpou o rosto. A dor ia chegando em ondas violentas. Ele despencou ao lado de May-may. — O que aconteceu?

— Não sei — disse ela, que já não tinha lágrimas. — Num momento, eu estava com a pistola, no próximo havia uma mão em cima de minha boca, e eles dispararam em você. Por que não o mataram?

— Eu me sinto inteiro — disse ele. O lado esquerdo de seu rosto encontrava-se muito chamuscado. O cabelo estava crestado e faltava metade de uma sobrancelha. A dor no peito diminuía.

— Por que eles... Wung e eles... fizeram isso? Por quê? Ele era da confiança de Jin-qua — disse ela.

— Você própria falou que qualquer pessoa tentaria roubar o dinheiro. Sim. Qualquer uma. Não os culpo. Fui um louco em descer. Ele verificou se o curso continuava para a frente. Ainda seguiam, dificultosamente, na direção certa. May-may viu a marca no pescoço dele.

— Mais uma polegada, meia polegada — ela sussurrou. — Agradeça aos deuses pelo seu pagode. Eu vou fazer uma grande dádiva.

Struan estava sentindo o doce fedor de sangue e, agora que estava salvo, seu estômago se revirou e ele se agarrou à amurada e vomitou. Em seguida, pegou um balde de madeira e limpou o convés. Depois, limpou o chicote de ferro.

— Por que você deixou aquele homem? — perguntou May-may.

— Ele não está morto.

— Atire-o na água.

— Quando estiver morto. Ou quando acordar, se chegar a isso, ele pode pular. — Struan respirou profundamente e sua náusea passou. Com as pernas doendo de cansaço, aproximou-se de Ah Gip e levou-a para o alojamento central. — Você viu onde ela foi atingida.

— Não.

Struan abriu-lhe o casaco acolchoado e examinou-a cuidadosamente. Seu peito e as costas estavam sem nenhuma marca, mas havia um sinal de sangue na base do seu rabicho. Ele a embrulhou nas roupas outra vez e ajeitou-a o melhor que pôde. O rosto dela estava cinzento e sarapintado; sua respiração era difícil.

— Ela não está com bom aspecto.

— Vamos ter de viajar ainda por quanto tempo? — perguntou May-may.

— Mais duas ou três horas. — Pegou o leme. — Não sei. Talvez mais. May-may deitou-se de costas e deixou o vento e o ar fresco lhe desanuviarem a cabeça. Struan viu a garrafa quebrada de rum rolando nos embornais.

— Vá lá embaixo. Veja se há outra garrafa de rum, por favor. Acho que havia duas, não?

— Desculpe, Tai-Pan. Quase mato nós dois, por causa de minha estupidez.

— Que nada, garota. Foi o dinheiro. Vá dar uma olhada no porão.

Ela seguiu para baixo. Ficou por lá um longo tempo.Quando voltou, carregava um bule de chá e duas xícaras.

— Fiz chá — disse, orgulhosamente. — Fiz fogo e fiz chá. A garrafa de rum estava quebrada. Então, vamos tomar chá.

— Não sabia que você sequer era capaz de fazer chá, quanto mais acender fogo — disse ele, brincando com ela.

— Quando ficar velha e desdentada, eu vou ser ama. — Ela notou, distraidamente, que o último marinheiro chinês não estava mais no convés. Serviu o chá e lhe ofereceu uma xícara, sorrindo palidamente.

— Obrigado.

Ah Gip recuperou a consciência. Vomitou e depois tornou a desmaiar.

— Não gosto do aspecto dela, de maneira nenhuma.

— Ela é uma ótima escrava. Ele bebeu o chá, agradecido.

— Quanta água há no porão?

— O chão está cheio de água. — May-may bebia seu chá.

— Acho que seria bom... não sei como dizer... “comprar” o deus do mar para nosso lado.

— Fazer um pedido?

Sim, pedido.

Ela fez um sinal afirmativo com a cabeça.

— Sim, seria bom fazer um pedido ao deus do mar.

— Como você faz isso?

— Tem barras de prata demais, lá embaixo. Uma barra seria muito bom.

— Seria muito mau. Grande desperdício de prata. Já falamos nisso milhares de vezes. Não há deuses, mas um Deus.

— É verdade. Mas, por favor. Por favor, Tai-Pan. Por favor.

— Os olhos dela lhe imploravam. — Precisamos de uma ajuda fantástica e total. Acho aconselhável pedir imediatamente ao deus do mar bênçãos particulares. Struan desistira de tentar fazê-la compreender que havia apenas um Deus, Jesus era o Filho de Deus, o cristianismo era a única religião verdadeira. Há dois anos, ele tentara explicar-lhe o cristianismo.

— Quer que eu seja cristã? Então, sou cristã — disse ela, alegremente.

— Mas não é tão fácil assim, May-may. Você tem de acreditar.

— Claro. Acredito no que você quiser. Só há um Deus. O Deus bárbaro cristão. O novo Deus.

— Não é um Deus bárbaro e não é um novo Deus. É...

— Seu Senhor Jesus não era chinês, hein? Então, ele é um bárbaro. E o que adianta dizer-me que este Deus Jesus não é novo, quando ele nasceu há apenas dois mil anos, hein? É mesmo muito novo. Ayeee yah, nossos deuses têm cinco, dez mil anos de idade.

Struan ficara desnorteado, porque embora fosse cristão, freqüentasse a igreja, algumas vezes rezasse e conhecesse a Bíblia tão bem quanto a maioria dos homens, homens comuns, não tivera prática e nem habilidade para ensiná-la. Então, mandou Wolfgang Mauss explicar a ela o Evangelho em mandarim. Mas, depois de Mauss ensinar-lhe e batizá-la, Struan descobrira que ela ainda ia ao templo chinês.

— Mas por que ir lá? Isto significa que você se tornou pagã outra vez. Você se ajoelha diante de ídolos.

— Mas, para que serve a estátua de madeira do Senhor Jesus na Cruz, que está na igreja, se não for um ídolo? Ou a própria cruz? Tudo não é a mesma coisa que um ídolo?

— Não é a mesma coisa.

— O Buda é o único símbolo de Buda. Eu não adoro um ídolo. Sou chinesa. Os chineses não adoram ídolos, só a idéia da estátua. Nós, chineses, não somos estúpidos. Somos terrivelmente inteligentes a respeito dessas coisas de deuses. E como posso saber se o Senhor Jesus, que é bárbaro, gosta de chineses, hein?

— Quer fazer o favor de não dizer essas coisas? Isto é blasfêmia. Wolfgang explicou o Evangelho inteiro a você, nesses últimos meses. Claro que Jesus ama todos os povos do mesmo jeito.

— Então, por que os padres cristãos que usam saias compridas e não têm mulheres dizem que os outros padres cristãos, que se vestem como homens e geram muitos filhos, só são ouvidos pelos tolos, hein? Sinhô Mauss diz que antes havia muitas guerras e muitas mortes. Ayeee yah, os demônios de saias compridas queimam homens e mulheres em fogueiras. — Ela abanou a cabeça, com firmeza. — Melhor mudarmos agora mesmo, Tai-Pan. Vamos ser cristãos de saias compridas; depois, se perdermos, para eles, não vamos ser queimados. Seus cristãos bonzinhos não queimam gente, hein?

— Não se muda assim, por essa razão. Os católicos estão errados. Eles...

— Eu lhe digo, Tai-Pan. Acho que deveríamos ser cristãos de saias compridas. E, também acho, você cuida de seu novo Deus Jesus com muito cuidado e eu cuido do Deus Jesus o melhor que eu puder e, ao mesmo tempo, presto atenção aos nossos deuses chineses, próprios para nós, também com muito cuidado. — Ela balançou a cabeça com muita firmeza e depois sorriu, maravilhosamente. — Então o deus mais forte tomará conta de nós.

— Você não pode fazer uma coisa dessas. Só há um Deus. Um!

— Prove isso — dissera ela.

— Não posso.

— Está vendo? Como pode o homem mortal provar a existência de Deus, qualquer deus? Eu sou cristã, como você. Porém, felizmente, também chinesa, e nessas coisas de deus é melhor pensar um pouco como chinesa. É muito aconselhável manter uma mente muito aberta. Muito. É pagode para você que eu seja chinesa; assim, em nosso favor, eu também posso fazer pedidos aos deuses chineses. — Ela acrescentou, apressadamente. — Que, é claro, não existem. — Sorriu. — Não é ótimo?

— Não.

— Claro, se eu pudesse escolher... e não posso, porque só existe um Deus... eu preferiria um deus chinês. Não quer que seus devotos matem outros deuses, ou matem todas as pessoas que não se ajoelham diante deles. — E prosseguira, rapidamente. — O Deus bárbaro cristão, que é o único, o único Deus, me parece, a mim, uma pobre e simples mulher, muito sanguinário e difícil de se conviver mas, naturalmente, eu acredito n’Ele. É isso — ela concluíra, enfaticamente.

— Não tem nada de “é isso”.

— Acho que o céu de vocês é infernalmente estranho, Tai-Pan. Todo mundo voando feito pássaro, e todo mundo de barba. Vocês fazem amor no céu?

— Não entendo.

— Se não podem fazer amor, eu não vou para o céu de vocês. Ah, não, absolutamente. Deus verdadeiro, ou não. Deve ser um lugar muito ruim, assim. Preciso descobrir, antes de ir para lá. Sim, de verdade. E, outra coisa, Tai-Pan. Por que deveria o único Deus verdadeiro, portanto fantasticamente inteligente, permitir só uma única esposa, hein, o que é terrivelmente estúpido? E, se você é cristão, por que somos como marido e mulher, quando você já tem mulher? Adultério, hein? Muito ruim. Por que você desobedece a tantos dos Dez Mandamentos, hein, e ainda assim chama a si próprio, todo convencido de cristão?

— Bom, May-may, alguns de nós somos pecadores e fracos. Jesus Cristo perdoará alguns de nós. Ele prometeu nos perdoar, se nos arrependermos.

— Se fosse eu, não perdoava — disse ela, com muita firmeza. — Não perdoava, se fosse o Deus Supremo e Único. Não, de verdade. E, outra coisa, Tai-Pan. Como pode Deus ser Trindade e ter também filho número um que também é Deus e nasceu de uma mulher de verdade, sem ajuda de homem de verdade, e ela então se torna Mãe de Deus? Isto é que eu não compreendo. Mas, não me confunda, Tai-Pan, sou tão cristã como qualquer outra pessoa, por Deus. Hein?

Tiveram muitas conversas assim e, a cada vez, ele se encontrava preso numa discussão sem pé e nem cabeça, a não ser pelo fato de que sabia só existir um Deus, o verdadeiro Deus, mas sabia, também, que May-may jamais compreenderia. Esperara que talvez Ele se tornasse claro para ela, quando assim a desejasse.

— Por favor, Tai-Pan — disse May-may outra vez. — Um pouco de fingimento não vai fazer mal a ninguém. Eu já disse: uma oração para o Único Deus. Não se esqueça de que estamos, na China, e este é um rio chinês.

— Mas isso não vai fazer bem nenhum.

— Eu sei. Ah, sim, Tai-Pan, eu sei, é claro. Mas sou cristã há apenas dois anos, então você e seu Deus precisam ser pacientes comigo. Ele me perdoará — concluiu, triunfantemente.

— Está bem — disse Struan.

Ela desceu. Quando voltou, tinha lavado o rosto e as mãos, e seu cabelo estava entrançado. Em suas mãos havia um tijolo de prata embrulhado em papel. O papel estava coberto com caracteres chineses.

— Você escreveu os caracteres?

— Sim. Achei caneta e tinta. Escrevi uma oração para o deus das águas.

— O que diz?

— “Ó grande, Sábio e Poderoso Deus do Mar, em troca desta enorme dádiva, quase cem taéis de prata, por favor nos leve a salvo para um navio bárbaro chamado China Cloud, pertencente ao meu bárbaro, e depois para a ilha de Hong Kong, que os bárbaros roubaram de nós.”

— Não gostei muito dessa oração — disse ele. — Afinal de contas, garota, é minha prata, e não gosto de ser chamado de bárbaro.

— É uma oração cortês, e diz a verdade. É um deus do mar chinês. Para um chinês, você é bárbaro. É da maior importância dizer a verdade, nas orações. — Ela caminhou, cautelosamente, pelo lado adernado do navio e, com grande dificuldade segurou o pesado tijolo de prata coberto de papel com o braço esticado, dizendo a oração que escrevera. Depois, com os olhos ainda fechados, desembrulhou o tijolo de prata, deixou o papel cair na água e enfiou o tijolo depressa nas dobras de seu casaco. Abriu os olhos e espiou o papel sendo sugado pelo rio, na esteira do barco.

Voltou alegremente, com a prata salva em seus braços.

— É isso. Agora, podemos descansar.

— Isso é uma trapaça, por Deus — disse Struan, explodindo.

— O quê?

— Você não jogou a prata na água.

— Psiuuu! Não fale tão alto! Você estraga tudo! — Depois sussurrou. — Claro que não. Acha que sou louca?

— Pensei que você queria fazer uma oferta.

— Eu fiz — ela sussurrou, perplexa. — Você não achou que eu ia realmente jogar toda essa prata no rio, achou? Pelo sangue de Cristo, sou alguma idiota? Sou maluca?

— Então por que fazer toda essa...

— Psssiuuu! — disse May-may, com premência. — Não fale tão alto! O deus do mar pode ouvir o que você está dizendo.

— Por que fingir atirar a prata ao mar? Isto não é uma oferenda.

— Juro por Deus, Tai-Pan, não entendo você de jeito nenhum. Para que os deuses precisam de verdadeira prata, hein? Para que usariam verdadeira prata? Para comprar roupas de verdade e comida de verdade? Os deuses são os deuses, e os chineses são os chineses. Fiz a oferenda e salvei sua prata. Juro por Deus, os bárbaros são pessoas estranhas.

E ela desceu, murmurando para si própria em dialeto de Soochow:

— Como se eu fosse destruir tanta prata! Será que sou uma imperatriz, para poder jogar prata fora? Ayeeee yah — disse ela, atravessando o corredor e chegando ao porão.

— Até a imperatriz do demônio não seria tão louca! — Ela colocou a prata no fundo do casco, onde a havia encontrado, e voltou para o convés. Struan ouviu-a voltar, ainda murmurando irritadamente em chinês.

— O que você está dizendo? — perguntou ele.

— Sou tão louca a ponto de gastar tanto dinheiro, ganho de maneira tão difícil? Sou uma bárbara? Sou uma gastadora...

— Muito bem. Mas ainda não entendo por que você achou que o deus do mar iria responder às suas preces, quando foi tão obviamente logrado. Essa história inteira é fantasticamente estúpida.

— Quer fazer o favor de não dizer essas coisas tão alto — disse ela. — Ele recebeu a oferenda. Agora, vai nos proteger. Não é prata verdadeira que o deus deseja, mas apenas a idéia. Foi o que ele recebeu. — Ela abanou a cabeça. — Os deuses são como as pessoas. Eles acreditam em tudo, se você disser da maneira certa. — Depois, acrescentou — Talvez o deus tenha saído, e ele não vai nos ajudar, de qualquer maneira, e então nós naufragaremos, não tem importância.

— Outra coisa — disse Struan, severamente. — Por que precisamos sussurrar, hein? É um deus do mar chinês. Como ele pode, ora essa, entender inglês, hein? Isso deixou May-may confusa. Ela franziu a testa, pensando muito. Depois, encolheu os ombros.

— Um deus é um deus. Talvez fale a língua dos bárbaros. Quer mais chá?

— Obrigado.

Ela despejou o chá na xícara dele e na sua. Depois, juntou as mãos, entrelaçando os dedos em torno dos joelhos, instalada sobre uma escotilha, cantarolando uma cançãozinha.

A lorcha chafurdava na corrente do rio. Amanhecia.

— Você é uma mulher e tanto, May-may — disse Struan.

— Eu também gosto de você. — Ela se aninhou contra ele. — Quantos homens são como você, em seu país?

— Cerca de vinte milhões de homens, mulheres e crianças.

— Existem, segundo dizem, trezentos milhões de chineses.

— Isto significaria que uma entre quatro pessoas na terra é chinesa.

— Eu fico preocupada com meu povo, se todos os bárbaros são como você. Você mata tanta gente, com tanta facilidade.

— Eu os matei porque eles estavam tentando matar-me. E não somos bárbaros.

— Estou satisfeita de ter visto você matando — disse ela, misteriosamente, com os olhos luminosos, a cabeça emoldurada pela luz crescente do amanhecer. — E estou muito satisfeita de você não ter sido morto.

— Um dia, eu serei morto.

— Claro. Mas estou satisfeita de ter visto você matando. Nosso filho Duncan vai ser digno de você.

— Quando ele tiver crescido, já não será preciso matar.

— Quando os filhos dos filhos dele estiverem crescidos, ainda haverá matança. O homem é um animal matador. A maioria dos homens. Nós chineses sabemos. Mas os bárbaros são piores do que nós. Piores.

— Você pensa assim porque é chinesa. Vocês têm muito mais costumes bárbaros do que nós. Os povos mudam, May-may. Então ela disse, simplesmente:

— Aprenda conosco, com as lições da China, Dirk Struan. Os povos nunca mudam.

— Aprenda conosco, com as lições da Inglaterra, garota. O mundo pode transformar-se num lugar ordeiro, onde todos serão iguais perante a lei. E a lei é justa. Honesta. Sem desvios.

— Será que isso é tão importante assim, quando se está morrendo de fome?Ele ficou pensando a respeito disso, por um longo tempo.

A lorcha se arrastava pelo rio abaixo. Outras embarcações passavam, subindo ou descendo o rio, e as tripulações olhavam para a lorcha com curiosidade, mas nada diziam. Adiante, o rio dava uma volta e Struan diminuiu a velocidade da lorcha, ao entrar no canal. O remendo de lona parecia estar resistindo.

— Acho que sim — respondeu ele, afinal. — Sim. Acho que é muito importante. Ah, sim, eu queria perguntar a você uma coisa. Você disse que foi visitar a Suprema Senhora de Jin-qua. Onde você a conheceu?

— Fui escrava em casa dela — disse May-may, calmamente. — Logo antes de Jin-qua me vender a você. — Ela o olhou nos olhos. — Você me comprou, não foi?

— Adquiri você, segundo seu costume, sim. Mas você não é nenhuma escrava. Você pode ir embora ou ficar, livremente. Eu lhe disse isso no primeiro dia.

1.— Eu não acreditei em você. Acredito agora, Tai-Pan. — Ela olhou para a praia e para os barcos que passavam. — Eu nunca tinha visto mortes antes. Não gosto de matança. Será porque sou uma mulher?

— Sim. E não. Eu não sei.

— Você gosta de matança?

— Não.

— É uma pena que sua flecha não tenha acertado em Brock.

— Eu não fiz pontaria nele. Não estava tentando matá-lo, apenas queria que se desviasse. Ela estava cheia de pasmo.

1.— Juro por Deus, Tai-Pan, você é realmente incrível.

2.— Juro por Deus, May-may — disse ele, com os olhos se enrugando, enquanto sorria — que você é realmente incrível.

Ela ficou deitada de lado, espiando-o, acariciando-o. Depois, dormiu.

Quando ela acordou, o sol estava alto. As terras à margem do rio eram baixas e se estendiam até horizontes cheios de neblina. Uma terra abundante, coberta por inúmeros arrozais, verdes e cheios do arroz de inverno pendente. Montanhas coroadas por nuvens, muito distantes.

O Pagode de Mármore estava bem à frente. Logo abaixo encontrava-se o China Cloud

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