TABRIZ: 5:12H. Na pequena cabana quase no limite da propriedade do khan, Ross acordou de repente. Ficou deitado imóvel, mantendo a respiração regular, mas com todos os sentidos atentos. Aparentemente, não havia nada de diferente, só os mosquitos de sempre e o abafamento do quarto. Pela janela ele pôde ver que a noite estava escura, o céu encoberto. Do outro lado do quarto, no outro catre, Gueng dormia encolhido, respirando normalmente. Por causa do frio, os dois homens tinham se deitado completamente vestidos. Sem fazer barulho, Ross foi até a janela e examinou a escuridão. Nada ainda. Então, junto ao seu ouvido, Gueng cochichou:
— O que foi, sahib!
— Não sei. Provavelmente nada.
Gueng cutucou-o e apontou. Não havia nenhum guarda na cadeira do lado de fora, na varanda.
— Talvez ele só tenha ido dar uma volta.
Havia sempre, pelo menos, um guarda. De dia ou de noite. Na noite anterior, havia dois, e Ross fizera um boneco na sua cama e deixara Gueng para distraí-los, pulando pela janela dos fundos, indo sozinho ao encontro de Erikki e Azadeh. Ao voltar, quase tropeçara numa patrulha, mas eles estavam sonolentos e distraídos, e não repararam nele.
— Dê uma olhada pela janela dos fundos — murmurou Ross.
— Sahib, talvez tenha sido apenas um espírito da montanha — Gueng disse baixinho. No país do Alto do Mundo, havia uma superstição de que, à noite, os espíritos visitavam a cama dos que dormiam, com boas ou más intenções, e que os sonhos eram histórias que eles cochichavam.
O homenzinho apurou os olhos e os ouvidos para sentir a escuridão.
— Acho que talvez seja melhor prestarmos atenção aos espíritos.
E voltou para a cama, enfiou as botas, tornou a colocar o talismã que tinha guardado debaixo do travesseiro no bolso do uniforme, depois vestiu suas roupas tribais e seu turbante. Rapidamente, checou o seu rifle, as granadas e a mochila que continha munição, granadas, água e um pouco de comida. Não havia necessidade de checar sua kookri, esta nunca estava longe do seu alcance, era sempre limpa e lubrificada toda noite — e afiada — pouco antes de dormir.
Agora Ross também estava pronto. Mas pronto para quê?, perguntou a si mesmo. Não se passaram nem cinco minutos desde que você acordou e aí está você, com a kookri solta na bainha, com a trava de segurança solta e para quê? Se Abdullah quisesse fazer-lhe algum mal, ele teria tirado as suas armas — ou tentado tirá-las.
Na tarde anterior eles tinham ouvido o 206 decolar e pouco depois Abdullah Khan fora vê-los.
— Ah, capitão, desculpe pelo atraso, mas a confusão está maior do que nunca. Os nossos amigos soviéticos estão oferecendo um prêmio muito alto por suas cabeças — disse jovialmente. — O suficiente até para tentar-me, quem sabe?
— Esperemos que não, senhor. Quanto tempo vamos ter que esperar?
— Uns poucos dias, não mais do que isso. Parece que os soviéticos querem muito pegar vocês. Recebi outra delegação deles pedindo-me para ajudá-los a capturar vocês, a primeira foi antes de vocês chegarem. Mas não se preocupe, eu sei onde está o futuro do Irã.
Na noite anterior, Erikki tinha confirmado a questão da recompensa:
— Hoje eu estava perto de Sabalan, limpando outro posto de radar. Alguns dos operários pensaram que eu era russo. Há muitas pessoas que falam russo entre os povos da fronteira, e disseram que esperavam que fossem eles a capturar o Sabotador britânico alto e seu ajudante. A recompensa são cinco cavalos, cinco camelos e cinqüenta ovelhas. Isso é uma fortuna, e se eles sabem da existência de vocês aqui tão ao norte, pode apostar que estão procurando por aqui.
— Os soviéticos estavam supervisionando vocês?
— Só Cimtarga, mas mesmo assim ele não parecia estar controlando. Só a mim e ao aparelho. Os que falavam russo ficavam me perguntando quando avançaríamos pela fronteira com as tropas.
— Meu Deus. Eles tinham algo em que se basear para perguntar isso?
— Eu duvido, só boatos. O pessoal aqui se alimenta de boatos. Eu disse: Nunca: Mas o homem zombou e disse que sabia que nós tínhamos 'quilômetros' de tanques e exércitos esperando, que ele os vira. Eu não sei falar farsi, portanto não sei se ele era um outro agente da KGB disfarçado de nativo.
— Este 'material' que você está transportando, é importante?
— Não sei. Alguns computadores e um bocado de caixas pretas e papéis. Eles me mantêm afastado, mas nada disso é desmontado por especialistas, é apenas arrancado da parede, os fios são cortados, ficam pendurados e são enfiados para dentro de qualquer jeito. Os operários só estão interessados nos mantimentos, principalmente em cigarros.
Eles tinham conversado a respeito de fugir. Era impossível fazer planos. Havia muitos elementos imponderáveis.
— Não sei por quanto tempo eles vão querer que eu pilote — Erikki tinha dito. — Esse filho da mãe do Cimtarga me disse que o primeiro-ministro Bazargan ordenou que os ianques abandonassem dois postos, mais para leste, perto da Turquia, os últimos que eles tinham aqui, mandou que eles os evacuassem imediatamente e deixassem o equipamento intacto. Nós devemos voar até lá amanhã.
— Você usou o 206 hoje?
— Não. Aquele era Nogger Lane, um dos nossos capitães. Ele veio para cá conosco, para levar o 206 de volta para Teerã. O nosso gerente da base me disse que eles convenceram Nogger a colaborar para verificar alguns lugares onde os combates continuam. Quando McIver não tiver notícias nossas, ele vai levar um choque e mandar uma turma de busca. Isto talvez nos dê uma outra chance. E quanto a você?
— Talvez a gente dê o fora. Estou ficando muito nervoso naquela maldita cabana. Se resolvermos sair, talvez a gente vá em direção à base de vocês e se esconda na floresta. Se for possível, entraremos em contato com você, mas não nos espere. Certo?
— Sim. Mas não confie em ninguém na base, exceto nos nossos dois mecânicos, Dibble e Arberry.
— Posso fazer alguma coisa por você?
— Você poderia deixar-me uma granada?
— É claro, você alguma vez usou uma?
— Não, mas sei como funciona.
— Ótimo. Olhe aqui. Puxe o pino e conte até três... não, quatro, e atire. Você precisa de um revólver?
— Não, não obrigado, eu tenho a minha faca. Mas a granada pode ser útil.
— Lembre-se de que pode ser bem perigosa. É melhor eu ir andando. Boa sorte.
Ross estava olhando para Azadeh ao dizer isto, vendo o quanto ela estava linda, sabendo que o tempo deles já estava escrito nas estrelas ou no vento ou no badalar dos sinos que eram tão característicos das Terras Altas no verão quanto os próprios picos. Imaginando por que ela nunca respondera às suas cartas, depois a escola informando-o que ela tinha partido. Ido embora para casa. No último dia que eles passaram juntos, ela dissera:
— Tudo o que aconteceu aqui talvez não volte a acontecer nunca mais, meu Johnny Olhos Claros.
— Eu sei. Se não voltar a acontecer, posso morrer feliz porque sei o que é o amor. De verdade. Eu te amo, Azadeh.
Um último beijo. Depois dando adeus do trem, até ela desaparecer. Desaparecer para sempre. Talvez nós dois soubéssemos que era para sempre, pensou, esperando ali na escuridão da pequena cabana, tentando decidir o que fazer, se devia esperar mais um pouco, dormir ou fugir. Talvez seja como disse o khan e nós estejamos seguros aqui — por enquanto. Não há razão para desconfiar inteiramente dele. Vien Rosemont não era nenhum imbecil e ele disse para confiar...
— Sahib!
Ele tinha ouvido os passos furtivos no mesmo instante. Os dois homens se esconderam, um protegendo o outro, ambos satisfeitos por ter chegado a hora de agir. Alguém abriu a porta silenciosamente. Era um espírito fantasmagórico das montanhas que estava em pé ali olhando para a escuridão da cabana — uma silhueta e um rosto indistinto. Espantado, ele reconheceu Azadeh, o chador fazendo com que ela se dissolvesse na escuridão, com o rosto inchado de chorar.
— Johnny? — Ela sussurrou ansiosamente.
Por um instante, Ross não se moveu, com a arma apontada e esperando pelos inimigos.
— Azadeh, aqui, ao lado da porta, cochichou, tentando se acostumar.
— Rápido, sigam-me, vocês dois estão em perigo! Rápido! — Imediatamente, ela saiu correndo para o meio da noite.
Ele viu Gueng sacudir a cabeça, inquieto, e hesitou. Então se decidiu, agarrando a mochila.
— Nós vamos.
E se esgueirou pela porta e correu atrás dela, sob a luz fraca do luar, seguido por Gueng, protegendo-o automaticamente. Ela esperava ao lado de umas árvores. Antes que ele a alcançasse, fez sinal para que ele a seguisse, e foi correndo na frente, atravessando o pomar e rodeando algumas construções. A neve abafava seus passos, mas deixava uma trilha e ele o notou claramente. Ele seguia a uma distância de dez passos, observando cuidadosamente o terreno, imaginando qual seria o perigo, por que ela estivera chorando e onde estaria Erikki.
As nuvens brincavam com a lua, escondendo-a quase completamente. Sempre que a lua aparecia, ela parava e fazia sinal para que ele parasse e esperasse, depois tornava a avançar, protegendo-se bem, e ele imaginou onde ela teria aprendido a se movimentar na floresta, então lembrou-se de Erikki e sua enorme faca e dos finlandeses e da Finlândia — terra de lagos, florestas, montanhas e caça. Concentre-se, idiota, você vai ter muito tempo para deixar a mente divagar mais tarde, não agora quando você pode pôr todo o mundo em perigo! Concentre-se!
Seus olhos perscrutavam a escuridão, esperando problemas, desejando que aparecessem logo. Em pouco tempo estavam perto do muro que circundava a propriedade. O muro tinha três metros de altura e era todo de pedra, com uma faixa larga e vazia entre ele e as árvores. Mais uma vez ela fez sinal para ele parar e se proteger e caminhou para a frente, em campo aberto, procurando um determinado lugar. Encontrou-o sem dificuldade e fez sinal para ele avançar. Antes que a alcançasse, ela já estava subindo, enfiando facilmente os pés nas fendas e saliências, algumas naturais, outras preparadas para tornar a subida mais fácil. A lua apareceu e ele se sentiu nu e subiu com mais rapidez. Quando chegou no topo, ela já estava descendo pelo outro lado. Ele se deixou escorregar e encontrou alguns buracos para pôr os pés e se abaixou, esperando por Gueng. A sua ansiedade aumentou até que ele viu a sombra de Gueng se projetando no chão, alcançando o muro em segurança.
A descida foi mais difícil e ele escorregou e caiu nos últimos dois metros, praguejou e olhou em volta para se localizar. Ela já atravessara a estrada e se dirigia para um lugar cheio de pedras na montanha íngreme, a duzentos metros de distância. Para baixo e à esquerda, ele podia ver parte de Tabriz, com fogueiras no outro extremo da cidade, perto do aeroporto. Agora ele ouvia barulho de tiros a distância.
Gueng aterrissou ao lado dele, sorriu e fez sinal para prosseguirem. Quando chegou nas pedras ela tinha desaparecido.
— Johnny! Aqui!
Ele viu a pequena fenda na rocha e avançou. Havia uma abertura que mal dava para uma pessoa passar. Ele esperou por Gueng e depois entrou através da abertura da rocha para a escuridão. Ela estendeu a mão e guiou-o para um dos lados. Ela fez sinal para Gueng e também o ajudou, depois moveu uma pesada cortina de couro fechando a abertura. Ross abriu a mochila para apanhar a lanterna, mas antes que a tirasse um fósforo foi aceso. Ela o protegia com a mão. Estava ajoelhada e acendeu a vela do nicho. Ele olhou em volta rapidamente. A cortina na entrada parecia ser à prova de luz, a caverna era espaçosa, quente e seca, com alguns cobertores e tapetes velhos no chão, alguns utensílios de comer e beber e alguns livros e brinquedos numa prateleira natural. Ah, o esconderijo de uma criança, pensou, e olhou para ela. Tinha ficado ajoelhada perto da vela, de costas para ele, e agora, quando tirou o chador pela cabeça, se transformou em Azadeh de novo.
— Aqui. — Ele ofereceu um pouco d'água do seu cantil. Ela aceitou agradecida mas evitou seus olhos. Ele olhou para Gueng e leu o seu pensamento.
— Azadeh, você se importa que apaguemos a luz, agora que já vimos onde estamos, para podermos abrir a cortina e vigiar melhor? Eu tenho uma lanterna, caso precisemos de luz.
— Oh, oh, sim... sim, é claro. — Ela tornou a se virar para a vela. — Eu... oh, só um minuto, desculpe... — Havia um espelho na prateleira, que ele não tinha notado. Ela o apanhou e olhou para o seu reflexo, odiando o que viu, as manchas de suor e os olhos inchados. Rapidamente, limpou algumas manchas, apanhou o pente e se ajeitou o melhor que pôde. Deu uma última olhada no espelho e soprou a vela. — Desculpe — disse.
Gueng afastou a cortina e atravessou a rocha, ficando em pé lá fora, ouvindo. Houve mais tiroteio dos lados da cidade. Alguns edifícios pegaram fogo do outro lado da única pista do campo de aviação que ficava à direita. Não havia nenhuma luz lá e muito poucas na cidade. Poucos faróis de automóvel nas ruas. O palácio estava escuro e silencioso e ele não conseguiu perceber nenhum perigo. Voltou e disse a Ross o que tinha visto, falando em ghurkali, e acrescentou.
— É melhor eu ficar lá fora, é mais seguro, não resta muito tempo, sahib.
— Sim. — Ross tinha percebido a inquietação na voz dele, mas não fez nenhum comentário. Sabia o motivo. — Você está bem, Azadeh? — perguntou baixinho
— Sim. Agora estou. É melhor no escuro. Desculpe-me por estar tão desarrumada. Sim, estou melhor agora.
— O que está havendo? Onde está o seu marido? — Ele usou a palavra deliberadamente e ouviu-a mover-se na escuridão.
— Logo depois que você partiu, na noite passada, Cimtarga e um guarda vieram e disseram a Erikki que ele tinha que se vestir imediatamente e partir. Este homem, Cimtarga, disse que sentia muito mas que tinha havido uma mudança de planos e que queria partir imediatamente. E eu, eu fui chamada pelo meu pai. Deveria ir imediatamente. Antes de entrar no quarto dele, eu o ouvi dando ordens para que vocês dois fossem presos e desarmados pouco antes do amanhecer. — Havia tensão na voz dela. — Ele estava planejando mandar buscar vocês dois a pretexto de discutir a sua partida amanhã, mas vocês seriam levados para uma cilada perto dos edifícios da fazenda, amarrados, colocados num caminhão e enviados para o norte imediatamente.
— Para que lugar no norte?
— Tbilisi. — Nervosamente, ela continuou: — Eu não sabia o que fazer, não havia nenhuma maneira de avisá-los. Eu sou vigiada tão de perto quanto vocês e mantida afastada dos outros. Quando eu vi meu pai, ele disse que Erikki ficaria fora alguns dias, que hoje, ele, meu pai, ia fazer uma viagem de negócios para Tbilisi e que... que eu iria com ele. Ele... ele disse que ficaríamos fora dois ou três dias e que então Erikki já teria terminado e nós poderíamos voltar para Teerã. — Ela estava quase chorando. — Eu estou tão assustada. Estou tão assustada de que tenha acontecido alguma coisa com Erikki.
— Erikki deve estar bem — disse, sem entender a respeito de Tbilisi, tentando decidir sobre o khan. Sempre pensando no que Vien tinha dito: "Confie sua vida a Abdullah e não acredite nas mentiras que disserem sobre ele". E no entanto, aqui estava Azadeh dizendo o contrário. Ele olhou para onde ela estava, sem enxergá-la, odiando a escuridão, querendo ver-lhe o rosto, os seus olhos, pensando que talvez pudesse ler algo neles. Gostaria que ela me tivesse contado tudo isso do outro lado do maldito muro ou na cabana, pensou, seu nervosismo aumentando. Cristo, o guarda!
— Azadeh, o guarda, você sabe o que aconteceu com ele?
— Oh, sim. Eu... eu o subornei, Johnny, eu o subornei para se afastar por meia hora. Era a única maneira de chegar... era a única maneira.
— Meu Deus... ele murmurou. — Você pode confiar nele?
— Oh, sim. Ali é... ele está com meu pai há anos. Eu o conheço desde os sete anos e dei-lhe um pishkesh de algumas jóias, o bastante para sustentar a ele e à sua família durante anos. Mas, Johnny, quanto a Erikki... estou tão preocupada!
— Não precisa preocupar-se, Azadeh. Erikki não disse que eles talvez o mandassem para perto da Turquia? — Ele disse para animá-la, ansioso para fazê-la voltar em segurança. — Não sei como agradecer-lhe por ter-nos avisado. Vamos, primeiro nós vamos levá-la de volta e...
— Oh, não, eu não posso — ela exclamou. — Você não compreende? Papai vai me levar para o norte e eu nunca vou conseguir fugir, nunca. Meu pai me odeia e vai me deixar com Mzytryk, eu sei que vai, eu sei.
— Mas e quanto a Erikki? — ele perguntou, chocado. — Você não pode simplesmente fugir!
— Oh, sim, eu tenho que fugir, Johnny. Eu tenho. Não tenho coragem de ficar esperando, não tenho coragem de ir para Tbilisi, é muito mais seguro para Erikki que eu fuja agora. Muito mais seguro.
— Do que é que você está falando? Você não pode simplesmente fugir assim! Isso é loucura! Digamos que Erikki volte esta noite e descubra que você partiu? O que...
— Eu deixei um bilhete para ele. Nós combinamos que numa emergência eu deixaria um bilhete num lugar secreto do nosso quarto. Nós não tínhamos como saber o que papai iria fazer enquanto ele estivesse fora. Erikki vai entender. Há mais uma coisa. Papai vai ao aeroporto hoje, por volta de meio-dia. Ele vai esperar um avião, alguém que vem de Teerã, eu não sei quem é, nem do que se trata, mas achei que talvez você pudesse... você pudesse convencê-los a nos levar de volta para Teerã ou que nós pudéssemos subir a bordo sem sermos vistos ou que você... você pudesse obrigá-los a nos levar...
— Você está louca — ele disse, zangado. — Isso tudo é loucura, Azadeh. É loucura partir e deixar Erikki. Como você sabe que não é como o seu pai falou, pelo amor de Deus? Você diz que o khan odeia você. Meu Deus, se você fugir assim, quer ele a odeie ou não, ele vai ficar furioso. De qualquer maneira, você vai colocar Erikki num perigo ainda maior.
— Como você pode ser tão cego? Você não percebe? Enquanto eu estiver aqui, Erikki não tem nenhuma chance, nenhuma. Se eu não estiver aqui, ele só precisa pensar em si mesmo. Se ele souber que eu estou em Tbilisi, ele vai para lá e estará perdido. Você não está vendo? Eu sou a isca. Em nome de Deus, Johnny, abra os olhos! Por favor, ajude-me!
Ele a ouviu chorar, baixinho, e isto apenas aumentou a sua fúria. Cristo, nós não podemos levá-la. Isso é totalmente impossível. Seria assassinato — se o que ela diz sobre o khan é verdade, haverá um batalhão atrás de nós dentro de duas horas e teremos sorte se ainda estivermos vivos ao pôr-do-sol.
— Já devem estar atrás de nós, pelo amor de Deus, raciocine direito! É maluquice fugir! Você tem que voltar. É melhor — disse.
O choro parou.
— Insha'Allah — ela disse num tom de voz diferente. — Como você achar melhor, Johnny. É melhor vocês partirem depressa. Vocês não têm muito tempo. Para que lado vocês vão?
— Eu... eu não sei. — Ele estava contente com a escuridão, que ocultava o seu rosto. Meus Deus, por que tinha que ser Azadeh? — Vamos, nós vamos levá-la de volta.
— Não há necessidade. Eu... eu vou ficar aqui mais um pouco. Ele percebeu a mentira e seus nervos ficaram ainda mais tensos.
— Você vai voltar. Tem que voltar.
— Não — ela respondeu desafiadoramente. — Eu não posso voltar nunca mais. Vou ficar aqui. Ele não vai me encontrar. Eu já me escondi aqui antes. Uma vez eu fiquei aqui dois dias. Aqui eu estou segura. Não se preocupe comigo. Eu ficarei bem. Vá você. É o que você tem que fazer.
Exasperado, ele conseguiu controlar o impulso de erguê-la à força, e ao invés disso tornou a recostar-se na parede da caverna. Eu não posso deixá-la, não posso carregá-la de volta contra a vontade e não posso levá-la. Não posso deixá-la, não posso levá-la. Oh, você pode levá-la com você, mas por quanto tempo? E quando ela for capturada, estaria envolvida com sabotadores e só Deus sabe do que mais eles a acusariam e eles atiram pedras nas mulheres por isso.
— Quando descobrirem que não estamos lá, e que você também não está, o khan vai saber que você nos avisou. Se você ficar aqui, acabará sendo descoberta e o khan vai saber de qualquer maneira que você nos avisou e isto vai tornar as coisas piores do que nunca para você, e para o seu marido. Você precisa voltar.
— Não, Johnny. Eu estou nas mãos de Deus e não estou com medo.
— Pelo amor de Deus, Azadeh, raciocine.
— Eu estou raciocinando. Eu estou nas mãos de Deus, você sabe disso. Nós não conversamos sobre isso lá nas montanhas uma dezena de vezes? Eu não estou com medo. Deixe-me uma granada como a que você deu a Erikki. Eu estou em segurança nas mãos de Deus. Por favor, vá agora.
Naquela época, eles conversavam muito sobre Deus. Numa montanha na Suíça, era fácil e normal, e não havia do que se envergonhar — não com a sua bem-amada que sabia o Corão e lia em árabe e se sentia muito perto do Infinito e que acreditava piamente no Islã. Aqui no escuro da pequena caverna não era a mesma coisa. Nada era igual.
— Insha'Allah — ele disse e decidiu. — Nós vamos voltar, você e eu, e eu vou mandar Gueng prosseguir. — E se levantou.
— Espere — ele a ouviu levantar-se e sentiu o seu hálito e a sua proximidade. A mão dela tocou-lhe o braço. — Não, meu querido — ela disse, com a voz de antigamente. — Não, meu querido, isso destruiria o meu Erikki... e você e o seu soldado. Você não vê, eu sou o instrumento para destruir Erikki. Remova o instrumento e ele terá uma chance. Fora dos muros do meu pai você também tem uma chance. Quando você vir Erikki, diga a ele... diga a ele.
O que devo dizer a Erikki? ele se perguntou. Na escuridão, ele tomou-lhe a mão e, sentindo o seu calor, viu-se de volta à enorme cama, com uma violenta tempestade de verão sacudindo as janelas, os dois contando os segundos entre os relâmpagos e o trovão que ecoava no vale — às vezes apenas um ou dois segundos, oh, Johnny, deve estar quase aqui em cima, Insha'Allah se nos apanhar, não importa já que estamos juntos — de mãos dadas assim. Mas não assim, ele pensou com tristeza. Levou a mão dela aos lábios e beijou-a.
— Você mesma pode dizer a ele. Nós vamos tentar... juntos. Preparada?
— Você quer dizer prosseguir? Juntos?
— Sim.
Depois de uma pausa, ela disse:
— Primeiro pergunte a Gueng.
— Ele faz o que eu digo.
— Sim, é claro. Mas por favor, pergunte a ele. Mais um favor. Sim? Ele foi até a entrada da caverna. Gueng estava encostado nas rochas do lado de fora. Antes que ele pudesse dizer qualquer coisa, Gueng disse baixinho em ghurkali:
— Nenhum perigo ainda, sahib. Lá fora.
— Ah, você ouviu?
— Sim, sahib.
— O que você acha?
Gueng sorriu.
— O que eu acho, sahib, não pesa nada, não afeta nada. Carma é carma. Eu faço o que o senhor diz.
NO AEROPORTO DE TABRIZ: 12:40H. Abdullah Khan estava em pé ao lado do seu Rolls à prova de balas no pátio de concreto coberto de neve perto do terminal do aeroporto. Ele estava vermelho de raiva, observando o 125 terminar o pouso, rezando para que ele explodisse. Na véspera, um telex passado através do QG da polícia f ora-lhe entregue por seu sobrinho, coronel Mazardi, o chefe de polícia. "Por favor, espere pelo vôo G-ETLL, ETA 1240 amanhã, terça-feira, (assinado) coronel Hashemi Fazir." O nome o fizera tremer e a todos os que tiveram acesso à mensagem. O Serviço Secreto sempre estivera acima da lei e o coronel Hashemi Fazir era o seu grande inquisidor, um homem cuja crueldade era uma lenda até no Irã, onde a crueldade era desejada e admirada.
— O que ele quer aqui, Alteza? Mazardi perguntara, muito amedrontado.
— Discutir o Azerbeijão — respondera, escondendo o temor e abalado pela secura do telex, completamente desorientado por esta chegada inesperada e indesejada. — É claro que é para perguntar como pode me ajudar. Ele tem sido um amigo secreto há anos — acrescentou, mentindo automaticamente.
— Vou ordenar uma guarda de honra e um comitê de boas-vindas e..
— Não seja idiota! O coronel Fazir gosta de ficar incógnito. Não faça nada, não chegue perto do aeroporto, apenas certifique-se de que as ruas estão tranqüilas e... ah, sim, aumente a pressão sobre o Tudeh. Aliás, obedeça às ordens de Khomeini de arrasá-los. Incendeie o quartel-general deles hoje à noite e prenda os líderes conhecidos. — Será um pishkesh perfeito, caso eu precise de um, pensara, encantado com a própria esperteza. Fazir não é fanaticamente anti-Tudeh? Graças a Deus que Petr Oleg já aprovou.
Então ele tinha mandado Mazardi embora e xingara todos os que estavam por perto, mandando-os embora também. O que será que esse filho de um cão do Fazir quer comigo?
Ao longo dos anos, eles tinham se encontrado diversas vezes e tinham trocado informações, vantajosas para ambos. Mas o coronel Hashemi Fazir era um desses homens que acreditavam que a única proteção do Irã repousava num governo absolutamente centralizado, com sede em Teerã, e que os chefes tribais eram arcaicos e representavam um perigo para o Estado — e, acima de tudo, Fazir era um teerani com o poder para descobrir muitos segredos, segredos que poderiam ser usados contra ele. Que Deus amaldiçoe todos os teeranis e os mande para o inferno. E Azadeh, e o seu maldito marido!
Azadeh! Será que eu gerei mesmo aquele demônio? Não é possível! Alguém deve ter... Deus me perdoe por desconfiar da minha amada Naphtala! Azadeh está possuída pelo demônio. Mas ela não vai escapar, oh não, eu juro que a levarei para Tbilisi e que deixarei Petr usá-la..
O sangue começou a rugir nos seus ouvidos e o aperto no peito recomeçou, uma dor incômoda. Pare, disse a si mesmo, ansiosamente, acalme-se. Deixe-a de lado, você vai ter sua vingança mais tarde. Pare ou você se matará! Pare com isso, deixe-a de lado e pense em Fazir, você vai precisar de toda a sua astúcia para lidar com ele. Ela não pode escapar.
Quando, logo depois do amanhecer, os guardas apavorados tinham corrido para lhe dizer que os dois prisioneiros haviam desaparecido e, quase ao mesmo tempo, viram que ela não estava lá, a sua violência não teve limites. Imediatamente ele mandara homens revistarem o esconderijo dela nos rochedos, de cuja existência ele sabia há anos e ordenara que eles não voltassem sem ela e os sabotadores. Mandara decepar o nariz do guarda da noite, os outros guardas foram açoitados e atirados na prisão, acusados de conspiração, as criadas dela foram chicoteadas. Por fim, saíra bufando para o aeroporto, deixando uma nuvem de terror por todo o palácio.
Que Deus amaldiçoe todos eles, pensou, fazendo um esforço enorme para se acalmar, sem tirar os olhos do jato. O céu estava parcialmente azul, com nuvens ameaçadoras e um vento mau que varria a pista coberta de neve. Ele estava usando um chapéu de astracã, um sobretudo com gola de pele e botas forradas de pele, e o frio embaçava-lhe os óculos. No bolso, trazia um pequeno revólver. Atrás dele, o pequeno prédio do terminal estava vazio, exceto pelos seus homens que guardavam o aeroporto e a estrada de acesso ao lado. Em cima, no telhado, colocara um atirador com instruções para matar Fazir caso ele tirasse do bolso um lenço branco e assoasse o nariz. Eu fiz tudo o que podia, agora está nas mãos de Deus. Exploda, seu filho da mãe!
Mas o 125 fez uma aterrissagem perfeita, com a neve espirrando das rodas. O seu temor aumentou. E também o som das batidas do seu coração.
Seja como Deus quiser — murmurou e entrou no banco de trás do carro, separado do motorista e de Ahmed, seu conselheiro de maior confiança e guarda-costas, pelo vidro móvel, à prova de balas.
— Intercepte-o — ordenou e verificou o revólver, deixando-o destravado. O 125 saiu do final da pista e foi para a área de abastecimento, virou a favor do vento e parou. Tudo estava deserto, só havia montes de neve e espaços vazios. O grande Rolls parou ao lado do avião e a porta do jato se abriu. Ele viu Hashemi Fazir em pé na porta, acenando para ele:
— Salaam! Que a paz esteja com Vossa Alteza, venha a bordo. Abdullah Khan abriu o vidro e respondeu:
— Salaam, que a paz esteja com Vossa Excelência, venha para cá. — Você deve achar que eu sou um idiota em colocar a minha cabeça numa armadilha dessas, pensou. — Ahmed, suba a bordo, vá armado e finja que não sabe falar inglês.
Ahmed Dursak era um turcomano muçulmano, muito forte, muito rápido com um revólver ou uma faca. Ele saiu do carro, com a metralhadora na mão, e subiu rapidamente os degraus, com o vento levantando o seu casaco comprido.
— Salaam, coronel Excelência — disse em farsi, parando no último degrau. — O meu mestre pede que o senhor se junte a ele no carro. As cabines de jatos pequenos o fazem sentir-se mal. No carro os senhores podem conversar em particular e em paz, totalmente sozinhos se desejar. Ele pergunta se o senhor honrará a sua pobre casa ficando com ele durante sua permanência aqui.
Hashemi ficou chocado de que Abdullah tivesse tido a ousadia — e a confiança — de mandar um emissário armado. Ir para o carro também não convinha a ele, era muito fácil haver aparelhos escondidos.
— Diga a Sua Alteza que eu às vezes fico enjoado em carros e que peço que ele venha até aqui. Aqui nós podemos conversar em particular, também podemos ficar a sós e isto seria um favor que ele me faria. É claro que você deve revistar a cabine, para o caso de um inimigo ter-se escondido a bordo.
— O meu mestre preferiria, Excelência, que...
Hashemi chegou mais perto dele e seus lábios eram uma linha e sua voz dura.
— Reviste o avião! Agora! E faça isso depressa, Ahmed Dursak, três vezes assassino. Uma delas de uma mulher chamada Najmeh. E faça o que estou mandando ou você não durará mais nem uma semana nesta terra.
— Então estarei mais depressa no paraíso, porque servindo o khan eu estou fazendo o trabalho de Deus — disse Ahmed Dursak — mas vou fazer a revista como o senhor deseja. — Ele entrou na cabine e viu os dois pilotos. Armstrong estava na cabine. Seus olhos se estreitaram, mas não disse nada, apenas passou por ele educadamente e abriu a porta do toalete, certificando-se de que estava vazio. Não havia nenhum outro lugar onde alguém pudesse esconder-se.
— Se o que o senhor sugere for possível, Excelência, os pilotos sairão? Antes, Hashemi tinha perguntado ao capitão, John Hogg, se ele se importaria de sair caso fosse necessário.
— Desculpe, senhor — dissera Hogg — mas eu não gosto nem um pouco dessa idéia.
— Seria apenas por alguns minutos. O senhor pode levar a chave da ignição, e os disjuntores — dissera Robert Armstrong. — Eu me responsabilizo pessoalmente de que ninguém entre na cabine do piloto nem toque em nada.
— Eu ainda não gosto da idéia, senhor.
— Eu sei — respondera Armstrong. — Mas o capitão McIver lhes disse que obedecessem às instruções. Dentro do razoável. E isso está dentro do razoável.
Hashemi viu a arrogância no rosto de Ahmed e teve vontade de arrancá-la dali. Isto vem mais tarde, prometeu a si mesmo.
— Os pilotos esperarão no carro.
— E o infiel?
— Este infiel fala farsi melhor do que você, e se você for esperto, verme, será educado com ele e o chamará de Excelência, pois posso lhe assegurar, e aos seus ancentrais turcomanos, que ele tem uma memória tão boa quanto a minha e pode ser muito mais cruel do que você imagina.
Ahmed esboçou um sorriso.
— E Sua Excelência, o infiel, ele também vai esperar na pista?
— Ele fica aqui. Os pilotos vão esperar dentro do carro. Se Sua Alteza quiser trazer um guarda com ele, para certificar-se de que não há nenhum assassino escondido, ele será bem-vindo. Se este acordo não estiver bom para ele, talvez nós possamos nos encontrar na chefatura de polícia. Agora dê o fora.
Ahmed agradeceu educadamente, desceu e contou ao khan o que fora dito, acrescentando:
— Acho que aquele cão deve estar muito seguro de si mesmo para ter sido tão grosseiro. — E no avião, Hashemi dizia em inglês:
— Robert, aquele filho de um cão deve estar muito seguro de si para ter criados tão arrogantes.
— Você realmente arrastaria o khan de todos os Gorgons para a chefatura de polícia?
— Eu poderia tentar. — Hashemi acendeu outro cigarro. — Mas acho que não conseguiria. O sobrinho dele, Mazardi, ainda é o chefe de polícia e a polícia aqui ainda mantém grande parte do seu poder. Os Faixas Verdes e os komitehs ainda não estão dominando.
— Por causa de Abdullah?
— É claro que sim. Durante meses, por ordem dele, a polícia de Tabriz apoiou Khomeini. A única diferença dos tempos do xá para os tempos de Khomeini é que os retratos do xá foram substituídos pelos retratos de Khomeini, os emblemas do xá foram retirados de todos os uniformes e agora o poder de Abdullah é maior do que nunca. — Um vento gelado entrou pela porta entreaberta. — O povo do Azerbeijão é uma raça traiçoeira e cruel. Os xás Qajar vieram de Tabriz, bem como o xá Abbas, que construiu Isfahan e tentou garantir a sua longevidade assassinando seu filho mais velho e cegando outro ..
Hashemi Fazir estava observando o carro pela janela, desejando que Abdullah cedesse. Ele agora se sentia melhor e mais confiante de que veria o Dia Santo desta semana do que estivera no sábado à noite, quando o general Janan invadira o seu QG com ordens para dissolver o Serviço Secreto e levara os cassetes e Rakoczy. Durante toda aquela noite ele tinha ficado apavorado, então, na madrugada de ontem, quando saiu de casa, descobriu que havia homens seguindo-o e, de manhã, sua mulher e seus filhos foram empurrados na rua. Ele só conseguira se livrar das pessoas que o seguiam no início da tarde. Nessa ocasião, um dos líderes do seu Grupo Quatro, secreto, estava esperando num esconderijo e naquela noite, quando o general Janan saltou da sua limusine à prova de balas para entrar em casa, um carro estacionado ali perto, cheio de explosivos plásticos, explodiu, matando a ele e a dois dos seus assistentes de maior confiança, destruindo totalmente sua casa, acabando com sua mulher, três filhos e sete criados — além do seu velho e enfermo pai. Homens gritando slogans esquerdistas dos mujhadins foram vistos fugindo do local. Na fuga, eles deixaram panfletos grosseiramente escritos: "Morte à Savak, agora Savana."
Nas primeiras horas da manhã, meia hora depois de Abrim Pahmudi ter deixado discretamente a cama de sua amante muito secreta, homens cruéis tinham-lhe feito uma visita. Mais slogans esquerdistas tinham sido ouvidos e a mesma mensagem fora rabiscada nas paredes, com sangue, vômito e fezes da moça em lugar de tinta. Às nove horas daquela manhã, com hora marcada, ele tinha ido apresentar as suas condolências a Abrim Pahmudi pelas duas tragédias — é claro que o Serviço Secreto o informara a respeito. Como pishkesh ele levou parte do testemunho de Rakoczy como uma informação que tivesse vindo parar em suas mãos através de outras fontes — contendo o estritamente necessário para ter valor.
— Estou certo, Excelência, de que se pudesse continuar com o meu trabalho, poderia conseguir muito mais. E se o meu departamento fosse honrado com a sua confiança e tivesse permissão para operar como antes — mas reportando-se unicamente ao senhor e a nenhum outro poder — eu poderia evitar esses horrores e talvez remover esses cães terroristas da face da terra. Enquanto ele estava lá, um assistente entrara às pressas, desolado, para dizer que outros terroristas tinham assassinado um dos mais importantes aiatolás de Teerã — outro carro-bomba — e que o Komiteh Revolucionário exigia a presença imediata de Pahmudi. Pahmudi levantara-se imediatamente, mas antes de sair revogou suas ordens anteriores.
— Concordo, coronel Excelência. Por trinta dias. O senhor tem trinta dias para provar o seu valor.
— Obrigado, Excelência, a sua confiança me honra, pode ter certeza da minha lealdade. Posso ter Rakoczy de volta, por favor?
— Aquele cão, o general Janan deixou que ele fugisse.
Depois ele fora para o aeroporto e se encontrara com Robert Armstrong no 125 e, uma vez lá em cima, rira às gargalhadas. Era a primeira vez que um carro-bomba com um detonador de controle remoto era usado no Irã.
— Por Deus, Robert — dissera alegremente —, é totalmente eficiente. Você fica esperando a cem metros de distância até ter certeza de que é ele, depois liga o botão do controle que não é maior do que uma carteira de cigarros e... bum! mais um inimigo que se vai para sempre, e o seu pai! — E enxugou as lágrimas dos olhos, morrendo de rir. — Foi isso que abalou Pahmudi. Sim, e sem o Grupo Quatro teríamos sido eu e minha família.
O Grupo Quatro nascera de uma sugestão de Armstrong que ele aceitara e trabalhara: pequenos bandos de homens e mulheres bem selecionados, altamente treinados nas mais modernas táticas antiterroristas, muito bem pagos e cuidadosamente protegidos — todos não-iranianos, e todos desconhecidos entre si — conhecidos apenas por Hashemi e leais a ele. O seu anonimato significava que uns podiam ser usados contra os outros caso fosse necessário. Individualmente eles eram descartáveis e facilmente substituíveis — no Oriente Médio e no Oriente Próximo havia muita pobreza, muitas causas traídas, muito ódio, muitas crenças, muitos desabrigados, o que fornecia um mar de homens e mulheres desesperados por um emprego desses.
Ao longo dos anos, o seu time do Grupo Quatro prosperara, seus golpes eram secretos, na grande maioria secretos até para Armstrong. Ele olhou para Armstrong e sorriu.
— Sem eles eu estaria morto.
— Eu também, provavelmente. Fiquei terrivelmente assustado quando aquele desgraçado do Janan disse: "Dou-lhe um dia e uma noite por causa dos serviços prestados." Aquele desgraçado nunca deveria ter-me deixado sair.
— E verdade. — Alguns milhares de metros abaixo deles a terra estava coberta de neve e o jato já estava sobrevoando as montanhas, a viagem até Tabriz levava pouco mais de meia hora.
— E quanto a Rakoczy? Você acredita no que Pahmudi disse, sobre ele ter fugido?
— É claro que não, Robert. Rakoczy era uma troca, um pishkesh. Quando Pahmudi viu que as fitas estavam vazias e viu o estado em que Rakoczy se encontrava, ele deixou de ter qualquer valor, exceto como um pagamento por favores prestados no passado. Ele não poderia saber da ligação com o seu Petr Oleg Mzytryk. Ou poderia?
— Não é provável — eu diria impossível.
— É provável que ele esteja no QG soviético, se não estiver morto. Os soviéticos vão querer saber o que ele revelou... ele poderia dizer-lhes?
— Duvido. Ele estava no limiar. — Armstrong sacudiu a cabeça. — Duvido. O que você vai fazer agora que é outra vez o sr. Maioral? Alimentar Pahmudi com um pouco mais de informação sobre ele nos próximos trinta dias, se ele estiver vivo nos próximos trinta dias?
Hashemi sorriu de leve e não respondeu. Eu ainda não sou o sr. Maioral, pensou, nem estou seguro enquanto Pahmudi não estiver no inferno — junto com muitos outros. Eu talvez ainda tenha que usar o seu passaporte. Armstrong tinha-lhe dado o passaporte antes de decolarem. Ele o checara cuidadosamente.
Depois tinha fechado os olhos e relaxado, gozando do luxo e do conforto do jato particular que já estava sobre Qazvin, a apenas 15 minutos de Tabriz. Mas não cochilou. Passou o tempo pensando no que fazer a respeito da Savama, de Pahmudi e Abdullah Khan, e no que fazer com Robert Armstrong, que sabia demais.
Pela janela da cabine, ele continuou a vigiar o Rolls, grande, imaculado, e possuído por tão poucos na terra. Por Deus e pelo Profeta, quanta riqueza, pensou, maravilhado com esta prova do poder e da posição do khan. Quanto poder ele tem para exibir um tal bem, destemidamente, diante dos komitehs e de mim. Abdullah Khan não vai ser fácil de dobrar.
Sabia que ali no avião eles estavam perigosamente expostos — alvos fáceis se Abdullah ordenasse aos seus homens que atirassem neles —, mas tinha abandonado esta possibilidade, certo de que nem mesmo Abdullah Khan ousaria atacar tão abertamente três infiéis, um jato e ele. Mas para o caso do khan ter providenciado um 'acidente', dois times do Grupo Quatro já estavam a caminho por terra, um para Abdullah pessoalmente, o outro para a sua família, e só deixariam de agir se ouvissem dele mesmo o código combinado. Ele sorriu. Uma vez Robert Armstrong dissera-lhe que o castigo chinês para uma pessoa importante nos velhos tempos era "morte — e para todas as gerações".
— Eu gosto disso, Robert — comentara. — Isso tem estilo.
Ele viu a porta da frente do carro se abrir. Ahmed saltou, carregando a metralhadora, depois foi até a porta traseira e abriu-a para Abdullah.
— Você ganhou o primeiro round, Hashemi — disse Armstrong e foi até a frente do avião. — Pronto capitão, não demoraremos muito.
Relutantemente, os dois pilotos saíram da pequena cabine, enfiaram os casacos e desceram rapidamente os degraus. Eles cumprimentaram o khan educadamente. Ele fez sinal para que entrassem no carro e começou a subir a escada do avião, seguido por Ahmed.
— Salaam, Alteza, que a paz esteja com o senhor — disse Hashemi, calorosamente, cumprimentando-o na porta, uma deferência que Abdullah notou imediatamente.
— E também com o senhor, coronel Excelência. — Eles trocaram um aperto de mão. Abdullah passou por ele e entrou na cabine, com os olhos fixos em Armstrong, e sentou-se na cadeira mais próxima da saída.
— Salaam, Alteza — disse Armstrong. — Que a paz esteja com o senhor
— Este é um colega meu — disse Hashemi, sentando em frente ao khan.
— Um inglês, Robert Armstrong.
— Ah, sim, o Excelência que fala farsi melhor que o meu Ahmed e que é famoso por sua memória... e crueldade. — Atrás dele, Ahmed tinha fechado a pesada cortina por sobre a porta e estava em pé de costas para a cabine do piloto, de guarda, com a arma preparada, mas não de uma forma grosseira.
— Hein?
Armstrong sorriu.
— Isso foi uma brincadeira do coronel, Alteza.
— Não concordo. Mesmo em Tabriz nós já ouvimos falar do especialista do Departamento Especial, que ficou 12 anos a serviço do xá, como cão de caça dos seu cães de caça — Abdullah disse desdenhosamente em farsi. O sorriso desapareceu do rosto de Armstrong, e tanto ele quanto o coronel ficaram tensos com a grosseria. — Eu li a sua ficha. — Ele pousou os seus olhos negros em Hashemi, completamente seguro de que o seu plano iria funcionar: a um sinal dele Ahmed os mataria, sabotaria o avião, mandaria os pilotos de volta para uma rápida decolagem e uma explosão — nada a ver com ele, pela Vontade de Deus, e ele, depois de uma conversa tão proveitosa, em que prometara "apoio total ao governo central", ficaria muito triste.
— Então, Excelência — disse —, tornamos a nos encontrar. O que posso fazer pelo senhor? — Eu sei que, infelizmente, o seu tempo aqui conosco é curto.
— Talvez, Alteza, seja eu que possa fazer algo pelo senhor. Tal...
— Vá direto ao assunto, coronel — disse grosseiramente o khan, desta vez em inglês, totalmente seguro de si. — Nós conhecemos um ao outro, podemos dispensar os cumprimentos e os elogios e ir direto ao assunto. Eu sou muito ocupado. Se o senhor tivesse tido a delicadeza de vir até o meu carro, sozinho, eu me sentiria melhor, nós poderíamos conversar em particular, com calma. Agora vá direto ao assunto!
— Eu quero conversar com o senhor a respeito do seu supervisor, coronel Petr Oleg Mzytryk — Hashemi disse com a mesma grosseria, mas sentindo-se de repente apavorado de que tivesse caído numa armadilha e que Abdullah fosse um partidário secreto de Pahmudi —, e sobre a sua longa ligação com a KGB através de Mzytryk, cujo nome de código é Ali Khoy.
— Supervisor? Que supervisor? Quem é este homem? — Abdullah escutou sua própria voz perguntando, mas sua cabeça rodava. Você não pode saber isso, é impossível. E através das batidas desordenadas do seu coração, ele viu o coronel abrir a boca e dizer outras coisas que tornaram tudo muito pior, muito pior, e, pior que tudo, estragaram o seu plano. Se o coronel estava falando a respeito de coisas tão secretas abertamente, na frente deste estrangeiro e de Ahmed, é que estes segredos deveriam estar gravados em algum lugar, guardados num lugar seguro para serem entregues ao Komiteh Revolucionário e aos seus inimigos no caso de algum acidente.
— O seu supervisor — insistiu Hashemi, notando a mudança e aproveitando-se da vantagem —, Petr Oleg, cuja fazenda fica no lago Tzvenghid no vale Oculto, a leste de Tbilisi, cujo nome de código é Ali Khoy, e o seu é Iv...
— Espere — disse Abdullah, com voz rouca, o rosto lívido. Nem mesmo
Ahmed sabia disso, e não devia saber. — Eu... eu... dê-me um pouco d'agua. Armstrong fez menção de se levantar, mas parou diante da arma de Ahmed apontada para ele.
— Por favor, sente-se, Excelência, eu vou buscar água. Coloquem os cintos de segurança, todos dois.
— Não há nenhu...
— Façam o que estou dizendo — Ahmed rosnou e levantou a arma, espantado com a mudança na aparência e nos modos do khan e preparado para pôr em prática o outro plano sozinho. — Coloquem os cintos!
Eles obedeceram. Ahmed estava perto do filtro e encheu um copo de plástico e entregou-o ao khan. Hashemi e Armstrong ficaram olhando, sem ação. Nenhum deles tinha esperado uma capitulação tão imediata do khan. O homem parecia ter encolhido diante dos olhos deles, e estava muito pálido e respirando com dificuldade.
O khan terminou de beber a água e olhou para Hashemi, com os olhos injetados de sangue por trás dos óculos. Ele os tirou e limpou distraidamente, tentando recuperar as forças. Tudo parecia estar demorando mais do que o normal.
— Espere por mim ao lado do carro, Ahmed.
Inquieto, Ahmed obedeceu. Armstrong abriu o cinto e tornou a fechar a cortina. Por um momento, o khan sentiu-se melhor, o ar gelado que entrou ajudou a clarear a sua mente. — E então, o que vocês querem?
— O seu nome de código é Ivanovitch. Você tem sido um espião da KGB desde janeiro de 1944. Durante este tempo, você...
— Tudo mentira. O que você quer?
— Eu quero me encontrar com Petr Oleg Mzytryk. Eu quero interrogá-lo seriamente. Em segredo.
O khan ouviu as palavras e pesou-as. Se esse filho de um cão sabia o nome de código de Petr e o seu próprio e sabia a respeito do vale Oculto e de janeiro de 1944 quando ele foi secretamente a Moscou para entrar para a KGB, então ele deveria saber coisas mais sérias. O fato de que ele estava jogando dos dois lados para o bem do seu Azerbeijão faria pouca diferença para os assassinos da direita ou da esquerda.
— Em troca de quê?
— Liberdade para agir no Azerbeijão, enquanto o senhor fizer o que for bom para o Irã, e um firme relacionamento de trabalho comigo. Eu lhe darei informações que porão o Tudeh, os esquerdistas e os curdos nas suas mãos, — e lhe darei provas de como os soviéticos o estão enganando. Por exemplo, o senhor foi declarado Seção 16/a.
O khan olhou-o boquiaberto. Seus ouvidos começaram a rugir.
— Eu não acredito nisso!
— Petr Oleg Mzytryk assinou a ordem — disse Hashemi.
— Pr... provas, eu... eu quero provas — ele gaguejou.
— Traga-o para o lado de cá da fronteira, vivo, e eu lhe darei provas... pelo menos ele dará.
— Você... você está mentindo.
— O senhor não planejou ir para Tbilisi hoje ou amanhã, a convite dele? O senhor não voltaria nunca. A versão seria que o senhor teria fugido do Irã.
O senhor seria denunciado, seus bens confiscados e sua família caíra em desgraça. .. e seria entregue aos mulás. — Agora que Hashemi sabia que tinha Abdullah nas mãos, a única coisa que o preocupava era o estado de saúde do homem. Sua cabeça apresentava uma ligeira contração, o rosto geralmente corado estava pálido, com uma estranha vermelhidão em volta dos olhos e nas têmporas, e a veia da sua testa estava saltada. — É melhor o senhor ir para o norte e dobrar a sua guarda. Eu poderia negociar Petr Oleg... melhor ainda, eu poderia permitir que o senhor o resgatasse e... bem, há muitas soluções caso eu me apodere dele.
— O que... o que você quer com ele?
— Informação.
— Eu... eu poderia tomar parte nisso? Hashemi sorriu.
— Por que não? Então está combinado?
A boca do khan moveu-se sem produzir nenhum som. Depois ele disse:
— Eu vou tentar.
— Não — o coronel disse duramente, achando que tinha chegado a hora do coup de grace. — Não. O senhor tem quatro dias. Eu voltarei no sábado. Ao meio-dia de sábado eu estarei no seu palácio para receber a mercadoria. Ou, se o senhor preferir, poderá entregá-lo secretamente neste endereço. — E pôs um pedaço de papel na mesa entre eles. — Ou, terceira opção, se o senhor me disser a hora e o lugar em que ele atravessará a fronteira, eu providenciarei tudo. — Ele soltou o cinto de segurança e se levantou. — Quatro dias, Ivanovitch.
A raiva de Abdullah quase lhe arrebentou os tímpanos. Ele tentou levantar-se mas não conseguiu. Armstrong ajudou-o e Hashemi foi até a cortina, mas antes de abri-la tirou a automática do coldre.
— Diga a Ahmed para não nos atrapalhar.
Fraco, o khan ficou em pé na porta e fez o que lhe tinha sido ordenado. Ahmed estava ao pé da escada, com a arma preparada. O vento mudara de direção, agora estava soprando em direção ao final da pista e tinha aumentado consideravelmente.
— Você não ouviu o que Sua Alteza disse? — O coronel gritou. — Está tudo bem, mas ele precisa de ajuda. — Manteve a voz calma. — Ele deve ver um médico o quanto antes.
Ahmed estava confuso, sem saber o que fazer. Lá estava o seu mestre, visivelmente pior do que antes, mas aqui estavam os homens que tinham causado isso — que deviam ser mortos.
— Ajude-me a entrar no carro, Ahmed — disse o khan, com um palavrão e isso resolveu tudo.
Ele obedeceu imediatamente. Armstrong segurou-o do outro lado e, juntos, eles desceram as escadas. Rapidamente, os pilotos saíram e correram para o avião enquanto Armstrong ajudava o homem enfermo a entrar no banco de trás. Abdullan ajeitou-se com dificuldade, enquanto Armstrong sentia-se mais nu do que nunca, ali sozinho, desprotegido, enquanto Hashemi ficava em segurança na porta da cabine. Os motores a jato ganharam vida.
— Salaam, Alteza — ele disse. Espero que o senhor esteja bem
— É melhor o senhor sair depressa da nossa terra — disse o khan. Depois falou para o motorista: — Volte para o palácio.
Armstrong ficou observando o carro se afastar, depois voltou-se. Viu o estranho sorriso de Hashemi, a automática semi-oculta na mão, e por um momento pensou que o homem ia atirar nele.
— Depressa, Robert!
Ele subiu correndo os degraus, com as pernas geladas. O co-piloto já tinha apertado o botão de recolher a escada. A escada subiu, a porta foi fechada e eles começaram a se mover. Lá dentro, ele se sentiu revigorado.
— Está frio lá fora — disse. Hashemi não prestou atenção nele.
— Capitão, decole o mais rápido possível — ordenou, em pé atrás dos pilotos.
— Eu vou ter que taxiar para trás, senhor. Eu não ouso decolar deste lado, com o vento soprando por trás.
Hashemi praguejou e espiou pela janela da cabine de pilotagem. O outro lado da pista parecia estar a um milhão de quilômetros de distância, com o vento levantando bolos de neve. Para usar a rampa de saída correta, eles teriam que passar perto da área de estacionamento do terminal. Eles teriam que cruzá-la e usar a rampa oposta para a decolagem. O Rolls estava se afastando em direção ao terminal. Ele podia ver homens armados reunindo-se para esperá-lo.
— Recue pela pista e faça uma decolagem curta.
— Isso é altamente irregular sem autorização da torre — disse John Hogg.
— Você prefere uma bala na cabeça ou uma prisão da Savak? Aqueles homens são inimigos. Faça o que estou dizendo!
Hogg podia ver as armas. Ele ligou o seu botão de transmissão.
— ECO TANGO LIMA LIMA pedindo permissão para recuar — disse, não esperando nenhuma resposta.
Depois de saírem do espaço aéreo de Teerã, não tinha havido nenhuma resposta até ali, e nenhum contato com essa torre. Ele deslizou o jato de marcha à ré pela pista, derrapando, e acelerou um pouco mais, mantendo-se à esquerda, seguindo a trilha que deixaram ao descer. — Torre, aqui é Eco Tango Lima Lima, dando marcha à ré. — Gordon Jones, o co-piloto, estava checando tudo, preparando a viagem de volta a Teerã. O vento os empurrava, as rodas incertas. Eles viram o Rolls parar no terminal e os homens o cercarem.
— O mais rápido que puder. Faça a volta, há pista suficiente — disse Hashemi.
— Assim que for possível, senhor — disse educadamente John Hogg, mas estava pensando, deixe de ser metido, coronel sei lá o quê, eu estou mais do que ansioso para subir, mas tenho que dar uma folga. Ele tinha visto a hostilidade dos homens no carro e, em Teerã, o nervosismo de McIver. Mas a torre de Teerã dera-lhes autorização imediatamente, dera-lhes prioridade como se ele estivesse levando o próprio Khomeini. Maldição, o que nós somos capazes de fazer pela Inglaterra e por uma caneca de cerveja! Suas mãos e seus pés estavam sentindo a neve e o gelo e a superfície escorregadia. Ele diminuiu um pouco a aceleração.
— Olhe! — disse o co-piloto. Um helicóptero a jato estava cruzando o espaço aéreo, mais ou menos a um quilômetro de distância. — É um 212, não é?
— É. Não parece que esteja vindo para cá — disse Hogg, observando atentamente em volta.
No terminal, um outro carro tinha-se juntado aos homens que rodeavam o Rolls; na frente, à esquerda, havia um clarão luminoso; agora o 212 tinha entrado atrás de uma colina; à direita havia um bando de pássaros; todos os mostradores estavam no verde; havia mais homens perto do Rolls e alguém no telhado do prédio do terminal; o combustível estava em bom nível; a neve não estava muito profunda, com um lençol de gelo por baixo; cuidado com o monte de neve aí na frente; vá um pouco mais para a direita; o rádio está sintonizado corretamente; o vento ainda está na nossa traseira; nuvens de tempestade estão se formando ao norte; diminua um pouco o motor esquerdo!
Hogg corrigiu a guinada, com o avião supersensível na superfície gelada.
— Talvez seja melhor o senhor voltar para o seu lugar, coronel — disse.
— Decole o mais rápido que puder. — Hashemi voltou. Armstrong estava espiando pela janela na direção do terminal. — O que eles estão fazendo lá, Robert? Algum problema? — perguntou.
— Ainda não. Meus parabéns. Você lidou brilhantemente com Abdullah.
— Se ele fizer a entrega. — Agora que estava tudo terminado, Hashemi estava se sentindo mal. Perto demais da morte desta vez, pensou, ele colocou o cinto de segurança, depois abriu-o, tirou a automática do bolso, colocou a trava de segurança e enfiou-a no coldre. Seus dedos tocaram no passaporte britânico que estava no seu bolso de dentro. Talvez eu não vá precisar dele afinal, pensou. Ótimo. Eu odiaria cair em desgraça para ter que usá-lo. Ele acendeu um cigarro.
— Você acha que ele vai durar até sábado? Pensei que ele fosse ter um ataque.
— Há anos que ele é assim gordo e horrível.
Armstrong percebeu o ódio latente. Hashemi Fazir era sempre perigoso, estava sempre tenso, o seu patriotismo fanático misturava-se ao seu desprezo pela maioria dos iranianos.
— Você lidou com ele maravilhosamente — disse e tornou a olhar pela janela. O Rolls e o outro carro e os homens em volta estavam muito longe e semi-ocultos pelas dunas de neve, mas ele podia ver muitas armas no meio deles e de vez em quando alguém apontava na direção deles. Vamos, pelo amor de Deus, pensou, vamos subir.
— Coronel — a voz de Hogg veio pelo intercomunicador — o senhor poderia vir até aqui?
Hashemi tirou o cinto e foi até a cabine de pilotagem.
— Lá, senhor — disse Hogg, apontando para a direita, depois do final da pista, para um grupo de pinheiros no começo da floresta. — O que o senhor acha daquilo? — O pequeno clarão de luz começou a piscar de novo. — É um SOS.
— Robert — Hashemi exclamou — olhe à frente e à direita.
Os quatro homens se concentaram. Mais uma vez a luz repetiu o SOS. — Não há nenhuma dúvida, senhor — disse Hogg. — Eu poderia sinalizar de volta. — Ele apontou para o flash de sinalização usado para emergências que produzia uma luz verde ou vermelha no caso do rádio falhar.
Hashemi tornou a falar para dentro da cabine
— O que você acha, Robert?
— É um SOS sim!
O 125 estava descendo a pista em direção ao sinal. Eles esperaram, depois viram três pessoas saírem do meio das árvores, dois homens e uma mulher usando um chador. E viram as armas deles.
— É uma armadilha — disse Hashemi, imediatamente —, não se aproxime, dê meia-volta!
— Não posso — respondeu Hogg —, não há espaço suficiente. — Ele abriu um pouco mais as válvulas. O jato estava taxiando muito depressa, seguindo a trilha de descida. Eles podiam ver as pessoas sacudindo as armas.
Armstrong gritou:
— Vamos dar o fora daqui!
— Assim que eu puder, senhor. Coronel, talvez seja melhor o senhor voltar para o seu lugar, pode sacudir um pouco — disse Hogg, com voz neutra, depois tirou-os da mente. — Gordon, fique de olho naqueles desgraçados lá fora e no terminal.
— Claro. Não se preocupe.
O capitão virou-se momentaneamente para checar o outro lado da pista, achou que ainda não estavam na distância certa, mas diminuiu a aceleração e tocou nos freios. Começou a derrapar; então soltou os freios, mantendo o jato o mais reto possível, com o vento castigando-os. As figuras perto das árvores estavam maiores agora.
— Eles parecem gente das tribos. Duas carabinas automáticas. — Gordon Jones examinou o terminal. — O Rolls foi embora, mas tem um carro vindo pela rampa nesta direção.
— Desacelerando agora. Ainda muito depressa para virar.
— Cristo, eu acho... eu acho que um dos homens da tribo atirou — Jones disse nervosamente.
— Aqui vamos nós — Hogg falou no intercomunicador, freou, sentiu o avião derrapar, segurou-o, começou a fazer uma volta para a direita em toda a largura da pista, o impulso fazendo-os desequilibrarem-se e com o vento ainda hostil.
Na cabine, Armstrong e Hashemi estavam-se segurando fortemente, espiando pelas janelas. Eles viram uma das figuras correndo na direção deles, empunhando a arma. Armstrong resmungou:
— Nós somos um alvo fácil. — Ele sentiu o jato derrapando ao fazer a volta, sem tração, e praguejou.
Na cabine de pilotagem, Hogg estava assoviando desafinadamente. O jato oscilou sobre as trilhas de descida, ainda derrapando, o lado oposto da pista bloqueado por dunas pesadas e sólidas. Ele não ousou acelerar ainda e esperou, com a boca seca, torcendo para que ele desse a volta mais depressa e entrasse no vento. Mas ele não o fez, apenas continuou a deslizar, com as rodas imprestáveis, os freios perigosos, os motores gemendo e o gelo na superfície.
Inexoravelmente, as dunas foram-se aproximando cada vez mais. Ele podia ver as lâminas de gelo que rasgariam a sua fina superfície. Não havia nada a fazer a não ser esperar. Então uma rajada de vento bateu na cauda do avião e o fez dar uma guinada e agora, embora ele ainda estivesse deslizando, estava de frente para o vento. Delicadamente, ele acelerou os dois motores, sentiu a derrapagem diminuindo e imediatamente começou a empurrar os aceleradores até conseguir alguma velocidade, conseguindo mais controle, depois controle completo e finalmente empurrou os aceleradores com força. O 125 pulou para a frente, suas rodas deixaram a superfície, ele recolheu o trem de aterrissagem e estavam planando.
— Podem fumar se desejarem — disse laconicamente no intercomunicador, inteiramente satisfeito consigo mesmo.
No campo de aviação, não muito longe das árvores, Ross tinha parado de correr e acenar, com dor no peito.
— Malditos filhos da mãe — gritou para o avião. — Será que vocês não têm olhos?
Profundamente desapontado, ele começou a caminhar de volta para onde estavam os outros, que tinham esperado obedientemente na beira da floresta. Todos estavam deprimidos. Tão perto, pensou. Pelo binóculo, ele tinha visto o khan chegar, depois subir a bordo, depois, mais tarde, Armstrong descer as escadas com o khan, ajudando-o.
— Oh, deixe-me olhar, Johnny. — dissera Azadeh ansiosamente e focalizara o binóculo para enxergar melhor. — Oh, meu Deus, papai parece doente. Espero que ele esteja bem. O médico está sempre dizendo a ele para fazer uma dieta e trabalhar menos.
— Ele está indo muito bem, Azadeh — ele retrucara, tentando disfarçar o sarcasmo. Mas ela percebera e corara, dizendo:
— Oh, desculpe... eu não tive a intenção... eu sei que ele..
— Eu não estava querendo dizer nada — ele atalhou, focalizando o binóculo em Armstrong, elaborando um plano para entrar a bordo. Tão fácil. Um avião da S-G, era fácil reconhecer pelo emblema, e Armstrong. Estamos salvos! Mas agora não estamos salvos, estamos numa enrascada, disse a si mesmo com mais amargura ainda, caminhando pela neve, sentindo-se imundo e desejando um banho e louco de raiva. Eles têm que ter visto o SOS. Será que estavam com a cabeça nas nuvens? Por que diabo eles.
Ouviu o sinal de perigo emitido por Gueng e virou-se. Um carro estava a poucas centenas de metros de distância, dirigindo-se para lá. Ele correu e apontou para a floresta.
— Vamos para lá!
Já tinha planejado com antecedência. Primeiro o aeroporto, depois, se não desse certo, eles podiam ir para a base de Erikki. A base ficava a uns seis quilômetros de distância, a sudeste de Tabriz. Protegido pelas árvores, ele parou e olhou para trás. O carro parou no final da pista e alguns homens saltaram, começaram a persegui-los mas acharam o caminho muito pesado no meio da neve. Então tornaram a entrar no carro e foram embora.
— Eles não vão conseguir nos alcançar — disse Ross. Ele foi caminhando na frente cada vez mais para dentro da floresta, mantendo-se necessariamente no caminho mais difícil.
Na beirada da floresta havia campos gelados que no verão possuíam uma vegetação abundante, a maior parte pertencia a um pequeno número de proprietários rurais, apesar das reformas agrárias do xá. Do outro lado dos campos ficavam as favelas de Tabriz. Eles podiam ver os minaretes da mesquita Azul e a fumaça dos inúmeros incêndios, carregada pelo vento.
— Nós podemos contornar a cidade, Azadeh?
— Sim, mas é... é um caminho bem longo.
Eles perceberam a sua preocupação. Até agora ela caminhara rapidamente e sem se queixar. Mas ainda era um estorvo. Eles estavam usando vestes tribais sobre os uniformes. Suas botas sujas poderiam passar despercebidas. Bem como suas armas. E o chador dela. Ele a olhou, ainda não estava acostumado a vê-la enfeiada pelo chador. Ela percebeu o seu olhar e tentou sorrir. Ela compreendera. Tanto a respeito do chador quanto a ser um peso.
— Vamos atravessar a cidade — ela disse. — Nós podemos ficar nas ruas laterais. Eu tenho algum... algum dinheiro e poderemos comprar comida. Johnny, você pode fingir ser um caucasiano de, digamos, de Astara, eu posso fingir que sou sua mulher. Gueng, você fale em gurkhali ou numa língua estrangeira e pareça grosseiro e arrogante como os turcomanos do norte. Você poderia passar por um deles eles. Eles são descendentes de mongóis, muitos iranianos o são. Ou talvez eu pudesse comprar alguns lenços verdes e transformá-los em Faixas Verdes... É o melhor que posso fazer.
— Está bom, Azadeh. Talvez seja melhor nós não ficarmos todos juntos. Gueng, você pode nos seguir.
— Nas ruas, as esposas iranianas seguem os maridos. Eu... eu vou ficar um passo atrás de você, Johnny — disse Azadeh.
— É um bom plano, memsahib — disse Gueng. — Muito bom. A senhora pode guiar-nos.
Ela agradeceu-lhe com um sorriso. Em pouco tempo eles alcançaram os mercados, ruas e alamedas das favelas. Uma hora um homem deu um encontrão em Gueng. Sem hesitação, Gueng deu um soco na garganta do homem, fazendo-o cair esparramado na rua, desacordado, xingando-o alto num dialeto do gurkhali. Houve um momento de silêncio no meio da multidão, depois o barulho recomeçou e os que estavam perto conservaram os olhos baixos e seguiram adiante, alguns fazendo, disfarçadamente, o sinal contra o mau-olhado que todos aqueles que vinham do norte, os descendentes das hordas que não conheciam o único Deus, tinham a fama de possuir.
Azadeh comprou comida dos vendedores de rua, pão fresco, kebab de carneiro e horisht de feijão e legumes, com bastante arroz. Eles se sentaram em bancos toscos e comeram, depois continuaram a andar. Ninguém prestou atenção neles. Ocasionalmente, alguém oferecia-lhes algo para comprar, mas Azadeh intervinha e protegia-os, engrossando a voz e falando no dialeto turco local. Quando os muezins chamaram para a oração da tarde, ela parou, com medo. Em volta deles, homens e mulheres procuravam um pedaço de tapete, fazenda, papelão, jornal ou caixa para se ajoelharem e começarem a rezar. Ross hesitou; depois, atendendo ao seu olhar suplicante, fingiu rezar também e o momento passou. Na rua inteira, só uns quatro ou cinco permaneceram em pé, Gueng entre eles, encostados numa parede. Ninguém incomodou os que ficaram em pé. Os habitantes de Tabriz descendiam de muitas raças, muitas religiões.
Continuaram andando, dirigindo-se para sudeste e agora estavam nos subúrbios, cheios de barracos, lixo e cachorros famintos, onde a vala era o único esgoto. Em breve não haveria mais barracos, começariam os campos e pomares, depois a floresta e a estrada principal para Teerã, que subia, cheia de curvas, em direção ao desfiladeiro que os levaria até Tabriz Um. Ross não sabia o que fazer quando chegassem lá, mas Azadeh dissera que conhecia várias cavernas nas redondezas onde eles poderiam esconder-se até que um helicóptero pousasse.
Atravessaram a última favela e saíram para a trilha coberta de neve. A neve da superfície estava suja de bosta de mula e de burro, escorregadia e traiçoeira, e eles juntaram-se a outros que caminhavam por ali, alguns conduzindo burros carregados, outros curvados sob o peso da carga que levavam, outros fazendo as suas necessidades, homens, mulheres e crianças — passavam um punhado de neve com a mão esquerda e continuavam a andar — um povo poliglota, gente de tribos, nômades, gente da cidade — que só tinham em comum a pobreza, e o orgulho.
Azadeh estava muito cansada, ressentindo-se da tensão de ter tido que atravessar a cidade. Ela tivera medo de cometer algum erro, medo deles serem reconhecidos, estava louca de preocupação com Erikki e sem saber o que fariam quando chegassem na base. Insha'Allah, ela disse a si mesma, muitas e muitas vezes. Deus vai velar por você, por ele e por Johnny.
Quando chegaram perto do lugar onde a trilha se juntava à estrada de Teerã, viram Faixas Verdes e homens armados em pé ao lado de uma barreira, examinando veículos e observando as pessoas que passavam. Não havia nenhum modo de evitá-los.
— Azadeh, você vai primeiro — cochichou Ross. — Espere por nós mais adiante na estrada. Se nos pararem, não interfira, apenas prossiga. Vá em direção à base. Vamos nos separar, é mais seguro. — E sorriu para ela. — Não se preocupe. — Ela concordou com a cabeça, com o rosto ainda mais pálido por causa do medo, e saiu andando. Ela estava carregando a mochila dele. Ao sair da cidade, ela tinha insistido:
— Olhe para as outras mulheres, Johnny. Se eu não carregar alguma coisa, vou chamar muita atenção.
Os dois homens esperaram, depois foram até a beira da estrada e urinaram no banco de neve. As pessoas continuaram passando. Algumas repararam neles. Umas poucas os xingaram de infiéis. Uma ou duas ficaram intrigadas — sem saber, eles estavam urinando na direção de Meca, um ato que nenhum muçulmano jamais faria.
— Depois que ela passar, vai você, Gueng. Eu o seguirei em dez minutos.
— É melhor o senhor ser o próximo — cochichou Gueng. — Eu sou um turcomano.
— Está bem, mas se me pararem, não interfira. Escape no meio da confusão e leve-a para um lugar seguro. Não vá falhar!
O homenzinho sorriu, com os dentes muito brancos.
— Não vá o senhor falhar, sahib. O senhor ainda tem muito o que fazer antes de ser o Senhor da Montanha. — Gueng olhou para a barreira a cem metros de distância. Ele viu que Azadeh estava passando agora. Um dos Faixas Verdes disse algo a ela, mas ela manteve os olhos desviados, respondeu e o homem fez sinal para que ela passasse. — Não espere por mim na estrada, sahib. Eu posso atravessar os campos. Não se preocupe comigo. Eu o encontrarei.
— E abriu caminho no meio dos pedestres e juntou-se ao grupo que estava voltando em direção à cidade. Uns cem metros adiante ele se sentou num caixote e desamarrou a bota como se esta o estivesse machucando. Suas meias estavam em frangalhos, mas isso não importava. As solas dos seus pés eram duras como ferro. Ganhando tempo, ele tornou a amarrar a bota, divertindo-se em ser um turcomano.
Na barreira, Ross juntou-se à fila dos que estavam deixando Tabriz. Ele reparou na polícia que estava junto com os Faixas Verdes, observando as pessoas. As pessoas estavam irritadas, como sempre, odiando qualquer autoridade e qualquer intromissão no seu direito de ir e vir à vontade. Muitos estavam francamente zangados e alguns estavam a ponto de explodir.
— Você — um Faixa Verde falou com ele —, onde estão os seus papéis? Demonstrando raiva, Ross cuspiu no chão.
— Papéis? Minha casa foi queimada, minha mulher foi queimada e meus filhos foram queimados pelos cães esquerdistas. Só me resta esta arma e um pouco de munição. É a Vontade de Deus, mas por que vocês não vão queimar os partidários de Satã e fazer o trabalho de Deus ao invés de parar homens honestos?
— Nós somos honestos! — o homem disse zangado. — Nós estamos fazendo o trabalho de Deus. De onde você vem?
— De Astara. Astara, na costa. — E deixou a raiva aparecer. — Astara. E você?
O próximo homem na fila e o que estava atrás dele começaram a xingar e dizer aos Faixas Verdes para se apressarem e não os obrigarem a ficar esperando no frio. Um policial estava abrindo caminho em direção a eles, então Ross decidiu arriscar e passou com um palavrão, o homem que estava atrás o seguiu e o próximo e agora eles estavam do outro lado. O Faixa Verde gritou uma obscenidade e depois continou a tomar conta da fila.
Ross levou um certo tempo para respirar com mais facilidade. Ele tentou não se apressar e os seus olhos examinaram a estrada. Não havia sinal de Azadeh. Havia carros e caminhões passando, subindo com dificuldade ou descendo depressa demais, com as pessoas se espalhando de vez em quando com a inevitável torrente de palavrões. O homem que estava atrás dele na fila alcançou-o, os pedestres agora estavam diminuindo, entrando em caminhos laterais que conduziam a cabanas do lado da estrada ou a aldeias dentro da floresta. Era um homem de meia-idade com um rosto forte, pobremente vestido e um rifle bem conservado.
— Aquele filho da mãe daquele Faixa Verde — disse com um forte sotaque. — O senhor tem razão, aga, eles deveriam estar fazendo o serviço de Deus, o serviço do imã, não o de Abdullah Khan.
Ross pôs-se imediatamente em guarda.
— Quem?
— Eu venho de Astara e pelo seu sotaque eu sei que o senhor não vem de Astara, aga. Os astaris nunca mijam na direção de Meca nem com as costas para Meca. Somos todos bons muçulmanos em Astara. Pela sua aparência, o senhor deve ser o Sabotador pelo qual o Khan está oferecendo uma recompensa. — A voz do homem era calma, curiosamente amigável, e o velho rifle Enfield continuava pendurado no seu ombro.
Ross não disse nada, apenas resmungou, sem mudar de passo.
— Sim, o Khan está oferecendo um bom preço pela sua cabeça. Muitos cavalos, um rebanho de ovelhas, dez camelos ou mais. Um resgate digno de um xá para uma pessoa comum. O resgaste é maior se o senhor for capturado vivo. Mais cavalos, ovelhas e camelos, o suficiente para a vida inteira. Mas onde está a mulher, Azadeh, a filha dele, a filha que o senhor raptou, o senhor e o outro homem?
Ross olhou-o espantado e o homem riu.
— O senhor deve estar muito cansado para se denunciar assim com tanta facilidade. — Repentinamente, o seu rosto endureceu-se, sua mão entrou no bolso da velha jaqueta, ele tirou um revólver e enfiou-o na cintura de Ross. — Caminhe um passo na minha frente, não se vire nem faça nada ou eu lhe darei um tiro na espinha. Agora, onde está a mulher? Há uma recompensa por ela também.
Nesse momento um caminhão que vinha descendo derrapou na curva, arremessou-se para o outro lado da estrada e foi para cima deles, buzinando alto. As pessoas se espalharam. Os reflexos de Ross foram mais rápidos e ele deu um passo para o lado, deu um encontrão no homem, fazendo-o rolar no meio do caminho do caminhão. As rodas da frente e de trás do caminhão passaram por cima do homem. O caminhão parou alguns metros à frente.
— Que Deus nos proteja, vocês viram isso? — disse alguém. — Ele pulou na frente do caminhão.
Ross arrastou o corpo para fora da estrada. O revólver tinha desaparecido na neve.
— Ah, o mártir de Deus é seu pai, aga? — uma velha perguntou.
— Não... não — Ross falou com dificuldade, em pânico, tudo acontecera depressa demais. — Eu... ele é um estranho. Eu nunca o vi antes.
— Pelo Profeta, como os pedestres são descuidados! Será que eles não têm olhos? Ele está morto? — o motorista do caminhão perguntou, subindo a colina. Era um homem robusto, rude, barbado. — Deus é testemunha de que ele se jogou na minha frente, como todos puderam ver! Você — ele disse para Ross —, você estava ao lado dele, deve ter visto.
— Sim... sim, é como você está dizendo, eu estava atrás dele.
— Seja como Deus quiser. — O motorista foi embora satisfeito, estava tudo certo e acabado. — Sua Excelência viu tudo. Insha'Allah!
Ross afastou-se no meio dos poucos que tinham se dado ao trabalho de parar e subir a colina, nem depressa nem devagar, tentando controlar-se, sem ousar olhar para trás. Depois da curva, ele apertou o passo, imaginando se fora certo reagir com tanta rapidez — quase sem pensar. Mas o homem teria vendido os dois. Não pense nele, carma é carma. Mais uma curva e ainda nenhum sinal de Azadeh. Sua ansiedade aumentou.
Nesse ponto a estrada subia tortuosa. Ele passou por algumas cabanas meio escondidas na beira da floresta. Cachorros sarnentos catavam comida. Os poucos que chegaram perto dele, ele enxotou, havia muitos cães raivosos por lá. Mais uma curva, o suor escorria, e lá estava ela agachada do lado da estrada, descansando como uma dezena de outras velhas. Ela o viu no mesmo instante, sacudiu a cabeça para alertá-lo, levantou-se e continuou a andar. Ele seguiu uns vinte metros atrás. Então houve um tiroteio mais abaixo. Como todo mundo, eles pararam e olharam para trás. Não conseguiram ver nada. A barreira ficava muito atrás, muitas curvas abaixo, a meio quilômetro de distância. O tiroteio cessou logo. Ninguém disse nada, apenas começaram a subir mais depressa.
A estrada não era boa. Eles andaram mais ou menos um quilômetro, saindo da estrada quando havia trânsito. De vez em quando um ônibus passava, mas sempre superlotado e nenhum parava. Nessa época a pessoa podia esperar até um dia ou dois num ponto de ônibus antes de conseguir lugar. Às vezes um caminhão parava, em troca de dinheiro.
Mais adiante, um caminhão passou por ele e diminuiu a velocidade quando chegou perto de Azadeh.
— Por que andar quando os que estão cansados podem viajar aqui com ajuda de Ciro, o caminhoneiro, e de Deus? — gritou o motorista, rindo debochadamente, cutucando o seu companheiro, um homem de barba escura mais ou menos da idade dele. Eles a estavam observando há algum tempo, observando o balanço dos seus quadris que nem mesmo um chador conseguia esconder. — Por que uma flor de Deus deveria caminhar quando poderia estar aquecida num caminhão ou no tapete de um homem?
Ela levantou os olhos, disse um palavrão e gritou para Ross:
— Marido, este leproso filho de um cão ousou insultar-me e fez comentários obscenos contra as leis de Deus... — Ross já estava ao lado dela e o motorista se viu olhando para o cano de uma arma.
— Excelência... eu estava perguntando se... se o senhor e ela não gostariam de uma carona — disse o motorista, em pânico. — Há lugar lá atrás... se Vossa Excelência quiser honrar o meu veículo...
O caminhão estava cheio de aparas de ferro, mas era melhor do que andar.
— Para onde você está indo?
— Para Qazvin, Excelência, Qazvin. O senhor vai nos dar a honra?
O caminhão não parou mas foi fácil para Ross ajudá-la a subir. Juntos, eles se abrigaram do vento. As pernas dela estavam tremendo e ela estava gelada e muito nervosa. Ele abraçou-a.
— Oh, Johnny, se você não estivesse aqui...
— Não se preocupe, não se preocupe. — Ele lhe transmitiu um pouco do seu calor. Qazvin? Isto não fica no meio do caminho para Teerã? É claro que sim. Nós vamos ficar no caminhão até Qazvin, disse a si mesmo, recuperando as forças. Depois podemos conseguir outra carona, ou encontrar um ônibus ou roubar um carro, é isso que vamos fazer.
— A entrada para a base fica a dois ou três quilômetros daqui — ela disse, tremendo nos seus braços. — Para a direita.
Base? Ah, sim, a base. E Erikki. Mas, o mais importante, e Gueng? E quanto e Gueng? Faça a sua mente trabalhar. O que você vai fazer?
— Como é... como é o terreno lá? Aberto e desprotegido ou uma ravina ou o quê? — perguntou.
— É bastante liso. A nossa aldeia está chegando, Abu Mard. Nós passamos pela aldeia, depois a terra se achata numa espécie de platô onde fica a nossa estrada. Depois a estrada principal torna a subir em direção ao desfiladeiro.
Ele podia ver a estrada subindo tortuosa, aparecendo de vez em quando, ondulando precariamente pela encosta da montanha
— Nós vamos saltar do outro lado da aldeia, antes da parte plana, vamos dar a volta pela floresta e chegar à base. Isso é possível?
— Sim. Eu conheço muito bem o terreno. Eu... eu ensinei na escola da aldeia e costumava levar as crianças para... para passear. Eu conheço os caminhos. — Mais uma vez ela estremeceu.
— Proteja-se do vento. Daqui a pouco você vai esquentar.
O velho caminhão subia com dificuldade, quase na mesma velocidade de alguém andando, mas era melhor do que andar. Ele manteve o braço em torno dela e em pouco tempo ela parou de tremer. Por cima da grade do caminhão ele viu um carro se aproximando depresssa, com as mudanças gemendo, seguido de uma pick-up verde. O motorista do carro não tirou a mão da buzina. Não havia espaço para o caminhão se afastar, então o carro passou pela contra mão e seguiu em frente. Espero que você se mate, pensou, enraivecido pelo barulho e pela estupidez. Notou que estava cheio de homens armados, bem como a pick-up que vinha atrás, embora todos esses homens estivessem em pé na traseira, segurando-se em barras de metal, com a grade traseira abaixada e batendo violentamente. Quando a pick-up passou, ele viu um corpo atirado debaixo dos pés deles. Primeiro pensou que fosse o velho. Mas não era. Era Gueng. Não havia dúvida por causa do que restava do uniforme. E do Kookri que estava enfiado na cintura de um dos homens.
— O que foi, Johnny?
Ele se viu ao lado dela, sem senti-la nem a qualquer outra coisa. Apenas que falhara com o segundo dos seus homens. Seus olhos estavam cheios de lágrimas.
— O que foi? O que aconteceu?
— Nada. É só o vento. — Ele limpou as lágrimas, depois se ajoelhou e olhou em frente. Serpenteando, a estrada desaparecia e tornava a aparecer. Assim como o carro e a pick-up. Ele podia ver a aldeia agora. Do outro lado, a estrada tornava a subir, depois ficava plana, como ela dissera. O carro e a pick-up passaram pela aldeia em alta velocidade. Ele tinha no bolso um binóculo pequeno mas muito potente. Firmando-se contra o balanço do caminhão, focalizou o carro. Assim que este chegou na parte plana, acelerou, virou à direita na estrada que ia dar na base e desapareceu. Quando a pick-up chegou na interseção, ela parou, bloqueando a maior parte da estrada. Meia dúzia de homens saltaram, espalharam-se pela estrada e ficaram olhando na direção de Tabriz. Então a pick-up virou à direita e desapareceu atrás do carro.
O caminhão diminuiu a velocidade quando o motorista colocou ruidosamente a primeira. Bem à frente havia uma subida curta e íngreme, com um caminho que saía de lá, e não havia nenhum pedestre nesta parte da estrada.
— Onde vai dar aquele caminho, Azadeh?
Ela ficou de joelhos e olhou para onde ele estava apontando.
— Vai dar em Abu Mard, a nossa aldeia — respondeu. — Ele dá várias voltas mas termina dando lá.
— Prepare-se para pular. Há uma outra barreira lá na frente.
No momento certo ele escorregou pelo lado, ajudou-a a descer e correram para se esconder. O caminhão não parou e o motorista não olhou para trás. Em pouco tempo ele tinha tomado distância. De mãos dadas, eles correram para o meio das árvores.
40
EM ZAGROS TRÊS: 16:05H. Lochart recostou-se na cabine do 212, esperando para ir de novo até a plataforma Rosa com outro carregamento de cano's — o céu estava sem nuvens, as montanhas tão claras e distintas que ele sentiu como se pudesse esticar a mão e tocá-las. Observava Rodrigues, o seu mecânico, que estava ajoelhado na neve, espiando o interior de um painel de inspeção.
— É uma tarde perfeita para se esquiar ou andar de tobogã, Rod, não para trabalhar.
— É um dia perfeito para dar o fora daqui, Tom.
— Talvez a gente não tenha que fazer isso — disse Lochart. Desde sábado, quando tivera o confronto com Nitchak Khan, que não tinha mais tido notícias dele nem de qualquer pessoa da aldeia. — Talvez o komiteh mude de idéia ou Mac consiga que a ordem seja cancelada. É loucura nos mandar embora quando estão precisando de todo o petróleo que puderem conseguir e o novo poço da Rosa é um maná. Jesper Almqvist calculou que ele daria 18 mil barris por dia quando começasse a funcionar. Isso significa quase 360 mil dólares por dia, Rod.
— Os mulás não ligam a mínima para petróleo ou qualquer outra coisa a não ser Alá, o Corão ou o paraíso, você disse isso um milhão de vezes. — Rodrigues limpou uma mancha de óleo. — Nós todos deveríamos ter ido com Jesper para Shiraz, e depois para fora do Irã. Nós não somos desejados. Nasiri teve os miolos estourados, certo? Para quê? Ele era um cara legal. Nunca fez mal a ninguém. Já nos mandaram ir embora. Que diabo estamos esperando?
— Talvez o komiteh mude de idéia. Nós temos 11 plataformas para manter.
— As plataformas estão operando com capacidade mínima, as turmas de trabalho estão loucas para darem o fora e não têm sido substituídas há semanas. — Rodrigues levantou-se, limpou a neve dos joelhos e começou a tirar o óleo das mãos. — É loucura ficar num lugar em que não se é desejado. O jovem Scot está agindo de um modo muito estranho. E você também, pensando bem.
— Bobagem — retrucou Lochart. Ele não tinha contado a ninguém o que Scot dissera que realmente acontecera na aldeia. Sua ansiedade voltou — por Scot, pela base, por Xarazade, pelo HBC, e de novo por Xarazade.
— Bobagem nada — disse Rodrigues —, você tem estado nervoso pra burro desde que voltou de Teerã. Você quer ficar no Irã, Tom, está bem, é diferente, você está casado com o Irã. Mas eu quero sair.
Lochart tirou Xarazade da mente. Ele viu o medo no rosto do amigo.
— Qual é o problema, Rod?
O homem troncudo ajeitou o cinto em cima da barriga e abotoou o casaco.
— Eu estou nervoso como o diabo com a minha indentificação falsa, Tom. Merda, assim que eu abrir a boca eles vão saber que eu não sou britânico. Todos os meus vistos estão vencidos. Está acontecendo o mesmo com alguns dos rapazes, mas eu sou o único americano aqui, eu fiz uma palestra na escola sobre os Estados Unidos e os malditos mulás dizem que eu sou Satã, eu, um ótimo católico, pelo amor de Deus! Eu não consigo mais dormir de noite.
— Por que você não disse isso antes? Você não precisa ficar, Rod. 0212 deve partir amanhã. Que tai ir junto com Scot? Uma vez em Al Shargaz, você pode pedir transferência para a Nigéria, o Quênia ou qualquer outro lugar.
Por um momento Rodrigues não disse nada, com uma expressão desolada no rosto.
— Eu gostaria muito, Tom. Se você puder conseguir isso, é claro que estará tirando um peso enorme dos meus ombros.
— Está combinado. Nós temos que mandar um mecânico. Por que não você, você é mais antigo?
— Obrigado. Muito obrigado, Tom. — Rodrigues ficou radiante. — Eu vou só ajustar o pedal e ele estará como novo.
Lá embaixo, na área de abastecimento, Lochart viu que a carga de canos estava pronta para ser embarcada. Dois operários iranianos esperavam para guiar o gancho suspenso para dentro da cavilha. Ele começou a entrar na cabine, mas parou ao ver dois homens se aproximando pelo caminho que ia dar na aldeia, a uns cem metros de distância. Nitchak Khan e um outro homem carregando uma carabina. Mesmo àquela distância era fácil ver a faixa verde no braço.
Lochart foi ao encontro deles, preparando a mente para pensar e falar em farsi.
— Salaam, calênder, salctam, aga — ele disse para o outro homem, também barbado, mas muito mais jovem.
— Salaam — respondeu Nitchak. — Vocês conseguiram um prazo até o quinto pôr-do-sol.
Lochart tentou disfarçar o choque. Hoje era terça-feira, o quinto dia seria domingo.
— Mas, Excelência, o.
— Até o quinto pôr-do-sol — disse o Faixa Verde, sem nenhuma gentileza. Vocês não podem trabalhar nem voar no Dia Sagrado, é melhor dar graças a Deus, e no quinto pôr-do-sol a partir de hoje se todos os estrangeiros e seus aviões não tiverem partido, a base será incendiada.
Lochart olhou para ele em silêncio. Atrás do homem ficava a cozinha e ele viu Jean-Luc sair de lá e depois caminhar na direção deles.
— Em quatro dias úteis vai ser muito difícil, aga, e eu não acho..
— Insha'Allah.
— Se nós partirmos, todas as plataformas terão que parar. Só nós podemos abastecê-las e a seus homens. Isso vai prejudicar o Irã, isso...
— O Islã não precisa de petróleo. Os estrangeiros precisam de petróleo. No quinto pôr-do-sol. Se vocês não partirem, a responsabilidade é de vocês.
Nitchak Khan olhou de banda para o homem. Depois disse para Lochart:
— Aga, eu gostaria de ir junto com este homem falar com o calênder dos italianos. Eu gostaria de ir agora, por favor.
— A honra é toda minha, calênder — disse Lochart, e pensou, Mimmo Sera está nas montanhas há anos, ele vai saber o que fazer. — Eu tenho uma carga de canos para entregar na plataforma Rosa; podemos ir imediatamente.
— Canos? — o rapaz falou rudemente. — Não há necessidade de canos. Vamos diretamente. Sem canos.
— A IranOil mandou entregar os canos e os canos vão, ou você não vai — disse Lochart, zangado. — O aiatolá Khomeini ordenou que a produção de petróleo voltasse ao normal. Por que o komiteh o desobedece?
O rapaz olhou, mal-humorado, para o Khan que disse calmamente:
— Seja como Deus quiser. O aiatolá é o aiatolá, o komiteh só obedece a ele. Vamos, aga.
Lochart tirou os olhos do rapaz.
— Está bem. Iremos imediatamente.
— Salaam, calênder — disse Jean-Luc, juntando-se a eles. — Tom, qual é a resposta? — perguntou em inglês.
— Pôr-do-sol de domingo. Nós já teremos que ter saído nessa hora e não podemos voar na sexta-feira.
Jean-Luc engoliu um palavrão.
— Nenhuma chance de negociação?
— Nenhuma. A não ser que você queira discutir com esse filho da mãe Insolentemente, o rapaz com a arma encarou Jean-Luc
— Diga a este filho de um cão que ele cheira mal. Lochart tinha sentido um leve cheiro de alho.
— Ele está dizendo que a sua comida tem um cheiro ótimo, Jean-Luc. Ouça, eles querem falar com Mimmo Sera. Eu voltarei assim que puder, e então resolverei o que fazer. Calênder, nós podemos ir agora — disse em farsi e abriu a porta da cabine.
— Olhe! — disse Rodrigues, de repente e apontou para cima das montanhas na direção norte. Havia fumaça subindo para o céu. — É Maria?
— Pode ser Bellissima — disse Jean-Luc. Nitchak Khan estava tentando enxergar ao longe.
— Ali fica perto de onde nós vamos, não?
— Não fica muito fora da rota, calênder. O velho parecia muito preocupado.
— Talvez fosse melhor levar os canos no seu próximo vôo, piloto. Há dias que temos ouvido dizer que os esquerdistas estavam-se infiltrando nas montanhas, querendo sabotar e criar problemas. Na noite passada, um dos meus pastores teve a garganta cortada e os testículos arrancados. Eu tenho homens lá fora procurando os assassinos. — Com o rosto preocupado, ele entrou na cabine. O Faixa Verde seguiu-o.
— Rod — disse Lochart — tire o 206 do hangar. Jean-Luc, fique na escuta HF. Eu vou me comunicar com você.
— Oui, pas problème. — Jean-Luc tornou a olhar para a fumaça. Lochart deixou o carregamento de canos na base e partiu rapidamente em direção ao norte. Era Bellissima e estava pegando fogo. De longe ele pôde ver as chamas subindo a dez metros de um dos trailers que, ressecado pelo ar sem umidade, estava quase todo destruído. De um dos lados, perto do aparelho de perfuração, lavrava outro incêndio. Perto do barracão de dinamite, havia um corpo na neve. Acima da base, o pico coberto de neve da montanha, reformado pela explosão de Pietro e pela conseqüente avalanche, estava agradável. Abaixo, a ravina caía dois mil e quinhentos metros.
Quando se aproximou, viu meia dúzia de figuras correndo pelo caminho tortuoso que descia até o vale — todos eles armados. Sem hesitação, virou e foi atrás deles, vendo-os à frente agora, exatamente em frente, praguejando por não estar num avião de combate. Não teria dificuldade em pegar todos eles. Seis homens, barbados, usando roupas nativas. Então viu um dos homens parar e mirar e depois o clarão familiar dos tiros e teve que se afastar, fazendo uma manobra de fuga, e quando tornou a voltar, numa altura mais segura, as figuras tinham desaparecido.
Virou-se para a cabine. Nitchak Khan e o Faixa Verde estavam olhando pelas janelas laterais, com os narizes apertados nas janelas. Gritou mas eles não escutaram, então bateu na parede da cabine para atrair a atenção deles e fez um sinal chamando Nitchak Khan. O velho foi até a frente, se segurando, pouco à vontade no ar.
— Você os viu? — gritou.
— Sim, sim — Nitchak Khan gritou de volta. — Não é gente da montanha. São os terroristas.
Lochart voltou a pilotar.
— Jean-Luc, está me ouvindo?
— Alto e claro, Tom, continue.
Informou o que tinha visto e mandou que ele ficasse no rádio, depois concentrou-se no pouso, sobre a imensidão da ravina como sempre, com muitas correntes ascendentes e um vento forte. Esta era a primeira vez que ele vinha a Bellissima desde que voltara de Teerã. Com a morte de Guineppa, Bellissima estava operando, no mínimo, com apenas um turno. Quando pousou, viu Pietro, agora o chefe no lugar de Guineppa, que se afastou do incêndio e correu em direção a eles.
— Tom! Nós precisamos de ajuda — gritou na janela do piloto, quase chorando. — Gianni está morto e há dois feridos...
— Está bem. Não se preocupe. — Lochart começou a desligar o aparelho. — Nitchak está lá atrás com um Faixa Verde. Não se preocupe, está bem? — Ele tornou a se virar no assento e apontou para a porta. O velho concordou com a cabeça. — Que diabo aconteceu, Pietro? — perguntou, procurando os botões com os dedos.
— Não sei... eu não sei, amico. — Pietro pôs a cabeça mais perto da janela da cabine. — Nós estávamos almoçando quando aquela garrafa cheia de gasolina com um pano pegando fogo entrou pela janela e começamos a pegar fogo... — Ele olhou para trás quando as chamas alcançaram um tambor quase cheio de óleo e subiram para o céu, soltando uma fumaça preta. Os quatro homens que lutavam contra o fogo recuaram. — Si, o refeitório incendiou rapidamente e quando corremos para fora lá estavam aqueles homens, nativos, banditos... Mamma mia, eles começaram a atirar e aí nós nos espalhamos e nos protegemos. Então, mais tarde, Gianni os viu pondo fogo na sala do gerador, perto de onde está a dinamite e... e ele simplesmente correu para avisá-los mas um deles atirou nele. Mamma mia, não havia motivo para atirar nele! Bastardi, stronzi bastardi!
Rapidamente, Lochart e os outros desceram do avião. O único som era do vento e das chamas e da única mangueira de incêndio. Pietro desligara os geradores e bombas e fizera o vedamento de emergência de toda a plataforma. O telhado do trailer caiu e voaram fagulhas e pedaços de madeira em brasa, muitas caindo nos telhados próximos, mas como estavam cobertos de neve não representavam perigo. O fogo ainda estava fora de controle perto da sonda, alimentado por restos e vapores de óleo, e altamente perigoso. Os homens espalharam espuma, mas as chamas ainda subiam na direção do barracão de dinamite, lambendo uma parede de ferro ondulado.
— Quanto há lá dentro, Pietro?
— Demais.
— Vamos tirar de lá.
— Mamma mia... — Pietro seguiu Lochart, os dois protegendo o rosto das chamas com as mãos, e forçaram a porta. Não havia tempo de achar a chave. A dinamite estava arrumada em caixas. Havia uma dúzia de caixas. Lochart apanhou uma caixa e saiu, sentiu o bafo do calor e depois o ar fresco. Um dos homens apanhou a caixa e correu com ela para um lugar seguro enquanto Lochart voltava para buscar outra.
Perto do helicóptero, Nitchak Khan e o Faixa Verde estavam abrigados do vento, fora de perigo
— Seja como Deus quiser.
— Como Deus quiser — o Faixa Verde repetiu. — O que faremos agora?
— Temos que pensar nos terroristas. E no homem morto.
O rapaz olhou através da neve para a figura deitada como um boneco quebrado
— Se ele não tivesse vindo para as nossas montanhas, não estaria morto. É dele a culpa por estar morto, de mais ninguém.
— É verdade. — Nitchak Khan ficou olhando para o fogo e para os homens que o combatiam e quando finalmente Lochart e Pietro acabaram de tirar a dinamite do barracão, os outros já tinham conseguido controlar o fogo.
Lochart recostou-se num trailer para recuperar o fôlego.
— Pietro, nós só temos até o pôr-do-sol de domingo. Então é dar o fora ou agüentar as conseqüências.
Pietro fechou a cara. Olhou para Nitchak Khan e para o Faixa Verde que estavam perto do helicóptero.
— Cinco dias? Isto me poupa de ter que tomar uma decisão, Tom. Nós evacuamos para Shiraz, via plataforma Rosa ou direto. — Pietro fez um sinal na direção do fogo com o punho cerrado, e a outra mão no bíceps. — No momento a plataforma Belíssima está arruinada. Eu vou precisar de Almqvist para tapar os poços. Mamma mia, há um bocado de homens pra transportar. Que desperdício! Estou contente que o velho Guineppa não esteja aqui para ver a destruição de hoje. É melhor eu ir ver Mimmo.
— Imediatamente, com os que estão feridos. E quanto a Gianni? Pietro olhou para o corpo.
— Nós o deixaremos para o final, meu pobre irmão de sangue — disse tristemente. — Ele não vai apodrecer.
NA PLATAFORMA ROSA: Mimmo Sera estava sentado em frente a Nitchak Khan e ao Faixa Verde no refeitório, e Lochart, Pietro e os três operários mais graduados também estavam na mesa. Durante meia hora, Mimmo, que falava bem farsi, tinha tentado convencer o Faixa Verde a estender o prazo ou a permitir que ele deixasse turmas reduzidas de operários enquanto ele e Lochart iam com o Faixa Verde ver o chefe da IranOil em Shiraz.
— Chega, em nome de Deus! — disse o Faixa Verde, irritado.
— Mas, Excelência, sem os helicópteros nós vamos ter que fechar todo o campo e começar a evacuá-lo imediatamente. Sem dúvida, Excelência, uma vez que o aiatolá, que Deus o abençoe, e o primeiro-ministro Bazargan querem que a produção de petróleo volte ao normal, nós deveríamos consultar a IranOil em Sh...
— Chega! Calênder! — O Faixa Verde dirigiu-se a Nitchak Khan. — Se esses cérebros de mosquito desobedecerem, a responsabilidade é sua, você está acabado, Yazdek está acabada e todo o seu povo! Se um só estrangeiro ou uma só máquina voadora ficar aqui depois do quinto pôr-do-sol, e você não tiver incendiado a base, nós o faremos. Depois incendiaremos a aldeia, por terra ou por ar. Você — o Faixa Verde rosnou para Lochart —, ligue o aparelho. Nós vamos voltar. Agora! — E saiu furioso.
Todos o seguiram, desanimados. Lochart sentia-se triste por todos aqueles que tinham descoberto o petróleo, construído o campo e colocado tanta energia, talento, dinheiro, e risco nele. É escandaloso, pensou, mas não temos nenhuma opção. Não há nada a fazer. Vamos ter que sair. Vou cancelar a saída de Scot e usar todos os aparelhos para fazer isso. Vamos trabalhar como loucos durante cinco dias e esquecer Teerã e Xarazade e que hoje é o dia da marcha de protesto da qual ela foi proibida de participar.
— Calênder — disse. — Sem a sua benevolência e a sua ajuda nós somos obrigados a partir.
Nitchak Khan viu todos os olhos voltados para ele.
— Eu tenho que escolher entre a base e a minha aldeia — disse gravemente. — Isto não é uma escolha. Eu vou tentar encontrar os terroristas e entregá-los à justiça. Enquanto isso, é melhor vocês não se arriscarem. Estas montanhas estão cheias de esconderijos.
Com grande dignidade, ele se levantou e saiu, tendo a certeza de que não seria obrigado a incendiar a base, embora, se fosse a Vontade de Deus, ele soubesse que o faria sem um momento de hesitação, quer ela estivesse cheia ou vazia.
Ele se permitiu a sombra de um sorriso. O seu plano funcionara com perfeição. Todos os estrangeiros tinham aceitado Hassan, o pastor de cabras, como sendo um genuíno Faixa Verde, cuja falsa arrogância e agressividade foram uma maravilha de se ver; os estrangeiros engoliram a sua história a respeito de 'terroristas' que tinham assassinado um pastor e ele reparara no medo deles; esses mesmos 'terroristas' tinham atacado a plataforma de petróleo, a mais difícil de alcançar das 11 existentes e, na escuridão da noite, esses mesmos 'terroristas' incendiariam parte da plataforma Rosa e depois desapareceriam para sempre — de volta à vida normal da aldeia de onde tinham saído. E ao amanhecer, pensou com satisfação, o terror já terá se espalhado, todos os estrangeiros estarão loucos para partir, a evacuação estará assegurada e a paz cairá sobre Yazdek.
Eles são idiotas em quererem jogar quando só nós conhecemos as regras do jogo! Mas ainda há o problema do jovem piloto. Ele foi ou não uma testemunha? Os mais velhos aconselharam um 'acidente' como sendo o mais prudente. Ontem teria sido perfeito, quando o rapaz estava caçando sozinho. Tão fácil escorregar e cair sobre a arma. Sim. Mas a minha esposa foi contra um 'acidente'
— Por quê?
— Porque a escola foi uma coisa maravilhosa — ela tinha dito. — Não foi a primeira que tivemos? Sem os pilotos ela nunca teria existido. Mas agora nós sabemos e podemos facilmente construir outra sozinhos; porque os pilotos foram bons para nós, sem eles nós não saberíamos muito do que sabemos agora, nem teríamos uma aldeia tão rica; porque eu acho que o rapaz falou a verdade. Eu o aconselho a deixá-lo partir, não se esqueça o quanto o rapaz nos fez rir com suas histórias sobre esse lugar chamado Kong na terra chamada China, onde há mil vezes mil vezes mil pessoas, onde todos os cabelos são negros, todos os olhos são negros e as pessoas comem com um pedacinho de pau.
Ele se lembrou de como havia rido junto com ela. Como podia existir tanta gente numa mesma terra, e todo mundo igual?
— Ainda há o perigo dele ter mentido.
— Então teste-o — ela dissera. — Ainda há tempo.
Sim, pensou, há quatro dias para descobrir a verdade. Cinco, incluindo o Dia Santo.
41
TEERÃ: 17:16H. A Marcha das Mulheres terminara.
Ela começara de manhã com o mesmo ar de expectativa que envolvera Teerã por dois dias — quando inacreditavelmente, pela primeira vez na história, as mulheres, por si mesmas, como um grupo coeso, tomariam as ruas em protesto, para mostrar a sua solidariedade contra qualquer usurpação dos seus direitos duramente conquistados por parte dos novos governantes, e mesmo do próprio imã.
"O vestido apropriado para uma mulher é o hijab que exige que elas cubram os seus cabelos e braços e pernas e zinaat — suas partes tentadoras."
— Eu escolhi usar o chador em protesto contra o xá, Meshang — Zarah, sua mulher, berrara para ele. — Eu escolhi! Eu o fiz! Eu nunca usarei um véu, um chador ou um lenço contra a minha vontade, nunca nunca nunca...
"A educação mista, introduzida pelo Satã xá há poucos anos, deixará de existir, porque na prática ela transformou muitas de nossas escolas em casas de prostituição."
— Mentira, tudo mentira! Ridículo! — Xarazade dissera a Lochart. —
A verdade deve ser gritada do alto dos edifícios. Não é o imã que está dizendo estas coisas, são os fanáticos que o cercam...
"O abominável Ato de Proteção ao Casamento do Satã xá está abolido."
— Isso deve ser um engano, Hussain — a esposa do mulá dissera cautelosamente. — O imã não pode estar dizendo isso. O Ato nos protege contra a rejeição por parte do marido, contra a poligamia e nos garante o direito de divórcio, o direito de voto e protege a propriedade da esposa...
"Na nossa nação islâmica, todo mundo será governado unicamente pelo Corão e pelo Sharia. As mulheres não devem trabalhar, devem voltar para o lar, ficar no lar, para cumprir o seu dever sagrado, ordenado por Deus, de parir e criar filhos e cuidar dos seus Senhores."
— Pelo profeta, Erikki, por mais que eu deseje ter filhos e ser uma boa esposa para você — dissera Azadeh, juro que não posso ficar sentada sem fazer nada e ver as minhas irmãs menos afortunadas serem forçadas a voltar para a Idade Média, sem liberdade nem direitos. São os fanáticos, não Khomeini, que estão tentando fazer isso. Eu vou marchar esteja onde estiver...
Por todo o Irã, as mulheres tinham preparado marchas de solidariedade — em Qom, Isfahan, Meshed, Abadan, Tabriz, mesmo em pequenas cidades como Kowiss — mas não nas aldeias. Por todo o Irã tinha havido brigas e discussões entre pais e filhas, maridos e esposas, irmãos e irmãs, as mesmas brigas, súplicas, xingamentos, exigências, promessas, proibições e, Deus nos proteja, até mesmo rebeliões — às claras ou em segredo. E em todo o Irã a resolução secreta das mulheres era a mesma.
— Estou contente do meu Tommy não estar aqui. Isso torna as coisas bem mais fáceis — dissera Xarazade à sua imagem no espelho naquela manhã, a marcha estava marcada para começar ao meio-dia. — Estou contente dele estar longe, porque o que quer que ele dissesse eu iria desobedecer. — Um tremor de excitação, agradável e ao mesmo tempo doloroso percorreu-a.
Ela estava verificando a maquilagem no espelho, mais uma vez, para certificar-se de que a mancha em volta do olho esquerdo estava bem coberta com pó. Quase não aparecia mais. Ela sorriu para si mesma, satisfeita com o que viu. Seu cabelo estava ondulado e solto e ela usava uma blusa verde, uma saia da mesma cor, meias de náilon e botas de pelica russa, e quando saiu, tinha decidido vestir um casaco enfeitado de pele e um chapéu da mesma cor. O verde não é a cor do Islã?, pensou alegremente, esquecendo-se de toda a tristeza.
Atrás dela, a cama estava entulhada de roupas de esqui e outras roupas que ela pensara em usar e desistira. Afinal, as mulheres nunca protestaram em grupo antes, então temos que estar com a nossa melhor aparência. Que pena que não estejamos na primavera, aí eu poderia usar o meu vestido de seda amarela e o chapéu amarelo e...
Uma súbita tristeza tomou conta dela. Seu pai lhe dera aquele vestido de presente de aniversário no ano anterior, e o lindo colar de pérolas. Pobre papai, pensou, sentindo a raiva subir. Que Deus amaldiçoe os homens maus que o mataram. Que Deus os atire no fogo do inferno para sempre! Que Deus proteja Meshang e toda a família e o meu Tommy, e que não permita que os fanáticos nos privem da nossa liberdade.
Agora havia lágrimas em seus olhos e ela as afastou. Insha'Allah, pensou. Papai está no paraíso para onde vão os fiéis, então não há motivo para lamentações. Não. Só o desejo de ver fazerem justiça contra os malditos assassinos. Assassinato! Tio Valik. HBC. Annoush e as crianças. HBC! Como eu odeio estas letras! O que aconteceu com Karim? Ela não tinha tido nenhuma notícia desde domingo e não sabia se ele estava detido, morto ou livre, nem tinha ouvido mais nada a respeito do telex — não havia nada a fazer a não ser rezar. E foi o que ela fez. Mais uma vez. E varreu da mente aqueles problemas, jogando-os para os ombros de Deus e sentiu-se limpa. Enquanto estava colocando o chapéu forrado de pele, a porta se abriu e Jari entrou apressada, também vestida com a sua melhor roupa.
— Está na hora, princesa, Sua Alteza Zarah já chegou, oh, como você está bonita!
Cheia de entusiasmo, Xarazade apanhou o casaco, correu pelo corredor, com a saia voando, e desceu as escadas para cumprimentar Zarah que esperava por ela no saguão.
— Oh, você está linda, Zarah querida — disse, abraçando-a. — Oh, eu achei que Meshang iria impedi-la no último minuto.
— Ele não teve nenhuma chance — disse Zarah, com uma gargalhada, com um lindo chapéu de pele elegantemente pousado sobre a cabeça. — Eu o atormentei ontem na hora do café e continuei o dia inteiro, a noite inteira e hoje de manhã a respeito do novo casaco de zibelina que eu tinha que possuir de qualquer maneira ou morreria de vergonha na frente das minhas amigas. Ele fugiu para o bazar para escapar e se esqueceu da marcha. Vamos embora, já devemos estar atrasadas, eu tenho um táxi esperando. Parou de nevar, o dia está prometendo ser bonito, embora esteja muito frio.
Havia mais três mulheres no táxi, amigas e primas, duas usando orgulhosamente jeans e saltos altos e jaquetas de esquiar, com os cabelos soltos, uma delas com um boné de esquiar e todas estavam tão excitadas como se estivessem indo a um piquenique como nos velhos tempos. Nenhuma delas notou os res-mungos de desaprovação do motorista de táxi, nem se incomodou com isso.
— Para a universidade — ordenou Zarah, e começaram a falar todas ao mesmo tempo como um bando de pássaros. Quando estavam ainda a duas ruas de distância dos portões da universidade, onde a marcha ia se concentrar, o táxi teve que parar, tão grande era a multidão.
Onde se havia esperado umas poucas centenas, havia milhares e chegavam mais a cada minuto, de todos os lados. Jovens e velhas, bem-nascidas e mal nascidas, cultas e analfabetas, camponesas e nobres, ricas e pobres — de jeans, saias, calças, botas, sapatos, farrapos, peles — e em todas o mesmo fervor, mesmo daquelas que tinham vindo usando o chador. Algumas das mais militantes já estavam fazendo discursos e outras gritavam slogans:
— Abaixo o chador obrigatório..
— Unidade, luta, vitória...
— Mulheres unidas, nós nos recusamos a ser obrigadas a usar o purdah ou o chador...
— Eu estive em Doshan Tappeh lutando contra os Imortais. Nós não lutamos e sofremos para nos submeter ao despotismo...
— Morte ao despotismo seja qual for a sua forma...
— Simmmm! Hurra às mulheres — gritou Xarazade — abaixo o chador obrigatório e os véus e lenços! — Como as outras, ela foi tomada pela excitação. Zarah pagou ao homem e deu-lhe uma boa gorjeta, voltou-se alegremente, deu o braço a Xarazade e Jari, e nenhuma delas ouviu o motorista gritar:
— Rameiras, todas vocês — e saiu com o carro.
A multidão estava um tanto dispersa, sem saber o que fazer, a maioria delas esmagada pelo enorme número e variedade de mulheres, roupas e idades — até alguns homens juntando-se a elas cheios de entusiasmo.
— Nós estamos protestando, Zara, estamos mesmo, não estamos?
— Oh, sim, Xarazade! E há tantas de nós...
Gritando no meio do barulho, ouvindo falar uma mulher bem vestida, uma conhecida advogada e ativista de Teerã, campeã de direitos femininos, Namjeh Lengehi. Uns poucos grupos de homens, estudantes e professores, pró e contra, junto com alguns mulás, todos contra, também ouvindo:
— Alguns mulás dizem que nós mulheres não podemos julgar, não devemos receber educação e temos que usar o chador. Por três gerações nós permanecemos sem o véu, por três gerações nós temos tido direito a educação e há uma geração que temos o direito de votar. Deus é grande...
— Deus é grande — mil vozes ecoaram.
— Algumas de nós têm mais sorte que outras, algumas são mais educadas do que outras, algumas até possuem uma educação melhor do que a dos homens. Algumas dessas conhecem melhor as leis modernas, até mesmo a lei corânica, melhor do que muitos homens, por que essas mulheres não podem julgar? Por quê?
— Não há nenhum motivo! Queremos que essas mulheres sejam juízes!
— Zarah gritou junto com cem outras, abafando a voz dos mulás e seus partidários que gritavam:
— Sacrilégio!
Quando conseguiu se fazer ouvir novamente, Namjeh Lengehi continuou:
— Nós apoiamos o aiatolá de todo o coração... — Mais aplausos a interromperam, numa grande demonstração de afeição. — Nós o abençoamos pelo que ele fez e lutamos o melhor que pudemos, lado a lado com os homens, partilhamos o sofrimento deles e as celas de prisão e ajudamos a ganhar a revolução e a expulsar o déspota e agora estamos livres, o Irã está livre do seu jugo e do jugo estrangeiro. Mas isto não dá a ninguém, aos mulás, nem mesmo ao aiatolá, o direito de atrasar o ponteiros do relógio...
Ouviram-se gritos de:
— Não, não, não! Nada de despotismo! Voto para as mulheres! Não ao despotismo sob qualquer forma! Lengehi para o Majilis! Lengehi para ministro da educação!
— Oh, Zarah, isso não é maravilhoso? — disse Xarazade. — Você já votou alguma vez?
— Não, querida, é claro que não. Mas isso não quer dizer que eu não quero ter o direito de poder votar caso queira. Eu já disse a Meshang uma centena de vezes que é claro que eu perguntaria a ele em quem votar, mas assim mesmo eu gostaria de entrar na cabine, sozinha, caso tivesse vontade!
— Você tem razão! — Xarazade virou-se e gritou: — Viva a revolução! Deus é grande! Deus é grande! Lengehi para a Suprema Corte! Mulheres para juízes! Nós insistimos nos nossos direitos...
Teymour, o iraniano treinado na OLP que tinha tomado o apartamento de Xarazade e que fora mandado para supervisionar a marcha e identificar os militantes, reconheceu-a das fotografias que tinha visto lá. A sua raiva aumentou.
— As mulheres devem obedecer às leis de Deus — ele gritou. — Nada de mulheres juizes! As mulheres devem fazer o trabalho de Deus! — Mas a voz dele foi abafada pelas outras milhares de vozes e ninguém prestou atenção nele.
Ninguém soube como a marcha começou. Elas simplesmente pareceram sair andando e em pouco tempo enchiam as avenidas, de parede a parede, interrompendo todo o tráfego, avançando alegremente, com uma força irresistível. Os que estavam em barracas, janelas e balcões de casas vizinhas olhavam de boca aberta para as manifestantes.
A maioria dos homens estava chocada.
— Olhe aquela ali, a jovem rameira com o casaco verde que abre na frente e mostra a abertura entre as pernas, olha, olha lá! Que Deus a amaldiçoe por tentar-me...
— Olha aquela ali com as calças apertadas.
— Onde? Ah, estou vendo, a de calças azuis! Que Deus nos proteja! Pode-se ver cada ondulação da sua zinaatl Ela está pedindo! Como aquela que está de braço dado com ela, a de casaco verde! Meretriz! Ei, sua meretriz, o que você quer é um pau, é só isso que você quer...
Os homens olhavam e se inflamavam. O desejo seguia a marcha.
As mulheres olhavam e meditavam. Mais e mais mulheres esqueceram-se das compras ou das suas barracas e se juntaram às suas irmãs, tias, mães, avós, tirando destemidamente das cabeças os lenços e véus e o chador — aquela não era a capital, elas não eram todas teeranis, a elite do Irã, e não mais aldeãs? Era diferente aqui, não como lá na aldeia onde elas nunca teriam ousado gritar slogans e tirar os lenços, véus e o chador.
— Mulheres, unam-se! Deus é Grande! Deus é Grande! Vitória, unidade, luta. Igualdade para as mulheres! Voto! Não ao despotismo, qualquer despotismo...
Na frente das manifestações, atrás delas, em volta delas, nas avenidas e nas ruas laterais, grupos de homens começaram a se formar. Os que eram contra e os que eram a favor. As discussões tornaram-se cada vez mais violentas — a lei coranica exigia que todos os muçulmanos resistissem a qualquer tentativa contra o Islã. Algumas brigas começaram. Um homem puxou uma faca e morreu, com a faca de outro homem nas costas. Alguns tiros e ferimentos. Muitas brigas. Alguns tumultos entre liberais e fundamentalistas, entre esquerdistas e Faixas Verdes. Umas cabeças quebradas, mais um homem morto e, aqui e ali, crianças atingidas pelo fogo cruzado, algumas mortas, outras agachadas atrás de carros estacionados.
Ibrahim Kyabi, o líder estudantil do Tudeh que tinha escapado da emboscada na noite em que Rakoczy fora apanhado, correu para a rua e pegou uma das crianças apavoradas enquanto seus amigos lhe davam proteção. Ele chegou em segurança na outra esquina. Assim que se certificou de que a menina estava bem, ele gritou para os amigos:
— Sigam-me — sabendo que eles estavam em minoria ali, e saiu correndo. Eles eram seis e correram para dentro dos becos e ruas laterais. Logo estavam a salvo, correndo em direção à avenida Roosevelt. Os partidários do
Tudeh receberam ordens de evitar confrontos com os Faixas Verdes, de marchar junto com as mulheres, de se infiltrar nas fileiras e de conquistar adeptos. Ele estava contente de voltar à ativa depois de ficar escondido.
Meia hora depois de Rakoczy ter sido capturado, ele relatara a traição ao seu supervisor no QG do Tudeh. O homem lhe dissera para não ir para casa, para tirar a barba e se manter fora de circulação num esconderijo perto da universidade:
— Não faça nada até a hora da marcha de protesto das mulheres, na terça-feira. Junte-se à marcha com a sua célula conforme o planejado, depois vá para Kowiss no dia seguinte. Isso deve mantê-lo em segurança por algum tempo.
— E quanto a Dimitri Yazernov? — Ele só conhecia Rakoczy por este nome.
— Não se preocupe. Nós os tiraremos das mãos daqueles bandidos. Torne a dizer-me como eles eram.
Ibrahim contara a ele o pouco que se lembrava sobre os Faixas Verdes e a emboscada. E então ele perguntara:
— Quantos homens irão para Kowiss comigo?
— Você e mais dois devem ser suficientes para um maldito mulá. Sim, ele tornou a pensar, mas eu não preciso de ninguém. Logo o meu pai estará vingado. Suas mãos apertaram o M16 que fora roubado uma semana antes do arsenal de Doshan Tappeh.
— Liberdade! — gritou e correu pela avenida Roosevelt para se juntar às primeiras fileiras do protesto, espalhando-se com seus amigos.
Uns cem metros atrás, um caminhão aberto, cheio de jovens, se arrastava lentamente, cercado pelos milhares de manifestantes, acenando e gritando palavras de encorajamento. Eram pilotos sem uniforme. Entre eles estava Karim Peshadi. Durante horas ele procurara Xarazade no meio dos manifestantes mas não a tinha visto. Ele e os outros estavam estacionados em Doshan Tappeh, onde a ordem e a disciplina eram praticamente inexistentes, com os komitehs detendo o controle, expedindo ordens e contra-ordens, outras ordens vindo do Alto Comando subserviente ao primeiro-ministro Bazargan, outras do Komiteh Revolucionário — e outras do rádio onde, de vez em quando, o aiatolá Khomeini falava e determinava as normas.
Como todos os outros pilotos e oficiais por todo o país, Karim fora colocado diante de um komiteh para ser interrogado a respeito da sua ficha, das suas crenças políticas e das suas ligações pré-revolucionárias. Sua ficha era boa e ele pôde jurar sinceramente que apoiava o Islã, Khomeini e a revolução. Mas o fantasma do seu pai pairava sobre ele, e Karim enterrara cuidadosamente o desejo de vingança no fundo do coração. Até agora ele não fora afetado.
Há duas noites ele tentara ir até a torre de Doshan Tappeh para procurar o livro de autorizações, mas fora obrigado a voltar. Esta noite ele ia tentar de novo — tinha jurado a si mesmo que não falharia. Eu não posso falhar, pensou, Xarazade confia em mim... oh, Xarazade, é você que dá sentido à minha vida embora esteja proibida para mim.
Ansiosamente, ele a procurou no meio dos manifestantes, sabendo que ela estava lá, em algum lugar. Na noite anterior ele e um grupo de amigos tinham ouvido uma transmissão incendiaria feita por um aiatolá fundamenta-lista, opondo-se ao Protesto das Mulheres e exigindo que se fizessem protestos contrários por 'fiéis'. Ele ficara seriamente preocupado por causa de Xarazade, suas irmãs e parentes que ele sabia que também estariam na marcha. Seus amigos estavam igualmente preocupados com suas famílias. Então, esta manhã, eles tinham apanhado o caminhão e se juntaram ao protesto. Com armas.
— Igualdade para as mulheres — ele gritou. — Democracia para sempre! Islã para sempre! Democracia, lei e Islã para sem... — As palavras morreram.
Na frente da marcha, os homens tinham formado uma grossa barreira na rua, impedindo o avanço. As mulheres que iam na frente viram o ódio deles e os punhos levantados. Instintivamente, as mulheres nas primeiras filas tentaram diminuir a marcha, mas não conseguiram. O impulso de milhares as empurrou inexoravelmente para a frente.
— Por que esses homens estão tão zangados? — perguntou Xarazade, sua alegria desaparecendo e os empurrões aumentando.
— Eles são apenas mal conduzidos, aldeões em sua maioria — disse corajosamente Namjeh Lengehi. — Eles querem que sejamos escravas, escravas, não tenham medo! Deus é Grande...
— Dêem os braços — gritou Zarah —, eles não podem nos fazer parar! Allahhh-u Akbarrr...
Entre os homens que bloqueavam a rua estava o homem que, na prisão Evin, levara Jared Bakravan para a morte. Ele reconhecera Xarazade na frente.
— Deus é Grande — ele murmurou em êxtase, com suas palavras abafadas pelos gritos —, Deus me fez o instrumento que mandou para o inferno o maldito lojista e agora Deus colocou nas minhas mãos a meretriz, sua filha. — Seus olhos a contemplaram com desejo, vendo-a nua nas almofadas, deitada, com os seios erguidos, os olhos cheios de paixão, a boca úmida, os lábios úmidos, ouvindo-a suplicar-lhe: "Possua-me, depressa, por você eu o faço de graça, penetre-me, depressa, por você eu faço qualquer coisa... oh, Satã, ajude-me a extrair Deus do seu membro..."
Ele empunhou a faca, com os testículos vibrando, sua macheza orgulhosa, e atirou-se em direção a ela.
— Deus é Grandeeee... — Sua corrida foi súbita e ele atravessou o espaço que os separava, derrubou uma dúzia, tentando alcançá-la, mas escorregou e, em sua excitação, caiu, com a faca atingindo algumas pessoas. Os que ele feriu gritavam e ele conseguiu se levantar e atirou-se para ela, vendo apenas a ela, com os olhos arregalados de terror, com a faca na mão pronta para matá-la, a três passos de distância, dois passos, um... sentindo-se inundado pelo seu perfume, o cheiro do demônio encarnado. Ele começou o golpe mortal, mas não chegou a tocá-la e soube que Satã tinha enviado um djinn diabólico para impedi-lo — sentiu um fogo no peito, seus olhos ficaram cegos e ele morreu com o nome de Deus nos lábios.
Xarazade olhou para a figura caída, com Ibrahim ao seu lado agora, uma arma na mão, gritos e berros e um urro de raiva de mil mulheres fazendo pressão atrás deles.
Outro tiro e um homem caiu gritando.
— Avançar em nome de Deus — gritou Lengehi, vencendo o próprio medo, e seu grito foi acompanhado por Ibrahim, que sacudiu Xarazade:
— Não tenha medo, avante as mulheres...
Ela viu a confiança dele e por um momento confundiu-o com seu primo
Karim, tão parecido em altura, corpo e rosto, depois seu terror e seu ódio pelo que acontecera explodiram e ela gritou:
— Avante pelo meu pai... Abaixo os fanáticos e os Faixas Verdes... abaixo os assassinos! — Ela agarrou Zarah. — Vamos! Para a frente! — E deu o braço a ela e a Ibrahim, o seu salvador, tão parecido com Karim que poderiam ser irmãos, e continuaram a marchar. Mais homens corriam para a frente para ajudar, o caminhão com os pilotos entre eles.
Outro atacante de faca veio correndo para cima deles.
— Deus é Grande... — gritou Xarazade, a multidão junto com ela, mas antes de ser dominado o rapaz golpeou o braço de Namjeh Lengehi. Inexoravelmente, as filas de trás fizeram pressão para a frente, com os dois lados gritando "Deus é Grande", com os dois lados absolutamente certos de que estavam com a razão. Então a oposição cedeu.
— Deixem-nas marchar — gritou um homem. — As nossas mulheres também estão lá, algumas estão, há muitas mulheres... demais... — Os homens que estavam no caminho recuaram, outros se afastaram e então o caminho ficou livre. Um urro de triunfo elevou-se dos manifestantes:
— Allahhh-u Akbarrr... Deus está conosco, irmãs!
— Para a frente — tornou a gritar Xarazade e a marcha prosseguiu. Os que estavam feridos foram carregados ou ajudados a saírem do caminho, os outros continuaram andando. Agora o protesto ficou outra vez disciplinado. Ninguém mais barrou-lhes o caminho, embora muitos homens observassem sombriamente das laterais, com Teymour e outros fotografando os militantes.
— É um sucesso — disse Namjeh Lengehi, com voz fraca, ainda andando na primeira fila, com um lenço estancando o sangue que jorrava do seu braço. — Nós somos um sucesso. Até mesmo o aiatolá vai saber da nossa determinação. Agora nós podemos voltar para os nossos maridos e as nossas famílias. Nós fizemos o que precisávamos fazer e agora podemos voltar para casa.
— Não — disse Xarazade, com o rosto pálido e sujo de terra, ainda não recuperada do choque. — Nós precisamos marchar amanhã e amanhã e amanhã, até que o imã concorde publicamente com os nossos direitos e não nos obrigue a usar o chador.
— Sim — disse Ibrahim —, se vocês pararem agora os mulás vão esmagá-las.
— Você tem razão, aga, oh, como posso agradecer-lhe por ter-nos salvo?
— Sim — concordou Zarah, ainda abalada. — Nós vamos marchar amanhã, senão esses... esses loucos vão nos destruir.
A marcha prosseguiu sem maiores problemas e o mesmo aconteceu nas outras cidades: confusão no início e depois o protesto continuando pacificamente.
Mas nas aldeias e pequenas cidades, a marcha foi interrompida antes de começar e mais ao sui, em Kowiss, houve silêncio na praça da cidade, exceto pelo barulho do chicote e dos gritos. Hussein estava lá quando a marcha se formou.
— Este protesto está proibido. Todas as mulheres que não estiverem vestidas de acordo com o hijab estão sujeitas a serem condenadas por nudez pública contra as ordens do Corão. — Só meia dúzia de mulheres, entre duzentas, estavam vestidas com roupas ocidentais.
— Onde está escrito no Corão que estaremos desobedecendo a Deus se não usarmos o chador! — gritou uma das mulheres. Ela era esposa do gerente do banco e freqüentara a Universidade de Teerã. Sua aparência era modesta, ela usava um casacão e uma saia, mas seus cabelos estavam soltos.
— Oh, Profeta, diga a suas esposas e filhas e mulheres crentes que usem os véus bem cerrados... O Irã é um Estado islâmico... o primeiro da história. O imã decretou o hijab. Então será o hijab. Vão para casa e vistam-se direito imediatamente!
— Mas as fiéis de outras terras não são obrigadas a usar o chador, e os seus líderes e os seus maridos não as obrigam a isso.
— Os homens são responsáveis pelo que diz respeito às mulheres, por isso Deus favoreceu a um deles... as mulheres direitas são, portanto, obedientes.. Aquelas que você achar que podem ser rebeldes, castigue-as; mande-as para a cama e bata nelas. Se então elas lhe obedecerem, não faça nada contra elas. Vão e cubram suas cabeças.
— Eu não irei. Há mais de quarenta anos que as mulheres iranianas não usam mais o véu e...
— Quarenta chibatadas vão dobrar a sua desobediência! Deus é Grande! — Hussein fez sinal para um dos seus acólitos. Outros agarraram a mulher e imobilizaram-na. O chicote logo rasgou a fazenda nas costas dela debaixo das vaias dos homens que assistiam. Quando terminou, a mulher desmaiada foi carregada. Por outras mulheres. As outras voltaram para casa. Em silêncio.
Lá, Hussein olhou para a esposa, com o ventre inchado da gravidez.
— Como você ousou comparecer a um protesto de meretrizes e mulheres perdidas?
— Foi... foi um erro — disse ela, apavorada. — Foi um grande erro.
— Sim, você ficará sem comida, passando apenas a água, por dois dias, para se lembrar. Se você não estivesse grávida, sofreria o mesmo castigo, na praça.
— Obrigada por ter sido misericordioso, que Deus o abençoe e proteja Obrigada..
NO AEROPORTO DE TEERÃ: 18:40H. Com Andrew Gavallan ao seu lado, McIver saiu da área de descarga em direção ao 125, ETLL, que estava parado no pátio de carga a meio quilômetro de distância. O aparelho tinha chegado de Tabriz há uma hora e estava reabastecido e pronto para o vôo de volta através do golfo. Depois que ele pousou, Armstrong agradecera-lhes efusivamente por ter permitido que ele usasse o aparelho. Assim como o coronel Hashemi Fazir.
— O capitão Hogg disse que o 125 volta no sábado, sr. Gavallan — dissera Hashemi, educadamente. — Eu gostaria de saber se o senhor terá a gentileza de nos dar uma carona até Tabriz. Só de ida desta vez, não será necessário esperar, nós voltaremos por nossa própria conta.
— É claro, coronel — Gavallan respondera gentilmente, sem se sentir nada satisfeito em relação aos dois homens.
Ao chegar de Al Shargaz naquela manhã, McIver contara-lhe imediatamente, em particular, por que era necessário cooperar
— Eu vou tratar disso imediatamente com Talbot, Mac — ele dissera, furioso com a chantagem. — Não importa que seja CID ou Seção Especial!
Eles todos tinham tapado os ouvidos com as mãos quando um gigantesco avião de transporte dos Estados Unidos taxiou perto deles, em direção ao ponto de decolagem — um dos muitos aviões do governo americano enviados para evacuar o resto do pessoal americano de prestação de serviços e da embaixada, exceto por um pequeno grupo. O ar superaquecido dos jatos suspendeu a neve e atingiu-os. Quando Gavallan conseguiu fazer-se ouvir, ele disse:
— Talbot deixou uma mensagem para o senhor, sr. Armstrong, e pediu que o senhor fosse vê-lo o mais cedo possível. — Ele viu o olhar trocado entre os dois homens e imaginou o que significaria.
— Ele disse onde, senhor?
— Não, apenas que fosse vê-lo o mais cedo possível. — Gavallan teve a atenção despertada por uma enorme limusine preta que vinha depressa em direção a eles, com a bandeira oficial de Khomeini no pára-lama. Dois homens saltaram e cumprimentaram Hashemi com deferência, segurando a porta para ele entrar.
— Até sábado. Mais uma vez obrigado, sr. Gavallan. — Hashemi entrou atrás.
— Como poderemos entrar em contato com o senhor, coronel, caso haja uma mudança nos planos?
— Através de Robert. Ele pode me mandar um recado. Há alguma coisa que eu possa fazer por vocês? Aqui no aeroporto?
McIver disse rapidamente.
— Com relação ao abastecimento, obrigado por ter providenciado, se o senhor conseguir que nós tenhamos um serviço assim tão rápido todas as vezes, eu agradeceria. E também as nossas autorizações.
— Vou cuidar disso. O senhor terá prioridade para o vôo de sábado. Se houver alguma outra coisa, por favor, peça a Robert. Vamos, Robert.
Robert Armstrong disse:
— Mais uma vez obrigado, sr. Gavallan, vejo-o no sábado, se não o vir antes.
Quando Talbot esteve lá mais cedo para saber a hora em que Armstrong voltaria de Tabriz, Gavallan o chamara para um canto e tinha urrado de ódio por causa da chantagem.
— Pelo amor de Deus — dissera Talbot, chocado. — Que acusação terrível, terrivelmente não-britânica, Andrew, se me permite falar assim! Eu compreendo que Armstrong teve um trabalho considerável para tentar livrar você, a sua companhia, Duncan e Lochart... um bom homem aquele, linda esposa, que coisa triste o que houve com o pai dela... de um desastre que pode vir à tona a qualquer momento. Não pode? — E sorriu docemente. — Eu compreendo que Robert pediu, apenas pediu um modesto favor, fácil de providenciar, nada demais, Andrew.
— Ele é da Seção Especial, ex-CID em Hong Kong, não é? O sorriso de Talbot não perdeu a doçura.
— Eu não sei dizer. Mas ele parece querer prestar-lhe um favor. Simpático da parte dele, não?
Ele está com o livro de autorizações?
— Eu não sei de nada a respeito disso.
— Quem é esse coronel Fazir afinal de contas? Talbot tinha acendido um cigarro.
— Apenas um amigo. É um homem bom para se ter como amigo.
— Eu reparei nisso. Ele conseguiu combustível e prioridade para decolar como se fosse Deus Todo-Poderoso.
— Oh, ele não é, de jeito nenhum. É quase isso, mas não é Deus. Deus é inglês — Talbot dera uma gargalhada. — É é mulher. Nenhuma inteligência masculina poderia ter feito uma confusão tão completa no mundo. Uma palavra de advertência, meu chapa: eu ouvi dizer, seguindo o conselho do seu colega de diretoria, Ali Kia, que eles pretendem nacionalizar todas as companhias de aviação estrangeiras, especialmente a sua, se conseguirem organizar as coisas.
Gavallan ficou chocado.
— Quem são eles!
— Isso importa?
Depois que Talbot já tinha ido embora, Gavallan voltou para o escritório que estava com uma boa freqüência hoje. Ainda não voltara ao normal, mas estava chegando lá — operador de rádio, operador de telex, gerente administrativo, almoxarifes e alguns secretários, não havia nenhuma mulher presente hoje, porque todas tinham pedido permissão para ir à marcha de protesto.
— Mac, vamos dar uma volta.
McIver levantou a cabeça de uma pilha de relatórios.
— Claro — disse, vendo a fisionomia grave do outro.
Eles não tinham tido tempo ainda de conversar em particular, era impossível fazer isso dentro ou perto dos escritórios, as paredes eram finas e os ouvidos estavam atentos em toda parte. Desde que Gavallan chegara há horas atrás, os dois tinham estado ocupados verificando o livro caixa, os contratos ainda em vigor, os contratos suspensos ou cancelados e o estado atual de cada base — todas elas comunicando, reservadamente, um mínimo de trabalho e um máximo de aborrecimento — a única notícia boa fora a permissão conseguida por McIver para exportar os três 212 e mesmo isso não era certo. Ainda.
Os dois homens saíram para o pátio de carga. Um jumbo da JAL roncou no céu.
— Dizem que ainda há dois ou três mil técnicos japoneses se divertindo na Iran-Toda — McIver disse distraidamente.
— O consórcio deles está levando uma tremenda surra. Hoje o Financial Times disse que o prejuízo deles já vai a meio bilhão de dólares, não há nenhuma chance deles terminarem este ano, nem de pularem fora. Isso e o excesso de frota mercante no mundo devem estar prejudicando imensamente a Toda. — Gavallan verificou se não havia ninguém por perto. — Pelo menos o nosso investimento de capital é móvel, Mac, a maior parte dele.
McIver olhou para ele, vendo o rosto marcado, as espessas sobrancelhas grisalhas, os olhos castanhos.
— E este o motivo da "conferência urgente"?
— Um deles. — Gavallan contou-lhe o que Talbot dissera. — Nacionalizada! Isso significa que vamos perder tudo, a menos que tomemos alguma providência. Genny tem razão, você sabe. Temos que fazer isso sozinhos.
— Eu não acho que seja possível. Ela lhe disse, não?
— É claro, mas eu acho que podemos. Analise isso: digamos que hoje é o Dia Um. Todo o pessoal supérfluo começa a deixar o Irã por transferência ou de licença; nós retiramos todas as peças que pudermos, seja pelo nosso 125 ou nas linhas regulares quando elas recomeçarem a operar, como obsoletas, supérfluas, para conserto ou como bagagem pessoal. Zagros Três recua para Kowiss, Tabriz fecha 'temporariamente' e o 212 de Erikki vai para Al Shargaz, depois para a Nigéria, junto com Tom Lochart de Zagros, e um 212 de Kowiss. Você fecha o QG em Teerã e o transfere para Al Shargaz para dirigir as operações e controlar as nossas três bases restantes de Lengeh, Kowiss e Bandar Delam 'esperando a volta à normalidade' de lá. Nós todos ainda estamos sob as ordens do nosso governo para evacuar todo o pessoal supérfluo.
— Certo, mas...
— Deixe-me terminar, rapaz. Digamos que possamos planejar e preparar tudo isso em trinta dias. O Dia Trinta e Um será o Dia D. No momento exato do Dia D, ou D mais um, dependendo do tempo ou Deus sabe lá de quê nós passamos pelo rádio uma palavra em código de Al Shargaz. Simultaneamente, todos os pilotos restantes e helicópteros decolam e se dirigem para Al Shargaz através do golfo. Lá nós removemos os rotores, embarcamos os helicópteros em uns 747 de carga que eu terei fretado em algum lugar, eles voam para Aberdeen e pronto — Gavallan terminou com um sorriso radiante.
McIver ficou olhando para ele, estarrecido.
— Você está louco! Você está doido varrido, Chinês. Tem que haver algum furo nisso... você é doido.
— Aponte algum furo.
— Posso apontar cinqüenta, pri...
— Um de cada vez, rapaz, e lembre-se da sua pressão. Como está ela, aliás? Genny pediu-me para perguntar.
— Ótima, e não comece. Primeiro, a mesma hora de decolagem: os helicópteros das diferentes bases vão levar tempos diferentes por causa das distâncias que terão que percorrer. O que sair de Kowiss terá que ser reabastecido, não vai poder ir de uma vez só, nem mesmo através do golfo.
— Eu sei disso. Nós faremos diferentes subplanos para cada uma das três bases. Cada comandante de base fará o seu próprio plano de saída, nós seremos responsáveis por eles na chegada. Scrag pode atravessar o golfo facilmente, bem como Rudi de Bandar De...
— Ele não pode. Nem Rudi de Bandar Delam nem Starke de Kowiss podem atravessar o golfo direto até Al Shargaz, mesmo que consigam atravessar o golfo. Eles terão que atravessar o espaço aéreo do Kuwait, da Arábia Saudita e dos Emirados e só Deus sabe o que eles farão conosco, multas ou prisão. Al Shargaz também, não há nenhum motivo para que eles ajam de forma diferente. — McIver sacudiu a cabeça. — Os domínios dos xeques não podem fazer nada sem autorização iraniana. Eles, com toda a razão, estão apavorados que a revolução de Khomeini se espalhe até eles, todos têm grandes minorias xiitas e não são páreo para as Forças Armadas iranianas caso elas decidam endurecer.
— Uma coisa de cada vez — disse Gavallan calmamente. — Você tem razão quanto aos helicópteros de Rudi e Starke, Mac. Mas digamos que eles tenham autorização para voar sobre todos esses territórios?
— Hein?
— Eu passei um telex para todas as torres de controle do golfo pedindo autorização e recebi telex confirmando que os helicópteros da S-G em trânsito podem passar.
— Sim, mas.,
— Mas um ponto de cada vez, rapaz. Outra coisa, digamos que todos os nossos aparelhos voltassem a ter um registro britânico. Eles são britânicos, são nossos, nós estamos pagando por eles, nós somos os donos não importa o que os sócios tentem fazer. Sob registro britânico, eles não estão sujeitos ao Irã nem a nada que diga respeito a eles. Certo?
— Uma vez que você esteja fora, sim, mas você não vai conseguir que as autoridades da Aeronáutica Civil iraniana concordem com a transferência, logo você não vai poder fazê-los voltar a ser britânicos.
— Digamos que eu pudesse arranjar-lhes um registro britânico mesmo assim?
— E como você conseguiria uma coisa dessas?
— Pedindo. Pedindo, rapaz, você pede ao pessoal do registro em Londres para fazer isso. De fato, eu fiz isso antes de sair de Londres. "As coisas estão um tanto confusas no Irã", eu disse. "Uma bagunça completa, meu velho", eles disseram. "Eu gostaria de voltar a ter um registro britânico para os meus pássaros, temporariamente", disse, "talvez eu tenha que tirá-los de lá até que a situação se normalize. É claro que as autoridades do Irã aprova, riam, mas eu não consigo que nenhum pedaço de papel seja assinado no momento, vocês sabem como é isso." "Certamente, meu velho", eles disseram, "acontece o mesmo com o nosso maldito governo, com qualquer maldito governo. Bem, os pássaros são seus, não há nenhuma dúvida, é um pouco irregular, mas eu imagino que possa ser feito. Você vai à festa dos Velhos Camaradas?"
McIver tinha parado de andar e estava olhando para ele, perplexo
— Eles concordaram?
Ainda não, rapaz. O que mais?
— Eu tenho mais uma centena de dúvidas! — Irritado, McIver recomeçou a andar, com frio demais para ficar parado E então?
— E então, se eu fizer uma pergunta de cada vez, você vai me dar uma resposta... e uma possível solução, mas isso ainda não será o suficiente
— Eu concordo com Genny, nós teremos que fazê-lo sozinhos. Talvez, mas terá que ser uma coisa viável. Outra coisa: nós temos permissão para retirar três 212, talvez conseguíssemos tirar o resto.
— Os três ainda não estão fora, Mac. Os sócios, e muito menos o DAC, não nos deixarão escapar do seu controle. Olhe para a Guerney: todos os seus helicópteros foram confiscados. Quarenta e oito, inclusive todos os seus 212, cerca de 30 milhões de dólares apodrecendo, não podem nem mesmo fazer a manutenção deles. — Eles olharam para a pista. Um Hércules da RAF estava pousando. Gavallan ficou observando-o, — Talbot me disse que lá para o fim da semana todo o pessoal de treinamento e técnicos do exército, marinha e aeronáutica britânicos estarão fora daqui e na embaixada só ficarão três pessoas, incluindo ele. Parece que por causa do tumulto na embaixada dos Estados
Unidos. Alguém entrou, aproveitando-se da confusão, explodiu cofres e agarrou papéis cifrados..
— Eles ainda tinham material secreto lá? — McIver estava horrorizado.
— Parece que sim. De qualquer maneira, Talbot disse que a infiltração fez palpitar cada um dos esfíncteres diplomáticos do mundo cristão, do mundo soviético e do mundo árabe. Todas as embaixadas estão fechando. Os árabes são os mais abalados. Nenhum dos xeques do petróleo quer ver Khomeini do outro lado do golfo e estão ansiosos, desejosos e prontos para gastar muitos petrodólares para evitar isto. Talbot disse: "Eu aposto cinqüenta libras contra um alfinete quebrado que o Iraque agora está com um talão de cheques aberto, os curdos também, e todo mundo que seja árabe, pró-sunita e anti-Khomeini”. O golfo inteiro está prestes a explodir. Mas enquanto isso o...
— Enquanto isso, ele não está tão obstinado quanto estava há alguns dias; nem tão certo de que Khomeini vai se retirar silenciosamente para Qom. "É o bom e velho Irã para os iranianos, meu velho, enquanto eles tiverem Khomeini e os mulás", ele disse. "É sim para o khomeinismo, se os esquerdistas não o assassinarem antes, e fora com tudo que for velho. Isto é, nós." — Gavallan bateu palmas com as mãos enluvadas para manter a circulação. — Eu estou gelado. Mac, está muito claro que nós estamos numa tremenda enrascada aqui. Nós temos que cuidar de nós mesmos.
— É um risco tremendo. Eu acho que vamos perder alguns aparelhos Só se a sorte estiver contra nós.
— Você está pedindo um bocado de sorte, Andy. Você se lembra daqueles dois mecânicos na Nigéria que ficaram presos por 14 anos só por terem feito a manutenção de um 125 que foi tirado ilegalmente do país?
— Isso foi na Nigéria. Os mecânicos ficaram para trás. Nós não vamos deixar ninguém
— Se um só estrangeiro ficar para trás, será agarrado, atirado na prisão e se tornará um refém para todos nós e todos os aparelhos, a menos que você esteja preparado para deixá-lo ser morto. Se não estiver, eles o usarão para nos obrigai a voltar e quando nós voltarmos, eles estarão bastante irritados E quanto a todos os nossos empregados iranianos?
Obstinadamente, Gavallan disse:
— Se a sorte estiver contra nós, será um desastre não importa o que façamos. Eu acho que deveríamos preparar um plano bem-feito, com todos os detalhes finais, sob condição. Isto levará semanas, e é melhor mantermos o plano supersecreto, só entre nós
McIver sacudiu a cabeça.
— Nós vamos ter quer consultar Rudi, Scragger, Lochart e Starke, se você quiser agir com seriedade
— Você tem toda razão. — Gavallan estava com as costas doendo e se esticou. — Depois que estiver devidamente planejado.. Nós não precisamos sugar a última teta antes disso.
Eles caminharam em silêncio durante algum tempo, com a neve rangendo alto Agora estavam quase no final do pátio.
— Nós estaríamos exigindo um bocado dos rapazes — disse McIver Gavallan não pareceu ouvi-lo
— Nós não podemos simplesmente abandonar 15 anos de trabalho, não podemos jogar fora as nossas economias, as suas, de Scrag, e todo o resto — disse ele. — O nosso Irã acabou. A maioria dos caras com quem nós trabalhamos durante anos fugiu, está escondida, está morta, ou está contra nós, quer queira quer não. O trabalho está reduzido a um mínimo. Dos 26 helicópteros que temos aqui, só nove estão operando. Nós não estamos sendo pagos pelo pouco que estamos fazendo, nem estamos recebendo os pagamentos atrasados. Eu acho que tudo isso é um cancelamento.
Obstinadamente, McIver disse:
— Não é assim tão ruim como você pensa. Os só..
— Mac, você precisa entender que eu não posso desistir do dinheiro que nos devem mais os nossos aparelhos e peças e continuar a funcionar. Eu não posso. Os nossos treze 212 valem 13 milhões de dólares, os nove 206 valem um milhão e trezentos, os três Alouettes mais um milhão e meio, e três milhões em peças. Vinte milhões mais ou menos. Eu não posso desistir disso. Ian me avisou que a Struan's precisa de ajuda este ano, não existe dinheiro sobrando. Linbar tomou algumas decisões erradas e... bem, você sabe o que eu penso dele e ele de mim. Mas ele ainda é o tai-pan. Eu não posso largar o Irã, não posso desfazer os contratos para os novos X63, não posso lutar contra a Imperial que, atualmente, está nos engolindo no mar do Norte com o dinheiro dos contribuintes. Não posso fazer nada disso.
— Você estaria pedindo um bocado dos rapazes, Chinês.
— E de você também, Mac, não se esqueça de você. Teria que ser um esforço conjunto, não apenas por mim, mas por eles também. Porque é isso ou afundar.
— A maior parte dos nossos rapazes pode arranjar empregos sem problemas. O mercado está desesperado atrás de pilotos de helicópteros bem treinados que trabalham com petróleo.
— E daí? Aposto que todos eles preferem trabalhar conosco, nós cuidamos deles, pagamos em dólar, temos a melhor ficha em matéria de segurança. A S-G é a melhor companhia de helicópteros da terra e eles sabem disso! Você e eu sabemos que fazemos parte da Casa Nobre, por Deus, e isso também significa alguma coisa. — Os olhos de Gavallan brilharam subitamente. — Seria um grande golpe se nós conseguíssemos sair dessa. Eu adoraria esfregar isto no nariz de Linbar. Quando chegar a hora, nós perguntaremos aos rapazes. Enquanto isso, a todo o vapor, hein, rapaz?
— Está bem — McIver disse sem entusiasmo. — Vamos ao planejamento. Gavallan olhou para ele.
— Eu conheço você bem demais, Mac. Daqui a pouco vai ser você que vai estar louco para começar e eu é que vou estar dizendo: espere um pouco, e quanto a isso assim assim..
Mas McIver não estava escutando. Sua mente estava tentando formular um plano, apesar das impossibilidades. Com exceção do registro britânico. Será que isso seria o ponto-chave?
— Andy, quanto ao plano. É melhor termos um nome em código para ele
— Genny disse que deveríamos chamá-lo de 'Turbilhão'. Afinal nós estamos metidos em um.