— É perigoso demais, meu rapaz. Sinto muito, mas é isso. — McIver viu Lochart olhar para dentro de si mesmo, como que a medir-se, e suspirou, sentindo-se muito velho.

— Se Xarazade estiver bem, eu vou voltar com Jean-Luc amanhã de manhã e nós vamos analisar o problema de Zagros, e ela vai no próximo vôo para Al Shargaz — disse Lochart. — Dependendo do que encontrarmos em Zagros... se tivermos que fechar, Insha 'Allah, despacharemos todos os nossos operários para Shiraz, para embarcarem nos vôos regulares. A companhia vai dizer-lhes para onde ir, e nós removeremos tudo para Kowiss, aparelhos, peças e pessoal. Certo?

— Sim. Enquanto isto, eu irei ao ministro amanhã bem cedo e verei se posso ajeitar as coisas. — McIver ligou o botão de transmissão. — Kowiss, aqui é QG. Está me ouvindo?

Quase instantaneamente:

— QG, aqui é Kowiss, capitão Ayre, continue por favor, capitão McIver.

— Primeiro, quanto a Zagros Três: diga ao capitão Gavallan que o capitão Lochart e Sessonne estarão de volta amanhã por volta de meio-dia com instruções. Enquanto isto, prepare planos para obedecer ao komiteh. — Malditos filhos da mãe, pensou, então continuou para o benefício daqueles que estavam escutando: — O gerente de base da IranOil em Zagros deve lembrar ao komiteh que o aiatolá e o governo ordenaram claramente que a produção de petróleo voltasse ao normal. O fechamento de Zagros interferira seriamente com a produção daquela área. Informe ao capitão Gavallan que eu cuidarei disto pessoalmente com o ministro Kia, que, há uma hora atrás, me confirmou esta ordem e me deu permissões por escrito para retirar e substituir turmas com o nosso 125 até...

— Cristo, Mac, que ótimas notícias — ouviu-se pelo rádio.

— Sim... com o nosso 125 até que o serviço regular se normalize. Substituição de pessoal e substituição de aparelhos para executar todo o trabalho extra e cumprir os contratos da Guerney que o governo está nos pedindo para as sumir; portanto eu não entendo as ações do komiteh local. Entendeu, capitão Ayre?

— Sim senhor. Mensagem perfeitamente clara

— O capitão Starke já voltou? Houve um longo silêncio, depois.

— Negativo, QG.

A voz de McIver tornou-se ainda mais fria.

— Chame-me imediatamente assim que ele voltar. Capitão Ayre, cá entre nós, se ele tiver qualquer problema e não estiver de volta à base são e salvo ao amanhecer, eu prenderei todos os nossos aparelhos no solo, em todo o Irã, interromperei todas as nossas operações e mandarei todo o nosso pessoal para fora do Irã.

— Ótimo, Mac — disse baixinho Pettikin. McIver estava concentrado demais para ouvi-lo.

— Entendeu isto, Kowiss? Silêncio. E depois:

— Afirmativo.

— No que diz respeito a você — McIver acrescentou, tendo uma idéia repentina —, informe ao major Changiz e a 'Pé-quente' de minha parte que eu estou mandando que você interrompa todas as operações, inclusive emergências até que Starke esteja de volta à base. Entendeu?

Silêncio, depois:

— Afirmativo. A mensagem será transmitida imediatamente.

— Ótimo. Mas apenas a informação que diz respeito à sua base. O resto é segredo até o amanhecer. — Ele sorriu implacavelmente e depois acrescentou:

— Eu farei uma viagem de inspeção assim que o 125 voltar, portanto certifique se de que todos os relatórios estejam em dia. Mais alguma coisa?

— Não senhor. No momento não. Estamos ansiosos pela sua visita e ficaremos na escuta como sempre

Entendido e desligo.

— Isso deve resolver as coisas, Mac, isso vai colocar um marimbondo nos seus rabos — disse Pettikin.

— Talvez sim, talvez não. Nós não podemos interromper as emergências Além das razões humanitárias, isso nos coloca numa posição ilegal e eles podem nos tirar tudo. — McIver terminou o seu drinque e deu uma olhada no relógio.

— Vamos, Tom, não vamos esperar por Jean-Luc, vamos procurar Xarazade.

O trânsito tinha diminuído um pouco mas ainda se arrastava, com a neve grudando no pára-brisa. A estrada estava escorregadia e cheia de neve suja dos lados.

— Vire a direita na próxima esquina — disse Lochart

— Certo, Tom. — Eles continuaram em silêncio. McIver virou a esquina — Tom, você assinou a nota do combustível em Isfahan?

— Não, não assinei

— Alguém o entrevistou, perguntou o seu nome, alguma coisa desse tipo? Faixas Verdes? Alguma pessoa?

Lochart desviou a mente de Xarazade

— Não, não que eu me lembre. Eu era só o "capitão" e parte do cenário. Até onde posso me lembrar, não fui apresentado a ninguém. Valik e... Annoush e as crianças foram almoçar assim que nós pousamos com o outro general. Cristo, eu não consigo nem mesmo me lembrar do nome dele — ah, sim, Seladi. Todo mundo me chamava de''capitão". Eu era apenas uma parte do cenário. Aliás, eu fiquei no hangar com o helicóptero durante todo o tempo em que estivemos lá, vigiando o reabastecimento e checando o aparelho. Eles até me trouxeram comida numa bandeja e eu comi sentado na cabine. Fiquei lá o tempo todo até que aqueles malditos Faixas Verdes caíram em cima de mim e me arrastaram para fora e me trancaram num quarto. Não houve nenhum aviso, Mac. Eles simplesmente cercaram a base; devem ter tido muita ajuda de dentro. Os desgraçados que me agarraram estavam frenéticos, gritando que eu era da CIA, americano. Eles insistiram nisso o tempo todo, mas estavam mais preocupados em tomar a base do que comigo. Entre à esquerda, Mac. Não está muito longe agora.

McIver continuou a dirigir, inquieto, a região era muito pobre e os transeuntes os observavam atentamente.

— Talvez a gente consiga fazer essa história colar: fingir que o HBC foi seqüestrado de Doshan Tappeh por algum desconhecido. Talvez eles não sigam o rastro dele a partir de Isfahan.

— Então por que eles agarraram Duke Starke?

— Rotina. — McIver suspirou profundamente. — Sei que é muito arriscado, mas pode dar certo. Talvez a história do "americano da CIA" continue valendo e pronto. Deixe crescer um bigode ou uma barba, por via das dúvidas.

Lochart sacudiu a cabeça.

— Isso não vai adiantar. Meu nome está na primeira licença. Nós dois estamos... este é que é o problema.

— Quando você decolou de Doshan Tappeh, quem o viu sair? Lochart pensou por um momento.

— Ninguém. Eu acho que foi Nogger quem supervisionou o abastecimento do aparelho na véspera. O...

— Está certo. Agora eu me lembro, ele estava uma fera, disse que eu estava dando trabalho demais para ele com a jovem Paula na cidade. Havia algum empregado iraniano ou guardas por lá? Você pagou baksheesh para alguém?

— Não, não havia ninguém. Mas eles podem ter gravado a minha voz nos seus gravadores automáticos... — Lochart espiou pela janela. Sua excitação aumentou e ele apontou. — Lá está a curva, estamos perto.

McIver entrou na rua estreita, que só dava para dois carros passarem. Havia neve dos lados subindo pelos muros altos — e portas e portões dos dois lados. McIver nunca tinha estado ali antes e estava surpreso de que Bakravan, tão rico, morasse numa região tão pobre. Ele era rico, lembrou, estremecendo involuntariamente, e agora está morto por "crimes contra o Estado" — e o que constitui um crime contra o Estado? Mais uma vez ele estremeceu.

— Lá está a porta, ali à esquerda.

Eles pararam ao lado de um monte de neve cheio de lixo. Uma porta indescritível estava cavada no muro alto e mofado. A porta tinha uma faixa de ferro coberta de ferrugem.

— Vamos entrar, Mac.

— Vou esperar um momento, se tudo estiver bem eu vou embora. Estou exausto. — Só há uma solução, pensou McIver, e esticou o braço fazendo Lochart parar. — Tom, nós temos permissão para retirar três 212. Você leva um. Amanhã. Zagros que vá para o diabo. Jean-Luc pode lidar com isso. Quanto a Xarazade, eu não sei se eles vão deixá-la ir ou não, mas é melhor você sair o mais depressa possível. É a única coisa a fazer; saia enquanto pode. Nós a poremos no próximo vôo do 125.

— E quanto a você, Mac?

— Eu? Não precisa se preocupar. Você sai, e se eles a deixarem ir, leve-a também. Jean-Luc pode cuidar de Zagros. Parece que vamos ter que fechar, de qualquer maneira. Está bem?

Lochart olhou para ele.

— Deixe-me pensar a respeito, Mac. Mas obrigado. — Ele saiu. — Eu estarei lá antes do amanhecer. Não deixe Jean-Luc partir sem mim. Podemos decidir lá, está bem?

— Sim. — McIver viu o amigo usar a aldrava antiquada. O som era alto. Os dois homens esperaram, Lochart doente de ansiedade, preparando-se para ser cercado pela família, para as lágrimas de boas-vindas e para as perguntas, tendo que ser gentil quando tudo o que queria era levá-la para o quarto deles e abraçá-la e se sentir seguro, vendo todo aquele pesadelo acabar. Esperando em frente à porta. Depois batendo de novo, mais alto. Esperando. McIver desligara o motor para economizar gasolina, o silêncio fazia a espera ainda pior. Flocos de neve se amontoavam no pára-brisa. Pessoas passavam como fantasmas, todo mundo desconfiado e hostil.

Passos abafados se aproximaram e a vigia abriu só um pedacinho. Os olhos que espiaram Lochart eram frios e duros e ele não reconheceu o pequeno pedaço de rosto que conseguiu ver.

— Sou eu, Excelência Lochart — disse em farsi, tentando parecer normal. — Minha mulher, a senhora Xarazade, está aqui.

Os olhos o examinaram com mais atenção para ver se ele estava sozinho ou acompanhado, examinando o carro atrás dele e McIver sentado na direção

— Espere por favor, aga.

A vigia foi fechada. Mais uma vez esperando, batendo com os pés por causa do frio, esperando, depois batendo impacientemente na porta de novo, com vontade de arrombá-la, sabendo que não podia. Mais passos. A vigia tornou a abrir-se. Olhos e rosto diferentes.

— Qual é o seu nome, aga!

Lochart teve vontade de gritar com o homem, mas não o fez.

— Meu nome é aga piloto Thomas Lochart, marido de Xarazade. Abra a porta. Está frio, eu estou cansado e vim ver minha mulher.

Silenciosamente, a vigia foi fechada. Um momento de espera angustiante, depois para o seu alívio ele ouviu a porta sendo destravada. A porta se abriu. O empregado segurava uma lamparina a óleo bem no alto. Mais adiante estava o pátio cercado de muros altos, com uma fonte delicada no meio, árvores e plantas protegidas contra o frio. Do outro lado havia uma outra porta, guarnecida com ferro. Esta porta estava aberta e ele a viu, com sua silhueta se destacando contra a luz. Ele correu e tomou-a nos braços, gemendo e chorando.

A porta da rua foi fechada e as trancas recolocadas.

— Espere! — Lochart gritou para o empregado, lembrando-se de McIver. Então ele ouviu o carro sendo ligado e se afastando.

— O que é, aga! — perguntou o empregado.

— Nada — respondeu e ajudou Xarazade a entrar em casa. Quando ele a viu na luz, seu estômago encheu-se de gelo e sua felicidade desapareceu. O rosto dela estava inchado e sujo, seu cabelo sujo e despenteado, seus olhos vagos, suas roupas amassadas.

— Jesus Cristo... — murmurou, mas ela não prestou nenhuma atenção, apenas continuou agarrada nele, fora de si, gemendo numa mistura de farsi e inglês, com as lágrimas escorrendo pelo rosto. — Xarazade, está tudo bem agora... — ele disse, tentando acalmá-la. Mas ela continuou com aquele lamento monótono. — Xarazade, Xarazade, minha querida, eu estou de volta... está tudo bem... — Ele parou. Era como se não tivesse dito nada e, de repente, ficou apavorado de que ela tivesse enlouquecido. Começou a sacudi-la gentilmente, mas isso também não teve nenhum efeito. Então ele notou o velho empregado em pé perto da escada, esperando suas ordens. — Onde... onde está Sua Alteza Bakravan? — perguntou, com Xarazade agarrada ao seu pescoço.

— Ela está nos seus aposentos, aga.

— Por favor, diga-lhe que estou aqui e... e que gostaria de vê-la.

— Oh, ela não recebe mais ninguém agora, aga. Ninguém. Seja como Deus quiser. Ela não viu ninguém desde aquele dia. — As lágrimas brilharam nos seus velhos olhos. — Vossa Excelência esteve fora, talvez não saiba que...

— Eu soube. Sim, eu soube.

— Insha'Allah, aga, Insha'Allah, mas que crimes poderia o Mestre ter cometido? Insha'Allah que ele tivesse sido escolhido, Insh...

— Insha'Allah. Por favor, diga a Sua Alteza... Xarazade, pare com isso! Vamos querida — disse em inglês, enlouquecido pelos seus gemidos —, para com isso! Depois disse em farsi para o criado: — Por favor peça a Sua Alteza para receber-me.

— Oh, sim, eu vou pedir-lhe, aga, mas Sua Alteza não abre a porta nem responde, nem vai recebê-lo, mas eu vou cumprir a sua ordem imediatamente. — Ele começou a se afastar.

— Espere, onde estão todos?

— Quem, aga!

— A família. Onde está o resto da família?

— Ah, a família. Sua Alteza está nos seus aposentos, e a senhora Xarazade está aqui.

Mais uma vez Lochart sentiu a raiva crescer com os gemidos dela.

— Eu quero saber onde estão Excelência Meshang, sua mulher e filhos e minhas cunhadas e seus maridos.

— Onde mais poderiam estar a não ser em suas casas, aga?

— Então diga a Excelência Meshang que eu estou aqui — ele disse. Meshang, o filho mais velho e sua família eram os únicos que residiam lá em caráter semipermanente.

— Certamente, aga. Como Deus quiser, eu irei ao bazar pessoalmente.

— Ele está no bazar?

O velho balançou a cabeça.

— É claro, aga, ele está lá esta noite, ele e sua família. Agora ele é o Mestre e tem que tomar conta dos negócios. Seja como Deus quiser, aga, ele é o chefe da casa dos Bakravan agora. Eu irei imediatamente.

— Não, mande outra pessoa. — O bazar era perto e não seria nenhuma intromissão. — Há alguém... Xarazade, Xarazade, pare com isso! — Ele disse com severidade, mas ela não pareceu escutar. — Tem água quente na casa?

— Deveria ter, aga. A fornalha está em perfeito estado, mas não está ligada.

— Vocês não têm combustível?

— Oh, deve haver combustível, aga. O senhor gostaria que eu verificasse?

— Sim, acenda a fornalha e traga-nos comida e chá.

— Certamente, aga. O que é que Vossa Excelência deseja?

Lochart manteve a calma com dificuldade, cada vez mais nervoso com os gemidos dela.

— Qualquer coisa. Não, arroz e horisht, horisht de frango — ele disse, citando um prato fácil e comum. — Horisht de frango.

— Se o senhor desejar, aga, mas o cozinheiro tem orgulho do seu horisht de frango e vai levar horas para prepará-lo. — O velho esperou educadamente, com os olhos indo de Lochart para a moça.

— Então... então, oh, pelo amor de Deus, traga apenas fruta. Fruta e chá, qualquer fruta que tiver...

Lochart não podia mais suportar aquilo e levantou Xarazade no colo e subiu as escadas, atravessou os corredores até os aposentos que costumavam usar nesta casa de três andares, de teto chato e que era rica, suntuosa e cheia de meandros. Ele abriu a porta e fechou-a com o pé.

— Xarazade, ouça... Xarazade, ouça! Ouça pelo amor de Deus!

Mas ela continuou encostada nele, gemendo e balbuciando incoerentemente. Ele a levou para o outro quarto, abafado por causa das janelas e vidraças fechadas e obrigou-a a sentar-se na cama desarrumada, depois correu para o banheiro que era moderno — a maior parte do encanamento era moderno — exceto o vaso.

Não havia água quente. A água fria correu e não pareceu muito salobre. Ele encontrou algumas toalhas, molhou uma delas e voltou, com o peito doendo, sabendo que estava enfrentando um problema muito difícil. Ela não se havia movido. Ele tentou lavar-lhe o rosto, mas ela resistiu e começou a espumar, piorando ainda mais a sua aparência. Saliva escorria-lhe pelos cantos da boca.

— Xarazade... Xarazade, minha querida, pelo amor de Deus, minha querida... — Ele a ergueu e abraçou-a, mas nada parecia tocá-la. Só os gemidos mantinham-se constantes, fazendo-o ficar cada vez mais nervoso. — Controle-se — disse alto, sentindo-se desamparado, e se levantou, mas as mãos dela agarraram as suas roupas e tentaram arrastá-lo de volta.

— Oh, Deus, dê-me forças... — ele viu sua mão atingir-lhe o rosto. Por um momento, o gemido parou, ela o olhou, incrédula, depois seu olhar tornou a ficar vago, a ladainha recomeçou e ela se agarrou às suas roupas. — Deus me ajude — disse desesperado, e então começou a esbofeteá-la, cada vez com mais força, tentando deseperadamente ser duro, mas não duro demais e depois enfiou o rosto dela na cama e bateu-lhe nas nádegas, até ficar com a palma da mão doendo e de repente ele ouviu gritos que eram gritos de verdade e não gemidos:

— Tommyyyy... pare oh, por favor Tommy, por favor pareeee... Tommy você está me machucando, o que foi que eu fiz? Eu juro que não pensei em mais ninguém, oh, Deus, Tommy, pare por favor...

Ele parou. O suor escorria pelos seus olhos, suas roupas estavam molhadas e ele saiu da cama tropeçando. Ela se contorcia de dor, com as nádegas e o rosto vermelhos, mas suas lágrimas eram lágrimas de verdade e seu olhar era o seu olhar de sempre e seu cérebro estava normal.

— Oh, Tommyyyy, você me machucou, você me machucou — ela soluçou como uma criança espancada. — Por quê? Por quê? eu juro que o amo... Eu não fiz nada... nada... para feri-lo e... fazer você me machucar... — Desesperada de dor e vergonha por tê-lo enfurecido, sem entender por quê, sabendo apenas que tinha que acalmá-lo, ela se arrastou para fora da cama e caiu aos pés dele, implorando perdão através das lágrimas.

Suas lágrimas pararam quando sua mente foi penetrada pela realidade e ela levantou os olhos para ele.

— Oh, Tommy — disse cheia de tristeza —, papai está morto... assassinado... assassinado pelos Faixas Verdes... assassinado...

— Sim... sim, minha querida, eu sei, oh, eu sei... Sinto tanto...

Ele a ergueu e suas lágrimas se misturaram com as dela e ele a abraçou bem apertada e deu-lhe um pouco da sua força e fez com que ela se sentisse inteira e ela também lhe deu um pouco da sua força e também ele se sentiu inteiro. Então eles dormiram um pouco — acordando algumas vezes, mas tornando a adormecer em paz, recuperando as forças, com a chama da lamparina lançando sombras bondosas. Pouco antes de meia-noite, ele acordou. Ela o observava e fez um esforço para beijá-lo, mas uma onda de dor impediu-a.

— Oh, você está bem?. — Ele a abraçou.

— Oh, tenha cuidado... desculpe, sim... é... — Com dificuldade, ela tentou enxergar as costas, então viu que suas roupas estavam imundas. Fez uma careta. — Ugh, estas roupas, por favor, me dê licença, querido... — Ela se levantou com dificuldade e tirou-as. Com muito esforço, apanhou a toalha molhada, limpou o rosto e escovou o cabelo. Então, quando ela chegou mais perto da luz, ele viu que um dos seus olhos estava ficando preto e que suas nádegas estavam cheias de manchas roxas.

— Por favor, perdoe-me... o que foi que eu fiz para ofendê-lo?

— Nada, nada — respondeu horrorizado e contou a ela como a encontrara.

Ela o olhou sem entender.

— Mas... você está dizendo que eu... eu não me lembro de nada disso, só... só de estar sendo espancada.

— Eu sinto tanto, mas foi a única maneira de... sinto muito.

— Oh, não, meu querido. — Tentando lembrar-se, ela voltou para a cama e se deitou de bruços, com cuidado. — Se não fosse por você... Seja como Deus quiser, mas se foi como você disse... estranho, e eu não me lembro de nada, de nada desde a hora em que... — Sua voz falseou um pouco, depois ela continuou, tentando ser firme: — Se não fosse por você, talvez eu tivesse enlouquecido para sempre. — Ela chegou mais para perto dele e beijou-o. — Eu o amo, meu bem-amado — disse em farsi.

— E eu a amo, minha bem-amada — ele respondeu, subjugado

Depois de um momento, ela disse numa voz estranha:

— Tommy, eu acho que sei o que me deixou louca... eu vi papai... eu o vi ontem, anteontem,... não consigo me lembrar... ele parecia tão pequeno morto, tão pequenino, morto, com todos aqueles buracos no rosto e na cabeça. Eu não me lembrava dele ser tão pequeno, mas eles o diminuíram, eles tiraram...

— Não — ele disse gentilmente, vendo as lágrimas caírem. — É Insha'Allah. Não pense nisso.

— Certamente, marido, se é o que você diz — ela disse imediatamente, de modo formal, em farsi. — É claro que é a Vontade de Deus, sim, mas é importante para mim contar para você, me livrar da vergonha do modo como você me encontrou... eu gostaria de contar-lhe algum dia.

— Então conte-me agora, Xarazade, e depois deixaremos que fique no passado para sempre — ele respondeu, com o mesmo formalismo. — Por favor, conte-me agora.

— É que eles tornaram o maior homem do mundo... depois de você... eles o tornaram insignificante. Sem nenhum motivo. Ele sempre foi contra o xá e era um grande partidário desse mulá Khomeini. — Ela disse isso calmamente e ele escutou a palavra "mulá" e não aiatolá ou imã ou farmandeh e sentiu isso como um aviso. — Eles assassinaram meu pai sem nenhum motivo, sem julgamento e de forma ilegal e o fizeram ficar pequeno, eles tiraram tudo o que tinha enquanto homem, enquanto pai, um pai bem-amado. Seja como Deus quiser, era o que eu deveria dizer e vou tentar. Mas não posso acreditar que seja esta a Vontade de Deus. Pode ser a vontade de Khomeini. Eu não sei. Nós mulheres vamos saber logo.

— O quê? O que você quer dizer com isso?

— Dentro de três dias nós, mulheres, vamos fazer uma marcha em protesto — todas as mulheres de Teerã.

— Contra o quê?

— Contra Khomeini e os mulás que estão contra os direitos das mulheres. Quando ele nos vir marchando sem o chador ele não fará o que é errado.

Lochart só estava prestando atenção pela metade, lembrando-se dela há poucos dias atrás — foi mesmo há poucos dias atrás que este pesadelo começou? Xarazade tão contente consigo mesma e usando o chador, tão satisfeita em ser apenas uma esposa e não uma mulher moderna como Azadeh. Ele viu os seus olhos, percebeu a sua determinação e compreendeu que ela estava comprometida.

— Eu não quero que você tome parte nesse protesto.

— Sim, é claro, marido, mas toda mulher de Teerã vai marchar e tenho certeza de que você não gostaria de me envergonhar diante da memória de meu pai, diante dos representantes dos seus assassinos, gostaria?

— É uma perda de tempo — disse Lochart, sabendo que estava derrotado, mas querendo continuar a discussão. — Meu amor, eu desconfio que uma marcha de protesto de todas as mulheres do Irã ou de todo o Islã não vai sensibilizar Khomeini nem um pouco. As mulheres no seu Estado islâmico não farão nada que não esteja determinado no Corão, nada. Nem ninguém mais. Não é esta a sua força?

— É claro que você tem razão. Mas nós vamos marchar em protesto e então Deus vai abrir os seus olhos e tornar tudo claro para ele. É como Deus quer, não como Khomeini quer. No Irã nós temos formas históricas de lidar com esses homens.

Seus braços estavam em volta dela. Marchar não é a resposta, ele pensou. Oh, Xarazade, há tanto que decidir, que dizer, que contar, agora não é a hora. Mas existe Zagros e um 212 para embarcar. Mas isso deixa Mac sozinho para tocar as coisas, se houver alguma coisa que tocar. E se eu a levasse também? Eu não poderia, a não ser à força.

— Xarazade, talvez eu tenha que fazer um transporte. Levar um 212 para a Nigéria. Você viria comigo?

— É claro, Tommy. Quanto tempo nós ficaríamos ausentes? Ele hesitou.

— Algumas semanas. Talvez mais. — Ele sentiu uma pequena mudança nela, imperceptível.

— Quando você gostaria de partir?

— Muito em breve. Talvez amanhã. Ela saiu dos seus braços sem se afastar.

— Eu não seria capaz de deixar mamãe, não por enquanto. Ela... ela está desesperada, Tommy, e... e se eu fosse, não sei o que aconteceria com ela. E há o pobre Meshang. Ele tem que administrar o negócio, ele precisa de ajuda; há tanta coisa para fazer e para cuidar.

— Você sabe a respeito da ordem de confisco?

— Que ordem?

Ele lhe contou. Seus olhos tornaram a se encher de lágrimas e ela se ergueu, esquecendo-se da dor. Ficou olhando para a chama da lamparina e para as sombras que ela lançava.

— Então nós não temos mais casa, mais nada. Seja como Deus quiser — disse deprimida. Então, quase na mesma hora, ela falou com um tom de voz diferente: — Não, não é como Deus quiser! É como os Faixas Verdes querem. Agora nós temos que nos juntar para salvar a família, ou então eles terão derrotado papai. Nós não podemos permitir que eles o assassinem e também o derrotem, isso seria terrível.

— Sim, eu concordo, mas este transporte resolveria os nossos problemas por algumas semanas...

— Você tem razão, Tommy, como sempre, sim, sim, resolveria se nós precisássemos partir, mas esta é a nossa casa, como sempre foi, se agora não for mais ainda, oh, como seremos felizes aqui! De manhã eu vou pegar os criados e trazer tudo que é nosso do apartamento. Ora! O que são uns poucos tapetes e quinquilharias quando temos esta casa e a nós mesmos? Vou providenciar tudo. Oh, nós vamos ser felizes aqui.

— Mas e se vo...

— Este roubo faz com que seja ainda mais importante que fiquemos aqui, para resistir, para protestar. Ele torna a marcha muito mais importante. — Ela colocou um dedo nos lábios dele quando viu que ele ia falar. — Se você precisa fazer este transporte... e é claro que você precisa fazer o seu trabalho... então vá, meu querido, mas volte depressa. Dentro de poucas semanas Teerã terá voltado ao normal e será agradável de novo e eu sei que esta é a Vontade de Deus.

Oh, sim, pensou cheia de confiança, com a alegria vencendo a dor, eu já estarei no segundo mês e Tommy ficará tão orgulhoso de mim e, enquanto isso, será tão maravilhoso viver aqui, cercada pela família, tendo vingado papai, com a casa cheia de alegria novamente.

— Todo mundo vai nos ajudar — disse, tornando a deitar nos braços dele, cansada, mas feliz. — Oh, Tommy, estou tão contente que você esteja em casa, que nós estejamos em casa, vai ser tudo tão maravilhoso, Tommy. — Suas palavras tornaram-se mais lentas à medida que o sono tomava conta dela. — Nós vamos todos ajudar a Meshang... e os que estão no estrangeiro vão voltar, tia Annoush e as crianças... eles vão ajudar... e tio Valik vai orientar Meshang..

Lochart não teve coragem de lhe contar.


DOMINGO

18 de fevereiro34


NO PALÁCIO DO KHAN, TABRIZ: 3:13H. Na escuridão do pequeno quarto, o capitão Ross abriu a tampa de couro do seu relógio e deu uma olhada nos números fosforescentes.

— Tudo pronto Gueng? — murmurou em gurkhali.

— Sim, sahib — Gueng sussurrou, contente da espera ter terminado.

Cautelosamente e sem fazer barulho, os dois homens saíram de suas enxergas que estavam sobre tapetes velhos e fedorentos, no chão de terra. Eles estavam inteiramente vestidos e Ross foi até a janela e espiou para fora. O guarda estava estirado ao lado da porta, profundamente adormecido, com o rifle no colo. A duzentos metros dali, depois dos pomares cobertos de neve e das construções externas, estava o palácio de quatro andares de Gorgon Khan. A noite estava escura e fria, com algumas nuvens e uma nebulosidade em volta da lua que brilhava de vez em quando.

Mais neve, pensou, depois abriu a porta com cuidado. Os dois homens ficaram lá perscrutando a escuridão. Não havia luz em lugar nenhum. Sem fazer barulho, Ross foi até o guarda e o sacudiu, mas o homem não despertou do sono drogado que ainda duraria umas duas horas. Fora fácil dar-lhe a droga num pedaço de chocolate, guardado para este propósito no seu equipamento de sobrevivência — alguns dos chocolates drogados, outros envenenados. Mais uma vez ele se concentrou na noite, esperando pacientemente que a lua fosse encoberta por uma nuvem. Distraidamente ele coçou uma mordida de pulga. Estava armado com o seu kookri e uma granada.

— Se formos parados, Gueng, só estávamos dando um passeio — tinha combinado mais cedo. — É melhor deixarmos as armas aqui. Para que levar kookris e uma só granada? É um velho costume gurkha. Uma ofensa contra o nosso regimento andar desarmado.

— Eu acho que gostaria de levar todas as nossas armas agora e voltar para as montanhas e seguir para o sul, sahib.

— Se isto não der certo, é o que vamos ser obrigados a fazer, mas é um bocado arriscado — respondera Ross. — É um bocado arriscado. Nós vamos ficar desguarnecidos; aqueles caçadores ainda estão à nossa procura e não vão desistir enquanto não formos apanhados. Não se esqueça de que só com muita dificuldade foi que conseguimos chegar ao esconderijo. Foram as roupas que nos salvaram. — Depois da emboscada em que Vien Rosemont e Tenzing tinham sido mortos, ele e Gueng tinham despido alguns dos seus agressores e colocado vestes tribais por cima dos seus uniformes. Ele tinha pensado em largar os uniformes, mas achou que não era aconselhável. — Se formos apanhados é porque fomos e ponto final.

Gueng tinha sorrido.

— Então é melhor você se tornar um bom hindu agora. Aí, se formos mortos, não é um fim mas um começo.

— Como eu faço isso, Gueng? Tornar-me um hindu? — Ele sorriu ao se lembrar do ar espantado de Gueng e de como ele tinha dado de ombros. Então eles tinham amarrado os corpos de Vien Rosemont e Tenzing e tinham-nos deixado juntos na neve, de acordo com o costume das montanhas:

— Este corpo não tem mais valor para o espírito, e por causa da imutabilidade da reencarnação, ele é legado aos animais e pássaros que são outros espíritos lutando com seu próprio carma para chegar ao Nirvana, o lugar da Paz Celestial.

Na manhã seguinte, eles tinham localizado os seus perseguidores. Quando eles desceram das colinas nos arredores de Tabriz, os seus perseguidores estavam no máximo meio quilômetro atrás. Só a sua camuflagem os salvara, permitindo que eles se misturassem com a multidão, muitos nativos tão altos quanto ele e de olhos azuis, muitos tão bem armados. Eles tiveram sorte e logo da primeira vez encontraram a porta dos fundos da garagem imunda, tinham dito o nome de Vien Rosemont e o homem que estava lá os escondera. Naquela noite, Abdullah Khan fora lá com seus guardas, muito hostil e desconfiado.

— Quem lhe disse para perguntar por mim?

— Vien Rosemont. Ele também nos contou a respeito deste lugar

— Quem é este Rosemont? Onde ele está agora?

Ross contara a ele o que tinha acontecido na emboscada, e vira um novo interesse nos olhos do homem, embora ele continuasse hostil.

— Como vou saber que você está dizendo a verdade? Quem é você?

— Antes de Vien morrer, ele me pediu para transmitir-lhe uma mensagem

Ele estava delirando e sofrendo, mas me fez repetir três vezes para se certificar. Ele disse: "Diga a Abdullah Khan que Peter está atrás da cabeça da Górgona e que o filho de Peter é pior do que Peter. O filho joga com os curtos, assim como o pai, que vai tentar usar uma Medusa para agarrar a Górgona." — Ele viu os olhos do homem brilharem, mas não de alegria. — Então isso significa alguma coisa para você?

— Sim. Significa que você conhece Vien. Então Vien está morto. Seja como Deus quiser, mas é uma pena. Vien era bom, muito bom, e um grande patriota. Quem é você? Qual era a sua missão? O que você estava fazendo nas nossas montanhas?

Mais uma vez ele hesitou, lembrando-se de que Armstrong dissera a ele para não confiar demais no homem. No entanto, Rosemont, em quem ele confiara, dissera ao morrer: "Você pode confiar cegamente naquele velho filho da mãe. Eu confiei, uma dúzia de vezes, e ele nunca me falhou. Vá até ele, ele vai livrá-lo..."

Abdullah Khan estava sorrindo, com a boca tão cruel quanto os olhos.

— Você pode confiar em mim. Acho que vai ter que confiar.

— Sim. — Mas não demais, ele acrescentou silenciosamente, odiando a palavra, a palavra que custa a vida, a vida de milhões, a liberdade de milhões e a paz de espírito de todo adulto na terra mais cedo ou mais tarde. — Foi para neutralizar Sabalan — respondeu e contou-lhe o que tinha acontecido lá.

— Deus seja louvado! Vou passar a informação para Wesson e Talbot.

— Quem?

— Ah, não importa. Vou fazer vocês chegarem ao sul. Venham comigo. Não é seguro aqui. Há uma ordem de captura, com recompensa, de "dois sabotadores britânicos, dois inimigos do Islã". Quem são vocês?

— Ross. Capitão Ross, e este é o sargento Gueng. Quem eram os homens que nos perseguiam? Iranianos ou soviéticos? Ou conduzidos por soviéticos?

— Os soviéticos não operam abertamente no Azerbeijão. Ainda não. — Os lábios do Khan torceram-se num sorriso estranho. — Eu tenho uma caminhonete aí fora. Subam rapidamente e deitem na traseira. Eu vou escondê-los, e quando for seguro farei vocês chegarem a Teerã. Mas vocês têm que obedecer às minhas ordens. Explicitamente.

Isto foi há dois dias atrás, mas a vinda dos estrangeiros soviéticos e a chegada do helicóptero tinham tornado tudo diferente. Ele viu a lua se esconder atrás de uma nuvem e bateu no ombro de Gueng. O homenzinho desapareceu no pomar. Quando ouviu o sinal de que estava tudo bem, ele o seguiu. Eles se movimentaram muito bem até chegarem na ala norte da enorme casa. Nenhum guarda nem cachorro por enquanto, embora Gueng tivesse visto alguns dobermans acorrentados.

Foi uma subida fácil até a varanda do primeiro andar. Gueng foi na frente. Ele correu metade da sua extensão, atravessou o corredor de janelas fechadas até a escada que levava à próxima varanda. No alto ele esperou, verificando o terreno. Ross alcançou-o. Gueng apontou para o segundo grupo de janelas e tirou o seu kookri, mas Ross sacudiu a cabeça e apontou para uma porta lateral que percebera, onde a escuridão era profunda. Ele experimentou a maçaneta. A porta rangeu alto. Alguns pássaros saíram voando do pomar, chamando uns aos outros. Os dois homens se concentraram na direção de onde os pássaros tinham vindo, esperando ver uma patrulha. Não apareceu nenhuma. Esperaram mais um pouco para terem certeza, depois Ross entrou na frente, com a adrenalina aumentando a sua tensão.

O corredor era longo, com muitas portas dos dois lados e algumas janelas viradas para o sul. Em frente à segunda porta, ele parou, e experimentou a maçaneta cautelosamente. A porta se abriu silenciosamente e ele entrou depressa, seguido de Gueng, com o kookri e a granada preparados. O aposento parecia uma ante-sala: tapetes, almofadões, uma mobília vitoriana antiquada e sofás. Havia duas portas. Rezando para estar escolhendo certo, Ross abriu a porta que ficava mais perto do canto do edifício e entrou. As cortinas estavam fechadas, mas uma réstia de luar mostrou-lhes claramente a cama e o homem que eles procuravam e uma mulher dormindo sob uma pesada colcha. Era o homem certo, mas eles não tinham esperado encontrar uma mulher. Gueng fechou a porta. Sem hesitação, eles se colocaram dos dois lados da cama, Ross do lado do homem e Gueng do lado da mulher. Ao mesmo tempo, eles taparam a boca dos dois com lenços, fazendo pressão suficiente para evitar que eles gritassem.

— Nós somos amigos, piloto, não grite — Ross murmurou perto do ouvido de Erikki, sem saber o nome dele nem quem era a mulher, apenas reconhecendo-o como sendo o piloto. Ele viu o susto se transformar em ódio à medida em que o sono desaparecia e as mãos enormes ergueram-se para despedaçá-lo. Ele as evitou, aumentando a pressão sob o nariz de Erikki, subjugando-o com facilidade. — Eu vou soltá-lo, não grite, piloto. Somos amigos, somos britânicos. Soldados britânicos. Apenas balance a cabeça se estiver acordado e se tiver compreendido. — Ele esperou, depois sentiu mais do que viu o enorme homem balançar a cabeça, vigiando os seus olhos. Os olhos gritavam perigo. — Mantenha-a amordaçada, Gueng, até termos resolvido as coisas do lado de cá — disse baixinho em gurkhali, e depois para Erikki: — Piloto, não tenha medo, somos amigos.

Ele diminuiu a pressão e deu um pulo para trás quando Erikki atirou-se em cima dele, depois rolou na cama para pegar Gueng, mas parou, rígido. O luar se refletia no kookri de lâmina curva, mantido perto da garganta dela. Os olhos de Azadeh estavam arregalados e ela estava apavorada

— Não! Deixem-na em paz... — disse Erikki em russo com uma voz rouca, vendo apenas os olhos orientais de Gueng, pensando que era um dos homens de Cimtarga, ainda confuso e em pânico. Ele estivera dormindo profundamente, com a cabeça doendo das horas de vôo, a maior parte do tempo por instrumentos e em péssimas condições. — O que quer?

— Fale inglês. Você é inglês, não é?

— Não, não, eu sou finlandês. — Erikki olhou para Ross, que não passava de uma silhueta ao luar. — Que diabo você quer?

— Desculpe acordá-lo desse jeito, piloto — Ross disse apressadamente, chegando um pouco mais perto, mantendo a voz baixa. — Desculpe, mas eu tinha que falar com você em segredo. É muito importam.

— Diga àquele desgraçado para soltar a minha mulher! Agora!

— Mulher? Oh, sim., sim, é claro, desculpe. Ela... ela não vai gritar? Por favor, diga-lhe para não gritar — Ele viu o homem enorme virar-se para a mulher que estava deitada imóvel sob a pesada colcha, com a boca ainda coberta, o kookri imóvel. Ele o viu estender a mão cautelosamente e tocá-la, com os olhos no kookri. Sua voz era gentil e animadora, mas ele não falou nem em inglês nem em farsi, mas numa outra língua. Em pânico, Ross pensou que fosse russo e ficou ainda mais desorientado, tendo esperado encontrar um piloto britânico da S-G, sem uma companheira de cama, não um finlandês com uma esposa russa, e ficou apavorado de ter levado Gueng para uma armadilha. Os olhos do homem voltaram-se para ele e ele viu mais perigo ainda lá.

— Diga-lhe para soltar a minha mulher — disse Erikki, em inglês, achando difícil concentrar-se. — Ela não vai gritar.

— O que foi que você disse a ela? Foi em russo?

— Sim, foi em russo e eu disse: "Este desgraçado vai soltar você em um segundo. Não grite, apenas venha para trás de mim. Não se mova depressa, apenas venha para trás de mim. Não faça nada a menos que eu ataque o outro desgraçado, então lute pela sua vida.

— Você é russo?

— Já disse que sou finlandês e eu me canso facilmente de homens com facas no meio da noite, sejam eles britânicos, russos ou até mesmo finlandeses.

— Você é um piloto da S-G Helicópteros?

— Sim, ande logo e solte-a, seja você quem for, ou vou começar alguma coisa.

Ross ainda não tinha se recuperado do seu próprio pânico.

— Ela é russa?

— Minha mulher é iraniana, ela fala russo e eu também — disse Erikki, friamente, movendo-se ligeiramente para fora do raio de luar em direção às sombras. — Vá para a luz, eu não posso vê-lo, e pela última vez, diga a este desgraçado para soltar a minha esposa, diga-me o que quer e depois saia.

— Sinto muito tudo isso. Gueng solte-a agora.

Gueng não se moveu. Nem a lâmina curva. Em gurkhali, ele disse:

— Sim, sahib, mas primeiro pegue a faca que está debaixo do travesseiro do homem.

Em gurkhali, Ross respondeu:

— Se ele tentar pegá-la, irmão, se tocar nela, mate-a, eu cuido dele. — Então, em inglês, ele disse gentilmente: — Piloto, você tem uma faca debaixo do travesseiro. Por favor, não toque nela, sinto muito, mas se o fizer antes que tenhamos esclarecido tudo... por favor, seja paciente. Solte-a, Gueng — disse, sem tirar os olhos do homem. Com o canto do olho, ele viu a forma vaga de um rosto, com os cabelos longos e despenteados ocultando-a, depois ela se moveu para trás dos ombros enormes, agasalhando-se com a camisola de mangas compridas. Ross estava de costas para a luz e não viu quase nada dela, só o ódio nos seus olhos, mesmo no escuro. — Sinto muito chegar como um ladrão no meio da noite. Peço desculpas — disse a ela, que não respondeu. Ele repetiu o pedido de desculpas em farsi. Ela também não respondeu. — Por favor, peça desculpas por mim à sua esposa.

— Ela fala inglês. Que diabo você quer? — Erikki sentia-se um pouco melhor agora que ela estava segura, embora bem consciente da proximidade do outro homem com a faca curva.

— Nós somos uma espécie de prisioneiros do khan, piloto, e eu vim avisá-lo e pedir a sua ajuda.

— Avisar-me sobre o quê?

— Eu ajudei um dos seus capitães há poucos dias atrás. Charles Pettikin

— Ele viu o nome ser reconhecido imediatamente, então relaxou um pouco. Rapidamente, contou a Erikki a respeito de Doshan Tappeh e do ataque da Savak e como eles tinham escapado, descrevendo Pettikin minuciosamente para não haver nenhum engano.

— Charlie contou-nos sobre você — disse Erikki, estarrecido, sem sentir mais nenhum medo — mas não disse que o deixara perto de Bandar-e Pahlavi; só que alguns paraquedistas britânicos o salvaram de um Savak que ia estourar os seus miolos.

— Eu pedi a ele que esquecesse o meu nome. Eu, ahn, nós estávamos numa missão.

— Sorte para Charlie e para você, nós...

Ross viu a mulher cochichar no ouvido do marido, distraindo-o. O homem balançou a cabeça e tornou a olhar na direção dele.

— Você pode ver-me, mas eu não, venha para a claridade. Quanto a Abdullah, se vocês fossem seus prisioneiros, estariam acorrentados, ou num calabouço, não soltos no palácio.

— Fui informado de que o khan nos ajudaria se tivéssemos problemas. Nós tivemos problemas e ele disse que nos esconderia até que pudesse nos mandar de volta para Teerã, em segurança. Enquanto isso, ele nos botou numa cabana, escondida, do outro lado da propriedade. Há um guarda vigiando-nos permanentemente.

— Escondê-los de quê?

— Nós estávamos numa missão e estávamos sendo perseguidos e...

— Que missão? Eu ainda não posso vê-lo, venha para a claridade. Ross moveu-se, mas não o bastante.

— Nós tivemos que explodir alguns equipamentos secretos americanos de radar para evitar que fossem roubados pelos soviéticos ou por seus partidários. Eu..

— Sabalan?

— Como você sabe disso?

— Eu estou sendo obrigado a levar um soviético e alguns esquerdistas para saquear postos de radar perto da fronteira e depois levar o material para Astara, na costa. Um deles foi destruído na face norte. Eles não conseguiram tirar nada dali e até agora o resto não revelou nada que valesse a pena, pelo que eu sei. Continue, avisar-me sobre o quê?

— Você está sendo forçado?

— Minha mulher é refém do khan e dos soviéticos, em troca da minha cooperação e bom comportamento. — disse Erikki, com simplicidade.

— Cristo! — A cabeça de Ross trabalhava em alta velocidade. — Eu, ahn, eu reconheci o emblema da S-G quando vocês estavam voando em círculos e vim avisar que os soviéticos estavam aqui, eles chegaram de manhã bem cedo e estão planejando raptá-lo com a ajuda do khan. Parece que ele está jogando dos dois lados contra o meio; um agente duplo. — Ele viu o espanto de Erikki.

— A nossa gente precisa saber disso depressa.

— Raptar-me para fazer o quê?

Não sei exatamente. Mandei Gueng espionar depois que o seu helicóptero chegou. Ele se escondeu atrás de uma janela dos fundos. Conte a eles, Gueng.

— Foi depois que eles acabaram de almoçar, sahib, o khan e o soviético, e eles estavam ao lado do carro do soviético na hora que ele ia embora. Eu estava atrás de um arbusto ali perto e pude ouvir muito bem. No início, não consegui entender o que eles diziam, mas depois ouvi o khan dizer: "Vamos falar inglês; há criados por perto." O soviético respondeu: "Obrigado pela informação e pela oferta." Então o khan disse: "Quer dizer que estamos de acordo? Com relação a tudo, Patar?" O soviético disse: "Sim, eu vou recomendar tudo o que você deseja. Vou providenciar para que o piloto não o incomode nunca mais. Quando ele tiver terminado aqui, ele será levado para o norte..." Gueng parou por causa do ruído feito por Azadeh. — Sim, memsahibi

— Nada.

Gueng concentrou-se, querendo transmitir a mensagem perfeitamente para eles:

— O soviético disse: "Vou providenciar para que o piloto não torne a incomodá-lo. Quando ele tiver terminado aqui, será levado para o norte, em caráter permanente". E... — Ele pensou por um minuto. — Ah, sim! E ele disse: "O mulá não vai incomodá-lo mais e em troca você vai prender os sabotadores ingleses para mim? Vivos, eu gostaria de tê-los vivos, se for possível". O khan respondeu: "Sim, eu os apanharei, Patar, você..."

— Petr — disse Azadeh, com a mão no ombro de Erikki — Seu nome é Petr Mzytryk.

— Cristo! — murmurou Ross, entendendo.

— O quê? — perguntou Erikki.

— Eu lhe contarei mais tarde. Termine, Gueng.

— Sim, sahib. O khan disse: "Eu os pegarei, Patar, vivos, se puder. Qual será o meu prêmio se eles estiverem vivos?" O soviético riu. "Qualquer coisa, dentro do razoável, e o meu?" O khan disse: "Eu a levarei comigo na próxima visita." Sahib, isso foi tudo. Então o soviético entrou no carro e partiu.

Azadeh estremeceu.

— O que foi? — disse Erikki.

— Ele estava se referindo a mim — ela disse num fio de voz.

— Não estou entendendo — disse Ross.

Erikki hesitou, com uma pressão ainda maior na cabeça. Ela lhe contara que fora chamada pelo pai para participar do almoço e que Petr Mzytryk a convidara para ir a Tbilisi — "Junto com o seu marido, é claro, se ele estiver livre; eu adoraria mostrar-lhe o nosso campo..." — e como o soviético tinha sido atencioso.

— Isso... isso é uma coisa pessoal. Não é importante — disse ele. — Parece que você me fez um grande favor. Como eu posso ajudar? — Ele sorriu fatigado e estendeu a mão. — Meu nome é Yokkonen, Erikki Yokkonen, e esta é minha esposa, Az...

— Sahib! — Gueng sussurrou, alertando-o.

Ross imobilizou-se. Ele viu a outra mão de Erikki debaixo do travesseiro.

— Não mova um músculo — disse, com o kookri subitamente fora da bainha. Erikki percebeu o tom de voz e obedeceu. Cautelosamente, Ross puxou o travesseiro, mas a mão não estava perto da faca. Ele apanhou a faca. A lâmina brilhou ao luar. Pensou por um momento, depois entregou-a a Erikki.

— Sinto muito, mas é preciso tomar cuidado. — Ele apertou a mão esticada que não se movera e sentiu a sua enorme força. Sorriu para ele e virou-se ligeiramente, com a luz caindo no seu rosto pela primeira vez. — Meu nome é Ross, capitão John Ross, e este é Gueng...

Azadeh prendeu a respiração e se ergueu de um pulo. Todos olharam para ela e agora Ross a viu claramente pela primeira vez. Era Azadeh, a sua Azadeh de dez anos atrás, Azadeh Gorden, como ele a conhecera então, Azadeh Gorden do High Country olhando para ele, mais linda do que nunca, com os olhos maiores do que nunca, ainda uma visão do paraíso.

— Meu Deus, Azadeh, eu não tinha visto o seu rosto...

— Nem eu o seu, Johnny.

— Azadeh... Meu Deus — gaguejou Ross. Ele estava radiante e ela também, e então ele ouviu a voz de Erikki e viu que ele o olhava, com a enorme faca na mão, e uma onda de medo percorreu-o e também a ela.

— Você é Johnny Olhos Claros? — disse Erikki numa voz neutra.

— Sim, sim, sou eu... Eu tive o privilégio de conhecer a sua esposa há anos, muitos anos... Meu Deus, Azadeh, como é bom vê-la de novo!

— Eu também... — Sua mão não havia deixado o ombro de Erikki.

Erikki podia sentir a mão e ela o queimava, mas não se moveu, hipnotizado pelo homem que estava diante dele. Ela lhe contara a respeito de John Ross e do verão que passaram juntos e do resultado do verão, que o homem não soubera nada a respeito da criança, e ela nunca tentara encontrá-lo para contar-lhe, nem queria que jamais soubesse.

— A culpa foi minha, Erikki, não dele — ela dissera com simplicidade.

— Eu estava apaixonada, eu só tinha 17 anos e ele 19. Eu costumava chamá-lo de Johnny Olhos Claros; eu nunca tinha visto um homem com olhos tão azuis antes. Nós estávamos perdidamente apaixonados, mas foi só uma paixão de verão, não como o nosso amor que é para sempre, o meu é e eu me casarei com você se meu pai permitir, oh, sim, por favor, meu Deus, mas só se você puder ser feliz mesmo sabendo que um dia, há muito tempo atrás, eu estava crescendo. Você precisa prometer-me, jurar que pode ser feliz como homem e como marido, pois talvez um dia nós o encontremos. Eu ficarei feliz em encontrá-lo e sorrirei para ele, mas a minha alma será sua, meu corpo será seu, minha vida será sua, e tudo o mais que possuo...

Ele tinha jurado conforme ela queria, sinceramente e de todo o coração, afastando a inquietação. Ele era moderno, compreensivo e finlandês — a Finlândia não foi sempre progressista, a Finlândia não foi o segundo país no mundo, depois da Nova Zelândia, a conceder às mulheres o direito de votar? Não havia nenhuma inquietação nele. Nenhuma. Ele só estava triste por ela, por ela não ter sido mais cuidadosa, pois ela lhe contara a respeito da ira do pai — uma ira que ele podia entender.

E agora ali estava o homem, forte, jovem e bonito, de um tamanho muito mais próximo do dela, de uma idade muito mais próxima da dela. Ele se sentiu despedaçado pelo ciúme.

Ross estava tentando recobrar a calma, dominado pela presença dela. Tirou os olhos dela e da lembrança dela e tornou a olhar para Erikki. E leu tudo claramente em seus olhos.

— Eu conheci sua mulher há muito tempo atrás, na Suíça... eu estive num colégio lá por algum tempo.

— Sim, eu sei — disse Erikki. — Azadeh me contou. Eu... eu... é um encontro repentino para todos nós. — Ele saiu da cama, muito mais alto do que Ross, com a faca ainda na mão, todos eles bem conscientes da faca. Ele viu que Gueng, do outro lado da cama, ainda estava com o seu kookri na mão. — Bem. Mais uma vez obrigado, capitão, pelo aviso.

— Você disse que estava sendo obrigado a pilotar para os soviéticos?

— Azadeh está como refém para que eu me comporte — disse Erikki, com simplicidade.

Ross balançou a cabeça Pensativamente.

— Não há muito que você possa fazer a respeito disso se o khan lhe é hostil. Cristo, que confusão! A minha idéia era que já que você estava sendo ameaçado, também iria querer fugir e que nos daria uma carona no helicóptero.

— Se eu pudesse daria, sim... sim, é claro. Mas há vinte guardas comigo toda vez que estou voando e Azadeh... minha esposa e eu somos vigiados muito de perto quando estamos aqui. Há um outro soviético chamado Cimtarga que é como se fosse a minha sombra, e Abdullah Khan é... muito cauteloso. — Ele ainda não tinha decidido o que fazer a respeito de Ross. Ele olhou para Azadeh e viu que o seu sorriso era sincero, que o toque no seu ombro era sincero, e que este homem não significava nada mais do que um velho amigo para ela agora. Mas isso não afastou o seu impulso quase cego de atacar. — Nós temos que ter cuidado, Azadeh.

— Muito cuidado.

Ela tinha sentido a tensão sob sua mão quando ele dissera "Johnny Olhos Claros" e sabia que, dos três, só ela podia controlar esse perigo extra. Ao mesmo tempo, o ciúme de Erikki, que ele estava tentando com todas as forças esconder dela, a excitava, bem como a evidente admiração do seu antigo amor. Oh, sim, pensou, Johnny Olhos Claros, você está mais maravilhoso do que nunca, mais esbelto do que nunca, mais forte do que nunca — mais excitante, com a sua faca curva e o seu rosto mal barbeado, as suas roupas imundas e o seu cheiro de homem — como pude não reconhecê-lo?

— Há um momento atrás, quando eu corrigi este homem, dizendo que era Petr e não Patar, isto significou alguma coisa para você, Johnny. O quê?

— Foi uma mensagem em código que eu transmiti ao khan — disse Ross, dolorosamente consciente do fato de que ela ainda o enfeitiçava. — "Diga a Abdullah Khan que Peter"... este podia ser o Patar ou Petr de Gueng, o soviético. "Que Peter está atrás da cabeça da Górgona e que o filho de Peter é pior do que Peter. O filho joga com os curtos como o pai, que vai tentar usar uma Medusa para agarrar a Górgona.

— Isso é fácil, Erikki? — perguntou Azadeh.

— Sim — disse Erikki, distraído. Mas por que "joga com os curtos"?

— Talvez seja isso — ela exclamou, com a excitação aumentando. "Diga a Abdullah Khan que Petr Mzytryk, KGB, está atrás da sua cabeça, que o filho de Mzytryk", vamos supor que também seja da KGB — "é pior do que o pai. O filho joga com os curtos. Talvez isso signifique que o filho está envolvido com os curdos e sua rebelião que ameaça o poder de Abdullah Khan no Azerbeijão, que a KGB, o pai e o filho também estão envolvidos, e que Petr Mzytryk "usará uma Medusa para agarrar a Górgona" — ela pensou por um momento. — Isso poderia ser um outro enigma e significar "usará uma mulher", talvez uma mulher má para agarrar o meu pai.

— Ross ficou chocado.

— O khan é... meu Deus, o khan é seu pai?

— Sim. Gorgon é o meu nome de família — disse Azadeh — e não Gorden. Mas a diretora da escola em Château d'Or me disse no primeiro dia que eu não devia usar um nome como Gorgon; iriam debochar de mim sem parar, que eu devia ser apenas Azadeh Gorden. Era divertido para mim, e a diretora achou melhor que eu fosse apenas Azadeh Gorden e não a filha de um khan.

Erikki quebrou o silêncio.

— Se a mensagem está correta, o khan não confiará nem um pouco nesse matyeryebyets.

— Sim, Erikki. Mas meu pai não confia em ninguém. Em ninguém mesmo. Se papai está jogando dos dois lados como Johnny acha, ninguém pode dizer o que ele fará. Johnny, quem lhe passou a mensagem que você transmitiu a ele?

— Um agente da CIA que disse que eu podia confiar a vida a seu pai. Erikki disse ironicamente:

— Eu sempre soube que o pessoal da CIA era louco.

— Este cara era muito normal — disse Ross, mais rispidamente do que pretendia. Ele viu Erikki enrubescer e o sorriso dela desaparecer.

Mais um silêncio. Mais tenso. A claridade do quarto diminuiu quando a lua se escondeu atrás de uma nuvem. A escuridão era inquietante. Gueng, que tinha observado e ouvido sentiu a inquietação e silenciosamente invocou todos os deuses para livrá-los da Medusa, o demônio pagão com serpentes em lugar de cabelo sobre quem os missionários haviam falado na sua primeira escola no Nepal. Então o seu sexto sentido percebeu a aproximação do perigo, ele sussurrou um aviso, foi até a janela e espiou para fora. Dois guardas armados com um doberman numa corrente estavam subindo as escadas em frente.

Os outros também estavam rígidos. Eles ouviram os guardas caminharem pelo terraço, com o cão farejando e puxando a corrente. Depois eles foram em direção à porta. Mais uma vez ela rangeu. Os homens entraram na casa.

Ouviram-se vozes abafadas do lado de fora da porta do quarto e o som do cão farejando. Depois perto da porta da ante-sala. Gueng e Ross puseram-se à espreita, com os kookris prontos. Depois de algum tempo, os guardas atravessaram o corredor, saíram da casa e tornaram a descer as escadas. Azadeh movimentou-se nervosamente.

— Normalmente eles não vêm até aqui. Nunca. Ross murmurou apressadamente:

— Talvez eles nos tenham visto entrar aqui. É melhor sairmos. Se ouvirem tiros, vocês não nos conhecem. Se ainda estivermos em liberdade amanhã à noite, podemos vir até aqui, digamos logo depois da meia-noite? Talvez pudéssemos pensar num plano.

— Sim — disse Erikki. — Mas venham mais cedo. Cimtarga avisou-me que talvez tivéssemos que partir antes do amanhecer. Venha por volta das onze horas. É melhor termos vários planos prontos. Vai ser muito difícil sair, muito difícil.

— Quanto tempo você vai ficar trabalhando para eles, antes de terminar?

— Não sei. Talvez uns três ou quatro dias.

— Ótimo. Se não fizermos contato com você, esqueça-se de nós. Certo?

— Que Deus o proteja, Johnny — Azadeh falou com ansiedade. — Não confie no meu pai, você não deve deixar... não deve deixar que ele ou os outros o levem.

Ross sorriu e isto iluminou o quarto, até mesmo para Erikki.

— Não há problema. Boa sorte para nós todos. — Ele acenou despreocupadamente e abriu a porta.

Em poucos segundos, ele e Gueng tinham partido tão silenciosamente quanto tinham chegado. Erikki olhou pela janela e viu-lhe apenas a sombra descendo as escadas, observando como os dois homens faziam uso da noite de uma forma inteligente e silenciosa, invejando a elegância natural dos movimentos e das maneiras de Ross.

Azadeh estava em pé ao lado dele, uma cabeça mais baixa, com o braço passado pela cintura dele, vigiando também. Depois de um momento, o braço dele rodeou-lhe os ombros. Eles esperaram, esperando ouvir gritos e tiros, mas a noite permaneceu tranqüila. A lua tornou a sair de trás das nuvens. Não havia movimento em parte alguma. Ele olhou para o relógio. Eram 4:23h.

Ele olhou para o céu, não havia nenhum sinal do amanhecer ainda. Ao amanhecer ele teria que partir, não para a face norte de Sabalan, mas para outros postos de radar mais para oeste. Cimtarga dissera-lhe que a CIA ainda estava operando certos postos perto da fronteira com a Turquia, mas que hoje o governo de Khomeini tinha ordenado que eles fossem fechados, evacuados e deixados intatos.

— Eles nunca farão isso — dissera Erikki. — Nunca.

— Talvez sim, talvez não. — Cimtarga rira. — Assim que recebermos ordens, você e eu iremos voar até lá com os meus "nativos" para apressá-los...

Matyer! E matyer Johnny Olhos Claros chegando para complicar as nossas vidas. No entanto, agradeço a todos os deuses pelo aviso que ele trouxe. O que estará Abdullah planejando para Azadeh? Eu gostaria de matar aquele porco velho e acabar com isso. Sim, mas não posso. Eu jurei pelos antigos deuses, e esse juramento não pode ser quebrado, de não tocar no pai dela — da mesma forma que ele jurou pelo único Deus que não nos prejudicaria, embora ele vá encontrar um jeito de quebrar a promessa. Será que eu posso fazer o mesmo? Não. Um juramento é um juramento. Como o que você fez a ela de que poderia viver feliz com ela sabendo a respeito dele — ele — não foi? Sua mente escureceu de ódio e ele ficou contente pela escuridão.

Então a KGB planeja seqüestrar-me. Se for um plano verdadeiro eu estou perdido. E quanto a Azadeh? O que estará o demônio do Abdullah planejando para ela agora? E agora este Johnny chega para nos perturbar — eu nunca pensei que ele fosse tão bonito e duro, um homem com quem ninguém deve se meter, ele e aquela maldita faca, aquela faca assassina...

— Volte para a cama, Erikki — ela disse. — Está muito frio, não está? Ele balançou a cabeça e se deitou do lado dela, muito perturbado. Quando eles estavam de novo debaixo da enorme colcha, ela se aconchegou nele. Não o bastante para provocar uma reação, mas o suficiente para parecer normal e tranqüila.

— Que coisa extraordinária descobrir que era ele, Erikki! John Ross. na rua eu certamente não o teria reconhecido. Oh, foi há tanto tempo que eu já tinha esquecido como ele era. Estou tão contente de que você tenha se casado comigo, Erikki — ela disse, com a voz calma e amorosa, certa de que a mente dele estava remoendo aquele antigo amor. — Eu me sinto tão segura com você... se não fosse por você eu teria morrido de medo. — Ela disse isso como se estivesse esperando uma resposta. Mas não estou esperando nenhuma resposta, meu querido, pensou satisfeita e suspirou.

Ele a ouviu suspirar e imaginou o que significaria aquele suspiro, sentindo o seu calor de encontro a ele, odiando a raiva de que estava possuído. Será que ela tinha sorrido para o seu amante do modo como o fez porque está arrependida? Ou está furiosa comigo — ela deve ter notado o meu ciúme. Ou ela está triste porque esqueci a minha promessa, ou está me odiando porque eu odeio o homem? Eu juro que vou exorcizá-la dele...

Ah, Johnny Olhos Claros, ela estava pensando, quanto êxtase eu desfrutei em seus braços, mesmo da primeira vez quando dizem que dói, mas nunca doeu. Só uma dor que se transformou num fogo que se transformou numa fusão que me arrancou a vida e tornou a devolvê-la, melhor do que antes, oh, muito melhor do que antes! E então Erikki...

Estava muito mais quente agora debaixo das cobertas. Sua mão foi até o sexo dele. Ela sentiu que ele se mexia ligeiramente e ocultou um sorriso, certa de que o seu calor o estava atingindo agora, seria tão fácil excitá-lo ainda mais. Mas desaconselhável. Muito desaconselhável, pois ela sabia que ele a tomaria com Johnny na cabeça, tomando-a para se vingar de Johnny e não para amá-la — talvez até pensando que, concordando, ela estaria se sentindo culpada e tentando expiar a culpa. Oh, não, meu amor, eu não sou uma criança boba, é você o culpado, não eu. E embora você fosse ser mais forte do que o normal e mais violento, o que normalmente aumenta o meu prazer, desta vez não aumentaria, pois, querendo ou não, eu iria resistir ainda mais do que você, consciente do meu outro amor. Então, meu querido, é dez mil vezes melhor esperar. Até o amanhecer. Até lá, meu querido, se eu tiver sorte, você já terá se convencido de que está errado em odiar e ter ciúmes e será o meu Erikki de novo. E se não tiver? Então eu recomeçarei — há dez mil maneiras de curar o meu homem.

— Eu o amo, Erikki — disse e beijou a coberta sobre o seu peito, virou-* se e ajeitou as costas de encontro a ele e adormeceu, sorrindo.


35


NA BASE AÉREA DE KOWISS: 8:11H. Freddy Ayre cerrou os punhos. Por Deus, não! Você ouviu as ordens de McIver: Se Starke não estiver de volta ao amanhecer, todos os vôos estarão cancelados. Já passa das oito horas e Starke ainda não voltou, portanto todos os..

— Você vai obedecer às minhas ordens! — Esvandiary, o gerente da IranOil, gritou, e sua voz ecoou por toda a base da S-G. — Eu ordenei que você entregasse um novo tanque de lama e um cano, do contrato com a Guerney, na Plataforma S.,

— Não haverá nenhum vôo enquanto o capitão Starke não estiver de volta — disse Ayre. Eles estavam na pista de decolagem, perto dos três 212 que Esvandiary escalara para as operações do dia, com os três pilotos equipados e prontos desde o amanhecer, com o resto dos estrangeiros observando, nos mais variados graus de nervosismo e raiva. Em volta deles havia um caminhão com Faixas Verdes hostis e empregados da base que tinham acabado de chegar com Esvandiary. Quatro dos homens de Zataki estavam agachados perto dos helicópteros, mas nenhum deles se movera desde o início da discussão, embora todos eles observassem com atenção.

— Todos os vôos estão cancelados! — repetiu Ayre. Furiosamente, Esvandiary gritou em farsi.

— Esses estrangeiros se recusam a obedecer a ordens legítimas da IranOil.

— Um murmúrio de raiva elevou-se entre os asseclas de Esvandiary que apontaram as armas para os estrangeiros, e ele apontou para Ayre. — Eles precisam de um exemplo.

Sem nenhum aviso, mãos rudes agarraram Ayre e a surra começou. Um dos pilotos, Sandor Petrofi, correu para impedir, mas foi empurrado para trás, escorregou e foi chutado de volta para onde estavam os outros, impotentes, sob a mira das armas.

— Pare com isso! Pop Kelly, o capitão alto, gritou, com o rosto lívido.

— Deixe Ayre em paz, nós vamos executar as missões.

— Ótimo. — Esvandiary disse aos seus homens para parar. Eles puseram Ayre em pé. — Decolem todos. Imediatamente!

Quando os aparelhos estavam no ar, ele ordenou que todos os estrangeiros se afastassem.

— Não haverá motins contra o Estado islâmico nunca mais. Por Deus, todas as ordens da IranOil serão... serão... cumpridas instantaneamente. — Muito satisfeito consigo mesmo por ter terminado com o motim, conforme prometera ao comandante da base, ele entrou no prédio principal, foi até o escritório de Starke, do qual se apossara, e ficou em pé na janela, observando os seus domínios.

Ele viu dois helicópteros bem afastados agora, o terceiro flutuava a vinte pés de altura sobre o tanque de lama, esperando que o pessoal de terra prendesse o gancho na grande corrente de aço que estava presa ao reboque. Em frente ao edifício, Ayre, cercado por outros estrangeiros, estava sendo socorrido pelo dr. Nutt. Maldito filho da mãe, tinha que me dar tanto trabalho, pensou Esvandiary, e deu uma olhada no seu relógio, admirando-o. Era um rolex de ouro que ele comprara no mercado negro naquela manhã, conforme convinha à sua importância, com o dinheiro do pishkesh dado por um lojista do bazar que queria que o filho trabalhasse na IranOil.

— O senhor precisa de alguma coisa, Excelência? — Pavoud perguntou servilmente da porta. — Posso dar-lhe os parabéns pelo modo como lidou com os estrangeiros? Há anos que eles precisavam levar uma boa surra para serem colocados nos seus lugares; como o senhor foi inteligente.

— Sim. De agora em diante a base vai funcionar perfeitamente. Assim que haja um problema, qualquer um que esteja como responsável será usado como exemplo. Graças a Deus que aquele filho de um cão do Zataki vai partir dentro de uma hora, com os seus assassinos, para Abadan.

— Este vôo vai partir na hora, Excelência. — Os dois homens riram.

— Sim, traga-me um pouco de chá, Pavoud. — Deliberadamente, Esvandiary não usou as regras normais de educação e notou que o servilismo do homem aumentou. Ele tornou a olhar pela janela. O dr. Nutt estava tratando de um corte no supercílio de Ayre. Eu me diverti vendo Freddy apanhar, ele pensou. Sim, foi muito divertido.

Sob o vento gelado, o dr. Nutt tinha envolvido Ayre com um outro casaco.

— É melhor você vir até a enfermaria, rapaz.

— Eu estou bem — disse Ayre, com dor em todo o corpo. — Acho... acho que não há nada quebrado.

— Filhos da mãe — alguém disse. — Freddy, é melhor nós pensarmos numa maneira de darmos o fora daqui.

— Eu vou sair no primeiro avião... Não vou me arriscar a...

Todos eles olharam para cima quando os motores a jato do helicóptero que estava flutuando se aceleraram. Era muito arriscado levantar um peso daqueles — especialmente com este vento — mas isso não era nenhum problema para um profissional como Sandor. O gancho prendeu logo da primeira vez e assim que o pessoal de terra ficou com as mãos livres, ele aumentou a força, os motores gemeram com força total, agüentando a tensão, e depois helicóptero e carga subiram para o céu. O guarda que estava no banco da frente ao lado de Sandor acenou nervosamente, bem como o que estava na cabine.

— Você está indo muito bem, capitão... nenhum problema — Sandor ouviu Wazari dizer da torre nos fones de ouvido. Sandor calculou a distância, ganhando altura, com mãos e pés perfeitamente coordenados, vendo apenas Esvandiary na janela do escritório, sentindo-se furioso pela surra violenta levada por Ayre, dada por um bando de homens armados comandados por um covarde. Isso o levou de volta à sua infância em Budapeste, durante a Revolução Húngara. Ele era impotente então — mas não agora.

— Você está indo bem, HFD, mas um pouco perto demais. — A voz de Wazari avisou-o. — Você está um pouco perto, vá mais para o sul...

Sandor aumentou a potência, dirigindo-se para a torre que ficava no alto do edifício.

— A carga está direita? — perguntou. — Parece um pouco estranha.

— Parece direita, sem problemas, mas vá mais para o sul à medida que subir. Está tudo perfeito... vá mais para o sul, está me ouvindo?

— Você tem certeza, pelo amor de Deus? O aparelho está parecendo muito lento...

A agulha subiu até trinta metros. Sandor fechou a cara e sua mão jogou o comando para a direita, ao mesmo tempo em que empurrava o leme para a direita. No mesmo instante, o helicóptero oscilou perigosamente, o guarda que estava ao lado dele perdeu o equilíbrio, bateu de encontro à porta e depois agarrou Sandor, tentando equilibrar-se e deu um encontrão nos controles. Mais uma vez Sandor corrigiu, xingando o guarda como se o homem apavorado fosse um verdadeiro risco.

Por um momento pareceu que o balanço faria o helicóptero despencar do céu, então Sandor empurrou o guarda que estava aterrorizado.

— Mayday. Carga fora de controle — ele gritou, com os ouvidos surdos a Wazari, os olhos concentrados embaixo, esquecido de tudo que não fosse a necessidade de vingança. — A carga está fora de controle!

Sua mão puxou o liberador de carga de emergência, o gancho soltou-se e o tanque de aço despencou do céu diretamente sobre o escritório. Aquela tonelada e meia de aço caiu sobre o telhado, pulverizando alicerces, paredes, vidro, metal, mesas, fazendo desmoronar todo aquele canto, e parou encravada nos destroços da parede interior.

Um momento de silêncio horrorizado tomou conta de toda a base, depois o barulho dos motores encheu o céu quando, livre da carga, o helicóptero ficou fora de controle. Os reflexos de Sandor lutaram para recuperar o domínio do aparelho, mas sua mente não estava se importando se ia conseguir dominá-lo ou não, se conseguiria pousar ou não, sabendo apenas que ele se vingara de um dos bandidos. Ao lado dele, o guarda estava vomitando e pelos fones ele ouvia "Jesus Cristo... Jesus Cristo..." vindo da torre.

— Cristo, cuidadoooo! — alguém gritou quando o helicóptero desabou em cima deles. Todo mundo saiu correndo, mas os reflexos de Sandor cortaram os motores e tentaram um pouso de emergência impossível. As pás foram se arrastando pela neve, não se vergaram, e o helicóptero deslizou para frente até parar, intacto, a quarenta metros de distância.

Ayre foi o primeiro a chegar à cabine. Ele abriu a porta violentamente. Sandor estava lívido, abobalhado, olhando para a frente.

— A carga ficou fora de controle... — disse com voz rouca.

— Sim.

Foi tudo o que Ayre pôde dizer, sabendo que era mentira, depois outros foram chegando e ajudaram Sandor, que estava com as pernas bambas, a descer da cabine. Atrás dele, perto do edifício, Ayre viu Faixas Verdes olhando estarrecidos para os destroços, depois Pavoud e o outro funcionário saíram cambaleando pela porta da frente, em estado de choque. A janela e o canto onde Esvandiary estivera tinham virado pó. O dr. Nutt abriu caminho no meio das pessoas e correu em direção às ruínas, enquanto Wazari descia a escada de emergência, saindo da torre que oscilava perigosamente, com metade dela solta no ar. Cristo, pensou Ayre, Wazari deve ter visto tudo. Ele se ajoelhou ao lado do amigo.

— Você está bem, Sandy?

— Não — disse Sandor, abalado. — Acho que enlouqueci. Eu não podia parar.

Wazari abria caminho no meio das pessoas em direção à cabine, ainda em pânico por ter visto o tanque caindo em cima dele, sabendo que o piloto desobedecera propositalmente às suas instruções.

— Você está louco, porra? — Ele explodiu com Sandor por cima do barulho dos motores.

Ayre enfureceu-se.

— Porra, a carga ficou fora de controle! Nós todos vimos e você também.

— Você tem toda a razão, eu vi e você também. — Wazari olhou, apavorado, para todos os lados, à procura de Faixas Verdes, mas não havia nenhum por perto. Então ele viu Zataki se aproximando, vindo de um dos bangalôs. Seu terror aumentou. Ele ainda estava muito machucado da surra que levara de Zataki, seu nariz amassado, sua boca doendo, de onde tinham sido arrancados três dentes, e ele sabia que admitiria qualquer coisa para evitar outra surra. Ele se ajoelhou ao lado de Sandor, arrastando Ayre com ele. — Ouça — sussurrou, desesperado — você jura por Deus que vai me ajudar? Você promete?

— Eu já disse que faria o que pudesse! — Ayre livrou-se dele, furioso, sentindo muita dor por ter-se abaixado. Ele se ergueu e deu de cara com Zataki. O susto o paralisou... e os olhos do homem. Todos os outros tinham recuado para longe deles.

— Piloto, você fez isto para matar Esvandiary, não foi? Sandor levantou os olhos para ele.

— A carga ficou fora de controle, coronel.

Zataki pôs os olhos em Ayre, que se lembrou do que o dr. Nutt dissera a respeito do homem, com a cabeça doendo, o saco, o corpo inteiro.

— A... ahn, a operação é muito difícil, foi o vento. A carga ficou fora de controle. Foi um Ato de Deus, Excelência...

Wazari deu um passo para trás quando Zataki se virou para ele.

— É verdade, Excelência, disse imediatamente. — Os ventos lá em cima são muito perigosos. — Ele gritou quando o punho de Zataki golpeou o seu estômago e se dobrou de dor, depois Zataki agarrou-o e atirou-o de encontro ao helicóptero.

— Agora diga-me a verdade, verme!

— É verdade — Wazari murmurou, no meio da náusea, quase sem poder falar. — É verdade! Foi Insha'Allah! — Ele viu o punho de Zataki preparado e gritou numa mistura de farsi e inglês: — Se você me bater, eu vou dizer qualquer coisa que queira ouvir, qualquer coisa. Eu não posso suportar outra surra e vou jurar qualquer coisa que você queira, mas a carga fugiu ao controle. Por Deus, eu juro por Deus que a carga fugiu ao controle.

Zataki olhou fixamente para ele.

— Deus o mandará para o fogo do inferno por toda a eternidade se você tiver dito uma mentira em Seu Nome. Você jura que foi só a Vontade de Deus? Que a carga ficou fora de controle? Você jura que foi um Ato de Deus?

— Sim, sim, eu juro! — disse Wazari, tremendo, ainda seguro por ele. E tentou demonstrar sinceridade no olhar, sabendo que sua única chance de viver estava com Ayre, provando-lhe o seu valor. — Eu juro por Deus e pelo Profeta que foi um acidente, um... um Ato de Deus. Insha'Allah...

— Como Deus quiser. — Zataki balançou a cabeça, absolveu-o e soltou-o. Wazari escorregou para a neve, vomitando, e todos os outros agradeceram a Deus, aos céus ou ao carma o fato de que, por enquanto, a crise tivesse passado. Zataki fez um sinal para os destroços. — Tirem de lá o que restar de Esvandiary.

— Sim... sim, imediatamente — disse Ayre.

— A menos que o capitão volte, você levará a mim e a meus homens para Bandar Delam. — Zataki se afastou. Seus Faixas Verdes foram com ele.

— Cristo! — alguém murmurou, todos eles imensamente aliviados. Eles ajudaram Sandor a se levantar e também Wazari.

— Você está bem, sargento? — perguntou Ayre.

— Não, maldição, não, não estou! — Wazari cuspiu um pouco de vômito. Quando ele viu que os Faixas Verdes tinham ido embora com Zataki, seu rosto contorceu-se de ódio. — Aquele maldito filho da mãe! Espero que ele vá para o inferno!

Ayre puxou Wazari para um lado e baixou a voz.

— Eu não me esquecerei que prometi tentar ajudá-lo. Quando Zataki partir você estará bem. Eu não me esquecerei.

— Nem eu — disse Sandor, com voz fraca. — Obrigado, sargento.

— Você me deve a sua maldita vida — disse o homem e tornou a cuspir, com os joelhos fracos e o peito ardendo. — Você poderia ter-me matado também com aquele maldito tanque.

— Sinto muito. — Sandor estendeu a mão. Wazari olhou para a mão estendida e depois para o seu rosto.

— Eu apertarei a sua mão quando estiver em segurança, fora deste maldito país. — E saiu mancando.

— Freddy! — O dr. Nutt estava no meio dos destroços com dois mecânicos, tentando retirar as vigas e o resto e acenou chamando-o. Os Faixas Verdes estavam em volta, vigiando. — Dê-nos uma ajuda aqui, sim?

Todos foram ajudar. E nenhum deles queria ser o primeiro a ver Esvandiary.

Eles o encontraram desmaiado numa abertura sob um dos lados do tanque. O dr. Nutt agachou-se ao lado dele, examinando-o com dificuldade.

— Ele está vivo — gritou, e Sandor sentiu o estômago revirar. Rapidamente todos ajudaram a retirar os pedaços de viga e os restos da escrivaninha de Starke e arrastaram gentilmente o homem.

— Acho que ele está bem — disse o dr. Nutt, com a voz rouca. — Levem-no para a enfermaria. Ele está com um galo feio na cabeça mas os braços e pernas parecem direitos e não há nada esmagado. Alguém vá buscar uma maca.

As pessoas se apressaram em cumprir as suas ordens, sentindo-se mais aliviadas, todas odiando 'Pé-quente' mas desejando que ele estivesse bem. Sem ninguém ver, Sandor foi para trás do edifício, tão aliviado que podia até chorar, e vomitou violentamente.

Quando voltou, só Ayre e Nutt estavam esperando.

— Sandy, é melhor você vir também, deixe-me dar uma olhada em você disse Nutt. — Maldita ala de acidentados, é o que nós temos agora

— Tem certeza de que 'Pé-quente' vai ficar bom?

— Tenho certeza absoluta. — Os olhos do médico estavam lacrimejando, de um azul pálido e um tanto injetados. — O que houve de errado, Sandy? — perguntou calmamente.

— Não sei, doutor. Tudo o que eu queria era apanhar aquele desgraçado e na hora, largar o tanque me pareceu a coisa perfeita para fazer

Você sabe que isso seria assassinato? Ayre disse, inquieto:

— Doutor, o senhor não acha que é melhor deixar as corsas corno estão? Não, não acho. — A voz de Nutt tornou-se mais severa. — Sandy, você sabe que isso foi uma tentativa de assassinato.

— Sim. — Sandor olhou para ele. — Sim, eu compreendo e sinto muito.

— Você sente que ele não esteja morto?

— Juro por Deus, doutor. Eu agradeço a Deus que ele esteja vivo. Eu ainda acho que ele se tornou uma pessoa má e covarde e tudo que eu detesto e não posso perdoá-lo por... por ordenar a surra em Freddy, mas isso não é desculpa para o que fiz. O que eu fiz foi uma loucura, não há desculpa para isso, e eu realmente agradeço a Deus por ele estar vivo.

— Sandy — disse Nutt, com a voz mais calma —, é melhor você não voar por um dia ou dois. Você sofreu uma pressão forte demais. Não precisa preocupar-se, rapaz, desde que compreenda. Apenas vá com calma por um ou dois dias. Você vai ter uma tremedeira esta noite, mas não se preocupe. Você também, Freddy. É claro que isso fica entre nós três e a carga se desequilibrou. Eu vi. — Ele ajeitou os tufos de cabelo sobre a cabeça calva, que o vento tinha despenteado. — A vida é estranha, muito estranha, mas aqui entre nós três, Deus estava com você hoje, Sandy, se é que existe um Deus. — Ele se afastou, curvado como um velho saco de batatas.

Ayre ficou olhando para ele.

— O doutor é boa pessoa, sabe, nós tivemos muita sorte, tão próximos de um desastre, tão...

Houve um grito e eles olharam naquela direção. Um dos pilotos perto do portão principal gritou de novo e apontou. O coração deles deu um salto. Starke caminhava pela estrada vindo da cidade. Estava sozinho. Tanto quanto podiam ver dali, ele estava ileso, andando com passos largos. Acenaram excitadamente e ele acenou de volta, e a notícia se espalhou pelo campo e Ayre saiu correndo para recebê-lo, esquecido da dor. Talvez exista um Deus no céu afinal de contas, pensava alegremente.


36


EM LENGEH: 14:15H. Scragger estava tomando sol na grande plataforma de madeira ancorada a cem metros da praia, com uma pequena balsa de borracha presa a ela. A plataforma consistia em pranchas de madeira presas em tambores vazios de petróleo. Na balsa havia equipamento de pesca e um walkie-talkie, e sob ela estava pendurada uma gaiola de arame com os doze peixes que ele e Willi Neuchtreiter já tinham apanhado para o jantar — o golfo estava cheio de camarões, cavalas, atuns, percas, robalos e dúzias de outras espécies.

Willi, um outro piloto, nadava preguiçosamente nas águas rasas e mornas ali perto. Na praia ficava a base deles — meia dúzia de trailers, cozinha, dormitórios para a turma de iranianos, um trailer-escritório com torre de rádio e antena, hangares com espaço para uma dúzia de 212 e 206.

Atualmente, a tripulação completa compunha-se de cinco pilotos, inclusive ele, sete mecânicos, 15 empregados iranianos, diaristas, cozinheiros e serventes, e o gerente da IranOil, Kormani, que estava doente. Dos outros pilotos, dois eram britânicos e o último, Ed Vossi, americano.

Na base estavam três 212 — no momento com trabalho suficiente para apenas um — e dois 206 Jet Rangers, sem trabalho praticamente nenhum. Fora o Consórcio Francês com os seus contratos de Siri de Georges de Plessey, todos os outros contratos tinham sido cancelados ou suspensos até o fim das agitações. Ainda havia rumores de muita agitação na grande base naval de Bandar Abbas, que ficava a leste, e de lutas ao longo de toda a costa. Há dois dias, a agitação tinha alcançado a base pela primeira vez. Agora eles tinham um komiteh permanente de Faixas Verdes, polícia e um mulá:

— Para proteger a base contra os esquerdistas, capitão Excelência.

— Mas mulá Excelência, meu velho, nós não precisamos de proteção.

— Seja como Deus quiser, mas as nossas importantes instalações de petróleo da ilha de Siri foram atacadas e avariadas por aqueles cães. Os nossos helicópteros nos são vitais e não serão estragados. Mas não se preocupem, nada será mudado por nós. Nós compreendemos o nervosismo de vocês em voar com armas, portanto nenhum dos nossos irá armado, embora um de nós vá voar sempre com vocês. Para a sua proteção.

— Scragger e os outros tinham ficado mais tranqüilos com a presença no komiteh do sargento da polícia local, Qeshemi, com quem eles tinham sempre mantido boas relações. Os problemas de Teerã, Qom e Abadan mal os tinham alcançado aqui no estreito de Ormuz. As greves foram poucas e muito ordeiras. De Plessey estava pagando as contas da EPF, portanto estava tudo ótimo, exceto pela falta de trabalho.

Scragger olhou preguiçosamente em direção à praia. A base estava em ordem, e ele podia ver os homens cumprindo as suas tarefas, limpando, consertando, com alguns membros do komiteh sentados descansadamente na sombra. Ed Vossi estava perto do 206 fazendo a revisão.

— Não há trabalho suficiente — murmurou Scragger. Tinha sido assim nos últimos meses e ele sabia muito bem o quanto isso podia ser desastroso. A falta de vôos regulares e a necessidade de comprar equipamento moderno é que o tinham convencido a vender a Sheik Aviation para Andrew Gavallan há muitos anos trás.

Mas não me arrependo, pensou. Andy é fantástico, ele tem sido correto comigo. Eu tenho um pedacinho da companhia e posso pilotar enquanto estiver em forma. Mas o Irã é terrível para Andy no momento. Ele não está sendo pago nem pelo trabalho que já foi feito nem pelo que está sendo feito agora, exceto aqui, o que é uma pena. Os bancos já estão fechados há uns quatro ou cinco meses, e ele vem sustentando as operações no Irã com o dinheiro do seu próprio bolso. Alguma coisa tem que acontecer. Com apenas Siri funcionando, não há o suficiente para pagar nem a metade dos nossos compromissos.

Há três dias, quando Scragger trouxe Kasigi de volta do canteiro de obras da Iran-Toda perto de Bandar Delam, Kasigi perguntara a de Plessey se podia fretar um 206 para ir para Al Shargaz ou Dubai.

— Eu tenho que entrar em contato imediatamente, por telefone e telex, com o meu escritório principal no Japão para confirmar os acordos feitos com você a respeito dos seus preços e sobre a elevação dos preços dos futuros fornecimentos. — De Plessey concordara imediatamente. Scragger decidira que ele mesmo ia pilotar e estava satisfeito por isso. Em Al Shargaz, ele estivera com Manuela e Johnny Hogg. E com Genny.

Ela o pusera a par de tudo, e em particular, principalmente a respeito de Lochart.

— Deus do céu! — dissera, chocado com a rapidez com que as operações estavam se desintegrando e com que a revolução os estava envolvendo pessoalmente. — Pobre velho Tom.

— Tom devia ter chegado de Bandar Delam na véspera da minha partida, mas não chegou, e não sabemos ainda o que realmente aconteceu. Eu, pelo menos, não sei — ela disse. — Scrag, só Deus sabe quando vamos poder conversar em particular outra vez, mas há outra coisa: só entre nós dois, sim?

— Prometido.

— Eu não acho que o governo volte ao normal algum dia. Eu queria perguntar a você: mesmo que volte, será que os sócios, com ou sem ajuda oficial, ou a IranOil poderiam forçar-nos a sair e ficar com os nossos aparelhos e equipamentos?

— Por que eles fariam isso? Eles precisam dos helicópteros... mas, se quisessem, é claro que poderiam — respondera, dando um assovio de espanto, pois esta possibilidade jamais lhe ocorrera antes. — Maldição, se eles decidissem que não precisavam de nós, Genny, isso seria muito fácil, muito fácil. Eles podiam conseguir outros pilotos, iranianos ou mercenários, não é isso que nós somos? É claro que eles poderiam nos expulsar e ficar com o nosso equipamento. E se perdermos tudo o que temos aqui, adeus S-G.

— Foi o que Duncan pensou. Será que poderíamos partir com os nossos aviões e peças, se eles decidissem fazer isso?

Ele tinha rido.

— Seria um roubo perfeito. Mas não poderia ser feito, Genny. Se nós tentássemos e eles nos apanhassem, eles nos mandariam para a cadeia. Não há nenhuma maneira de fazer isso. Não sem a aprovação do DAC do Irã.

— E se fosse a Sheik Aviation?

— Não faria nenhuma diferença, Genny.

— Então você simplesmente os deixaria roubar tudo o que lutou a vida inteira para conseguir, Scrag? Eu não acredito.

— Nem eu — ele disse na mesma hora —, embora só Deus saiba o que eu faria.

Ele viu o rosto bondoso observando-o, com os óculos escuros empoleirados na cabeça, com os olhos cheios de ansiedade, sabendo que sua preocupação não era só por McIver e tudo o que ele construíra, não só pelas suas próprias economias que, como as dele, estavam presas à S-G, mas também por Andy Gavallan e por todos os outros.

— O que eu faria? — disse vagarosamente. — Bem, nós temos quase tanto em peças no Irã quanto em aparelhos. Nós teríamos que começar a retirá-las, embora não saiba como fazer isso sem que as pessoas fiquem desconfiadas. Nós não poderíamos tirar todas elas, mas poderíamos diminuir o prejuízo. Então nós todos teríamos que partir ao mesmo tempo, todo mundo, todos os helicópteros, de Teerã, Kowiss, Zagros, Bandar Delam e daqui. Nós... — Ele pensou um pouco. — Nós teríamos que vir para cá, Al Shargaz... Mas, Genny, nós todos teríamos que percorrer distâncias diferentes e alguns teriam que parar uma ou duas vezes para reabastecer e mesmo que chegássemos a Al Shargaz, eles ainda poderiam apreender os aparelhos por falta de autorizações apropriadas. — Ele a examinou. — Andy acredita que é isso que os sócios pretendem fazer?

— Não, não, ainda não, e nem Duncan, ele não tem certeza. Mas é uma possibilidade e o Irã está piorando dia a dia. É por isso que estou aqui, para perguntar a Andy. Não se pode colocar isso numa carta ou num telex.

— Você telefonou para Andy?

— Sim, e disse tanto quanto ousei. Duncan me pediu para tomar cuidado; e Andy me disse que tentaria se informar em Londres e que quando chegasse, dentro de uns dois dias, decidiria o que deveríamos fazer. — Ela tornou a colocar os óculos. — Nós devemos estar preparados, você não acha, Scrag?

— Eu estava imaginando por que você tinha deixado o Dunc sozinho. Ele mandou você?

— É claro. Andy vai estar aqui dentro de uns dois dias.

A mente de Scragger trabalhava furiosamente. Se tentarmos enganá-los, alguém vai se machucar. O que eu faria com os radares de Kish, Lavan e Lengeh, que podem lançar vinte aviões de combate atrás de nós em questão de minutos, antes de termos alcançado céus amigos, caso decolássemos sem permissão?

— Dunc acha que eles vão nos passar a perna?

— Não — ela respondera. — Ele não, mas eu acho.

— Neste caso, Genny, aqui entre nós, é melhor pensarmos num plano.

Ele recordou como o seu rosto se iluminara, e tornou a pensar no quanto Duncan McIver era sortudo, embora fosse o mais intratável e dogmático dos homens.

Seus olhos estavam observando o mar quando ele ouviu o 206 levantar vôo. Ed é um grande piloto, pensou.

— Ei, Scrag!

— Sim, Willi?

— Você nada e eu fico olhando. — Willi subiu para a plataforma.

— Está bem, companheiro.

Além da grande quantidade de peixes comestíveis, havia também predadores, tubarões e arraias e outros e, às vezes, águas-vivas venenosas, mas eram raros em águas pouco profundas como aquelas, e desde que se conservasse os olhos abertos, podia-se ver a sombra deles a tempo de alcançar a plataforma. Scragger bateu na madeira, como sempre, antes de mergulhar na água morna.

Willi Neuchtreiter também estava nu. Ele era um homem baixo e atarracado de 48 anos, de cabelos castanhos e mais de cinco mil horas de vôo em helicópteros, dez anos com o exército alemão e oito com a S-G — trabalhando na Nigéria, no mar do Norte, em Uganda e aqui. O seu boné estava na plataforma e ele o colocou e também os óculos escuros, espiou o 206 que ia na direção do golfo, e depois observou Scragger. Em poucos minutos, o sol já o secara. Ele gostava do sol, do mar e de estar em Lengeh.

Tão diferente de casa, pensou. Sua casa era em Kiel, no norte da Alemanha, no mar Báltico, onde o clima era severo e quase sempre frio. Sua mulher e seus três filhos tinham ido para casa no ano anterior por causa da educação das crianças, e ele resolvera ficar dois meses aqui e um em Kiel, e conseguira uma transferência para voltar para o mar do Norte, para ficar mais perto de casa. No próximo mês, depois que terminasse a sua licença, ele não voltaria mais para Lengeh.

Droga de mar do Norte com seu clima terrível e constante perigo, preso nos alojamentos vagabundos, tendo que suportar a chateação de passar duas semanas voando numa plataforma a cem milhas da costa, para ter direito a uma semana em casa, em Kiel, ganhando apenas o suficiente para pagar a hipoteca e o colégio e guardar um pouco para as férias. Mas você vai estar perto das crianças e de Hilda e da mãe e do pai, e a sua terra é sempre a sua terra. Sim, é verdade, e com um pouco de sorte, em breve, todos os alemães poderão misturar-se livremente uns com os outros. A mãe vai poder visitar a sua família em Schwerin sempre que quiser. E Schwerin e todas as outras Schwerins não estarão mais ocupadas. Deus permita que eu viva para ver este dia.

— Scrag, tem uma sombra se aproximando.

Scrag a vira quase ao mesmo tempo, e nadou de volta para a plataforma. A sombra se aproximou depressa. Era um tubarão.

— Papagaio — ele disse. — Olhe o tamanho dele!

O tubarão diminuiu a velocidade e começou a nadar em círculos, com o dorso cortando a superfície calma da água. Cinza claro, mortal e sem pressa. Os dois homens observaram silenciosamente, fascinados. Então Scragger riu.

— Que tal, Willi?

— Sim, Nossa Senhora, ele não é o Tubarão, mas é o maior que eu já vi. Acho que podemos pegá-lo. — Alegremente, ele apanhou a vara de pesca que estava no barco. — E quanto à isca? O que você acha que devemos usar?

— A perca, aquela grande.

Rindo, Willi enfiou a mão na gaiola e tirou o peixe que se debatia e enfiou-o no anzol de aço próprio para tubarões. Havia sangue em suas mãos e ele lavou-as na água, vigiando a presa. Depois ele se levantou, verificou a corrente presa ao anzol, amarrou-a cuidadosamente à grossa linda de náilon que estava no carretei.

— Aqui está, Scrag.

— Nada disso! Foi você quem viu primeiro!

Excitadamente, Willi enxugou o sal da testa com as costas da mão, ajeitou o boné e olhou para o tubarão que ainda nadava em círculos a uns vinte metros de distância. Com muito cuidado, ele atirou a isca diretamente no caminho dele, esticando delicadamente a linha. O tubarão passou pela isca e continuou a circular. Os dois homens praguejaram. Willi recolheu a linha. A perca se debatia espasmodicamente, morrendo. Havia uma fina trilha de sangue no mar. Mais uma vez Willi atirou a isca com perfeição. Mais uma vez nada aconteceu.

— Maldição — disse Willi. Desta vez ele deixou a isca onde estava, vendo-a afundar cada vez mais até chegar ao fundo, mantendo apenas uma ligeira tensão na linha. O tubarão se aproximou, passou por cima dela, quase tocando-a com a barriga e continuou a circular.

— Talvez ele não esteja com fome.

— Esses filhos da puta estão sempre com fome. Talvez ele saiba que estamos esperando por ele. Ou esteja nos preparando uma cilada. Scrag, pegue um peixe menor e atire exatamente onde está a isca quando ele estiver passando.

Scragger escolheu um robalo. Ele o atirou com destreza. O peixe caiu no mar dez metros na frente do tubarão, pressentiu o perigo e escapuliu para o fundo. O tubarão não deu a menor atenção a ele, nem à perca que estava tão pertinho, simplesmente deu uma rabanada e continuou a circular.

— Deixe a isca ficar onde está — disse Scragger. — Não é possível que esse desgraçado não tenha sentido o cheiro dela.

Agora eles podiam ver os olhos amarelos e os três peixinhos pilotos flutuando sobre a sua cabeça, a linha fina da enorme boca sob o nariz rombudo, a pele escorregadia e o poder do enorme rabo. Mais uma volta. Um pouco mais perto desta vez.

— Aposto que ele tem mais de dois metros, quase três, Willi.

— Aquele filho da puta está nos vigiando, Scrag — disse Willi apreensivo, perdendo toda a animação.

Scragger franziu a testa, com a mesma sensação. Ele afastou os olhos do tubarão e olhou para o barco. Não havia nenhuma arma aproveitável lá, só um canivete pequeno, um arpão leve de alumínio e alguns remos. Mesmo assim, ele puxou o barco mais para perto, ajoelhou-se e esticou a mão para apanhar a faca e o arpão. Gostaria de ter um revólver, pensou.

Um grito súbito de Willi o fez dar um pulo para trás e ele mal teve tempo de ver o tubarão vindo diretamente na direção dele em grande velocidade. Ele bateu contra o barco de borracha, com a feia cabeça fora da água, as mandíbulas se abrindo ao se lançar contra ele, batendo de encontro aos tambores de petróleo, fazendo a popa do barco sair da água. E então foi embora, deixando os dois homens apavorados.

— Meu Deus, Harry... — Willi gritou e apontou. O tubarão estava atacando a isca. Eles o viram engolir a isca e o anzol e se afastar, com a linha cantando no carretel. Willi prendeu o fôlego; depois, segurando a vara com as duas mãos, puxou com força.

— Pegueiiii eleeeee! — gritou, agüentando a pressão, com o carretel chiando enquanto a linha corria, com o anzol bem preso.

— O maldito filho da mãe quase me pegou — disse Scragger, com o coração disparado, observando a linha esticada. — Não deixe o desgraçado enganá-lo.

Willi pôs mais pressão na linha e começou a enfrentá-lo, com a linha esticada.

— Preste atenção nele, Willi, ele vai virar e voltar rapidamente... — Mas o tubarão não fez isso, ele simplesmente diminuiu a velocidade e lutou freneticamente para se livrar da linha e do anzol, enchendo a água à sua volta de bolhas, com metade do corpo para fora, rolando e girando. Mas o anzol agüentou e a linha era bastante forte e Willi deu ao peixe liberdade suficiente, permitindo que ele se afastasse, e depois mais uma vez começando a recolher a linha. Os minutos foram passando. O esforço de lutar contra um peixe desses sem um arreio ou uma cadeira, sem poder usar as pernas para se apoiar, era enorme. Mas Willi ficou firme. Repentinamente, o tubarão parou de lutar, começando a nadar em círculos novamente. Mais devagar.

— Boa, Willi, você o pegou, Willi.

— Scrag, se ele se aproximar depressa, veja se pode evitar que a linha se embarace, e quando eu o trouxer para uma distância suficiente, dê-lhe um golpe com o arpão. — Willi sentia dor nas costas e nas mãos, mas agora ele estava motivado, esperando pela próxima jogada. Ela veio rapidamente.

O tubarão virou-se e nadou para cima deles. Willi começou a recolher a linha freneticamente para diminuir a folga, caso o tubarão tornasse a virar e partisse a linha, mas ele continuou avançando e foi para baixo da plataforma. Milagrosamente, a linha não se embaraçou e quando o tubarão saiu do outro lado para se lançar em direção a águas mais profundas, Willi deu bastante linha e aos poucos voltou a recolher. Mais uma vez o tubarão tentou livrar-se do anzol num paroxismo de raiva, fazendo a água ficar branca de espuma, e mais uma vez Willi agüentou. Mas os seus músculos estavam se enfraquecendo, ele sabia que não poderia segurá-lo sozinho e praguejou baixo.

— Dê-me uma mão, Scrag.

— Está bem, companheiro.

Juntos, os dois homens seguraram a vara, com Willi manejando o carretel, puxando o tubarão, manobrando-o, cada vez mais perto. O tubarão estava mais lento.

— Ele está ficando cansado, Willi. — Eles o foram puxando, centímetro por centímetro. Agora o tubarão estava a trinta metros da plataforma, quase sem avançar, com o grande rabo balançando vagarosamente para frente e para trás, quase se espojando na água. Para respirar, um tubarão precisa se movimentar para a frente. Se parar, ele se afoga.

Pacientemente, eles continuaram a combatê-lo, com o seu peso enorme machucando-os. Agora eles podiam ver o seu tamanho, os olhos amarelos, as mandíbulas cerradas, os peixes pilotos. Vinte e cinco metros, vinte, dezoito, dezessete...

Então aconteceu. O tubarão criou forças e saiu nadando numa velocidade incrível por cinqüenta metros, com a linha do carretel correndo, depois fez uma curva de noventa graus em alta velocidade e ia fugir mas Willi conseguiu controlar a tensão da linha, obrigando o peixe a circular, mas sem conseguir trazê-lo mais para perto. Mais uma volta, com Willi usando toda a sua força no carretel, sem nenhum resultado. Na volta seguinte ele recuperou um pouco de linha. Mais um centímetro. Mais um, então os dois homens perderam o equilíbrio e quase caíram dentro d'água quando a linha se soltou.

— Nós o perdemos, Harry...

Os dois estavam sem fôlego, cheios de dores e muito desapontados. Não havia nem sinal do tubarão.

— Maldita linha — disse Willi, enrolando-a, praguejando em duas línguas. Mas não foi a linha. Foi a corrente. Os elos próximos ao anzol estavam amassados.

— Aquele desgraçado deve ter mastigado a corrente! — disse Scragger, fascinado.

— Ele estava brincando conosco, Scrag — disse Willi desgostoso. — Ele poderia ter escapado quando quisesse. Ele nos estava passando a perna. — Eles examinaram a água em volta, mas não havia sinal dele. — Ele pode estar no fundo esperando — disse Pensativamente.

— E mais provável que esteja a dois quilômetros de distância, louco como um cão raivoso.

— Aposto como ele é louco, Scrag. Aquele anzol não serviu de nada contra ele. — Os dois homens examinaram o mar. Nada. Então eles notaram que o barco de borracha estava pendurado pela proa e meio submerso. Scragger abaixou-se e examinou-o cuidadosamente, com o olho no mar e debaixo da plataforma.

— Olhe — disse. Havia um grande rasgão numa nas câmaras de ar. — O desgraçado deve ter feito isso quando nos atacou. — O ar estava escapando depressa. — Não há problema. Nós podemos nadar até a praia facilmente. Vamos.

Willi olhou para a plataforma, depois para o mar.

— Você vai, Scrag. Eu vou esperar pelo barco de madeira com alguém sentado na frente com uma metralhadora.

— Não há problema, pelo amor de Deus. Vamos embora.

— Scrag — Willi disse docemente —, eu o amo como a um irmão, mas não vou sair daqui. Aquele bichão me assustou horrivelmente. — Ele se sentou no meio da plataforma e abraçou os joelhos. — Aquele filho da mãe está escondido em algum lugar, esperando para atacar. Se você quiser ir, tudo bem, mas eu, eu sei o que diz o Livro, quando estiver em dúvida, esconda-se. Mande vir outro barco pelo walkie-talkie.

— Eu mesmo vou trazê-lo. — O barco de borracha cedeu quando Scragger pisou cuidadosamente dentro dele, quase virou, e ele engatinhou de volta para a plataforma, praguejando, mais rápido do que pretendia. — Do que é que você está rindo?

— Você saiu daí como se tivesse uma água-viva atrás de você. — Willi ainda estava rindo. — Scrag, por que você não nada até em casa?

— Não amola. — Scragger olhou para a praia, com o coração batendo. Hoje ela parecia muito longe, quando nos outros dias era tão perto.

— Você é louco de ir nadando — disse Willi, desta vez seriamente. — Não faça isso.

Scragger não prestou atenção nele. Sabe de uma coisa? Ele estava pensando. Você está morto de medo. Aquele desgraçado era pequeno e você o fisgou e ele fugiu e agora ele está a milhas de distância no golfo. Sim, mas onde?

Ele enfiou o dedão na água. Alguma coisa atraiu-lhe a atenção lá embaixo. Ele se ajoelhou num dos lados da plataforma e puxou a gaiola. Ela estava vazia. Um dos lados tinha sido arrancado.

— Papagaio!

— Eu vou chamar o barco — disse Willi, estendendo a mão para apanhar o walkie-talkie. — Com uma metralhadora.

— Não há necessidade disso, Willi — disse Scragger, para se mostrar. — Vamos ver quem chega na praia primeiro.

— Nem brincando! Scrag, pelo amor de Deus, não... — Willi ficou apavorado quando Scragger mergulhou. Ele o viu subir à superfície e dar algumas braçadas, depois, de repente, ele voltou e subiu na plataforma, engasgando-se de tanto rir.

— Enganei você, hein? Você tem razão, meu filho, qualquer pessoa que nadar até a praia está louca! Chame o barco, eu vou pescar alguma coisa para o jantar

Quando o barco chegou, um dos mecânicos estava no leme com dois excitados Faixas Verdes na proa e os outros observando na praia. Eles estavam no meio do caminho quando o tubarão surgiu repentinamente e começou a nadar em círculos. Os Faixas Verdes começaram a atirar e, na sua excitação, um deles caiu na água. Scragger conseguiu agarrar a sua arma e abriu fogo contra o tubarão que corria em direção ao homem apavorado, em pé no raso. As balas entraram na cabeça e nos olhos do tubarão, e embora o tubarão já devesse estar morto — ele não acreditou nisso — simplesmente deu uma cambalhota se debatendo, com as mandíbulas e o rabo trabalhando, e então atacou a sua presa. Mas sem a ajuda do olfato e da visão ele errou o homem e foi em direção à areia, encalhando com metade do corpo para fora da água.

— Scrag — disse Willi quando conseguiu falar —, você tem uma sorte dos diabos. Se você tivesse voltado nadando ele o teria apanhado. Você tem uma sorte dos diabos.


37


NA PLATAFORMA ROSA — ZAGROS: 15:05H. Tom Lochart saltou do 206 e trocou um aperto de mão com Mimmo Sera, o 'homem da companhia' que o cumprimentou calorosamente. Com Lochart estava o especialista da Schlumberger, Jesper Almqvist, um jovem sueco alto, de quase trinta anos. Ele trazia uma maleta especial com as ferramentas necessárias — o restante do equipamento já estava lá, no lugar.

— Buon gíorno, Jesper, prazer em vê-lo. Ele está esperando por você.

— Certo, sr. Será, vou trabalhar. — O rapaz se afastou em direção à plataforma. Ele tinha verificado a maioria dos poços no campo.

— Vamos até lá dentro um instante, Tom. — Será foi na frente através da neve até o trailer-escritório. Lá dentro estava quente e havia um bule de café na fornalha de ferro, cheia de lenha, no canto da parede. — Café?

— Obrigado, eu estou exausto, a viagem de Teerã até aqui foi muito cansativa.

Será estendeu-lhe uma xícara.

— Que diabo está acontecendo?

— Obrigado. Não sei exatamente. Eu só deixei o Jean-Luc na base, tive uma conversa breve com Scot, e então achei melhor trazer logo Jesper e vir falar com você pessoalmente. Ainda não estive com Nitchak Khan; vou fazer isto assim que voltar, mas Scot foi bem claro: Nitchak Khan disse a ele que o komiteh tinha-nos dado 48 horas para partir. Mel...

— Mas por quê? Mamma mia, se vocês saírem, nós vamos ter que fechar o campo.

— Eu sei. Meu Deus, o café está ótimo! Nitchak sempre foi razoável no passado. Você já soube que este komiteh matou Nasiri e pôs fogo na escola?

— Sim, que coisa terrível. Ele era um cara legal, embora fosse pró-xá.

— Assim como todos nós, quando o xá estava no poder — disse Lochart, pensando em Xarazade e Jared Bakravan e Emir Paknouri e no HBC, seu pensamento voltando sempre ao HBC e a Xarazade. Ele saíra ao amanhecer, odiando ter que deixá-la. Ela ainda dormia profundamente. Ele tinha pensado em acordá-la, mas não havia mais nada que pudesse dizer. Zagros era responsabilidade dele, e ela parecia tão exausta, a marca no seu rosto tão nítida. O seu bilhete dizia: "Volto dentro de dois dias. Se houver qualquer problema procure Mac ou Charlie. Todo o meu amor." Ele tornou a olhar para Será.

— McIver tem um encontro esta manhã com um alto funcionário do governo, então, com um pouco de sorte, talvez ele consiga resolver isso. Ele disse que nos mandaria uma mensagem assim que voltasse. O seu rádio está funcionando?

Será deu de ombros.

— Como sempre: de vez em quando.

— Se eu souber de alguma coisa, mandarei um recado para você, ou hoje à noite ou amanhã bem cedo. Espero que tudo não passe de uma tempestade num balde de merda. Mas se tivermos que dar o fora, McIver mandou que eu ficasse temporariamente perto de Kowiss. Não há nenhuma maneira de atender vocês de lá. O que você acha?

— Se você for obrigado a sair, nós vamos ter que evacuar o campo. Você vai ter que nos transportar para Shiraz. Há um QG da companhia lá. Eles podem nos alojar lá ou mandar-nos para fora até podermos voltar. Madona, seriam onze bases fechadas, com dois turnos.

— Nós podemos usar os dois 212, não se preocupe.

— É muita coisa, Tom. — Será estava muito preocupado. — Não há nenhuma maneira de fechar e retirar os homens em 48 horas. Não há jeito.

— Talvez não seja necessário. Vamos torcer. — Lochart levantou-se.

— Se tivermos que evacuar, a maioria do pessoal vai ficar contente. Nós não temos nenhuma substituição há várias semanas e eles estão com as licenças vencidas. — Será levantou-se e olhou pela janela. Podia-se ver o sol da tarde brilhando no pico que ficava sobre a plataforma Bellissima. — Você soube do ótimo trabalho que Scot fez, com Pietro?

— Sim. Os rapazes o chamam de Pietro Bombardeiro agora. Sinto muito sobre Mario Guineppa.

— Chesarà, sara! Os médicos são todos stronzi. Ele fez um exame no mês passado. Estava perfeito. Stronzo! — o italiano olhou-o com atenção. — O que há, Tom?

— Nada.

— Como estava Teerã?

— Nada bom.

— Scot disse-lhe alguma coisa que eu não saiba?

— O motivo para as ordens do komiteh'! Não, não disse. Talvez eu consiga arrancar alguma coisa de Nitchak Khan. — Lochart trocou um aperto de mão com ele e saiu. Depois que decolou, ele pensou na história que Scot tinha contado a ele, Jean-Luc e Jesper sobre o que havia acontecido na aldeia depois que o komiteh condenou Nitchak Khan à morte:

— Assim que eles levaram Nitchak Khan para fora da escola e eu fiquei sozinho, pulei pela janela dos fundos e corri para a floresta o mais silenciosamente possível. Uns dois minutos depois, eu ouvi uma porção de tiros e voltei correndo para a base, o mais depressa que pude. Devo admitir que estava morto de medo. Isso levou um bom tempo, a maldita neve tem montes de mais de três metros de altura. Não muito tempo depois de eu ter chegado, Nitchak Khan e o mulá e alguns dos aldeões apareceram. Meu Deus, eu fiquei tão aliviado! Eu estava certo de que Nitchak e o mulá tinham sido fuzilados e acho que eles também ficaram aliviados, porque me olharam com os olhos arregalados, pensando que eu também estivesse morto.

— Por quê? — Tom tinha perguntado.

— Nitchak disse que pouco antes do komiteh ir embora eles tocaram fogo na escola, supostamente comigo ainda lá dentro. E disse que eles tinham ordenado que todos os estrangeiros saíssem de Zagros. Todo mundo, mas principalmente nós, com os nossos helicópteros, no máximo até amanhã à noite.

Lochart olhava a terra lá embaixo, a base não ficava muito longe dali, com a aldeia nas suas proximidades. O sol da tarde descia por trás das montanhas. Havia bastante claridade, mas não havia mais sol para esquentá-los. Um pouco antes dele ter saído com Jesper para a plataforma Rosa, quando não havia ninguém por perto, Scot tinha contado a ele o que tinha realmente acontecido.

— Eu vi tudo, Tom. Eu não fugi na hora em que disse que tinha fugido. Eu não tive coragem de contar a ninguém mas eu estava espiando pela janela da escola, apavorado, e vi tudo. Tudo aconteceu tão depressa. Meu Deus, você devia ter visto a mulher do velho Nitchak com o rifle, parecia uma tigresa. E dura! Ela atirou na barriga do Faixa Verde, então deixou ele gritar um pouco e... baanggg! acabou com ele. Aposto que foi ela quem atirou no primeiro filho da mãe, o líder, quem quer que ele fosse. Nunca vi uma mulher como aquela, nunca pensei que ela fosse assim.

— E quanto a Nasiri?

— Nasiri não teve nenhuma chance. Saiu correndo e eles o mataram. Tenho certeza que eles o mataram porque ele era uma testemunha e não era da aldeia. Isso me fez criar coragem e pôr as pernas para trabalhar, eu pulei a janela como disse e quando Nitchak apareceu aqui, eu fingi acreditar na história dele. Mas eu juro por Deus, Tom, todos aqueles filhos da mãe do komiteh estavam mortos quando eu saí da aldeia, então Nitchak deve ter ordenado que pusessem fogo na escola.

— Nitchak Khan não faria isto, não com você lá dentro. Alguém deve ter visto você sair.

— Espero que você esteja errado porque então eu sou uma ameaça viva para a aldeia, a única testemunha

Lochart pousou e caminhou até a aldeia. Ele foi sozinho. Nitchak Khan e o mulá esperavam por ele no café, conforme fora combinado. E muitos aldeões, mas nenhuma mulher. O café era o lugar das reuniões, uma choupana de um só cômodo feita de troncos de madeira e pau a pique com um telhado inclinado e uma chaminé primitiva, com as vigas pretas de anos de fumaça. Havia grossos tapetes para a pessoa sentar.

— Salaam, calênder, que a paz esteja com você — disse Lochart, usando o título honorífico para dar a entender que Nitchak Khan era também o líder da base.

— Que a paz esteja com você, calênder dos Homens Voadores — o velho disse educadamente. Lochart sentiu a bofetada e viu que não havia nada da amizade dos velhos tempos nos olhos dele. — Por favor, sente-se e esteja à vontade. Sua viagem foi proveitosa?

— Como Deus quiser. Eu senti falta da minha casa aqui em Zagros e dos meus amigos de Zagros. O senhor é abençoado por Deus, calênder. — Lochart sentou-se no tapete desconfortável e trocou as intermináveis gentilezas, esperando que Nitchak Khan permitisse que ele fosse diretamente ao assunto. A sala era claustrofóbica e tinha um cheiro rançoso, o ar estava pesado com o cheiro das pessoas, de cabras e carneiros. Os outros homens observavam silenciosamente.

— O que traz Vossa Excelência até a aldeia? — perguntou Nitchak Khan e uma onda de expectativa passou por ele.

— Eu fiquei chocado quando soube que estranhos vieram até a nossa aldeia e tiveram a impertinência de pôr as mãos no senhor.

— Como Deus quiser. — Nitchak Khan apertou ligeiramente os olhos.

— Os estranhos vieram à nossa aldeia mas foram embora deixando-a como ela sempre foi. O seu acampamento, infelizmente, não será mais o mesmo.

— Mas por quê, calênder? Nós temos sido bons para a aldeia e empregamos muita gente do seu povo...

— Não cabe a mim questionar o nosso governo nem os komitehs do nosso governo ou o nosso Comandante do Povo, o próprio aiatolá. O jovem piloto viu e ouviu, então não resta mais nada a dizer.

Lochart percebeu a armadilha.

— O jovem piloto só viu e ouviu o que aconteceu na escola, calênder. Eu peço que nós, como hóspedes antigos e conhecidos — ele escolheu cuidadosamente as palavras —, que nós tenhamos tempo de procurar mudar uma ordem que parece ir contra os interesses de Zagros.

— Zagros se estende por mil quilômetros e atravessa as terras dos kash 'kai, entra na terra dos Bakhtiari e de mais uma centena de tribos. Yazdek é Yazdek

— Nitchak falou asperamente, e depois citou o Rubãiyãt: — "Entregue o seu corpo ao destino e suporte a dor, / Porque o que a Pena escreveu para você, / Ela não vai apagar."

— É verdade, mas Ornar Khayyám escreveu também: "A bondade e a maldade que estão no coração do homem, / A alegria e a dor que são a nossa sorte e o nosso destino, / Não se opõem à roda do paraíso porque, à luz da razão, / A roda é mil vezes mais impotente que você."

Um murmúrio correu entre os aldeões. O velho mulá balançou a cabeça, satisfeito e não disse nada. Os olhos de Nitchak Khan sorriram embora sua boca não, e Lochart soube que o encontro iria melhorar agora. Ele abençoou Xarazade que abrira os seus olhos, seus ouvidos e seus sentidos para o Rubãiyãt que, em farsi, possuía enorme beleza.

Todo mundo esperou. Nitchak Khan coçou a barba, pôs a mão no bolso e encontrou uma carteira de cigarros. Lochart, como quem não quer nada, apresentou o pishkesh, um isqueiro Dunhill folheado a ouro que tinha comprado de Effer Jordon exatamente para isso: "Effer, eu mato você se ele não funcionar logo da primeira vez!" Ele acariciou a pedra. O pavio acendeu e ele tornou a respirar. Sua mão estava bem firme quando ele se inclinou e ofereceu fogo ao velho.

Nitchak Khan hesitou, depois acendeu o cigarro e deu uma longa tragada.

— Obrigado. — Seus olhos se estreitaram quando Lochart pôs o isqueiro no tapete em frente a ele.

— Talvez o senhor pudesse aceitar este presente de todos nós do campo, que estamos gratos pela sua orientação e pela sua proteção. Afinal, o senhor não arrombou os portões e tomou posse da base em nome do povo? O senhor não venceu a corrida de tobogã, derrotando o melhor dos nossos corredores, por causa da sua coragem?

Outro murmúrio percorreu os aldeões, todos esperavam, cheios de contentamento pelo acirramento da disputa, embora todos soubessem que o infiel só falara a verdade. O silêncio cresceu, então o khan esticou a mão e apanhou o isqueiro e examinou-o atentamente. O seu polegar retorcido levantou a tampa como ele havia visto outros fazerem no acampamento. Com um pequeno movimento, o isqueiro acendeu logo da primeira vez e todo mundo ficou tão contente quanto ele pela qualidade do pishkesh,

— Qual a orientação que Vossa Excelência precisa?

— Nada em particular, caiênder Excelência — disse Lochart, em tom desgostoso, prosseguindo com o jogo de acordo com os costumes.

— Mas deve haver alguma coisa que poderia melhorar o grupo de Vossa Excelência? — O velho apagou o cigarro no chão.

Finalmente Lochart deixou-se convencer.

— Bem, já que Vossa Excelência tem a bondade de perguntar, se Vossa Excelência pudesse interceder por nós no komiteh, para que este nos dê um pouco mais de tempo, eu ficaria muito agradecido. Vossa Excelência, que conhece estas montanhas como o fundo do seu próprio prato, sabe que não podemos cumprir ordens de estranhos que obviamente não sabem que não podemos tirar todo o pessoal das plataformas, nem salvaguardar as plataformas, a propriedade que o ramo ilustre dos kash'kai, os Yazdek, possuem em Zagros, nem tirar todas as nossas máquinas e peças até amanhã ao pôr-do-sol.

— É verdade, os estranhos não sabem de nada — disse Nitchak Khan, satisfeito. Sim, ele pensou, os estranhos não entendem nada e aqueles cães que ousaram tentar implantar seus sujos costumes estrangeiros foram rapidamente punidos por Deus. — Talvez o komiteh possa conceder mais um dia.

— Isto seria mais do que eu ousaria pedir. Mas, caiênder, isto não seria o bastante para mostrar-lhes como eles sabem pouco sobre o seu Zagros. Talvez eles precisem de uma lição. Eles deveriam dar pelo menos duas semanas. Afinal de contas, o senhor é o caiênder de Yazdek e de todas as 11 plataformas e todo o Zagros conhece Nitchak Khan, Nitchak Khan ficou muito orgulhoso e também os aldeões, que se deixaram levar pela lógica do infiel. O khan apanhou o seu cigarro e o seu isqueiro. Este acendeu na primeira tentativa.

— Duas semanas — disse, e todo mundo ficou muito satisfeito, inclusive Lochart. Então ele acrescentou, para dar a si mesmo tempo para pensar se duas semanas não seria tempo demais: — Eu vou mandar um mensageiro solicitando duas semanas.

Lochart levantou-se e agradeceu profusamente ao khan. Duas semanas dariam tempo a McIver. Do lado de fora, o ar tinha gosto de vinho e ele encheu os pulmões agradecido, feliz com a maneira pela qual conduzira a delicada negociação.

— Salaam, Nitchak Khan, que a paz esteja com você.

— E com você também.

Do outro lado da praça ficava a mesquita e ao lado dela, as ruínas da escola. Do outro lado da mesquita ficava a casa de dois andares de Nitchak Khan e, na porta, estavam sua mulher e dois dos seus filhos junto com outras mulheres da aldeia, também usando roupas coloridas.

— Por que a escola foi queimada, calênder?

— Ouvimos um dos homens do komiteh dizer: "Assim deve terminar tudo o que for estrangeiro. Assim vai desaparecer a base e tudo o que ela contém. Nós não precisamos de estrangeiros aqui, não queremos nenhum estrangeiro aqui."

Lochart ficou triste. Isto é o que a maioria de vocês acredita, se não todos, pensou. E no entanto, muitos dentre nós tentam fazer parte do Irã, falar a língua, desejam ser aceitos, mas nunca o serão. Então por que ficamos, por que tentamos? Talvez pela mesma razão pela qual Alexandre, o Grande, ficou, por que ele e dez mil dos seus oficiais se casaram com mulheres iranianas numa única grande cerimônia. Porque existe uma magia nelas e no Irã que é indefinível, totalmente obsessiva, que consome como eu estou sendo consumido.

As mulheres que estavam cercando a esposa de Nitchak Khan deram uma gargalhada por algo que ela dissera.

— É melhor quando as esposas estão felizes, não? Elas são um presente de Deus para os homens, hein? — disse o khan, jovialmente.

Lochart concordou, pensando na sorte fantástica que Nitchak Khan tivera e no presente de Deus que era a sua esposa — como Xarazade para ele e, pensando nela, mais uma vez o horror da noite anterior tomou conta dele, o seu terror de quase tê-la perdido, sua loucura e tristeza, depois ter que bater nela e ver as marcas, quando tudo o que ele queria era a felicidade dela neste mundo e no outro, se houvesse um outro.

— E que sorte a minha por Deus tê-la feito uma atiradora tão boa, hein?

— Sim — disse Lochart, sem pensar. Ele sentiu um frio no estômago e xingou a si mesmo por ter deixado a sua mente divagar. Ele viu os olhos astutos observando-o e acrescentou apressadamente: — Atiradora? A sua mulher é uma boa atiradora? Por favor, desculpe-me, Excelência, eu não ouvi direito. O senhor quis dizer com um rifle?

O velho não disse nada, apenas examinou-o e depois balançou a cabeça Pensativamente. Lochart manteve o olhar firme e tornou a olhar para o outro lado da praça, imaginando se teria sido uma cilada proposital.

— Ouvi dizer que muitas mulheres kash 'kai sabem usar um rifle. Parece que, ahn, que Deus o abençoou de muitas maneiras, calênder.

Depois de alguns momentos Nitchak Khan disse:

— Eu mando avisar a você amanhã, quanto tempo mais o komiteh permite. Que a paz esteja com você.

Ao voltar para a base, Lochart perguntou a si mesmo: Será que eu caí numa armadilha? Se a observação foi involuntária, feita por causa do orgulho que ele sente dela, então talvez, talvez nós estejamos seguros e Scot esteja seguro. De qualquer modo, nós temos tempo — nós talvez tenhamos, mas Scot talvez não tenha.

O sol já tinha ido embora daquela parte do platô e a temperatura caíra rapidamente para abaixo de zero outra vez. O frio ajudou a clarear-lhe a mente mas não eliminou sua ansiedade nem venceu o cansaço.

Uma semana, duas semanas ou alguns dias, você não tem muito tempo, pensou. Em Teerã, McIver contara a ele que conseguira licenças de saída para três 212, para irem para Al Shargaz para 'reparos'.

— Tom, eu vou mandar um dos seus, um daqui, e um de Kowiss. E de lá para a Nigéria, mas pelo amor de Deus, guarde esta parte para você. Aqui estão os papéis de saída datados da próxima quarta-feira. Eu acho que você mesmo deveria ir e dar o fora enquanto pode. Você pode sair e ficar em Al Shargaz. Há muitos pilotos lá para levar adiante os 212.

Mac simplesmente não compreende, pensou. Ele saiu do meio das árvores e avistou a base, Scot e Jean-Luc esperando por ele ao lado de um 212.

Eu vou mandar Scot no helicóptero de carga aconteça o que acontecer, pensou Lochart, e tendo tomado a decisão, ficou um pouco menos preocupado. A decisão mais importante é: começamos a evacuar ou não? Para decidir isso, você tem que decidir até onde pode confiar em Nitchak Khan. Não se pode confiar muito, de jeito nenhum.


38


NO QG DO SERVIÇO SECRETO: 18:42H. Fazia menos de 23 horas desde que Rakoczy fora capturado, mas ele já estava vencido e balbuciava o terceiro nível — a verdade. Os primeiros dois níveis foram camuflagens compostas de verdades parciais ensaiadas repetidas vezes por todos os agentes profissionais até que estivessem embebidas em seus subconscientes, na esperança de que essas meias-verdades desviassem a atenção dos inquiridores, evitando que eles cai/assem mais fundo, ou fazendo-os acreditar que tinham descoberto toda a verdade. Infelizmente para Rakoczy, os seus inquiridores eram especialistas e estavam ansiosos para irem ainda mais a fundo. O problema deles era evitar que a tortura o matasse antes. O problema de Rakoczy era como morrer rapidamente.

Quando ele fora apanhado na noite anterior, tinha imediatamente tentado morder a ponta do colarinho onde estava costurado o frasco de veneno — uma ação reflexa. Mas os seus captores tinham previsto isso, mantendo sua cabeça para trás enquanto lhe davam clorofórmio, depois o despiram cuidadosamente, procuraram algum dente falso de veneno em sua boca e examinaram o seu ânus para ver se havia alguma cápsula

Ele tinha esperado apanhar e ter que tomar drogas psicodélicas:

— Se eles usarem isso em você, capitão Mzytryk, você está acabado — disseram seus professores. — Não há muito a fazer exceto tentar morrer antes de revelar os segredos. É melhor morrer antes que eles acabem com você. Nunca se esqueça de que nós o vingaremos. Podemos esperar cinqüenta anos, mas apanharemos aqueles que o traíram.

Mas ele não tinha esperado o grau de agonia a que eles o levaram tão depressa, nem as coisas inenarráveis que haviam feito com ele, enfiando-lhe eletrodos no nariz, boca, estômago, reto, nos seus testículos e globos oculares — com injeções que o faziam dormir, que o faziam acordar, com poucos minutos de intervalo entre sono e vigília, sono e vigília, desorientado, de cabeça para baixo, do lado avesso.

— Pelo amor de Deus, Hashemi — dissera Robert Armstrong, enojado, logo no início — por que vocês simplesmente não lhe dão o soro da verdade, vocês têm estas drogas, não há necessidade de toda essa merda.

O coronel Hashemi Fazir tinha dado de ombros.

— Um pouco de crueldade faz bem à alma. Por Alá, você viu os arquivos, você viu o que a KGB fez com alguns dos nossos cidadãos que nem mesmo eram espiões?

— Isso não é desculpa.

— Nós precisamos desta informação depressa, por Deus. Nós precisamos alcançar o terceiro nível que você está sempre repisando. Eu não tenho tempo para a sua ética distorcida, Robert. Se você não quiser ficar, saia.

Armstrong tinha ficado. Ele tinha tapado os ouvidos para não ouvir os gritos, odiando aquela brutalidade. Não há mais necessidade disso hoje em dia, ele dissera para si mesmo, sabendo que ele já teria morrido há muito tempo.

Ele observou os dois homens através do espelho de uma só face enquanto eles trabalhavam em Rakoczy na câmara pequena e bem equipada, sentindo pena dele de uma certa forma — afinal, Rakoczy era um profissional como ele, um homem corajoso que tinha resistido de uma forma extraordinária.

Repentinamente os gritos cessaram e Rakoczy estava outra vez inerte. Hashemi falou no microfone que estava ligado aos fones do homem lá embaixo.

— Ele está morto? Eu disse a vocês, seus cães estúpidos, para terem cuidado.

Um dos dois homens era um médico. Os fones que ele usava cortavam todos os sons exceto as instruções dos inquiridores. Irritado, ele ergueu as pálpebras de Rakoczy e examinou os seus olhos, e com o estetoscópio ouviu o seu coração.

— Ele está vivo, coronel. Ele... ainda há uma forma de lidar com ele.

— Dê-lhe cinco minutos e depois acorde-o. E não o mate até que eu mande. — Furioso, Hashemi desligou o microfone e xingou o homem. — Não quero ele morto agora que estamos tão perto de saber de tudo. — Ele olhou para Armstrong, com os olhos brilhando. — Ele é o melhor que já tivemos, hein? Por Deus, Robert, ele é uma mina de ouro.

Rakoczy já balbuciara as suas duas camuflagens há muito tempo atrás e depois o seu nome verdadeiro, o seu número na KGB, onde tinha sido educado, onde tinha nascido, se casado, onde morava, seus superiores em Tbilisi, o seu envolvimento no Irã, o Tudeh, os mujhadins, como e onde eles apoiaram o movimento de independência dos curdos, quem eram os seus contatos.

— Quem é o agente principal da KGB no Azerbeijão?

— Eu... pare por favor... por favor pareeee... é Abdullah Khan de Tabriz. .. ele, só ele de importância e ele... ele era... ele é para ser o primeiro presidente quando o Azer... Azerbeijão se tornar independente mas agora ele ficou importante demais e inde... independente então... então ele agora é uma Seção 16/a...

— Você não está nos dizendo toda a verdade. Dêem-lhe uma lição!

— Oh eu estoueuestouporfavor...

Depois tornando a reanimá-lo e mais uma vez ele balbuciando, a respeito de Ibrahim Kyabi, do pai de Ibrahim, do mulá Kowissi, quem eram os líderes estudantis do Tudeh, sobre a sua própria esposa, seu pai e onde ele morava em Tbilisi, e sobre seu avô que esteve na polícia secreta do czar antes de ser membro fundador da Cheka, depois GPU, NKVD e finalmente KGB — fundada em 1954 por Kruchev depois de Beria ter sido fuzilado como espião ocidental.

— Você acredita que Beria era um espião nosso, Mzytryk?

— Sim... sim... ele era, a KGB tem provas oh sim... por favor paree... pareeee eu vou contar tudoooo...

— Como eles poderiam ter provas dessa mentira?

— Sim, era uma mentira mas nós tínhamos que acreditar nisso... nós tínhamos tínhamos tínhamos... por favor pareeeee eu implorooooo...

— Parem de machucá-lo, seus demônios. — A voz de Armstrong veio como uma deixa. — Não há necessidade de machucá-lo se ele está cooperando... quantas vezes eu preciso repetir! Enquanto ele estiver dizendo a verdade não toquem nele. Dêem-lhe um copo d'água. Agora, Mzytryk, conte-nos o que sabe sobre Gregor Suslev.

— Ele... ele é um espião, eu acho.

— Você não está dizendo a verdade! — Hashemi berrou com ele. — Dêem-lhe uma lição!

— Não... não... por favor pare pelo amor de Deus pareeee... ele ele é Petr Oleg Mzytryk, meu pai meu pai... Suslev era o seu nome falso no Extremo Oriente perto de Vlad... Vladivostok e o outro nome falso era Brodnin... e e e ele mora em em Tbilisi e é conselheiro-chefe para assuntos iranianos e supervisor de Abdullah Abdullah Khan...

— Você está mentindo de novo. Como você poderia saber de todos esses segredos? Dêem-lhe uma li...

— Por favor, não, eu juroooo que não estou mentindo eu... li o seu dossiê secreto e sei que é verdade... Brodnin foi o último e então ele... Alá me ajudeeee... — Mais uma vez ele desmaiou. Mais uma vez eles o reanimaram.

— E como Abdullah Khan entra em contato com o seu supervisor?

— Ele... meu... eles se encontram sempre que... às vezes na... na fazenda, às vezes em Tabriz...

— Em que lugar em Tabriz?

— No... no palácio do khan...

— Como eles marcam o encontro?

— Por código... telex em código de Teerã... do QG...

— Que código?

— O... G16...G16...

— Qual é o nome de código de Abdullah Khan?

— Ivanovitch.

— E do seu supervisor? — Armstrong teve o cuidado de não perturbar o prisioneiro impotente fazendo-o lembrar que tinha traído o pai.

— Ali... Ali Khoy...

— Quem eram os contatos de Brodnin?

— Eu... eu não... eu não me lembro...

— Ajudem-no a lembrar-se!

— Por favorporfavor oh Deus oh Deus espere deixe-me pensar eu não consigo me lembrar era era... espere ele me disse que havia que havia três... era algo parecido com uma cor uma cor... espere, sim, Grey sim era Grey... e o outro era e o outro era Broad alguma coisa... Broad alguma coisa... eu acho que era Julan Broad alguma coisa...

— Quem mais? — perguntou Armstrong, disfarçando o seu choque. — O terceiro?

— Eu... não consigo me lem... não espereeee deixe-me pensarrrr... havia havia um outro... ele me disse que havia ele me contou sobre quatro... sobre quatro... um... um era... Ted... Ever... Ever alguma coisa... Everly e havia um outro... se... eu... por favorrr deixe-me pensar e era era Peter... não Percy... Percy Smedley sim Smedey Tailler ou Smidley...

A cor fugiu do rosto de Armstrong.

— ... foi só isso foi só isso que ele ele me contou...

— Diga-nos tudo o que sabe sobre Roger Crosse! Nenhuma resposta.

Pelo espelho eles viram o homem se contorcendo na mesa de operações, debatendo-se contra os fios enquanto sofria mais um castigo e, misturadas com os gemidos as palavras tornaram a jorrar:

— Ele ele... pareeee ele era era chefe não chefe-adjunto do MI6 e foi quase o nosso agente secreto inglês mais importante por por... vinte anos ou mais e... e Brodnin Brod meu pai descobriu que ele era um agente duplo... triplo e ordenou-lhe Seção 16/a... Crosse nos enganou durante anos enganou enganou...

— Quem deu a dica para Brodnin a respeito de Crosse?

— Eunãosei eu juroquenãosei eu não posso saber tudo saber tudo só o que estava no dossiê e e o que ele me contou...

— Quem era o supervisor de Roger Crosse?

— Eu não sei, não sei, como eu poderia saber eu só sei o que li escondido no dossiê do meu pai... vocês têm que acreditar em mimmmm...

— Conte-me tudo o que havia no dossiê — disse Hashemi, tão interessado agora quanto Armstrong.

Eles ouviram, separando as palavras dos gritos. Às vezes uma mistura quase incoerente de russo e farsi enquanto Rakoczy continuava a produzir mais nomes e endereços e disfarces e postos em resposta às suas perguntas, com a memória estimulada por novos níveis de dor, até que ficou vazio e repetitivo e confuso, e sem valor. Então, misturado com as palavras sem sentido veio.

— Pah... mud... Pah... mudi...

— O que é que tem Pahmudi? — perguntou Hashemi, abruptamente.

— Eu... ele... me ajudou...

— O que é que tem Pahmudi? Ele é um agente soviético? Agora só havia palavras incoerentes, choro e confusão.

— É melhor dar-lhe um descanso, Hashemi. A memória dele é boa demais para ser destruída. Nós podemos saber o que Pahmudi significa amanhã e rever as informações. — Armstrong também estava esgotado, secretamente maravilhado com as informações que Rakoczy tinha fornecido. — Eu aconselho um período de descanso, deixe-o dormir por umas cinco horas, depois podemos recomeçar.

Na câmara, os dois homens aguardavam instruções. O médico consultou o relógio. Ele estava naquilo há seis horas, sem descanso, suas costas doíam e também a sua cabeça. Mas ele era um especialista da Savak há muito tempo e estava muito satisfeito por ter levado Rakoczy ao nível da verdade sem drogas. Ateu filho da mãe! Ele pensou com nojo.

— Deixem-no dormir por quatro horas, depois vamos recomeçar — ouviu-se pelo alto-falante.

— Sim, coronel. Muito bem. — Ele examinou os olhos debaixo das pálpebras, depois disse cuidadosamente para o seu assistente, que era surdo-mudo mas podia ler lábios: — Deixe-o como está. Vai poupar tempo quando voltarmos. Ele vai precisar de uma injeção para acordar. — O homem balançou a cabeça e, quando a porta foi aberta pelo lado de fora, os dois homens saíram.

No quarto por trás do espelho o ar estava seco e enfumaçado.

— E quanto a Pahmudi.

— Ele tem que estar ligado com Mzytryk, Petr Oleg. — Armstrong estava repassando as informações de Rakoczy, fascinado.

Hashemi tirou os olhos do homem que estava deitado na mesa e desligou o gravador, apertando o botão de reenrolar. Numa gaveta entreaberta, havia mais sete fitas cassete.

— Posso ter cópias? — Armstrong perguntou.

— Por que não? Os olhos de Hashemi estavam vermelhos e já havia uma sombra de barba no seu rosto embora ele se tivesse barbeado há poucas horas.

— O que havia de tão importante sobre Brodnin e aqueles outros nomes, Grey, Julan Brod alguma coisa, Ted Ever alguma coisa e Percy Smedley ou Smidley Tailler?

Armstrong levantou-se para aliviar a dor no ombro e também para ter tempo para pensar.

— Brodnin era um homem de negócios soviético, da KGB, mas um agente duplo nosso. Nunca houve nenhuma suspeita de que ele nos estivesse enganando. Julan Broad alguma coisa tem que ser Julian Broadhurst. Nós nunca soubemos de nada sobre ele, nunca houve nenhum boato, nada. Ele é um líder da Sociedade Fabian, um membro altamente respeitado do partido trabalhista, com livre entrada no gabinete, conselheiro e confidente de primeiros-ministros.

— E acrescentou aborrecido: Patriota.

— Então agora você o tem nas mãos. Traidor. Então ponha-o numa mesa por algumas horas, tire tudo dele e depois afogue-o no Tâmisa. Grey?

— Lord Grey, agitador da esquerda, ex-sindicalista, líder fanático do grupo anti-China e anti-Hong Kong, educadamente anticomunista, mandado para a Câmara dos Lordes há alguns anos para criar mais confusão. Nós fizemos uma investigação sobre ele há alguns anos, mas ele saiu limpo. Nada exceto a sua política. — Meu Deus, Armstrong estava pensando, se ambos são espiões e traidores, e se pudermos provar, isso destroçaria o Partido Trabalhista, sem falar na explosão que Percy causaria nos Conservadores. Mas como provar e continuar vivo? — Nós nunca tivemos nada contra ele.

— Então agora você o tem nas mãos também. Traidor. Tire tudo dele e mate-o. Ted Ever alguma coisa?

— Everly — menino de ouro da TUC sendo preparado para o gabinete. Impecável político centrista. Nunca houve nem um cheiro de cor-de-rosa, quanto mais de comunista.

— Agora você o tem nas mãos. Torture-o. Smedley ou Smidley Tailler?

Robert Armstrong ofereceu-lhe um cigarro. Percy Smedley-Taylor: nobreza rural, rico, Trinity College... um anormal apolítico que consegue manter as suas aberrações fora da imprensa quando é apanhado. Conhecido crítico de dança, editor de revistas eruditas, com ligações impecáveis e intocáveis com as fontes mais altas e mais delicadas do poder inglês. Cristo todo-poderoso, se ele é um espião soviético... É impossível! Não seja idiota, você já está nisso há muitos anos, conhece segredos demais para se surpreender com alguém.

— Não significa nada, mas eu vou checá-lo, Hashemi — ele disse, sem querer dividir o que sabia até que tivesse resolvido o que fazer.

O gravador desligou quando acabou de reenrolar a fita. Hashemi tirou-a, colocou-a junto com as outras na gaveta de baixo e trancou-a cuidadosamente.

— Então lide com eles à nossa maneira: envie um emissário até eles, Robert, eles e seus nojentos amigos importantes. Eles lhe darão suficiente pishkesh para compensar a sua falta de pensão. — Hashemi riu alegremente, inserindo uma outra fita. — Mas não vá pessoalmente ou acabará numa travessa com uma faca nas costas ou veneno na cerveja. Esses filhos da mãe importantes são todos iguais. — Ele estava muito cansado, mas a sua excitação com todo o maravilhoso conhecimento que Rakoczy proporcionara a eles espantou-lhe o sono. — Nós já tiramos dele o suficiente para dinamitar o Tudeh, controlar os curdos, impedir a insurreição no Azerbeijão, colocar Teerã em segurança, Kowiss em segurança, e fortalecer Khomeini no poder, disse para si mesmo.

— É isso o que você quer? E quanto a Abrim Pahmudi? O rosto de Hashemi ficou sombrio.

— Que Alá me deixe lidar com ele convenientemente! Rakoczy me deu uma chave de ouro, talvez até mesmo para chegar a ele. — E olhou para Armstrong. — De ouro para você também, hein? Este Suslev, Petr Oleg, que assassinou o grande Roger Crosse, hein?

— Sim. Você também. Agora você sabe quem é o seu maior inimigo.

— O que significa Mzytryk, este Suslev, para você?

— Eu tive um pega com ele há anos, em Hong Kong. — Armstrong tomou um gole de café frio, atirando a isca. — Ele podia fornecer a você, e a mim, mais ouro do que o filho. Ele podia entregar Abrim Pahmudi e entregar, Deus sabe a quem mais. Talvez o Komiteh Revolucionário? Eu faria qualquer coisa para tirar informações de Suslev. Como podemos conseguir isto?

Hashemi desviou a atenção de Pahmudi e colocou-a de volta no perigo que estavam correndo ele e sua família

— Em troca você me arranja um passaporte britânico, uma maneira segura de sair e uma pensão substancial, caso eu precise?

Armstrong estendeu a mão.

— Feito — disse ele.

Os dois homens apertaram-se as mãos, nenhum deles acreditando que aquele gesto tivesse qualquer outro valor além da delicadeza, ambos sabendo que cumpririam a promessa se pudessem, mas só se fosse em proveito próprio.

— Se o pegarmos, Robert, eu controlo o interrogatório e pergunto o que quiser primeiro.

— É claro, você é o chefe. — Armstrong disfarçou o seu contentamento.

— Você seria capaz de apanhá-lo?

— Talvez eu pudesse convencer Abdullah Khan de arranjar um encontro deste lado da fronteira. Rakoczy já nos disse o suficiente sobre ele para fazê-lo contorcer-se, embora tenhamos que ser cautelosos... ele é um dos nossos melhores agentes também.

— Fale sobre a Seção 16/a. Aposto que ele não sabe que foi traído. Hashemi concordou.

— Se conseguirmos fazer Petr Oleg atravessar a fronteira, não há necessidade de trazê-lo para cá. Nós podemos tratar dele no nosso posto em Tabriz.

— Eu não sabia que vocês tinham um posto lá.

— Há um monte de coisas que você não sabe sobre o Irã, Robert. — Hashemi apagou o cigarro. Quanto tempo ainda me resta? ele pensou nervosamente, totalmente desacostumado a se sentir como a caça e não como o caçador.

— Pensando bem, dê-me o passaporte amanhã.

— Quanto tempo você vai levar para 'convencer' Abdullah Khan?

— Nós vamos ter que agir com cuidado. Aquele desgraçado é todo-poderoso no Azerbeijão. — Ambos olharam para Rakoczy, que se mexeu, gemeu e tornou a mergulhar no seu pesadelo. — Temos que ter muito cuidado.

— Quando?

— Amanhã. Assim que terminarmos com Rakoczy, visitaremos Abdullah. Você providencia o avião, ou helicóptero. Você está em bons termos com a CHI, não está?

Armstrong sorriu.

— Você sabe de tudo, não?

— Só a respeito do que acontece em Teerã, dos assuntos islâmicos e iranianos.

Hashemi ficou imaginando o que McIver e os outros estrangeiros que trabalhavam com petróleo fariam se soubessem que o ministro interino Ali Kia, recentemente nomeado para o conselho da ATC, tinha, há poucos dias, recomendado a nacionalização imediata de todas as companhias estrangeiras ligadas ao petróleo, de todos os aviões com registro iraniano, de todas as companhias de aviação, e a expulsão de todos os pilotos e empregados estrangeiros.

— E como o senhor vai atender aos campos de petróleo, ministro Excelência? — ele perguntara quando soube.

— Nós não precisamos de estrangeiros. Os nossos próprios pilotos podem atender aos nossos campos. Nós não temos centenas de pilotos que precisam provar a sua lealdade? Eu suponho que o senhor tenha arquivos secretos a respeito de todos os pilotos estrangeiros, executivos e assim por diante. O, ahn, o komiteh os está solicitando.

— Eu acho que não temos nada, Excelência. Esses arquivos foram organizados pela Savak — Hashemi dissera suavemente. — Eu suponho que o senhor saiba que essas pessoas horríveis possuem uma pasta completa sobre Vossa Excelência?

— Que pasta? Eu? Savak? Você deve estar enganado.

— Talvez. Eu nunca a li, Excelência, mas soube da sua existência. Contaram-me que ela cobre os últimos vinte anos. Talvez ela só contenha mentiras...

Ele deixara o ministro Kia muito abalado, com a promessa de que tentaria obter a pasta secretamente e entregaria a ele e tinha rido até estar de volta ao QG do Serviço Secreto. A pasta sobre Ali Kia — sua pasta — cobria mesmo vinte anos e continha provas irrefutáveis de todo o tipo de negociatas, usura, ações pró-xá, junto com práticas sexuais altamente originais — fotografadas — que fariam os conservadores fundamentalistas terem um ataque.

— Qual é a piada? — Armstrong perguntou.

— A vida, Robert. Há duas semanas eu tinha à minha disposição toda a Força Aérea, se precisasse, agora eu preciso pedir a você para arranjar um avião. Você arranja o avião, eu arranjo a licença. — E sorriu. — Você vai me entregar o passaporte britânico, perfeitamente válido, como diria Talbot, antes de decolarmos, certo?

— Certo. — Armstrong disfarçou um bocejo. — Enquanto estamos esperando, não podemos ouvir o último cassete?

Hashemi estendeu a mão para apanhar a chave, mas parou ao ouvir uma batida na porta. Demonstrando cansaço, ele se levantou e abriu-a. Sua fadiga desapareceu. Havia quatro homens do lado de fora. Um dos seus próprios homens, lívido, e três Faixas Verdes. Armados. Ele conhecia o mais velho deles.

— Salaam, general — disse polidamente, com o coração apertado. — Que a paz esteja com o senhor.

— Salaam, coronel. Que a paz esteja com o senhor. O general Janan tinha uma fisionomia dura e sua boca era uma linha. Savak. Ele olhou friamente para Armstrong, depois apanhou um papel e entregou-o a Hashemi. — Você deve entregar-me o prisioneiro Yazernov imediatamente.

Hashemi pegou o papel, agradecendo a Deus por ter arriscado tudo para capturar Rakoczy e fazê-lo chegar rapidamente ao terceiro nível. "Ao coronel Hashemi Fazir, Serviço Secreto. Urgente. Por ordem do Komiteh Revolucionário: O Departamento de Serviço Secreto está dissolvido e todo o pessoal será absorvido imediatamente por esta organização sob o comando do general Janan. O senhor está suspenso de suas funções até novas ordens. Deverá entregar imediatamente ao general Janan o prisioneiro Yazernov e todas as fitas do interrogatório. (Assinado) Abrim Pahmudi, Diretor, Savama."

— O espião ainda está no segundo nível e o senhor vai ter que esperar. É perigoso removê-lo e...

— Ele não está mais sob sua responsabilidade.

O general fez um sinal para um dos seus homens, que saiu, chamou os outros para o corredor depois desceu as escadas e entrou na câmara lá embaixo. O médico, pálido e muito nervoso, estava junto com eles. Quando os Faixas

Verdes viram o homem nu sobre a mesa, os instrumentos e a forma como ele estava cheio de fios, seus olhos faiscaram. O médico começou a tirar os fios. Lá em cima, na sala de interrogatório, Hashemi olhou para o general.

— Eu advirto, formalmente, que é perigoso removê-lo. O senhor é responsável.

— Insha'Allah. Apenas entregue-me as fitas.

Hashemi deu de ombros e destrancou a gaveta de cima e entregou-lhe as doze fitas do primeiro e do segundo nível, praticamente sem valor nenhum.

— E as outras também! Agora!

— Não há mais nenhuma.

— Abra a outra gaveta!

Mais uma vez Hashemi deu de ombros, escolheu uma chave e usou-a cuidadosamente. Ela girou corretamente. A chave punha em funcionamento o magnetizador e apagava as fitas. Só ele e Armstrong conheciam o segredo — bem como as instalações secretas dos gravadores em duplicata:

— Nunca se sabe, Hashemi, quando se pode ser traído e por quem — Armstrong dissera-lhe há anos, quando, juntos, eles haviam instalado o equipamento. — Você pode querer apagar as fitas e depois usar as fitas secretas para negociar a sua liberdade. Nunca se é cuidadoso demais num jogo desses.

Hashemi abriu a gaveta, rezando para que os dois mecanismos estivessem funcionando. Insha'Allah, pensou e entregou as oito fitas. — Estou-lhe dizendo que elas estão vazias.

— Se estiverem, aceite as minhas desculpas, se não estiverem... Insha'Allah! — O general olhou para Armstrong, com os olhos duros como pedra. — É melhor você deixar o Irã depressa. Dou-lhe um dia e uma noite pelos serviços prestados no passado.

NA CASA DE BAKRAVAN, PERTO DO BAZAR: 20:57H. Xarazade estava deitada de bruços na cama, tomando uma massagem, e gemeu de prazer enquanto a velha passava óleo nas suas manchas roxas e na pele

— Oh, tenha cuidado, Jari.

— Sim, sim, minha princesa — murmurou Jari, com as mãos fortes e suaves aliviando a dor.

Ela tinha sido babá e empregada de Xarazade desde o seu nascimento e a amamentara quando o seu próprio bebê, nascido uma semana antes, morrera. Durante dois anos ela amamentou Xarazade e depois, porque Jari era uma mulher tranqüila e gentil, agora viúva, ficara encarregada de tomar conta dela. Quando Xarazade se casou com Emir Paknouri, ela a acompanhou para a casa dele e então, quando o casamento terminou, elas voltaram para casa alegremente. Estúpido casar uma flor daquelas com um homem que preferia garotos, por mais dinheiro que ele tivesse, Jari sempre pensara assim, mas nunca dissera nada. Nunca nunca nunca. Era perigoso ir contra o chefe da casa — qualquer chefe da casa — mais ainda quando se tratava de um avarento como Jared Bakravan, pensou, nada triste por ele estar morto.

Quando Xarazade se casara pela segunda vez, Jari não fora para o apartamento. Mas isso não tinha importância, porque Xarazade passava os dias lá quando o infiel estava fora. Todos os empregados o chamavam assim e o toleravam por causa da felicidade dela, que só as mulheres compreendiam.

— Eeee, que demônios são os homens — ela disse e disfarçou um sorriso, compreendendo muito bem. Todos eles tinham ouvido os gritos e os soluços na noite passada, e embora todos soubessem que um marido tinha o direito de bater na mulher e que Deus tinha permitido que os golpes do infiel tirassem a sua senhora do seu ataque, ela própria ouvira gritos diferentes, pouco antes do amanhecer, os gritos dos dois no jardim de Deus.

Ela mesma nunca estivera lá. Outras lhe contavam como tinham sido transportadas, e Xarazade também, mas as poucas vezes que o seu marido tinha deitado com ela fora para o prazer dele e não dela. A parte dela tinha sido sofrimento e seis filhos antes dos vinte anos, sendo que quatro tinham morrido quando ainda eram bebês. Depois ele morrera, livrando-a de morrer de parto, o que ela sabia que de outro modo seria inevitável. Como Deus quiser! Oh, sim, disse a si mesma, contente, Deus me salvou e o fez morrer e agora, com toda a certeza, ele está ardendo no fogo do inferno, pois ele era um blasfemador que mal rezava uma vez por dia. Deus também me deu Xarazade!

Ela olhou para o lindo corpo macio e para os longos cabelos escuros. Eeee, disse a si mesma, que bênção ser tão jovem, tão elástica, tão disposta para fazer o trabalho de Deus por longo tempo

— Vire-se, princesa, e..

— Não, Jari, está doendo muito.

— Sim, mas eu preciso massagear os músculos do seu estômago e fortalecê-los. — Jari deu uma risadinha. — Eles precisam ficar bem fortes.

Imediatamente, Xarazade virou-se e olhou para ela, esquecendo-se da dor:

— Oh, Jari, você tem certeza?

— Só Deus pode ter certeza, princesa. Mas você alguma vez atrasou tanto? Você não está atrasada?, e atrasada também em ter um filho?

As duas mulheres riram juntas, depois Xarazade deitou-se de costas e entregou-se às mãos dela e ao futuro e ao momento feliz quando dissesse a ele: Tommy, sinto-me honrada em comunicar... não, não está bom. Tommy, Deus nos abençoou... não, assim também não está bom embora seja verdade. Se ao menos ele fosse muçulmano e iraniano, seria tão mais fácil. Oh, Deus, e Profeta de Deus, faça com que Tommy se torne muçulmano para salvá-lo do inferno, faça com que meus filhos sejam fortes e faça-os crescer para terem filhos e filhas e estes terem filhos... oh, como somos abençoados por Deus..

Ela deixou a mente divagar. A noite estava calma, ainda caía um pouco de neve e não havia muito tiroteio. Daqui a pouco eles jantariam e depois ela jogaria gamão com a prima Karim ou com Zarah, mulher do seu irmão Meshang, depois iria dormir satisfeita, tendo passado bem o dia.

De manhã, quando Jari a acordara, o sol já estava alto, e embora ela tivesse chorado um pouco por causa da dor, o óleo e a massagem a fizeram sentir-se logo aliviada. Depois veio o banho ritual e a primeira oração do dia, ajoelhada diante do pequeno altar num canto do quarto, com o seu sajadeh, a pequena tapeçaria quadrada, finamente tecida, com sua tigela de areia sagrada de Cabella e, além disso, a fileira de contas de rezar e sua cópia do Corão, lindamente decorada. Um rápido café da manhã composto de chá, pão fresco ainda quente do forno, manteiga, mel e leite, um ovo cozido como sempre — isso raramente faltava, mesmo durante os maus momentos — e depois a caminhada rápida até o bazar, de véu e chador, para ver Meshang, o seu adorado irmão.

— Oh, Meshang, meu querido, você parece tão cansado. Soube o que houve com o nosso apartamento?

— Sim, soube — respondeu taciturno, com sombras negras sob os olhos. Aqueles quatro dias desde que seu pai fora para a prisão Evin tinham-no envelhecido. — Filhos de um cão, todos eles! Mas eles não são do nosso povo. Ouvi dizer que são membros da OLP agindo em nome deste Komiteh Revolucionário. — E deu de ombros. — Seja como Deus quiser!

— Como Deus quiser, sim. Mas meu marido disse que um homem chamado Teymour, o líder, este homem disse que nós tínhamos até a hora da oração da tarde de hoje para retirar as nossas coisas.

— Sim, eu sei. Seu marido deixou um recado para mim antes de partir esta manhã para Zagros. Eu mandei Ali e Hassan e alguns outros empregados, disse a eles para fingirem ser transportadores e recolherem tudo o que pudessem.

— Oh, obrigado, Meshang, que esperteza a sua. — E ficou mais aliviada. Ela não podia nem imaginar ter que ir lá pessoalmente. Seus olhos se encheram de lágrimas. — Eu sei que é a Vontade de Deus, mas me sinto tão vazia sem papai.

— Sim, sim... eu sinto a mesma coisa... Insha'Allah.

Não havia mais nada que ele pudesse fazer. Ele fizera tudo corretamente, supervisionando a limpeza do corpo, envolvendo-o com a melhor musselina, e depois o funeral. Agora a primeira parte do luto estava terminada. No quadragésimo dia haveria outra cerimônia no cemitério quando mais uma vez eles chorariam e rasgariam suas roupas e todos estariam inconsoláveis. Mas depois, como agora, cada um deles mais uma vez retomaria o fardo da vida, havia o Shahada para ser recitado cinco vezes por dia, os Cinco Pilares do Islã para obedecer, para garantir que a pessoa fosse para o céu e não para o inferno — o único motivo importante para viver. Eu certamente irei para o paraíso, pensou com total confiança.

Eles ficaram sentados, em silêncio, na pequena sala sobre a loja que há tão pouco tempo atrás era o domínio particular de Jared Bakravan. Será que fora só há quatro dias que papai estivera lá negociando o novo empréstimo com Ali Kia — quando nós ainda tínhamos algo a oferecer — e que Paknouri entrou e todos os nossos problemas começaram? Filho de um cão! É tudo culpa dele. Ele levou os Faixas Verdes até lá. Sim, ele era uma maldição há anos. Se não fosse pela sua fraqueza, Xarazade já teria tido uns cinco ou seis filhos e nós não teríamos que aturar o infiel que nos torna alvo das zombarias dos lojistas.

Ele viu a mancha em volta do seu olho esquerdo mas não comentou nada. Esta manhã ele agradecera a Deus e concordara com sua mulher que a surra a trouxera de volta do seu ataque.

— Não há nenhum mal numa boa surra de vez em quando, Zarah — ele concluíra com prazer, e pensara: todas as mulheres precisam de uma boa surra de vez em quando, com suas constantes reclamações, choros, picuinhas, ciúmes, interferências e toda essa conversa de votação e marchas e protestos. Contra o quê? Contra as leis de Deus!

Eu nunca entenderei as mulheres. Entretanto, até o Profeta, cujo nome seja louvado, ele, o homem mais perfeito que já viveu, até ele teve problemas com as mulheres e mais dez esposas depois que Khadija, a primeira, morreu após ter-lhe dado seis filhos — que pena que nenhum dos seis filhos sobrevivesse, exceto sua filha Fátima. Mesmo depois de toda essa experiência com mulheres, está escrito que até o Profeta, até ele, tinha que se afastar de vez em quando para ter um pouco de paz.

Por que as mulheres não podem contentar-se em ficar em casa, em serem obedientes, ficarem caladas e não se meterem?

Há tanto o que fazer. Tantos fios de meada para desenrolar e descobrir, tantos segredos para revelar, contas e notas promissórias e débitos para descobrir, e tão pouco tempo. Todas as nossas propriedades roubadas, aldeias, a propriedade no mar Cáspio, casas e apartamentos e edifícios em toda Teerã — tudo o que é do conhecimento daqueles demônios! Demônios! O Komiteh Revolucionário, os mulás e os Faixas Verdes são demônios na terra. Como vou lidar com todos eles? Mas tenho que fazê-lo de algum modo. Tenho, e então, no ano que vem, farei a peregrinação a Meca.

— Seja como Deus quiser — disse e se sentiu um pouco melhor. E Deus quis que eu me encarregasse de tudo muito mais cedo do que eu esperava, muito embora eu esteja tão bem treinado quanto qualquer filho estaria para assumir um império, até mesmo o império Bakravan.

Também foi do desejo de Deus que eu já conhecesse a maioria dos segredos, revelados a mim por meu pai nos últimos anos, quando ele descobriu que podia confiar em mim, que eu era mais inteligente do que ele tinha esperado. Não fui eu que sugeri as contas numeradas na Suíça há quase sete anos, e expliquei sobre os títulos do Tesouro dos Estados Unidos, o investimento imobiliário na América, e, principalmente, sobre as Sete Irmãs? Nós fizemos milhões, e tudo a salvo desses filhos de um cão, graças a Deus! Em segurança na Suíça, em ouro, terras, ações, dólares, marcos alemães, iens e francos suíços...

Viu Xarazade olhando para ele, esperando.

— Os empregados farão tudo antes do pôr-do-sol, Xarazade, não se preocupe — disse com amor, mas desejando que ela fosse embora para que pudesse prosseguir com o seu trabalho. Mas estava na hora de tratar de outros assuntos:

— Este seu marido, ele concordou em se tornar muçulmano, não?

— Quanta gentileza a sua em se lembrar, querido Meshang. Meu marido concordou em pensar nisso — respondeu defensivamente. — Eu o tenho instruído sempre que posso.

— Ótimo. Quando ele voltar, por favor diga-lhe que venha me ver.

— Sim, é claro — ela disse imediatamente. Meshang era o chefe da família agora e, como tal, tinha que ser obedecido sem perguntas.

— O prazo de um ano e um dia já venceu, não? — O rosto de Xarazade iluminou-se.

— Sinto-me honrada em dizer-lhe, Meshang querido, que talvez Deus nos tenha abençoado. Eu estou um ou dois dias atrasada.

— Que Deus seja louvado. Isto merece ser celebrado! Papai teria ficado tão feliz. — Ele deu-lhe um tapinha na mão. — Ótimo. Agora, e quanto a ele, o seu marido? Este seria o momento perfeito para um divórcio, não?

— Não! Oh, como você pode dizer uma coisa dessas? — Ela exclamou, antes de poder controlar-se. — Oh, absolutamente não, oh, não, isto seria terrível, eu morreria, seria terr...

— Fique quieta, Xarazade! Pense! — Meshang estava estarrecido pela sua falta de educação. — Ele não é iraniano nem muçulmano, ele não tem dinheiro, não tem futuro, não merece fazer parte dos Bakravans, você não concorda?

— Sim, sim, é claro, eu... eu concordo com tudo o que você está dizendo, mas se puder dizer uma coisa... — ela falou apressadamente, mantendo os olhos baixos para disfarçar o choque, amaldiçoando-se por não ter percebido o quanto Meshang se opunha ao seu Tommy, e que, portanto, era um inimigo contra quem ela devia se proteger. Como pude ser tão estúpida e ingênua? — Eu concordo que pode haver problemas, meu querido, e concordo com tudo o que você disse... — Ela se ouviu dizendo com sua voz mais melosa, enquanto sua cabeça trabalhava na velocidade da luz, analisando, descartando, tentando fazer um plano, para agora e para o futuro, pois sem a benevolência de Meshang a vida seria muito dura. — Você é o homem mais sábio que eu conheço... mas permita-me dizer que Deus talvez o tenha posto no meu caminho, papai concordou com o nosso casamento, então até que Deus o tire do meu caminho eme...

— Mas agora eu sou o chefe da família e tudo mudou. Os aiatolás mudaram tudo — ele disse secamente. Ele jamais gostara de Lochart, ressentia-se por ele ser um infiel, a causa de todos os seus problemas passados e presentes; desprezava-o por ser um intruso e uma despesa injustificada, mas como não pudera interferir e por causa do acordo tácito do pai, ele sempre mantivera esse sentimento oculto. — Não preocupe a sua linda cabecinha, mas a revolução mudou tudo. Nós vivemos num mundo diferente, e é nessa perspectiva que eu preciso considerar o seu futuro e o futuro do seu filho.

— Você tem toda a razão, Meshang, e eu o abençôo por pensar em mim e no meu filho, como você é maravilhoso e que sorte você estar aqui para tomar conta de nós — disse, tendo recuperado o controle. E continuou a elogiar e a bajular, mostrando-se arrependida por sua falta de educação, usando toda sua astúcia, não dando a ele nenhuma indicação e desviando a conversa para outros assuntos. Então, na hora certa, ela disse:

— Eu sei que você deve estar muito ocupado. — E se levantou sorrindo. — Você e Zarah estarão em casa para o jantar? O primo Karim vem jantar, e conseguir escapar da base, não vai ser divertido? Eu não o vejo desde... — ela parou em tempo. — Pelo menos há uma semana, mas o mais importante, Meshang, é que o cozinheiro vai fazer o seu horisht favorito, exatamente do modo como você gosta.

— Oh, vai? Oh, bem, sim, sim, nós estaremos em casa. Mas diga a ele para não usar alho demais. Agora, quanto ao seu marido...

— Oh, isto me faz lembrar, querido Meshang — disse, jogando sua última cartada. Por enquanto. — Ouvi dizer que Zarah agora tem a sua permissão ara ir à Marcha das Mulheres, depois de amanhã, que bondade a sua. — Ela viu ficar vermelho e riu consigo mesma, sabendo que Zarah estava decidida ir e ele estava decidido a que ela não fosse. Sua fúria explodiu. Ela ouviu pacientemente, com os olhos inocentes, concordando de vez em quando, na hora certa.

— Meu marido concorda totalmente com você, Meshang querido — disse com o fervor apropriado. — Sim, totalmente, querido irmão, e eu vou falar com Zarah, caso ela comente alguma coisa a respeito dos seus sentimentos...

— Não que isso faça a menor diferença para ela, ou para mim, porque a esta marcha de protesto nós iremos de qualquer maneira. Ela o beijou de leve. — Até logo, meu querido, tente não trabalhar demais. Eu vou providenciar o horisht.

Então ela fora imediatamente falar com Zarah e a avisara que Meshang ainda estava furioso por causa da marcha.

— Ridículo! Todas as nossas amigas vão estar lá, Xarazade. Será que ele quer nos envergonhar diante das nossas amigas? — Juntas elas tinham feito um plano. E como a tarde já estava no fim ela correra para casa para mandar fazer o horisht.

— Exatamente como o mestre gosta e se você usar alho demais e não estiver perfeito, eu... eu vou mandar o velho Ashabageh, o adivinho, botar mau-olhado em você! Vá até o mercado e compre o melão que ele adora!

— Mas senhora, há tempo que não há melões...

— Arranje um! — gritara, batendo com os pés. — É claro que você pode conseguir um.

Depois supervisionara Jari enquanto ela arrumava todas as suas roupas e as de Tommy, derramando uma lágrima de vez em quando, não pela perda do apartamento, que ele desejara mais do que ela, mas de felicidade por estar de novo em casa. Um descanso, uma oração, depois um banho, e agora a massagem.

— Pronto, princesa — disse Jari, com os braços cansados. — Agora você deve se vestir para o jantar. O que gostaria de usar?

Ela escolhera a roupa que mais agradaria a Meshang, a saia de lã colorida e a blusa que ele admirava. Então, mais uma vez, fora verificar o horisht e o polo — a maneira iraniana de cozinhar o arroz, com uma crosta dourada de dar água na boca — e a outra especialidade de Meshang, o melão, cheiroso, suculento e perfeitamente esculpido.

Esperando por seu primo Karim Peshadi — amando-o, lembrando-se de como tinham crescido juntos, suas famílias sempre unidas, os verões nas propriedades do mar Cáspio, nadando e velejando e, no inverno, esquiando perto de Teerã, nada além de festas, bailes e alegria, Karim alto como o pai, o coronel-comandante de Kowiss, e tão bonito quanto ele. Ela sempre associava Karim àquela primeira noite de setembro em que vira o estrangeiro alto com olhos azuis-acinzentados — olhos que brilharam com o fogo celestial de que falavam os antigos poetas, no mesmo instante em que pousaram nela...

— Alteza, Sua Excelência, seu primo capitão Karim Peshadi, pede permissão para vê-la.

Ela correra alegremente para recebê-lo. Ele estava olhando por uma das janelas do menor dos salões de recepção, que tinha as paredes forradas de espelhos e as janelas seguindo um desenho artístico persa, e cuja única mobília era o tradicional sofá baixo que circundava as paredes, uns poucos centímetros para fora do tapete grosso, macio e revestido da mais fina fazenda persa — como o encosto que ficava preso nas paredes.

— Querido Karim, que bom — Ela parou. Era a primeira vez que o via desde o dia em que tinham ido juntos ao comício de Doshan Tappeh, há uma semana, e agora ele parecia um estranho. Com a pele esticada sobre as maçãs do rosto, terrivelmente pálido, com círculos negros em volta dos olhos, mal barbeado, mal vestido, quando geralmente ele se mostrava impecavelmente vestido e arrumado. — Oh, Karim, o que foi?

Os lábios dele se moveram mas não saiu nenhum som. Ele tornou a tentar.

— Papai está morto, fuzilado por crimes contra o Islã, eu fui considerado suspeito, fui suspenso e posso ser preso a qualquer momento — disse amargamente. — Quase todos os nossos amigos são suspeitos, o coronel Jabani desapareceu, acusado de traição. Você se lembra dele, o que conduziu o povo contra os Imortais e perdeu quase toda a mão numa explosão...

Apatetada, ela ficou sentada, escutando, olhando para ele.

— ...mas o pior ainda está para vir, querida Xarazade. O tio... tio Valik e Annoush e os pequenos Jalal e Setarem estão todos mortos, foram mortos tentando fugir para o Iraque num 212 civil...

Seu coração parecia que tinha parado e o pesadelo começou.

— ...eles foram interceptados e derrubados perto da fronteira do Iraque. Eu estive no QG hoje, esperando para responder às perguntas do nosso komiteh quando o telex da base de Abadan chegou — aqueles filhos de um cão do komiteh não sabem ler, então pediram-me para ler, sem saber que eu tinha ligação com Valik, que nós éramos parentes. O telex estava marcado como secreto e dizia que os generais traidores Valik e Seladi tinham sido identificados por seus documentos, encontrados nos destroços do 212, junto com outros e... e uma mulher e duas crianças... e pedia-nos para checar o helicóptero, supostamente um dos helicópteros da companhia de Tom que tinha sido seqüestrado, EP-HBC...

Ela desmaiou.

Quando voltou a si, Jari passava uma toalha molhada em sua testa, com outros empregados rodeando-a, ansiosos, e Karim, pálido e arrependido mais atrás. Ela o olhou com um ar vago. Então tudo o que ele contara veio à sua cabeça, bem como o que Erikki dissera e a estranheza de Tom. E mais uma vez tudo se embaralhou e outra onda de terror começou a invadi-la.

— Excelência... Excelência Meshang já chegou? — Ela perguntou com voz fraca.

— Não, não, princesa. Deixe-me ajudá-la a ir para a cama, você vai se sentir me...

— Eu estou... não, obrigada, Jari, eu... eu estou bem. Por favor, deixe-nos a sós.

— Mas prince...

— Deixe-nos a sós!

Eles obedeceram. Karim estava angustiado.

— Por favor, desculpe-me, querida Xarazade, eu não deveria tê-la preocupado com todos esses problemas, mas eu... eu só soube o que... o que houve com papai hoje de manhã. Eu sinto muito, Xarazade, não compete a uma mulher se preocupar com...

— Karim, ouça, eu imploro — ela interrompeu-o com um desespero cada vez maior. — Aconteça o que acontecer, não fale nada a Meshang sobre o tio Valik, não diga nada sobre ele... e os outros, ainda não, por favor, ainda não! Não diga nada sobre Valik!

— Mas por quê?

— Porque... porque... — Oh, Deus, oh, Deus, o que vou fazer? Ela estava pensando, com vontade de gritar: tenho certeza de que Tommy estava pilotando o HBC, oh, Deus, fazei com que eu esteja errada, mas tenho certeza de que foi isso que Erikki disse quando eu perguntei a ele quanto tempo Tommy iria ficar fora. Erikki disse: "Não se preocupe, o vôo de Tommy é para Bandar Delam: HBC com peças sobressalentes. Não deve levar mais de um dia ou dois." Bandar Delam não fica próximo a Abadan que fica na fronteira? O tio Valik não veio falar com Tommy tarde da noite, muito tarde, o que mostra que o assunto era muito urgente, e então, depois que ele saiu, Tommy não estava diferente, infeliz, olhando fixamente para o fogo? "A família precisa olhar pela família", não foi isto que ele murmurou? Oh, Deus, ajude-me...

— O que é, Xarazade, o que é?

— Não tenho coragem de contar-lhe, Karim, embora confie cegamente em você, mas preciso proteger Tommy... se Meshang descobrir sobre Tommy, será o nosso fim, o fim de tudo! Ele o denunciaria, ele não se arriscaria a ter mais problemas... ou crimes contra Deus! Eu não posso me opor à família, Meshang me obrigaria a me divorciar dele. Deus me ajude, o que devo fazer? Sem Tommy eu... eu morreria, eu sei que sim... o que foi mesmo que Tommy disse sobre levar um aparelho para fazer um transporte? Um transporte para Al Shargaz? Era para lá ou para a Nigéria? Eu não tenho coragem de lhe contar, Karim, não tenho coragem...

Mas quando compreendeu como ele estava preocupado, sua boca se abriu e ela despejou tudo o que não tivera coragem de contar.

— Mas é impossível — ele gaguejou —, impossível. O telex disse que não houve sobreviventes, é impossível que ele estivesse pilotando.

— Sim, mas ele estava, ele estava, eu tenho certeza, tenho certeza. Oh, Karim, o que vou fazer? Por favor, ajude-me, por favor, eu imploro, por favor ajude-me! — As lágrimas escorriam pelo seu rosto e ele a abraçou, tentando consolá-la. — Por favor, não diga nada a Meshang, por favor me ajude, seu o meu Tommy... eu morreria.

— Mas Meshang vai fatalmente descobrir! Ele tem que saber.

— Por favor me ajude. Deve haver algo que você possa fazer, deve haver alguma...

A porta se abriu e Meshang entrou apressado, junto com Zarah.

— Xarazade, minha querida, Jari me disse que você desmaiou, o que aconteceu, você está bem? Karim, como vai? — Meshang parou, estarrecido com a aparência desleixada de Karim e sua palidez. — O que foi que aconteceu?

No silêncio que se seguiu, Xarazade tapou a boca com a mão, apavorada de tornar a soltar tudo. Ela viu Karim hesitar. O silêncio ficou mais pesado, então ela o ouviu dizer rapidamente.

— Eu tenho notícias terríveis. Primeiro... primeiro sobre meu pai. Ele foi fuzilado, fuzilado por... por crimes contra o Islã...

Meshang explodiu.

— Não é possível! O herói de Dhofar? Você deve estar enganado!

— Também não era possível que isso acontecesse com Sua Excelência Jared Bakravan, mas ele está morto e papai também está morto, e há mais notícias, todas ruins...

Xarazade começou a chorar desamparadamente, Zarah abraçou-a e Karim, penalizado, resolveu deixar que outros trouxessem as notícias a respeito de Valik, sua mulher e seus filhos.

— Insha'Allah — ele disse, odiando essa desculpa que ele não podia mais aceitar por crimes profanos cometidos por homens em nome de um Deus que esses homens jamais conheceriam. O aiatolá é realmente um presente de Deus. Precisamos apenas segui-lo para livrar o Islã desses blasfemadores nojentos, pensou. Deus vai puni-los depois da morte assim como nós, os vivos, devemos puni-los com a morte.

— Minhas notícias são todas ruins; eu fui considerado suspeito, assim como a maioria dos meus amigos, a Força Aérea está em julgamento. Tolamente, eu contei a Xarazade... eu queria que você soubesse, Meshang, mas tolamente contei a ela e foi por isso que ela desmaiou. Por favor, perdoe-me. Sinto muito, mas não vou ficar, não posso, preciso... preciso voltar. Eu só vim contar a vocês... eu tinha que contar a alguém...

NO ESCRITÓRIO DE McIVER: 22:20H. McIver estava sozinho nos escritórios de cobertura, sentado em sua cadeira, com os pés descansando confortavelmente na mesa, lendo — a luz era boa e a sala estava quente graças ao gerador. O telex estava ligado, assim como o HF Já era tarde, mas não fazia sentido ir para casa ainda, onde estava frio, úmido e não tinha Genny. Ele levantou os olhos. Alguém subia apressadamente a escada externa. A batida foi nervosa.

— Quem é?

— Capitão McIver? Sou eu, capitão Peshadi, Karim Peshadi. Estarrecido, McIver destrancou a porta, pois conhecia muito bem o

homem, como aluno do curso de pilotos de helicóptero e como primo favorito de Xarazade. Estendeu a mão, disfarçando o espanto com a aparência do rapaz.

— Entre Karim; o que posso fazer por você? Fiquei muito penalizado quando soube da prisão do seu pai.

— Ele foi fuzilado há dois dias.

— Oh, Cristo!

— Sim. Desculpe, mas isso não vai ser nada agradável. — Apressadamente, Karim fechou a porta e baixou a voz. — Sinto muito, mas preciso andar depressa, já estou horas atrasado mas venho da casa de Xarazade. Fui até o seu apartamento mas o capitão Pettikin disse que o senhor estava aqui. Esta noite eu li um telex secreto enviado pela nossa base em Abadan. — E contou o que estava escrito no telex.

McIver ficou apavorado e tentou disfarçar.

— Você contou ao capitão Pettikin?

— Não, não. Achei que só devia contar ao senhor.

— Pelo que eu sei, o HBC foi seqüestrado. Nenhum dos nossos pilotos esteve envolvido...

— Não estou aqui oficialmente, e só vim contar ao senhor porque Tom não está aqui. Eu não sabia o que fazer. Estive com Xarazade esta noite e descobri, por acaso, sobre Tom. — Ele repetiu o que Xarazade lhe dissera. — Como é possível que Tom esteja vivo e todos os outros mortos? McIver sentiu a dor no peito começando de novo.

— Ela está enganada.

— Em nome de Deus, diga-me a verdade! O senhor deve saber! Tom deve ter-lhe contado, o senhor pode confiar em mim — explodiu o rapaz, fora de si de preocupação. — O senhor tem que confiar em mim. Talvez eu possa ajudar. Tom está correndo um perigo terrível, bem como Xarazade e toda a nossa família! O senhor tem que confiar em mim! Como foi que Tom conseguiu sair?

McIver sentiu o laço sendo apertado em volta de todos eles — Lochart, Pettikin, ele. Não perca a calma, disse a si mesmo, tenha cuidado. Você não deve admitir nada. Não admita nada!

— Pelo que sei, Tom não chegou perto do HBC.

— Mentiroso! — disse o rapaz, furioso, e despejou o que concluíra no trajeto até chegar lá, andando, lutando por um lugar num ônibus, tornando a andar, com a neve caindo, com frio e desesperado, e ainda tendo que comparecer diante do komiteh. — O senhor deve ter assinado a autorização, o senhor ou Pettikin, e o nome de Tom deve constar da autorização. Eu conheço você muito bem, vocês e seus sermões sobre respeitar as regras, assinando formulários, sempre com um formulário para assinar. O senhor assinou, não foi? Não foi? — gritou.

— Acho melhor o senhor sair, capitão — disse secamente McIver.

— O senhor está tão envolvido quanto Tom, será que não compreende? O senhor está numa encrenca tanto quanto...

— Acho que é melhor você esquecer isso. Eu sei que você está esgotado e foi terrível o que houve com seu pai — disse bondosamente. — Lastimo profundamente.

Não havia nenhum outro som além do zumbido suave do HF e do gerador que ficava sobre o telhado. McIver esperou. Karim também. Então o rapaz balançou a cabeça.

— O senhor tem razão — disse abatido —, por que confiaria em mim? Não existe mais confiança. O nosso mundo se transformou num inferno e tudo por causa do xá. Nós confiamos nele e ele traiu a nossa confiança, deu-nos falsos aliados, amordaçou os nossos generais, fugiu e nos deixou na fogueira, envergonhados, abandonou-nos aos falsos mulás. Juro por Deus que o senhor pode confiar em mim, mas que diferença isso faz para o senhor ou para qualquer pessoa? Não existe mais confiança. — Seu rosto contorceu-se. — Talvez Deus tenha nos abandonado. — O HF na outra sala deu um estalo, por causa da estática produzida por uma tempestade elétrica em algum lugar. — O senhor pode falar com Zagros? Xarazade disse que Tom foi para lá hoje de manhã.

— Eu tentei, mas não consegui. — McIver disse com sinceridade. — Nesta época do ano é quase impossível, mas eu soube que ele chegou bem. A nossa base em Kowiss transmitiu um relatório pouco depois do meio-dia.

— É melhor... é melhor o senhor contar a Tom, contar-lhe o que eu disse. Diga-lhe para dar o fora. — A voz de Karim era inexpressiva. — Vocês são abençoados, vocês podem voltar para casa. — Então o seu desespero explodiu e as lágrimas rolaram-lhe pelo rosto.

— Ora, rapaz...

Penalizado, McIver pôs o braço em volta dos seus ombros e consolou-o, o rapaz era da mesma idade que seu filho que estava a salvo na Inglaterra, que nascera inglês, que estava a salvo no chão, era médico e não tinha nada a ver com aviação, em segurança... Meu Deus, quem está seguro?

Pouco depois sentiu que o rapaz estava mais calmo. Para poupar-lhe o embaraço, afastou-se e olhou para a cozinha.

— Eu ia tomar um chá, você quer me fazer companhia?

— Eu... quero apenas um copo d'água e depois vou embora, obrigado. Imediatamente, McIver foi buscar água. Pobre rapaz, pensou, que coisa terrível o que houve com seu pai — um sujeito fantástico, forte, linha dura mas correto e leal, e não uma pessoa de duas caras. Terrível. Meu Deus, se eles o fuzilaram, são capazes de fuzilar qualquer um. Nós todos estaremos mortos em breve, de uma maneira ou de outra.

— Aqui está — disse, revoltado, entregando o copo a Karim.

O rapaz aceitou-o, envergonhado por ter perdido o controle na frente de um estrangeiro.

— Obrigado. Boa noite. — E viu McIver olhar estranhamente para ele. — O que é?

— Apenas uma idéia súbita, Karim. Você poderia ter acesso à torre de Doshan Tappeh?

— Não sei. Por quê?

— Se você pudesse, sem que ninguém soubesse o que estava querendo, você talvez pudesse apanhar a autorização do HBC. Tem que estar no livro de decolagens, caso eles estivessem usando um naquele dia. Então nós saberíamos quem estava pilotando, não é?

— Sim, mas de que adiantaria isso? — Karim observou os olhos claros no rosto anguloso. — Eles estariam com os gravadores automáticos ligados.

— Talvez sim, talvez não. Tinha havido luta por lá... talvez eles não tenham podido ser tão eficientes. Pelo que eu sei, quem levou o HBC não teve autorização verbal da torre. Ele simplesmente decolou. Talvez no meio de toda a excitação eles não tenham gravado qualquer autorização. — A esperança de McIver foi crescendo à medida que ele desenvolvia este raciocínio. — Só o livro poderia dizer, o livro de autorização de decolagens.

Karim tentou compreender aonde McIver queria chegar.

— E se estiver escrito que foi Tom Lochart?

— Não sei como poderia, porque então a minha assinatura teria que estar lá, o que seria, ahn, uma assinatura forjada. — McIver odiava mentiras, e a sua história improvisada cada vez soava mais falsa. — A única autorização que eu assinei foi para Nogger Lane levar algumas peças para Bandar Delam, mas cancelei-a. As peças não eram importantes e as coisas estavam muito tumultuadas, e então o HBC já tinha sido seqüestrado.

— A autorização é a única prova?

— Isso só Deus pode saber com certeza. Se a autorização mencionar Tom Lochart e estiver assinada por mim, é falsa. Uma falsificação que pode causar muitos problemas. Portanto ela não deveria existir. Não acha?

Karim balançou a cabeça vagarosamente, com a sua imaginação já levando-o até a torre, passando pelos guardas — haveria guardas lá? — encontrando o livro e a página correta e vendo... vendo o Faixa Verde na porta, matando-o, apanhando o livro e fugindo, tão silenciosamente e secretamente como tinha entrado, indo até o aiatolá, contando-lhe a respeito do crime monstruoso cometido contra seu pai, o aiatolá sábio, prestando atenção, e não como os cães que tinham abusado da Palavra, ordenando imediatamente vingança em nome do Único Deus. Depois indo até Meshang e contando-lhe que a família estava salva, e mais importante, sabendo que Xarazade, que ele amava e desejava com loucura, mas que lhe era proibida nesta vida — prima em primeiro grau e contra a lei do Corão — também estava salva.

— A autorização não deveria existir — repetiu, muito cansado. E se levantou. — Eu vou tentar. Sim, vou tentar. O que aconteceu com Tom?

Atrás de McIver, o telex começou a se manifestar. Os dois deram um pulo. McIver tornou a prestar atenção em Karim.

— Quando você o encontrar, pergunte-lhe, esta é a coisa certa a fazer. Não é? Pergunte a Tom.

— Salaam.

Trocaram um aperto de mão e ele saiu. McIver tornou a trancar a porta. O telex era de Genny, em Al Shargaz: "Alô número um criança. Conversei com Chinês que chega amanhã à noite, segunda-feira, e estará no 125 para Teerã, terça-feira. Ele diz que é imperativo que você se encontre com ele para uma conferência no aeroporto. Tudo acertado aqui para consertos nos 212 e retorno rápido. Acuse recebimento. Falei com as crianças na Inglaterra e está tudo bem. Estou me divertindo muito aqui, farreando pela cidade, satisfeita por você não estar aqui, por que você não está? MacAllister."

MacAllister era o seu nome de solteira e ela só o usava quando estava muito zangada com ele.

— Grande Gen — disse alto, sentindo-se melhor ao pensar nela. Estou contente que ela esteja a salvo e fora desta confusão. Estou contente dela ter falado com as crianças, isso deve tê-la alegrado. Grande Gen. Tornou a ler o telex. O que há de tão urgente com Andy? Vou saber logo. Pelo menos estamos em contato através de Al Shargaz. Ele se sentou na cadeira da secretária e começou a datilografar a resposta.

Ao cair da tarde, recebeu um telex do QG em Aberdeen, mas estava completamente truncado. Só a assinatura era legível: "Gavallan." Imediatamente, passou um telex pedindo repetição e estava esperando desde então. Esta noite, a recepção do rádio também estava ruim. Havia rumores de grandes tempestades de neve nas montanhas e o BBC World Service, com uma transmissão pior do que de costume, falava em grandes tempestades por toda a Europa e na costa leste dos Estados Unidos e em inundações no Brasil. As notícias, de um modo geral, eram péssimas: greves na Grã-Bretanha, combates no Vietnã entre exércitos chineses e vietnamitas, a derrubada, por guerrilheiros, de um avião rodesiano que se preparava para pousar, um provável racionamento de gasolina a ser ordenado por Carter, os soviéticos testando um míssil de 2.500 quilômetros de alcance, e no Irã: "Yasir Arafat foi recebido pelo aiatolá Khomeini, num encontro tumultuado, em que os dois líderes abraçaram-se publicamente, e a OLP assumiu o QG da Missão Israelense em Teerã. Mais quatro generais foram fuzilados. Continuam os combates no Azerbeijão entre forças pró e anti-Khomeini, o primeiro-ministro Bazargan mandou os Estados Unidos fecharem dois postos de escuta de radar na fronteira Irã-União Soviética e acertou um encontro com o embaixador soviético e o aiatolá Khomeini nos próximos dias para discutir importantes diferenças"...

Deprimido, McIver desligara, e a tensão de tentar entender as notícias com toda a estática tinha aumentado a sua dor de cabeça. Ele tinha tido dor de cabeça o dia inteiro. Ela começara depois do seu encontro daquela manhã com o ministro Ali Kia. Kia aceitara as notas promissórias de um banco suíço, 'taxas de licença' para a partida dos três 212 e também para seis aterrissagens e decolagens do 125 e prometera descobrir o motivo das expulsões de Zagros:

— Diga ao komiteh de Zagros, enquanto isso, que suas ordens foram revogadas por este ministério, aguardando investigação.

Isso vai mesmo adiantar muita coisa diante do cano de uma arma!, pensou. O que será que Erikki e Nogger estão fazendo agora? Naquela tarde tinha chegado um telex da Madeira Iraniana, passado pela ATC de Tabriz: "Os capitães Yokkonen e Lane estão requisitados para um trabalho de emergência de três dias. Termos habituais para o frete. Obrigado." Estava assinado como de costume pelo gerente de área e era um pedido normal. Para Nogger, isso é melhor do que ficar coçando o saco, pensara McIver. O que será que o pai de Azadeh queria com ela?

Exatamente às 19:30h Kowiss tinha chamado, mas a transmissão estava péssima, apenas parcialmente audível e com muita estática. Freddy Ayre comunicava que Starke voltara ileso.

— Graças a Deus!

— Diga de n... estou ouvin..do um por cinco, cap...er.

— Vou repetir — disse devagar e com cuidado. — Diga a Starke que estou muito contente por ele estar de volta. Ele está bem?

— ...tão Starke...pondeu per....iteh j....toriamente.

— Repita, Kowiss.

— Eu repito, capit...arke...resp...guntas do ...iteh ..sa...

— Vocês estão um por cinco. Torne a tentar às nove horas; não, eu vou ficar aqui até tarde e tentarei por volta das 11 horas.

— Compreendo o se... tar mais tarde... olta... 11 desta noite?

— Sim, por volta das 11 horas desta noite.

— Capi...hart e Jean-Luc cheg... Zagro... a salvo...

O resto da transmissão foi incompreensível. Depois ele se preparara para esperar. Enquanto esperava, dormiu e leu um pouco, e agora, sentado em frente à máquina de telex, tornou a olhar para o relógio: 22:30h.

Assim que acabar aqui, vou chamar Kowiss — disse em voz alta. Terminou cuidadosamente o telex para sua mulher, acrescentando, por causa de Manuela, que estava tudo bem em Kowiss. Está tudo bem, pensou, uma vez que Starke está de volta, está bem, e os rapazes estão bem.

Colocou a fita pontilhada no transmissor, bateu o número de Al Shargaz, esperou um tempo interminável pela resposta, depois apertou o botão de transmissão. A fita começou a correr. Outra longa espera, mas o código de aceitação de Al Shargaz apareceu.

— Ótimo. — Ele se levantou e se espreguiçou. Na gaveta da escrivaninha estavam as suas pílulas e ele tomou a segunda do dia. — Maldita pressão — resmungou. Sua pressão estava 16 por 11 no último exame médico. As pílulas a fizeram baixar para 13 por 8:

— Mas olhe, Mac, isso não significa que você possa abusar de uísque, vinho, ovos e creme. O seu colesterol também está alto...

— Que uísque e cremes o quê, pelo amor de Deus, doutor! Nós estamos no Irã...

Ele recordou como ficara mal-humorado quando Genny perguntou:

— Como foi? — respondera:

— Ótimo, melhor do que da última vez e não chateia!

Para o inferno com isso! Gostaria de um bom uísque com soda e gelo e depois mais um. Normalmente haveria uma garrafa no cofre, e soda e gelo na geladeira. Agora não havia mais nada. As provisões estavam a zero. Preparou uma xícara de chá. E quanto a Karim e o HBC? Pensarei sobre isso mais tarde: 23h.

— Kowiss, aqui é Teerã, está me ouvindo? — Pacientemente, ele chamou e tornou a chamar e depois parou. Quinze minutos depois, tornou a tentar. Nenhum contato. — Deve ser a tempestade — disse, já sem paciência. — Para o diabo, vou tentar de casa.

Vestiu um casaco grosso e subiu a escada em espiral até o telhado para verificar o nível de combustível do gerador. A noite estava muito escura e quieta, não se ouvia quase nenhum tiroteio e o que havia era abafado pela neve. Não havia luz em parte alguma. A neve continuava a cair devagar, quase 15 centímetros desde o amanhecer. Ele tirou a neve do rosto e iluminou o mostrador com a lanterna. O nível de combustível estava bom, mas eles teriam que arranjar outro suprimento nos próximos dias. Que amolação. E quanto ao HBC? Se Karim conseguisse apanhar o livro e ele pudesse ser destruído, não haveria nenhuma prova, haveria? Sim, mas e quanto a Isfahan, o reabastecimento em Isfahan?

Pensativo, ele voltou, trancou tudo e, usando a lanterna para iluminar o caminho, começou a descer os cinco lances de escada. E não ouviu o telex começar a funcionar atrás dele.

Na garage, foi até o carro e abriu a porta. Seu coração deu um salto quando viu uma figura alta se aproximando. Savak e HBC surgiram em sua cabeça; ele quase deixou cair a lanterna, mas era Armstrong, com uma capa escura e um chapéu.

— Desculpe, capitão McIver, não quis assustá-lo.

— Bem, mas assustou — disse, furioso, com o coração ainda disparado. — Por que você não se anunciou nem subiu até o escritório ao invés de ficar escondido nas sombras como um bandido?

— O senhor poderia estar com visitas. Eu vi uma delas saindo, então achei melhor esperar. Desculpe. Por favor, apague a lanterna.

Zangado, McIver fez o que ele pediu — desde que Gavallan tinha localizado Armstrong, ele tinha vasculhado a sua própria memória mas não se lembrava de tê-lo visto nunca. — 'Seção Especial e CID' não fizeram nada para diminuir a sua antipatia.

— Onde esteve? Nós o esperamos no aeroporto mas você não apareceu. Sim, sinto muito sobre isso. Quando é que o 125 volta para Teerã? Na terça-feira, se Deus quiser Por quê?

— A que horas aproximadamente?

— Ao meio-dia. Por quê?

— Excelente. Isto seria perfeito. Eu preciso ir para Tabriz; eu e um amigo poderíamos fretá-lo?

— De jeito nenhum. Eu jamais conseguiria arranjar uma autorização. E quem é o amigo?

— Eu garanto a autorização. Desculpe, capitão, mas é muito importante.

— Ouvi dizer que tem havido muitos combates em Tabriz; estava no noticiário hoje. Desculpe, mas eu não poderia autorizar isso, seria um risco desnecessário para a tripulação.

— O sr. Talbot ficaria feliz em reforçar este pedido — Armstrong falou na mesma voz baixa e paciente.

— Não. Sinto muito. — McIver virou-se mas estacou ao ouvi-lo perguntar num tom carregado de veneno:

— Antes de ir, eu poderia perguntar a respeito do HBC e de Tom Lochart e do seu sócio Valik, sua mulher e dois filhos?

McIver ficou paralisado de choque. Podia ver o rosto esculpido em pedra, a boca dura e os olhos que brilhavam com a luz refletida da lanterna.

— Eu... eu não sei do que você está falando.

Armstrong pôs a mão no bolso, tirou um pedaço de papel e levantou-o até a altura do rosto de McIver. McIver dirigiu o foco da lanterna para ele. O papel era a fotocópia de uma anotação num livro de autorizações. A letra era boa. "EP-HBC autorizado às 6:20h para um vôo da CHI para Bandar Delam, entrega de peças; piloto capitão T. Lochart, vôo autorizado pelo capitão McIver." A parte de baixo do papel era uma fotocópia da própria autorização, assinada por ele com o nome do capitão N. Lane riscado e marcado 'doente', e substituído pelo do capitão Lochart,

— Um presente, com os meus cumprimentos.

— Onde conseguiu isso?

— Quando o 125 entrar no espaço aéreo de Teerã, fale com o capitão Hogg pelo rádio e diga-lhe que terá de voar imediatamente até Tabriz. Você receberá a autorização a tempo.

— Não, eu não...

— Se você não providenciar tudo e não mantiver tudo em segredo, só entre nós — Armstrong falou com uma determinação que assustou a McIver —, os originais vão para a Savak, agora rebatizada de Savama.

— Isto é chantagem!

— É uma barganha. — Armstrong enfiou o papel na mão dele e começou a se afastar.

— Espere! Onde... onde estão os originais?

— Não estão nas mãos deles, ainda não.

— Se... se eu fizer o que você pede, eu os tenho de volta, certo?

— Você deve estar brincando! É claro que você não terá nada de volta.

— Isso não é justo. Não é nada justo!

Armstrong voltou e encarou-o, seu rosto parecendo uma máscara.

— É claro que não é justo. Se você os conseguir de volta, estará livre, não? Todos vocês. Enquanto esses papéis existirem, vocês farão o que for preciso, não farão?

— Você é um maldito filho da mãe!

— E você é um idiota que devia cuidar da sua pressão. McIver engasgou.

— Como você sabe disso?

— Você ficaria estarrecido com o que eu sei sobre você e Genevere Mac-Allister e Andrew Gavallan e a Casa Nobre e muitas outras coisas que ainda não comecei a usar. — A voz de Armstrong tornou-se mais dura, com o cansaço e a tensão fazendo-o perder o controle. — Será que você não entende que há uma forte possibilidade de que os tanques e os aviões soviéticos estacionem permanentemente deste lado de Ormuz e que o Irã se torne uma província soviética? Eu estou cansado de bancar o idiota com vocês, uns avestruzes. Faça o que eu estou pedindo sem discutir, porque se não fizer eu vou acabar com vocês todos.


TERÇA-FEIRA

20 de fevereiro39

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