Todos tinham notado a ameaça velada que havia nas suas palavras e Erikki sabia como era frágil aquela história de "honra " e de "diante de Deus", que desapareceria com a primeira bala, e sabia que agora dependia dele consertar o desastre que tinha causado com aquele ataque, perseguindo um khan que já estava morto, com um resgate já pago pela metade, e agora Azadeh estava ali, ferida, e Hakim quase tinha morrido. Decididamente, ele tocou nela mais uma vez, olhou para o khan e depois balançou a cabeça, ergueu-se e agarrou o rifle que estava na mão do nativo mais próximo.
— Eu aceito a sua palavra diante de Deus e o matarei se você tentar me enganar. Vou deixá-lo ao norte da cidade, nas montanhas. Todos para o helicóptero. Diga a eles!
Bayazid detestou a idéia de uma arma nas mãos daquele monstro vingativo. Nenhum de nós esqueceu que fui eu que atirei a granada que talvez tenha matado um huri, ele pensou. Insha'Allah! Rapidamente, ele ordenou a retirada. Levando o corpo do companheiro morto, eles se retiraram.
— Piloto, nós vamos sair todos juntos. Obrigado, aga, Hakim Khan, que Deus esteja com você — disse e recuou em direção à porta, com a arma preparada. — Vamos!
Erikki levantou a mão em despedida para Hakim, cheio de angústia pelo que tinha causado.
— Sinto muito..
— Que Deus esteja com você, Erikki, e volte são e salvo. — respondeu Hakim e Erikki sentiu-se melhor com isso. — Ahmed, vá com ele, ele não pode pilotar e usar uma arma ao mesmo tempo. Cuide para que ele volte são e salvo. — Sim, pensou friamente, eu ainda tenho contas a ajustar com ele pelo ataque ao meu palácio!
— Sim, Alteza, obrigado, piloto — Ahmed apanhou a arma que estava com Erikki, verificou se estava carregada, depois sorriu de lado para Bayazid.
— Por Deus e pelo Profeta, cujo nome seja louvado, que ninguém tente nos enganar. — Educadamente, fez sinal para Erikki passar e saiu atrás dele. Bayazid saiu por último.
NA SUBIDA PARA O PALÁCIO: 11:05H. O carro da polícia subia pela estrada sinuosa em direção aos portões, seguido de outros carros e de um caminhão do exército cheio de soldados. Hashemi Fazir e Armstrong estavam no banco de trás do carro que ia na frente e que entrou derrapando pelo portão e parou no pátio, onde já havia uma ambulância estacionada. Eles saltaram e seguiram o guarda até o salão. Hakim Khan esperava por eles no seu lugar de honra, pálido e abatido mas imponente, cercado de guardas, na parte do palácio que não fora atingida.
— Alteza, graças a Deus o senhor não foi ferido. Nós acabamos de saber do ataque. Posso apresentar-me? Eu sou o coronel Hashemi Fazir do Serviço Secreto e este é o superintendente Armstrong, que vem nos assessorando há muitos anos e é especialista em certas áreas que poderiam interessá-lo, aliás, ele fala farsi. O senhor poderia contar-nos o que aconteceu? — Os dois homens escutaram atentamente enquanto Hakim Khan contava a sua versão do ataque. Eles já tinham ouvido alguns detalhes, ambos impressionados com o seu porte.
Hashemi tinha ido preparado. Antes de deixar Teerã na véspera à noite, ele examinara meticulosamente a ficha de Hakim. Durante anos, ele e a Savak o haviam mantido sob vigilância em Khoi:
— Eu sei quanto ele deve e a quem, Robert, quais os favores que deve e a quem, o que gosta de comer e de ler, sua habilidade com um revólver, um piano e uma faca, sei de todas as mulheres e garotos com quem foi para a cama. Armstrong tinha rido.
— E quanto às suas tendências políticas?
— Ele não tem nenhuma. É inacreditável mas é verdade. Ele é iraniano, do Azerbeijão, e mesmo assim não se juntou a nenhum grupo, não tomou nenhum partido e nunca disse nada que fosse nem um pouco sedicioso, nem mesmo contra Abdullah Khan. E Khoi foi sempre um ninho de cobras.
— Religião?
— Xiita, mas calmo, consciencioso, ortodoxo, nem de direita nem de esquerda. Desde que foi banido, não, isto não é verdade, desde os sete anos, quando sua mãe morreu e ele e a irmã foram morar no palácio, ele tem sido uma pena agitada por um simples sopro do seu pai, esperando, amedrontado, por um desastre inevitável. Seja como Deus quiser, mas é um milagre que ele seja o khan, um milagre que aquele filho de um cão tenha morrido sem fazer mal a ele e à irmã. Estranho! Num momento ele está com a vida ameaçada, no outro passa controlar uma riqueza incomensurável, um poder incomensurável, e eu tenho que lidar com ele.
— Isto deve ser fácil, se o que você disse é verdade.
— Você está desconfiado como sempre. Será esta a força dos ingleses?
— É apenas uma lição aprendida por um velho tira ao longo dos anos. Hashemi tinha sorrido consigo mesmo e tornou a fazê-lo agora, concentrando-se no rapaz, khan de todos os Gorgons, que estava diante dele, observando-o atentamente, estudando-o em busca de pistas. Quais são os seus segredos? Você tem que ter algum segredo!
— Alteza, há quanto tempo o piloto partiu? — perguntava Armstrong. Hakim consultou o relógio.
— Há cerca de duas horas e meia.
— Ele disse quanto combustível havia no aparelho?
— Não, disse apenas que os levaria até um certo ponto e os deixaria lá.
Hashemi e Robert Armstrong estavam parados diante da plataforma elevada com seus ricos tapetes e almofadas onde estava Hakim Khan, vestido formalmente com brocados, um fio de pérolas em volta do pescoço, com um pingente de diamante quatro vezes maior do que o que ele trocara pela vida deles.
— Talvez — Hashemi disse delicadamentre — talvez, Alteza, o piloto estivesse mancomunado com os curdos e não volte.
— Não, e eles não eram curdos embora afirmassem sê-lo, eram apenas bandidos comuns e raptaram Erikki e o obrigaram a atacar o khan, meu pai. — O jovem khan franziu a testa e depois disse com firmeza: — O khan, meu pai, não deveria ter mandado matar o mensageiro deles. Ele deveria ter tentado baixar o preço do resgate, pagar, e depois matá-los pela sua impertinência.
Hashemi pegou a deixa.
— Eu providenciarei para que eles sejam apanhados.
— E todos os meus bens recuperados.
— É claro. Existe alguma coisa que eu e o meu departamento possamos fazer pelo senhor? — Ele estava observando o rapaz atentamente e viu, ou achou que viu, um certo ar de desprezo e isso o intrigou. Neste momento, a porta se abriu e Azadeh entrou. Ele nunca fora apresentado a ela, embora a houvesse visto muitas vezes. Ela deveria pertencer a um iraniano, pensou, não a um maldito estrangeiro. Como ela consegue agüentar aquele monstro? Ele não notou que Hakim o estava observando com a mesma atenção. Armstrong sim, pois observava o khan disfarçadamente.
Ela estava vestida com roupas ocidentais, de um tom verde-acinzentado que combinava com os seus olhos verdes, meias compridas e sapatos macios. Seu rosto estava muito pálido e ligeiramente maquilado. Ela caminhava vagarosamente e com uma certa dificuldade, mas inclinou-se diante do irmão com um sorriso doce.
— Desculpe interromper, Alteza, mas o médico me pediu para lembrá-lo de que deve repousar. Ele está indo embora, você gostaria de falar com ele?
— Não, não, obrigado. Você está bem?
— Oh, sim, — ela disse e forçou um sorriso. — Ele disse que estou bem.
— Posso apresentar-lhe o coronel Hashemi Fazir e o sr. Armstrong, superintendente Armstrong — Sua Alteza, minha irmã, Azadeh.
Eles a cumprimentaram e ela respondeu.
— Superintendente Armstrong? — Ela disse em inglês, franzindo a testa. — Eu não me lembro do título, mas nós já nos encontramos antes, não?
— Sim, Alteza, uma vez, no Clube Francês, no ano passado. Eu estava com o sr. Talbot, da embaixada britânica, e com um amigo do seu marido da embaixada da Finlândia, Christian Tollonen. Acho que era aniversário do seu marido.
— O senhor tem boa memória, superintendente. Hakim Khan deu um sorriso estranho.
— Esta é uma das características do M16, Azadeh.
— Só dos ex-policiais, Alteza — disse Armstrong. — Eu sou apenas um consultor do Serviço Secreto. — E dirigindo-se a Azadeh: — Eu e o coronel Fazir ficamos muito aliviados ao saber que nem a senhora nem o khan estavam feridos.
— Obrigada — ela disse, com os ouvidos e a cabeça ainda doendo muito e com problemas nas costas. O médico tinha dito: "Teremos que esperar alguns dias, Alteza, apesar de que iremos radiografá-los o mais cedo possível. É melhor a senhora e o khan irem para Teerã, eles têm um equipamento melhor. Com uma explosão como aquela nunca se sabe, Alteza, é melhor ir, eu não gostaria de ser responsável..."
Azadeh suspirou.
— Por favor, desculpe interromper — ela se calou abruptamente, escutando, com a cabeça ligeiramente inclinada. Eles também escutaram. Era só o vento e um carro ao longe.
— Ainda não é desta vez — disse Hakim, bondosamente. Ela tentou sorrir e murmurou:
— Seja como Deus quiser — e depois saiu. Hashemi quebrou o silêncio.
— Nós também deveríamos deixá-lo, Alteza — disse com deferência, falando em farsi outra vez. — Foi muita bondade sua receber-nos hoje. Talvez pudéssemos voltar amanhã? — Ele viu o jovem khan tirar os olhos da porta e olhar para ele por baixo das sobrancelhas escuras, com o rosto bonito e em repouso, os dedos brincando com o punhal cravejado de pedras que trazia na cintura. Ele deve ser feito de gelo, pensou, esperando educadamente que ele os despachasse.
Mas ao invés disto, o khan despachou todos os guardas, exceto um que estava parado na porta, de onde não podia ouvir a conversa, e fez sinal para os dois homens chegarem mais perto.
— Agora nós vamos falar em inglês. O que é que vocês desejam realmente pedir-me? — Ele disse baixinho.
Hashemi suspirou, certo de que Hakim Khan já sabia, e mais certo agora de que aqui ele tinha um adversário ou um aliado à altura.
— Ajuda em duas questões, Alteza: a sua influência no Azerbeijão poderia ajudar-nos imensamente a derrotar elementos hostis que estão rebelados contra o governo.
— E a segunda?
Ele percebeu o tom de impaciência e isso o divertiu.
— A segunda é um tanto delicada, Alteza. Ela diz respeito a um soviético chamado Petr Oleg Mzytryk, um conhecido do seu pai que, há alguns anos costuma vir aqui de vez em quando, assim como Abdullah Khan costumava visitar a sua fazenda em Tbilisi. Apesar de Mzytryk se fazer passar por amigo de Abdullah Khan e do Azerbeijão, na realidade ele é um membro muito graduado da KGB e muito hostil.
— De cada cem soviéticos que vêm para o Irã, 98 são da KGB e portanto inimigos, e os outros dois são da GRU e portanto inimigos. Como khan, o meu pai tinha que lidar com todo o tipo de inimigos — mais uma vez Hashemi notou o sorriso irônico — e com todo o tipo de amigos e também com o meio-termo. E então?
— Nós gostaríamos muito de entrevistá-lo. — Hashemi esperou alguma reação, mas não houve nenhuma e a sua admiração pelo rapaz aumentou. — Antes de Abdullah Khan morrer, ele tinha concordado em nos ajudar. Através dele, nós soubemos que o homem tencionava atravessar a fronteira secretamente no sábado passado e de novo na terça-feira, mas das duas vezes ele não apareceu.
— E como ele irá atravessar a fronteira?
Hashemi contou-lhe, sem saber ao certo quanto ele sabia, experimentando o terreno com grande cautela.
— Nós achamos que o homem pode entrar em contato com o senhor; neste caso, o senhor poderia por favor nos avisar? Em particular.
Hakim Khan decidiu que estava na hora de pôr este inimigo teerani e o seu lacaio inglês no seu devido lugar. Filho de um cão, será que eu sou tão ingênuo a ponto de não saber o que está acontecendo?
— Em troca de quê? — perguntou bruscamente. Hashemi foi igualmente brusco.
— O que o senhor quer?
— Primeiro: que todos os oficiais graduados da Savak e da polícia no Azerbeijão sejam suspensos imediatamente, aguardando uma revisão, que será feita por mim, e que todos os que forem designados daqui para a frente sejam submetidos à minha aprovação prévia.
Hashemi enrubesceu. Nem mesmo Abdullah Khan jamais pedira isso.
— E qual é a segunda coisa? — perguntou secamente.
Hakim Khan riu.
— Bom, muito bem, aga. A segunda coisa vai esperar até amanhã ou depois, bem como a terceira e talvez a quarta. Mas quanto ao seu primeiro ponto, amanhã às dez horas, traga-me um relatório dizendo como eu poderia ajudar a parar com toda a luta no Azerbeijão e como você, pessoalmente, se estivesse ao seu alcance, como você iria... — Ele pensou por um momento e depois continuou: — Como nos poria a salvo dos inimigos internos e externos. — Ele desviou a sua atenção para Armstrong.
Armstrong estava desejando que a discussão continuasse para sempre, extasiado por estar tendo a oportunidade de assistir em primeira mão a este novo khan enfrentando um adversário tão duro quanto Hashemi. Minha nossa, se este garoto consegue agir com tanta confiança assim dois dias depois de se tornar khan, depois de ter sido quase desintegrado por uma explosão há poucas horas atrás, é melhor que o governo de Sua Majestade o coloque no topo da lista dos elementos perigosos. Ele viu os olhos fixos nele. Com esforço, manteve o rosto calmo, resmungando por dentro: Agora é sua vez!
— Quais as áreas de sua especialidade que poderiam interessar-me?
— Bem, Alteza, eu, ahn, trabalhei no Special Branch e entendo um pouco de espionagem e contra-espionagem. É claro que boas informações, informações confidenciais são essenciais para alguém na sua posição. Se o senhor quisesse, talvez eu pudesse, junto com o coronel Fazir, sugerir maneiras de melhorar isto para o senhor.
— Uma boa idéia, sr. Armstrong. Por favor, mande-me as suas sugestões por escrito, o mais cedo possível.
— Seria um prazer. — Armstrong decidiu jogar. — Mzytryk poderia fornecer-lhe rapidamente um bocado de respostas, a maioria das respostas que o senhor precisa acerca dos inimigos "internos e externos" que o senhor mencionou, especialmente se o coronel pudesse, ahn, conversar com ele em particular. — As palavras ficaram pairando no ar. Ele viu Hashemi arrastar os pés nervosamente ao seu lado. Eu aposto a minha vida como você sabe mais do que diz, Hakim, meu rapaz, e aposto os meus testículos como você não passou todos esses anos sendo apenas uma maldita "pena"! Cristo estou precisando de um cigarro!
Os olhos de Hakim estavam cravados nele e teria adorado poder dizer. Pelo amor de Deus, pare com toda esta besteira e mije ou saia do pinico... Então imaginou este khan de todos os Gorgons mijando no assento de uma privada, com tudo pendurado para fora, e teve que tossir para não rir.
— Desculpe — disse, tentando parecer humilde. Hakim Khan franziu a testa.
— E como eu poderia ter acesso a essas informações? — perguntou, e os dois homens viram que ele estava fisgado.
— Como o senhor quiser, Alteza — disse Hashemi —, como o senhor quiser.
Houve outra pausa.
— Eu vou pensar no que... Hakim parou, escutando. Agora todos eles ouviram o barulho das hélices e dos motores. Os dois homens se dirigiram para as janelas altas. — Esperem — disse Hakim. Um de vocês, por favor, me ajude.
Perplexos, eles o ajudaram a se levantar.
— Obrigado. Assim está melhor. São as minhas costas. Eu devo ter dado um mau jeito nelas durante a explosão. — Hashemi ofereceu-lhe o braço e ele foi mancando até a janela que dava para o pátio.
O 212 se aproximava devagar, preparando-se para pousar. Quando o aparelho se aproximou, eles viram Erikki e Ahmed nos assentos da frente, mas Ahmed estava curvado e claramente ferido. Havia alguns buracos de bala no aparelho e um grande naco fora arrancado da janela lateral. O aparelho fez um pouso perfeito. No mesmo instante os motores começaram a parar. Eles viram o sangue na manga e no colarinho de Erikki.
— Cristo — murmurou Armstrong.
— Coronel — disse Hakim, com urgência, para Hashemi — veja se consegue evitar que o médico saia. — Na mesma hora, Hashemi saiu.
De onde estavam, eles podiam ver os degraus da frente. A enorme porta se abriu e Azadeh saiu e ficou ali parada por um instante, imóvel, com outras pessoas se juntando a ela, guardas, empregados e algumas pessoas da família. Erikki abriu a porta e saltou com dificuldade. Ele se dirigiu para ela com um ar de cansaço. Mas o seu andar era firme e um segundo depois ela estava em seus braços.
56
NA CIDADE DE KOWISS: 12:10H. Ibrahim Kyabi aguardava impacientemente que o mulá Hussein saísse da mesquita e viesse para a praça apinhada de gente. Ele estava encostado na fonte em frente à enorme porta, abraçado ao saco de lona que ocultava o seu M16 pronto para atirar. Seus olhos estavam vermelhos de cansaço, todo o seu corpo doía em conseqüência da viagem de quase seiscentos quilômetros de Teerã até Kowiss.
Ele reparou num europeu alto caminhando no meio da multidão. O homem seguia um Faixa Verde e usava roupas escuras, casaco e gorro. Ele viu os dois contornarem a mesquita e desaparecerem no beco que ficava ao lado. Ali perto ficava a entrada do bazar. Sua obscuridade, calor e segurança o fizeram sentir-se tentado a sair do frio.
— Insha'Allah — murmurou automaticamente, depois lembrou a si mesmo que deveria parar de usar essa expressão, agasalhou-se melhor com o velho sobretudo e recostou-se mais confortavelmente na fonte que, quando o gelo do inverno derretesse, mais vez jorraria para que os passantes pudessem beber e lavar as mãos e o rosto antes de entrar para rezar.
— Como é este mulá Hussein? — tinha perguntado ao vendedor de rua que lhe servia uma porção de horisht de feijão que fervia num enorme caldeirão. Era de manhã e ele tinha acabado de chegar, depois de uma série interminável de atrasos, 15 horas depois do previsto. — Como é ele?
O homem era velho e desdentado e deu de ombros.
— Um mulá.
Um outro freguês, que estava perto, praguejou.
— Você merece ser torturado! Não ouça o que ele diz, forasteiro, o mulá Hussein é um verdadeiro líder do povo, um homem de Deus, que possui apenas uma arma e munição para matar os inimigos de Deus. — Outros fregueses se juntaram ao rapaz de barba e contaram a ele sobre a tomada da base aérea.
— O nosso mulá é um verdadeiro seguidor do imã, ele vai nos conduzir ao Paraíso, por Deus.
Ibrahim quase gritou de raiva. Hussein e todos os mulás merecem morrer por ensinarem tanta bobagem a esses pobres camponeses. Paraíso? Belas roupas e vinho e quarenta virgens deitadas em sofás de seda?
Eu não vou pensar em amor, não vou pensar em Xarazade, ainda não.
Suas mãos acariciaram a arma escondida. Isso melhorou um pouco o seu cansaço e a sua fome, mas não a sua total solidão.
Xarazade. Agora parte de um sonho. É melhor assim, muito melhor: ele esperava por ela no café quando Jari se aproximou, dizendo:
— Em nome de Deus, o marido voltou. Aquilo que nunca começou está terminado para sempre. — E depois desaparecera no meio da multidão. Imediatamente, ele saíra, apanhara a arma e caminhara até a estação de ônibus. Agora estava esperando, devendo em breve ser martirizado ao se vingar da tirania cega, em nome do povo. Faltava tão pouco agora. Logo ele veria a escuridão ou a luz, alcançaria o esquecimento ou a compreensão, sozinho ou junto com outros: profetas, imãs, demônios, quem?
Ele fechou os olhos, extasiado. Em breve eu saberei o que acontece quando morremos e para onde vamos. Será que finalmente nós encontramos a resposta para a grande charada: Maomé foi o último Profeta de Deus ou um louco? O Corão é verdadeiro? Deus existe?
No beco ao lado da mesquita, o Faixa Verde que levava Starke parou e apontou para um casebre. Starke pulou por cima da vala e bateu na porta. Esta se abriu.
— Que a paz esteja com o senhor, Excelência Hussein — disse em farsi, tenso e em guarda. — O senhor mandou me chamar?
— Salaam, capitão. Sim, mandei — o mulá Hussein respondeu em inglês e fez sinal para que ele entrasse.
Starke teve que se abaixar para entrar no casebre de um só cômodo. Dois bebês dormiam profundamente num colchão de palha no chão de terra. Um menino olhava para ele, agarrado a um velho rifle, e ele o reconheceu como sendo a mesma criança que estava presente quando houve a briga entre os homens de Hussein e os de Zataki. Um AK47 muito bem tratado estava encostado na parede. Ao lado da pia, uma velha vestindo um chador preto e manchado estava sentada numa cadeira bamba.
— Estes são os meus filhos e esta é a minha esposa — disse Hussein. Salaam Starke disfarçou o espanto por ela ser tão velha. Então olhou-a melhor e viu que ela não era velha em idade.
— Eu o mandei chamar por três motivos: primeiro para que visse como vive um mulá. A pobreza é um dos primeiros deveres de um mulá. Bem como educação, liderança e aplicação da lei. Além disso, aga, eu sei que o senhor é cem por cento sincero nas suas crenças.
E aprisionado por elas, Starke teve vontade de acrescentar, odiando aquele quarto e a pobreza terrível e interminável que representava, o seu fedor e a impotência que ele sabia que não precisaria existir, mas que continuaria a existir para sempre ali e em milhares de outros lares de todas as religiões, no mundo inteiro. Mas não na minha família, graças a Deus! Graças a Deus eu nasci texano, graças a Deus trilhões de vezes por eu pensar diferente e por meus filhos jamais terem precisado viver na sujeira como estas pobres crianças. Com esforço, ele se controlou para não espantar as moscas que estavam pousadas em cima deles, com vontade de xingar Hussein por se conformar com uma situação que não precisava suportar.
— O senhor falou em três motivos, aga.
— O segundo é: Por que quase todos os homens vão partir hoje?
— Eles estão com as licenças vencidas há muito tempo, aga. O trabalho na base está lento, este é um bom momento. — A ansiedade de Starke aumentou. Esta manhã, antes dele ter sido chamado pelo mulá, já haviam chegado três telex e duas chamadas pelo HF do QG em Teerã, a última de Siamaki, agora membro do Conselho, querendo saber onde estavam Pettikin, Nogger Lane e os outros. Ele o havia enrolado, dizendo que McIver entraria em contato com ele assim que chegasse lá com o ministro Kia, muito consciente da curiosidade de Wazari.
Ele tinha ouvido falar da visita de Ali Kia pela primeira vez na véspera. Charlie Pettikin, durante a sua breve escala a caminho de Al Shargaz, contara a ele o que havia acontecido com McIver e os seus receios com relação a ele.
— Jesus — foi só o que conseguiu dizer.
Mas nem tudo tinha corrido mal na véspera. John Hogg trouxera o esquema preparado por Gavallan para a operação Turbilhão, com códigos, horários e coordenadas das alternativas de reabastecimento do outro lado do golfo.
— Andy mandou dizer que estas instruções já foram encaminhadas a Scrag em Lengeh e a Rudi em Bandar Delam e que levam em consideração os problemas das três bases. Dois 747 de carga estão reservados para a madrugada de sexta-feira, em Al Shargaz. Isso nos dará bastante tempo, segundo Andy. Eu trarei outras instruções quando vier buscar os rapazes, Duke. O último botão não será apertado antes das sete horas de sexta-feira, sábado ou domingo. Se isso não acontecer, a operação terá sido suspensa — dissera Hogg.
Nenhum dos espiões de Esvandiary estava por perto, e Starke conseguira enfiar outro caixote de peças de 212 muito valiosas no 125. E houve mais coisas boas: todos os vistos de saída do pessoal ainda estavam válidos, havia tanques de combustível de oitocentos litros em número suficiente, escondidos na costa, e Tom Lochart tinha chegado a tempo de Zagros, agora engajado na operação Turbilhão.
— Por que a mudança, Tom? Pensei que você fosse totalmente contra — ele tinha perguntado, perturbado com os modos de Lochart. Mas o amigo apenas levantara os ombros e ele não insistira.
Mesmo assim, pensou, a idéia da retirada dos 212 o preocupava muito. Na realidade, eles não tinham nenhum plano, apenas uma série de possibilidades. Com esforço, ele se concentrou, com o quarto tornando-se cada vez mais sufocante.
— Eles estão com as licenças vencidas — tornou a dizer.
— Quando chegarão os substitutos?
— No sábado, é quando estão sendo esperados.
— Esvandiary disse que você tem retirado muitas peças.
— As peças precisam ser substituídas e consertadas de vez em quando, aga.
Hussein analisou-o e depois concordou, pensativo.
— O que foi que causou o acidente que quase matou Esvandiary?
— A carga se soltou. É uma operação arriscada. Outra pausa.
— Quem é esse homem, Ali Kia?
Starke não estava preparado para estas perguntas e imaginou se estaria sendo testado outra vez e quanto o mulá saberia.
— Disseram-me que ele é um dos ministros do primeiro-ministro Bazargan, que está fazendo uma viagem de inspeção. — E depois acrescentou: — Também soube que ele foi, ou é, um consultor da nossa firma, a CHI, talvez mesmo um diretor, mas não sei ao certo.
— Quando é que ele chega?
— Não tenho certeza. O nosso diretor, capitão McIver, recebeu ordens para acompanhá-lo.
— Ordens?
— Pelo que sei, sim.
— Por que um ministro seria consultor de uma companhia particular?
— Acho que o senhor terá que perguntar a ele, aga.
— Sim, eu concordo. — O rosto de Hussein endureceu. — O imã jurou que acabaria com toda a corrupção. Nós iremos juntos para a base. — Apanhou o AK47 e o pendurou no ombro. — Salaam — disse para a família.
Starke e o Faixa Verde seguiram Hussein pelo beco até uma porta lateral da mesquita. Lá, o mulá tirou os sapatos, apanhou-os e entrou. Starke e o Faixa Verde fizeram o mesmo, só que Starke tirou também o gorro. Atravessaram um corredor e entraram por outra porta, chegando na mesquita propriamente dita, um único cômodo sob a abóbada, coberto de tapetes e sem enfeites. Apenas ladrilhos decorativos aqui e ali, com citações do Corão lindamente incrustadas. Um atril com o Corão aberto perto de um toca-fita moderno e alto-falantes, os fios esticados ao acaso e todas as lâmpadas elétricas descobertas e fracas. Dos alto-falantes vinha a voz cantada de um homem recitando o Corão.
Havia homens rezando, outros conversando, outros dormindo. Os que viram Hussein sorriram para ele e ele retribuiu o sorriso, mostrando o caminho até uma alcova cheia de colunas. Lá ele parou e pousou os sapatos e a arma, fazendo sinal para o Faixa Verde sair.
— Capitão, o senhor pensou um pouco mais sobre o que nós discutimos durante o seu interrogatório?
— Como assim, aga? — A apreensão de Starke aumentou e ele sentiu o estômago revirar.
— Sobre o Islã, sobre o imã, que a paz de Deus esteja com ele, sobre ir procurá-lo?
— É impossível para mim ir procurá-lo, mesmo que eu quisesse.
— Talvez eu pudesse arranjar isso. Se o senhor visse o imã, se o ouvisse falar, encontraria a paz de Deus que tanto procura. E a verdade.
Starke ficou comovido com a evidente sinceridade do mulá.
— Se eu tivesse esta chance, tenho certeza que... que a aproveitaria se pudesse. O senhor falou em três coisas, aga.
— Esta é a terceira. O Islã. Torne-se muçulmano. Não há um momento a perder. Submeta-se a Deus, aceite o fato de que só existe um Deus e de que Maomé é o Seu Profeta, aceite isto e conquiste a vida eterna no Paraíso.
Os olhos do mulá eram escuros e penetrantes. Starke já havia notado isso antes e achou-os quase hipnóticos.
— Eu... eu já lhe disse, aga, talvez eu o faça, quando Deus quiser. — Ele desviou os olhos e sentiu diminuir a força dominadora. — Se vamos voltar, é melhor que seja agora. Não quero perder o embarque dos rapazes.
Foi quase como se ele não tivesse falado.
— O imã não é o mais santo dos homens, o mais corajoso, o mais implacável inimigo da opressão? O imã é tudo isso, capitão. Abra os seus olhos e o seu espkito para ele.
Starke percebeu o que estava por trás daquele fervor e o aparente sacrilégio o deixou inquieto.
— Eu espero pacientemente. — E tornou a olhar para os olhos que pareciam estar olhando através dele, através das paredes, em direção ao infinito. — Se vamos partir, é melhor que seja agora — repetiu o mais delicadamente que pôde.
Hussein suspirou. A luz desapareceu dos seus olhos. Ele pôs a arma no ombro e saiu na frente. Na porta principal, ele calçou os sapatos e esperou até que Starke fizesse o mesmo. Mais quatro Faixas Verdes se juntaram a eles.
— Nós vamos até a base — Hussein comunicou a eles.
— Eu estacionei o meu carro logo depois da praça. — disse Starke, sentindo-se imensamente aliviado por estar outra vez ao ar livre, liberto do feitiço do homem. — É uma caminhonete, podemos ir todos, se o senhor quiser.
— Ótimo. Onde ele está?
Starke apontou e saiu andando no meio das barracas. Ele era quase uma cabeça mais alto que a maioria das pessoas e agora a sua cabeça estava cheia de idéias desencontradas, refletindo sobre o que o mulá tinha dito, tentando planejar o que fazer com relação à operação Turbilhão.
— Maldição — resmungou, assustado com o perigo. Eu espero que Rudi desista, então eu também desisto, não importa o que faça Scrag. Automaticamente, seus olhos vigiaram a redondeza, como o faziam na cabine de pilotagem e ele notou uma certa confusão perto da fonte. Por causa da sua altura, ele foi o primeiro a ver o rapaz com a arma e a multidão se espalhando. Ele parou petrificado e Hussein se aproximou. Mas não havia nenhum engano, o rapaz, furioso, corria em sua direção.
— Assassino — exclamou, com os homens e mulheres que estavam na sua frente fugindo aterrorizadas, correndo, tropeçando, saindo do caminho do homem. Agora o caminho estava livre. Apatetado, viu o homem parar e apontar a arma diretamente para ele.
— Cuidado! — Mas antes que pudesse mergulhar no chão ou se proteger atrás de uma barraca, sentiu o impacto da primeira bala, atirando-o para trás, em cima de um dos Faixas Verdes. Mais balas, alguém gritou, depois outra arma começou a disparar, deixando-o surdo.
Era Hussein. Seus reflexos tinham sido muito bons. Imediatamente, ele compreendera que o ataque era contra ele e o sinal que Starke lhe dera havia sido suficiente. Com um só movimento, ele tinha empunhado a arma, mirado e apertado o gatilho, com o cérebro gritando: Não há nenhum outro Deus além de...
Seus tiros foram certeiros. Ele matou Ibrahim, arrancando-lhe a arma da mão e atirando-o no chão. Rapidamente, o mulá parou de atirar e viu que ainda estava em pé, sem acreditar que não estivesse ferido, achando impossível o assassino ter errado, impossível ele não estar a caminho do Paraíso. Abalado, ele viu a confusão à sua volta, feridos sendo ajudados, outros gemendo e xingando, um dos seus Faixas Verdes caído, morto, muitos passantes feridos. Starke estava caído sob as barracas.
— Graças a Deus, Excelência Hussein, o senhor não está ferido — disse um Faixa Verde.
— Seja como Deus quiser... Deus é grande... — Hussein ajoelhou-se ao lado de Starke. Viu que o sangue pingava da sua manga esquerda e que o rosto dele estava branco. — Onde foi atingido?
— Eu... não tenho certeza. Acho que no ombro ou no peito. — Era a primeira vez que Starke levava um tiro. Quando a bala o atingiu e o atirou de costas no chão, ele não sentiu dor, mas o seu cérebro gritou: Eu estou morto, o filho da mãe me matou, nunca mais verei Manuela, nunca mais voltarei para casa, nunca mais verei as crianças, estou morto... Então tinha sentido uma vontade enorme de correr, de escapar da própria morte. Ele quis se levantar, mas a dor o impediu e agora Hussein estava ajoelhado ao lado dele.
— Deixe-me ajudá-lo — disse Hussein, depois virou-se para o Faixa Verde
— Segure o outro braço dele.
Ele gritou quando o viraram e tentaram ajudá-lo a levantar-se.
— Esperem... pelo amor de Deus... — Quando o espasmo passou, viu que não podia mover o braço esquerdo, mas que o direito estava bom. Com a mão direita, ele se apalpou e depois mexeu com as pernas. Não sentiu dor. Parecia estar tudo funcionando, exceto o braço e o ombro esquerdos e sua cabeça estava confusa. Trincando os dentes, abriu o casaco e a camisa. Havia sangue escorrendo do buraco que tinha mo meio do ombro, mas não estava jorrando e ele não-estava com muita dificuldade para respirar, só sentia uma pontada forte quando se movia. — Eu... eu acho que a bala está no meu pulmão.
— Ora essa, piloto — disse o Faixa Verde, com uma risada. — Olhe, há outro buraco nas costas do seu casaco, a bala deve ter atravessado o seu ombro.
— E enfiou um dedo sujo no buraco e Starke xingou-o violentamente. — Xingue a si mesmo, infiel — disse o homem. — Xingue a si mesmo e não a mim. Talvez Deus, na sua misericórdia, tenha-lhe devolvido a vida, embora por que o fizesse... — Ele deu de ombros e se levantou, olhou para o companheiro morto ali perto e para o outro, ferido, tornou a dar de ombros, caminhou até Ibrahim Kyabi que estava caído no chão e começou a revistar-lhe os bolsos.
A multidão que enchia a praça avançava, cercando-os, então Hussein se levantou e fez sinal para que se afastassem.
— Deus é grande, Deus é grande — gritou. — Afastem-se. Ajudem aos que estão feridos! — Depois que conseguiu abrir espaço, ele se ajoelhou ao lado de Starke. — Eu não o avisei de que o tempo era curto? Deus o protegeu desta vez para dar-lhe outra chance.
Mas Starke mal escutou. Ele tinha encontrado o seu lenço e o apertava de encontro à ferida, tentando estancar o sangue, sentindo-o escorrer pelas costas, resmungando e xingando, agora não mais cheio de terror, mas ainda com medo de passar a vergonha de fugir.
— Por que aquele filho da mãe estava tentando me matar? — resmungou. — Filho da puta maluco!
— Ele estava tentando matar a mim, não a você. Starke olhou para o mulá.
— Fedayim, mujhadin!
— Ou do Tudeh. Que importância tem isso, ele era um inimigo de Deus. Deus o matou.
Starke sentiu outra pontada no peito. Abafou um palavrão, odiando toda aquela conversa de Deus, sem querer pensar em Deus, mas apenas em Manuela e nas crianças e numa vida normal e em sair dali. Estou cheio de toda essa loucura, em matar em nome da sua versão estreita de Deus.
— Filhos da puta! — resmungou, as palavras abafadas pelo barulho. Seu ombro estava latejando, a dor se espalhava. Enrolou o lenço o melhor que pôde, usando-o como um curativo e fechou o casaco, murmurando obscenidades.
Que diabo eu vou fazer agora, pelo amor de Deus? Maldito filho da mãe, como é que eu vou pilotar agora? Mudou ligeiramente de posição. Deu outro gemido, soltou outro palavrão, desgostoso consigo mesmo, desejando ser estóico.
Hussein despertou do seu devaneio, angustiado por Deus ter decidido deixá-lo vivo, quando, mais uma vez, ele deveria ter sido martirizado. Por quê? Por que eu sou tão amaldiçoado? E este americano, é impossível que as balas não o tenham matado também — por que ele também foi deixado vivo?
— Nós vamos para a sua base. Você pode levantar-se?
— Eu... claro, só um instante. — Starke se preparou. — Está bem, cuidado... oh, meu Deus... — Mesmo assim ele conseguiu se levantar, nauseado de dor. — Um dos seus homens pode ir guiando?
— Sim. — Hussein chamou o Faixa Verde que estava ajoelhado ao lado de Kyabi — Firouz, depressa! — Obedientemente, o homem voltou.
— Só havia estas moedas no bolso dele, Excelência, e isto aqui. O que está escrito?
Hussein examinou atentamente o cartão.
— É uma carteira de identidade da Universidade de Teerã.
A fotografia mostrava um rapaz bonito sorrindo para a câmera. IBRAHIM KYABI, 3º ANO, SEÇÃO DE ENGENHARIA. DATA DE NASCIMENTO: 12 DE MARÇO DE 1955. Hussein virou o cartão.
— Há um endereço em Teerã.
— Universidades nojentas — disse outro Faixa Verde. — Entes do demônio e da maldade ocidental.
— Quando o imã reabrir as universidades, que Deus lhe dê paz, os mulás ficarão encarregados delas. Nós acabaremos com todas as idéias ocidentais, contrárias ao Islã, para sempre. Entregue o cartão ao komiteh, Firouz. Eles podem mandá-lo para Teerã. Os komitehs em Teerã interrogarão a sua família e os seus amigos, e lidarão com eles. — Hussein viu Starke olhando para ele. — Sim, capitão?
Starke tinha visto o retrato.
— Eu só estava pensando que dentro de poucos dias ele faria 24 anos. Um desperdício, não?
— Deus castigou a sua maldade. Agora ele está no inferno.
AO NORTE DE KOWISS: 16:10H. O 206 cruzava as colinas de Zagros com McIver nos controles e Ali Kia cochilando ao lado dele. McIver estava se sentindo muito bem. Desde que decidira que ele mesmo pilotaria o helicóptero para Ali Kia, vinha sentindo a cabeça leve. Era a solução perfeita, a única solução.
— O meu exame médico não está atualizado, e daí? Nós estamos numa operação de guerra, temos que aceitar riscos e eu ainda sou o melhor piloto da companhia.
Ele olhou para Kia. Se você não fosse um pé no saco, eu o abraçaria por esta oportunidade. Ele sorriu e apertou o botão do microfone.
— Kowiss, aqui é HotelTangoraioX, a trezentos metros de altura, rumo de 185 graus, vindo de Teerã com o ministro Kia a bordo.
— HTX. Mantenha esta direção, comunique-se quando estiver chegando.
O vôo e o reabastecimento no aeroporto internacional de Isfahan tinham sido sem novidades, exceto por alguns minutos, depois de aterrissarem, quando Faixas Verdes nervosos, cercaram o helicóptero gritando ameaçadoramente, mesmo depois dele ter recebido autorização para pousar e reabastecer
— Fale pelo rádio, insista para que o supervisor venha até aqui imediatamente — Kia tinha dito para McIver, nervoso. — Eu represento o governo.
McIver tinha obedecido.
— A, ahn, torre diz que se não reabastecermos e partirmos dentro de uma hora, o komiteh apreenderá o aparelho. — E acrescentou brandamente, encantado de transmitir a mensagem: — Eles disseram: "Pilotos estrangeiros e aviões estrangeiros não são bem-vindos a Isfahan, nem os cães de guarda do governo de Bazargan, dominado pelos estrangeiros!"
— Bárbaros, camponeses ignorantes — Kia tinha dito com desprezo, mas só quando estava novamente no ar, a salvo, e McIver enormemente aliviado por ter podido pousar num aeroporto civil e não ser forçado a usar a base da Força Aérea onde Lochart reabastecera o seu helicóptero.
McIver podia ver toda a base aérea de Kowiss agora. Do outro lado do campo, perto do complexo da CHI, ele viu o 125 da companhia e o seu coração deu um salto. Eu disse a Starke para tirar os rapazes daqui cedo, pensou, zangado.
— CHI, controle, HTX de Teerã com o ministro Kia a bordo.
— CHI, controle, HTX, pouse na pista dois. O vento está soprando a 35 nós, 135 graus.
McIver podia ver Faixas Verdes no portão principal, outros perto da pista junto com Esvandiary e os empregados iranianos. Um grupo de mecânicos e pilotos também estava reunido ali perto. Meu comitê de recepção, pensou, reconhecendo John Hogg, Lochart, Jean-Luc e Ayre. Nada de Starke. Eu estou ilegal, e daí, o que eles podem fazer? Eu sou o superior deles, mas se o DAC descobrir, vai ficar uma fera. Ele já estava com o discurso preparado: "Peço desculpas, mas para atender às exigências do ministro Kia, eu precisava tomar uma decisão imediatamente. E claro que isto não tornará a acontecer." Isto não teria acontecido se a operação Turbilhão não existisse. Ele se inclinou e sacudiu Kia.
— Estaremos pousando dentro de poucos minutos, aga.
Kia tirou do rosto o ar de cansaço, olhou para o relógio, depois consertou a gravata, penteou os cabelos e ajeitou cuidadosamente o chapéu de astracã. Ele estudou as pessoas lá embaixo, os hangares impecáveis, e todos os helicópteros alinhados: dois 212, três 206, dois Alouettes. Meus helicópteros, pensou satisfeito.
— Por que a viagem foi tão demorada? — perguntou secamente.
— Estamos no horário, ministro. Tivemos um pouco de vento contrário. — McIver estava concentrado no pouso, precisando fazê-lo muito bem-feito. E o fez.
Esvandiary abriu a porta de Kia.
— Excelência ministro, eu sou Kuran Esvandiary, chefe da IranOil nesta região, bem-vindo a Kowiss. O senhor diretor gerente Siamaki ligou para certificar-se de que estávamos preparados para recebê-lo. Seja bem-vindo!
— Obrigado. — Ostensivamente, Kia disse para McIver: — Piloto, esteja pronto para decolar amanhã às dez horas. Eu posso querer visitar alguns campos de petróleo com Sua Excelência Esvandiary antes de voltar Não se esqueça, eu tenho que estar em Teerã a tempo para a minha reunião das 19 horas com o primeiro-ministro. — Ele saltou e foi levado para inspecionar os helicópteros. Imediatamente, Ayre, Lochart e os outros se aproximaram da janela de McIver. Ele ignorou a cara de preocupação deles e sorriu.
— Olá, como estão as coisas?
— Deixe-me terminar o pouso para você, Mac — disse Ayre. — Nós temos...
— Obrigado, mas eu sou perfeitamente capaz — disse McIver, bruscamente —, depois falou no microfone: — HTX desligando os motores. — Ele viu o ar de preocupação de Lochart e tornou a suspirar. — Eu sei que estou um pouco fora das regras, Tom, e daí?
— Não é isto, Mac — Lochart disse depressa. — Duke levou um tiro
— McIver escutou estarrecido enquanto Lochart contava o que tinha acontecido. — Ele está na enfermaria agora. O doutor Nutt acha que o pulmão dele pode estar perfurado.
— Meu Deus! Então embarque no 125, ande Johnny, vá...
— Ele não pode fazer isso, Mac — Lochart falou depressa — 'Pé-quente' suspendeu a partida do 125 até depois da inspeção de Kia. Ontem o velho Duke tentou de todas as maneiras conseguir que ele partisse antes da sua chegada, mas 'Pé-quente' é um filho da puta. E isso não é tudo, eu acho que Teerã sabe dos nossos planos.
— O quê!
Lochart contou-lhe sobre os telex e as chamadas pelo HF.
— Siamaki está enchendo os ouvidos de 'Pé-quente', deixando-o nervoso. Eu atendi a última chamada de Siamaki — Duke tinha ido falar com o mulá — e ele estava uma fera. Eu disse a mesma coisa que Duke tinha dito e o despachei dizendo que você ligaria assim que chegasse, mas Jesus, Mac, ele sabe que você e Charlie tiraram tudo do apartamento.
— Ali Babá! Ele deve ter sido posto lá para nos espionar. — A cabeça de McIver estava fervendo. Então ele notou o pequeno São Cristóvão de ouro que geralmente pendurava na bússola quando estava pilotando. Era um presente de Genny, o seu primeiro presente, um presente de guerra, logo depois que eles se conheceram, ele na RAF, ela uma WAAF.
— É para você não se perder, garoto — ela tinha dito. — Você não tem muito senso de direção.
Ele sorriu e se sentiu agradecido.
— Primeiro vou ver Duke. — Ele podia ver Esvandiary e Kia percorrendo a fileira de helicópteros. — Tom, você e Jean-Luc vejam se conseguem acompanhar Kia, amaciá-lo um pouco, puxar o saco dele, eu vou me encontrar com vocês assim que puder. — Eles obedeceram imediatamente.
— Freddy, espalhe a notícia de que assim que conseguirmos autorização para o 125 partir, todo mundo deve embarcar rapidamente e sem chamar a atenção. A bagagem já está a bordo?
— Sim, mas e quanto a Siamaki?
— Deixe que eu me preocupo com isso, pode ir. — McIver saiu apressado.
Johnny Hogg gritou atrás dele:
— Mac, preciso falar com você assim que for possível. Ele percebeu a urgência na voz de Hogg e parou.
— O que é,Johnny?
— Urgente e confidencial de Andy: se o tempo piorar, ele talvez adie o Turbilhão para sábado. O vento mudou. Agora está contrário e não a favor.
— Você está pensando que eu não sei distinguir um sudeste de um noroeste?
— Desculpe. Andy disse também que já que você está aqui, ele não poderá transmitir-lhe o sim ou não que prometeu.
— Está certo. Peça a ele para transmitir a Charlie. O que mais?
— O resto pode esperar. Eu não contei nada aos outros.
O doutor Nutt estava na enfermaria com Starke. Este estava deitado numa cama, com o braço na tipóia e o ombro todo enfaixado.
— Olá, Mac, fez boa viagem? — disse severamente.
— Não comece! Olá doutor! Duke, vamos embarcá-lo no 125.
— Não. Temos que pensar em amanhã.
— Amanhã é amanhã e você vai embora no 124... 125! Pelo amor de Deus — disse McIver irritado; o alívio de ter feito um vôo seguro e de ver Starke vivo o fez perder o controle. — Não aja como se fosse Deadeye Dick no Álamo!
— Ele não estava no maldito Álamo — Starke respondeu zangado — e quem é você afinal para agir como Chuck Yeageri
O doutor Nutt disse calmamente:
— Se vocês dois não se acalmarem, eu vou pedir duas lavagens para vocês.
Os dois homens começaram a rir e Starke sentiu uma pontada de dor.
— Pelo amor de Deus, doutor, não me faça rir... — E McIver disse:
— Duke, Kia insistiu que eu o acompanhasse. Eu não podia dar-lhe um fora.
— Claro — Starke grunhiu. — Como foi?
— Ótimo.
— E o vento?
— Não é um impedimento para amanhã. Ele pode tornar a mudar rapidamente.
— Se continuar assim, será um vento contrário de trinta nós ou mais e nós não vamos conseguir atravessar o golfo. Não há maneira de carregarmos combustível suficiente...
— Sim, doutor, o que é?
— Duke deve ser radiografado o quanto antes. A clavícula foi atingida e há algum estrago no músculo e nos tendões, a ferida está limpa. Pode haver uma ou duas perfurações no pulmão esquerdo e ele perdeu um pouco de sangue, mas no geral ele teve muita sorte.
— Eu me sinto bem, doutor, posso me locomover — disse Starke. — Um dia não vai fazer tanta diferença assim. Eu posso ir amanhã.
— Desculpe, meu velho, mas você está abalado. Balas fazem isso. Você pode não estar sentindo agora, mas vai sentir daqui a uma ou duas horas, eu garanto. — O doutor Nutt estava muito contente por estar indo embora no 125. Não quero lidar mais com isso, disse a si mesmo. Não quero mais ver corpos jovens e sadios feridos e mutilados. Para mim chega. É, mas vou ter que agüentar mais alguns dias, vai haver mais gente para tratar porque o Turbilhão não vai dar certo. Não vai, eu estou sentindo nos ossos. — Sinto muito, mas você atrapalharia qualquer operação, mesmo uma sem importância.
— Duke — disse McIver — é melhor você partir imediatamente. Tom, você leva um... não é necessário que Jean-Luc fique.
— E que diabo você vai fazer? McIver sorriu satisfeito.
— Eu vou ser um dos passageiros. Enquanto isso, sou apenas o piloto particular de Kia.
NA TORRE: 16:50H. — Eu repito, sr. Siamaki — McIver disse irritado no microfone — há uma conferência importante em Al Shargaz...
— E eu repito, por que não fui informado disso imediatamente? — O homem estava irritadíssimo.
Os nós dos dedos de McIver estavam brancos de tanto apertar o microfone e ele estava sendo atentamente observado por um Faixa Verde e por Wazari, cujo rosto ainda estava inchado da surra que levara de Zataki.
— Eu repito, aga Siamaki — disse, nervoso — o capitão Pettikin e o capitão Lane foram chamados para uma conferência em Al Shargaz e não houve tempo para informá-lo.
— Por quê? Eu estou aqui em Teerã. Por que o escritório não foi informado? Onde estão os vistos de saída? Onde?
McIver fingiu estar um pouco irritado.
— Eu já lhe disse, aga, não houve tempo, os telefones em Teerã não funcionam, e eu consegui os vistos com o komiteh do aeroporto, Sua Excelência o mulá responsável autorizou pessoalmente. — O Faixa Verde, que não entendia inglês, bocejou e Pigarreou barulhentamente. — Agora, se me der licença...
— Mas o senhor e o capitão Pettikin retiraram os seus pertences do apartamento. Não é verdade?
— Apenas uma precaução para não atrair os mujhadins, fedayims, ladrões e bandidos enquanto estamos fora — McIver disse tranqüilamente, consciente da atenção de Wazari e certo de que a torre da base aérea estava ouvindo a conversa. — Agora, se me der licença, o ministro Kia está solicitando a minha presença.
— Ah, o ministro Kia, ah, sim! — Siamaki acalmou-se um pouco. — A que horas vocês chegam amanhã em Teerã?
— Depende do vento... — McIver ficou apavorado porque sentiu um súbito impulso de contar tudo sobre a operação Turbilhão. Eu devo estar ficando biruta, pensou. — Depende do ministro Kia, do vento, do reabastecimento, mas devemos chegar durante a tarde.
— Estarei esperando por vocês; posso até esperá-los no aeroporto se souber o seu ETA; há cheques para serem assinados e muita coisa para discutir. Por favor, dê lembranças minhas ao ministro Kia e diga-lhe que eu desejo que ele tenha uma boa estada em Kowiss. — A transmissão foi interrompida. McIver suspirou e pousou o microfone.
— Sargento, enquanto estou aqui, gostaria de falar com Bandar Delam e com Lengeh.
— Vou ter que pedir à base — disse Wazari.
— Faça isso. — McIver olhou pela janela. O tempo estava piorando, com o sudeste açoitando a biruta e os mastros das antenas de radia Trinta nós, aumentando para 35. É demais, pensou. O tanque de lama que tinha despencado pelo telhado estava a poucos metros de distância. Ele podia ver Hogg e Jones esperando pacientemente na cabine do 125, a porta da cabine de passageiros convidativamente aberta. Por outra janela, viu que Kia e Esvandiary tinham terminado a inspeção e estavam-se dirigindo para os escritórios que ficavam embaixo de onde estava. Ele viu que um conector da antena principal do telhado estava solto, depois notou o fio quase desligado.
— Sargento, é melhor o senhor consertar aquilo, senão poderá perder toda a transmissão.
— Jesus, claro, obrigado. — Wazari levantou-se e parou. Pelo alto-falante ouviu-se:
— Aqui é a torre de Kowiss. Solicitação para chamar Bandar Delam e Lengeh aprovada. — Ele respondeu, trocou de freqüência e fez a ligação.
— Aqui é Bandar Delam, prossiga Kowiss. — McIver sentiu o coração disparar, ao reconhecer a voz de Rudi Lutz.
Wazari entregou-lhe o microfone, com os olhos no fio solto lá fora.
— Filho da puta — murmurou, apanhou algumas ferramentas, abriu a porta que dava para o telhado e saiu. Ele ainda estava perto o bastante para escutar a conversa. O Faixa Verde bocejou, desinteressado.
— Alô, capitão Lutz, McIver. Vou passar a noite aqui. — McIver disse calmamente, escolhendo as palavras com muito cuidado. — Tive que acompanhar um VIP, o ministro Kia, de Teerã. Como estão as coisas em Bandar Delam?
— Está tudo bem, mas se... — Ele parou. McIver tinha percebido a preocupação dele, logo controlada. Ele olhou para Wazari, que estava agachado ao lado do conector. — Quanto tempo... quanto tempo você vai ficar aí, Mac? — Rudi perguntou.
— Estarei a caminho amanhã conforme o planejado. Desde que o tempo permita — acrescentou cautelosamente.
— Compreendo. Não se preocupe.
— Não estou preocupado. Todos os sistemas estão em perfeitas condições. E você?
Outra pausa.
— Está tudo bem. Todos os sistemas estão em perfeitas condições e viva o imã!
— Certo. O motivo da chamada é que o QG em Aberdeen quer informações urgentes sobre o seu 'arquivo atualizado'. — Este era o código para as providências do Turbilhão. — Está pronto?
— Sim, está. Para onde devo mandá-lo? — O que em código significava: Ainda vamos para Al Shargaz?
— Gavallan está em Al Shargaz, numa viagem de inspeção, então mande para lá. É importante que você faça um esforço para que isto chegue lá o quanto antes. Eu soube, em Teerã, que haveria um vôo da BA para Abadan amanhã. Envie-o para Al Shargaz por este vôo, está bem?
— Alto e claro. Tenho trabalhado nisso o dia todo.
— Excelente. Como está a situação da substituição do nosso pessoal?
— Muito boa. O pessoal já partiu e os substitutos devem chegar no sábado, ou no máximo no domingo. Está tudo preparado para a chegada deles. Eu estarei na próxima troca de pessoal.
— Ótimo. Eu estarei aqui se precisar de mim. Como está o tempo aí? Uma pausa.
— Ruim. Está chovendo. Temos um sudeste.
— Aqui está a mesma coisa. Não se preocupe.
— Antes que eu me esqueça: Siamaki ligou umas duas vezes para Munir, o nosso gerente da IranOil.
— Para quê? — perguntou McIver.
— Só para checar a base, foi o que Munir disse.
— Ótimo — McIver disse cautelosamente. — Fico contente por ele estar interessado na nossa operação. Chamarei amanhã, está tudo tranqüilo. Feliz aterrissagem.
— Para você também. Obrigado por chamar.
McIver desligou xingando Siamaki. Maldito filho da mãe intrometido! Ele olhou para fora. Wazari ainda estava de costas para ele, ajoelhado ao lado da antena da base, perto da clarabóia que dava para o escritório lá embaixo, totalmente concentrado, então ele o deixou lá e fez a ligação para Lengeh.
Scragger atendeu imediatamente.
— Olá, cara. Sim, nós soubemos que você estava fazendo uma viagem de rotina acompanhando um VIP. Andy ligou de Al Shargaz. O que é que há?
— Rotina. Está tudo correndo conforme o planejado. O QG de Aberdeen está precisando de informações a respeito do seu 'arquivo atualizado'. Já está pronto?
— Prontinho. Para onde devo mandá-lo?
— Para Al Shargaz. Fica mais fácil para você. Pode enviá-lo amanhã?
— Tudo bem, meu velho, vou tratar disto. Como está o tempo aí?
— Ventos de sudeste, entre 30 e 35 nós. Johnny disse que pode ser que melhore amanhã. E aí?
— A mesma coisa. Vamos torcer para melhorar. Para nós isso não é problema.
— Ótimo. Eu torno a chamar amanhã. Feliz aterrissagem.
— Igualmente. Por falar nisto, como vai Lulu?
McIver disse um palavrão, porque na excitação da mudança de planos, tendo que acompanhar Kia, ele tinha esquecido completamente do juramento que fizera ao seu carro de salvá-lo de um destino pior do que a morte. Ele o tinha simplesmente deixado num dos hangares para que o seu pessoal soubesse que voltaria no dia seguinte.
— Está bem — ele disse. — E o seu exame médico?
— Está ótimo. E o seu, meu chapa?
— Vejo-o em breve, Scrag. — McIver desligou. Ele estava se sentindo muito cansado. Espreguiçou-se e levantou-se, viu que o Faixa Verde tinha saído e que Wazari estava em pé na porta que dava para o telhado, com um ar estranho.
— Qual é o problema?
— Eu... nada, capitão. — O rapaz fechou a porta, tremendo de frio, e ficou espantado ao ver que estavam sozinhos na torre. — Onde está o Faixa Verde?
— Não sei. — Rapidamente, Wazari verificou as escadas, depois virou-se para ele e baixou a voz.
— O que está acontecendo, capitão? O cansaço de McIver desapareceu.
— Não estou entendendo.
— Todos esses chamados de Siamaki, telex, gente saindo de Teerã sem autorização, todo o pessoal daqui indo embora, peças sendo retiradas às escondidas, o ministro chegando de repente.
— Turmas precisam ser substituídas, peças tornam-se supérfluas. Obrigado pela ajuda. — McIver virou-se para sair, mas Wazari bloqueou o caminho.
— Há alguma coisa acontecendo! O senhor não pode me dizer que... — Ele parou, ouvindo passos se aproximando. — Ouça, capitão — murmurou ansiosamente. — Eu estou do seu lado, tenho um trato com o capitão Ayre, ele vai me ajudar...
O Faixa Verde entrou na sala e disse alguma coisa em farsi para Wazari, cujos olhos se arregalaram.
— O que foi que ele disse? — McIver perguntou.
— Esvandiary quer vê-lo lá embaixo. — Wazari sorriu sardonicamente depois voltou para o telhado e se agachou ao lado do conector.
NO ESCRITÓRIO DE ESVANDIARY: 17:40H. Tom Lochart estava paralisado de raiva e McIver também.
— Mas os nossos vistos de saída estão em dia e nós temos autorização para retirar o pessoal hoje, agora!
— Com a aprovação do ministro Kia, as autorizações estão suspensas até chegarem os substitutos — Esvandiary disse secamente. Ele estava sentado atrás da escrivaninha, com Kia ao lado, Lochart e McIver em pé diante dele. Sobre a escrivaninha havia uma pilha de vistos e passaportes. Já estava quase escurecendo. — Aga Siamaki também está de acordo.
— Isto mesmo. — Kia estava se divertindo com a irritação deles. Malditos estrangeiros. — Não há necessidade de toda essa pressa, capitão. É muito melhor fazer as coisas ordenadamente, muito melhor.
— Nós estamos agindo ordenadamente, ministro Kia — McIver disse com raiva. — Nós temos as autorizações. Eu insisto que o avião parta conforme estava planejado!
— Isto aqui é o Irã, não a Inglaterra — Esvandiary debochou. — E mesmo lá eu duvido que o senhor pudesse insistir em alguma coisa. — Ele estava muito satisfeito consigo mesmo. O ministro Kia tinha ficado encantado com o seu pishkesh: os rendimentos de um futuro poço de petróleo e tinha-lhe oferecido imediatamente um lugar na diretoria da CHI. Então para sua grande alegria, Kia tinha explicado que se deveria cobrar uma taxa para cada visto de saída:
— Deixe os estrangeiros espernearem — o ministro tinha acrescentado. — Até sábado, eles estarão loucos para pagar, digamos, trezentos dólares americanos, em dinheiro, por cabeça.
— Como o ministro disse — ele falou com um ar de importância — nós devemos agir ordenadamente. Agora eu estou ocupado, boa...
A porta se abriu e Starke entrou no escritório, com o rosto pálido, e o braço esquerdo na tipóia.
— Que diabo está acontecendo com você, Esvandiary? Você não pode cancelar os vistos.
— Os vistos foram adiados e não cancelados. Adiados! — O rosto de Esvandiary contorceu-se de raiva. — E quantas vezes vou precisar dizer a vocês, gente sem educação, para bater antes de entrar? Bater! Este escritório não é seu, é meu, eu dirijo esta base e o ministro Kia e eu estamos tendo uma reunião que você interrompeu. Agora saiam, todos vocês! — Ele se virou para Kia, como se os dois estivessem sozinhos e disse em farsi com outro tom de voz: — Ministro, eu peço desculpas por tudo isso, o senhor está vendo o tipo de coisas com que eu tenho que lidar. Recomendo que todos os aviões estrangeiros sejam nacionalizados e que usemos apenas os nossos próprios pil...
Starke fechou o punho.
— Escuta aqui, seu filho da puta!
— SAIA! — Esvandiary estendeu a mão para a gaveta onde havia uma pistola. Mas não chegou a apanhá-la. O mulá Hussein entrou pela porta, acompanhado de Faixas Verdes. Houve um súbito silêncio na sala.
— Em nome de Deus, o que está acontecendo aqui? — Hussein disse em inglês, com seus olhos frios e duros pousados em Esvandiary e Kia. Imediatamente, Esvandiary levantou-se e começou a explicar, falando em farsi, Starke se meteu e em pouco tempo os dois estavam aos berros. Impacientemente, Hussein levantou a mão. — Primeiro você, aga Esvandiary. Por favor, fale em farsi para que o meu komiteh possa entender. — E escutou impassivamente a longa tirada em farsi, com os seus quatro Faixas Verdes amontoados na porta. Depois fez um sinal para Starke. — Capitão?
Starke foi breve e direto. Hussein olhou para Kia.
— Agora o senhor, Excelência ministro. Posso ver a sua autorização para passar por cima da autoridade de Kowiss e cancelar os vistos de saída?
— Cancelar, Excelência mulá? Adiar? Eu não — Kia disse calmamente. — Eu sou apenas um servo do imã, que a paz de Deus esteja com ele, e do primeiro-ministro indicado por ele e do seu governo.
— Excelência Esvandiary disse que o senhor aprovou o adiamento.
— Eu simplesmente concordei com o desejo dele de uma substituição ordenada de pessoal.
Hussein olhou para a escrivaninha.
— Estes são os vistos de saída e os passaportes? Esvandiary sentiu a boca seca.
— Sim, Excelência.
Hussein apanhou-os e os entregou a Starke.
— Os homens e o avião partirão imediatamente.
— Obrigado, Excelência. — Disse Starke, sentindo-se fraco por ficar tanto tempo em pé.
— Deixe-me ajudá-lo — McIver apanhou os passaportes e os vistos. — Obrigado, aga — disse para o mulá, radiante com a vitória.
Os olhos de Hussein estavam tão duros e frios como antes.
— O imã disse: "Se os estrangeiros quiserem partir, deixem-nos partir, nós não precisamos deles!"
— Ahn, sim, obrigado — disse McIver, não se sentindo nada à vontade perto daquele homem. Ele saiu, seguido de Lochart
Starke estava dizendo em farsi:
— Acho que vou ter que partir neste avião também, Excelência. — E repetiu o que o doutor Nutt tinha dito, acrescentando em inglês: — Eu não quero ir, mas não posso fazer nada. Insha'Allah.
Hussein concordou com a cabeça, pensativo.
— O senhor não precisa de um visto de saída. Pode embarcar. Eu vou explicar ao komiteh. Agora vou assistir à partida do avião. — Ele saiu e foi até a torre para comunicar a sua decisão ao coronel Changiz.
O 125 ficou cheio em pouco tempo. Starke foi o último a embarcar, com as pernas bambas. O doutor Nutt tinha-lhe dado analgésicos para que ele pudesse embarcar.
— Obrigado, Excelência — disse a Hussein por sobre o ruído dos jatos, ainda temendo-o, mas ao mesmo tempo gostando dele, sem saber por quê. — Que a paz de Deus esteja com o senhor.
Hussein estava com um ar estranho.
— A corrupção e a mentira são contra as leis de Deus, não são?
— Sim, são. — Starke viu a indecisão no rosto de Hussein. Então o momento passou.
— Que a paz de Deus esteja com o senhor, capitão. — Hussein virou-se e se afastou. O ar ficou mais leve.
Muito fraco, Starke subiu os degraus, usando a mão boa para se apoiar, procurando caminhar ereto. Lá no alto, ele se segurou no corrimão e se virou por um momento, com a cabeça latejando e o peito doendo. Tanta coisa estava sendo deixada para trás, tanta coisa, não apenas helicópteros e peças e coisas materiais, muito mais do que isso. Droga, eu devia ficar e não partir. Com um ar tristonho, ele deu adeus para os que estavam ficando para trás e fez um sinal com os polegares para cima, dolorosamente consciente de que estava agradecido por não estar entre eles.
No escritório, Esvandiary e Kia observavam o 125 taxiando na pista. Que Deus os amaldiçoe, que vão todos para o inferno por se intrometerem, Esvandiary pensou. Então ele controlou a raiva, concentrando-se na grande festa que alguns amigos, que desejavam ardentemente conhecer o ministro Kia, seu amigo e colega de diretoria, tinham preparado, na apresentação das dançarinas e nas ligações amorosas temporárias...
A porta se abriu. Para seu espanto, Hussein entrou, lívido de raiva, acompanhado por Faixas Verdes. Esvandiary levantou-se.
— Sim, Excelência? O que posso fazer... — Ele parou quando um Faixa Verde o empurrou rudemente para permitir que Hussein se sentasse atrás da escrivaninha. Kia ficou onde estava, perplexo.
Hussein disse:
— O imã, que a paz esteja com ele, ordenou que os komitehs acabassem com toda a corrupção, onde quer que ela existisse. Este é o komiteh da base aérea de Kowiss. Vocês dois são acusados de corrupção.
Kia e Esvandiary empalideceram e começaram a falar ao mesmo tempo, declarando que aquilo era ridículo e que eles estavam sendo falsamente acusados. Hussein estendeu a mão e deu um puxão na pulseira de ouro do relógio também de ouro que estava no pulso de Esvandiary
— Quando foi que você comprou isto e como foi que pagou?
— Minhas... minhas economias e...
— Mentiroso. Pishkesh por dois serviços. O komiteh sabe. Agora, e quanto ao seu plano de lesar o Estado, oferecendo secretamente rendimentos de petróleo para corromper funcionários?
— Ridículo, Excelência, é tudo mentira! — Esvandiary gritou, em pânico. Hussein olhou para Kia que também tinha ficado lívido.
— Que funcionários, Excelência? — Kia perguntou, mantendo a voz calma, certo de que seus inimigos tinham-lhe preparado uma cilada bem longe da sua área de influência. Siamaki! Tem que ser Siamaki!
Hussein fez sinal para um dos Faixas Verdes, que saiu e voltou com o operador de rádio, Wazari.
— Diga a eles, diante de Deus, o que você me disse — ordenou.
— Conforme eu lhe disse, Excelência, eu estava no telhado — Wazari disse nervosamente. — Eu estava checando uma das nossas linhas e escutei a conversa deles pela clarabóia. Eu o ouvi fazer a oferta. — Ele apontou para Esvandiary, encantado pela oportunidade de se vingar. Se não fosse por Esvandiary, eu nunca teria sido apanhado por aquele louco do Zataki, não teria sido surrado e quase morto.
— Eles estavam falando em inglês e ele disse: "Eu posso dar um jeito de desviar rendimentos de petróleo dos novos poços, posso manter os poços fora das listas e desviar fundos para você"...
Esvandiary estava perplexo. Ele tivera o cuidado de mandar sair do escritório todo o pessoal iraniano e, além disso, tinha falado em inglês como medida de segurança. Agora estava perdido. Ele viu Wazari terminar de falar e Kia começar a responder calmamente, evitando toda cumplicidade, dizendo que estava apenas dando corda àquele homem mau e corrupto:
— Pediram-me para vir aqui exatamente para isso, Excelência, fui mandado pelo governo do imã, que Deus o proteja, exatamente com este objetivo: acabar com a corrupção onde quer que ela esteja. Permita-me congratular-me com o senhor por ser tão zeloso. Se o senhor permitir, assim que eu chegar a Teerã, vou recomendá-lo diretamente ao próprio Komiteh Revolucionário e, é claro, ao primeiro ministro.
Hussein olhou para os Faixas Verdes.
— Esvandiary é culpado ou inocente?
— Culpado, Excelência.
— Este homem, Kia, é culpado ou inocente?
— Culpado — Esvandiary gritou antes que eles pudessem responder. Um dos Faixas Verdes deu de ombros.
— Todos os teeranis são mentirosos. Culpado. — Os outros concordaram com ele.
Kia disse educadamente:
— Os mulás e os aiatolás de Teerã não são mentirosos, Excelência, o Komiteh Revolucionário não é composto de mentirosos, nem o imã, que Deus o guarde, é mentiroso e ele talvez possa ser considerado teerani porque vive agora em Teerã. Eu nasci na sagrada Qom, Excelência — ele acrescentou, abençoando este fato pela primeira vez na vida.
Um dos Faixas Verdes quebrou o silêncio.
— O que ele diz é verdade, não é, Excelência? — E coçou a cabeça. — A respeito dos teeranis?
— Que nem todos os teeranis são mentirosos? Sim, isto é verdade. — Hussein olhou para Kia, também inseguro. — Diante de Deus, você é ou não é culpado?
— É claro que não sou culpado, Excelência, diante de Deus! — Os olhos de Kia eram inocentes. Idiota! Você acha que pode me pegar com isto? O Ta-qiyah me dá o direito de me proteger caso eu considere a minha vida ameaçada por um falso mulá!
— Como o senhor explica o fato de ser um ministro do governo e também o diretor desta companhia de helicópteros?
— O ministro encarregado... — Kia parou, pois Esvandiary estava balbuciando acusações em voz alta. — Sinto muito, Excelência, seja como Deus quiser, mas com este barulho é difícil falar sem gritar.
— Levem-no para fora! — Esvandiary saiu arrastado. — Bem?
— O ministro encarregado da Aviação Civil me pediu para fazer parte da diretoria da CHI como representante do governo — Kia disse, distorcendo a verdade como se estivesse revelando um segredo de Estado, cometendo exageros com o mesmo ar de importância. — Nós não estamos seguros da lealdade dos diretores. Posso dizer-lhe ainda, confidencialmente, Excelência, que dentro de poucos dias todas as companhias de aviação estrangeiras serão nacionalizadas.
Ele falou intimamente com eles, modulando a voz para causar mais efeito, e quando achou que era o momento certo, parou e suspirou:
— Diante de Deus, eu confesso que sou tão inocente quanto o senhor, Excelência, e embora não tenha sido chamado por Deus como o senhor, também tenho dedicado a minha vida a servir ao povo.
— Que Deus o proteja, Excelência — o Faixa Verde exclamou.
Os outros concordaram e até Hussein se deixou convencer. E ia investigar um pouco mais quando se ouviu ao longe um muezin chamando para a oração da noite, e ele admoestou a si mesmo por ter desviado o pensamento de Deus.
— Vá com Deus, Excelência — disse, encerrando o julgamento, e levantou-se.
— Obrigado, Excelência. Que Deus o guarde e a todos os mulás por salvar-nos e à nossa grande nação islâmica das obras de Satã!
Hussein saiu da frente. Lá fora, seguindo o seu exemplo, todos se lavaram ritualmente, viraram-se na direção de Meca e rezaram: Kia, os Faixas Verdes, os operários, o pessoal do escritório, os empregados da cozinha — todos felizes e contentes por poderem, mais uma vez, dar testemunho, publicamente, da sua submissão pessoal a Deus e ao Profeta de Deus. Só Esvandiary chorou de forma abjeta enquanto rezava.
Kia voltou para o escritório silencioso. Ele se sentou atrás da escrivaninha e se permitiu um suspiro, congratulando-se consigo mesmo. Como foi que aquele filho de um cão do Esvandiary ousou acusar-me! A mim, o ministro Kia! Que Deus mande para o fogo do inferno a ele e todos os inimigos do Estado. Lá fora houve uma explosão de tiros. Calmamente, ele apanhou um cigarro e acendeu-o. Quanto mais cedo eu sair deste monte de merda, melhor, pensou. Uma rajada de vento sacudiu o prédio. A chuva bateu nas vidraças.
57
LENGEH: 18:50H. O entardecer estava ameaçador, o céu escuro e coberto de nuvens.
— Amanhã de manhã o tempo vai estar fechado, Scrag — disse o piloto americano, Ed Vossi, com os cabelos escuros e encaracolados despenteados por causa do vento que soprava de Ormuz para Abadan, através do golfo. — Maldito vento!
— Nós não vamos ter problemas, meu chapa. Mas e Rudi, Duke c os outros? Se o vento continuar assim ou piorar, eles vão ficar encrencados.
— Maldito vento! Por que foi escolher logo hoje para mudar de direção? — Os dois homens estavam em pé no promontório que dava para o golfo, sob o mastro da bandeira, vendo as águas cinzentas e, lá no estreito, cobertas de espuma branca. Atrás deles, estava a base e o campo de aviação, ainda molhados em conseqüência da tempestade daquela manhã. Lá embaixo, à direita, ficava a praia e o flutuador de onde eles costumavam nadar. Desde o dia em que o tubarão aparecera, ninguém mais tinha se aventurado a ir até lá, preferindo ficar no raso, caso houvesse algum outro tubarão emboscado à espera deles. Vossi resmungou:
— Eu vou ficar muito contente quando tudo isto estiver terminado. Scragger concordou distraidamente, pensando nas condições atmosféricas, tentando prever o que aconteceria nas próximas 12 horas, o que era difícil nesta época do ano, quando o golfo, geralmente tranqüilo, podia agitar-se com uma violência súbita e monstruosa. Durante 363 ou 364 dias por ano, costumava soprar um vento de noroeste. Mas agora não.
A base estava calma. Só estavam lá Vossi, Willi Neuchtreiter e dois mecânicos. Todos os outros pilotos e mecânicos e o gerente deles de escritório, inglês, tinham partido há dois dias, na terça-feira, enquanto ele estava voltando de Bandar Delam com Kasigi.
Willi os embarcara por mar para Al Shargaz:
— Nós não tivemos nenhum problema, Scrag, graças a Deus — Willi tinha dito assim que ele desembarcou. — O seu plano funcionou. Mandá-los de barco foi uma ótima idéia, melhor do que de helicóptero, e mais barato. O komiteh simplesmente deu de ombros e se apossou de um dos trailers.
— Eles estão dormindo na base, agora?
— Alguns deles, Scrag. Três ou quatro. Eu providenciei para que tivessem bastante arroz e horisht. Não são um grupo ruim. Masoud também está tentando manter as boas graças deles. — Masoud era o gerente da IranOil.
— Por que você ficou, Willi? Eu sei como você se sente com relação a esta operação, eu disse para você partir no barco, não havia necessidade de ficar.
— Claro que não, Scrag, mas você vai precisar de um piloto de verdade ao seu lado. Você é capaz de se perder.
Bom e velho Willi, Scragger pensou. Que bom que ele ficou. E que pena.
Desde a sua volta de Bandar Delam na terça-feira, Scragger vinha se sentindo muito inquieto, nada que ele pudesse localizar, apenas uma sensação de que elementos que ele não podia controlar estavam esperando para atacar. A dor de barriga tinha diminuído, mas de vez em quando havia um pouco de sangue na sua urina. O fato de não ter avisado a Kasigi sobre a operação Turbilhão aumentava o seu desconforto. Que inferno, pensou, eu não poderia ter assumido este risco, fiz o melhor que pude mandando Kasigi procurar Gavallan.
Ontem, quarta-feira, Vossi tinha levado Kasigi para o outro lado do golfo. Scragger entregara a Vossi uma carta endereçada a Gavallan, explicando o que havia acontecido em Bandar Delam e expondo o seu dilema com relação a Kasigi, deixando para Gavallan a decisão sobre o que fazer. Na carta, ele também dava detalhes do seu encontro com Georges de Plessey que estava muito preocupado, achando que haveria mais problemas no complexo de Siri:
"Os estragos nos sistemas de extração e canalização de Siri foram piores do que pensamos no primeiro momento e não creio que ele possa produzir este mês. Kasigi vai ficar de mãos atadas, uma vez que tem três petroleiros marcados para chegar em Siri nas próximas três semanas conforme o acordo feito com Georges. E um beco sem saída, Andy. Não há nada que possamos fazer. Há pouca chance de se evitar uma sabotagem se os terroristas resolverem mesmo agir. É claro que não contei nada a Georges. Faça o que puder por Kasigi. Vejo-o em breve, Scrag."
Na chamada de rotina que recebeu de Al Shargaz naquela manhã, Gavallan tinha dito apenas que recebera o relatório e que estava tomando providências. Fora isso, foi bastante evasivo.
Scragger não havia mencionado McIver, nem Gavallan. Ele sorriu satisfeito. Aposto que o Dirty Duncan pilotou o 206! Eu jamais imaginaria que aquele velho seguidor de regras do McIver pudesse fazer uma coisa dessas! Também aposto que ele ficou radiante com essa chance e não é de espantar, eu também ficaria.
— Scrag!
Ele se virou. Bastou olhar para a cara de Willi Neuchtreiter para saber que havia alguma coisa errada.
— O que foi que houve?
— Acabei de descobrir que Masoud entregou os nossos passaportes para os guardas. Todos eles!
Vossi e Scragger olharam para ele de boca aberta. Vossi disse:
— Por que diabos ele fez isso? Scragger foi mais vulgar.
— Foi na terça-feira, Scrag, quando os outros partiram de barco. É claro que havia um guarda para acompanhá-los, para vê-los embarcar, e foi então que ele pediu a Masoud os nossos passaportes. Então Masoud os entregou. Se fosse eu teria feito o mesmo.
— Mas para que ele queria os passaportes? Willi explicou pacientemente:
— Para revalidar os nossos vistos de permanência em nome de Khomeini, Scrag, ele queria legalizar os nossos passaportes, você tinha pedido para eles fazerem isso uma porção de vezes, não tinha? — Scragger ficou um minuto inteiro dizendo palavrões e não repetiu nenhum.
— Pelo amor de Deus, Scrag, temos que apanhá-los de volta, — Vossi disse, nervoso. — Temos que apanhá-los ou então o Turbilhão está acabado.
— Eu sei disso, meu chapa — Scragger estava estudando as diferentes possibilidades.
— Talvez pudéssemos conseguir novos passaportes em Al Shargaz ou em Dubai. Dizer que perdemos os velhos — disse Willi.
— Pelo amor de Deus, Willi — Vossi explodiu. — Pelo amor de Deus, eles nos poriam na cadeia num piscar de olhos. Você se lembra do Masterson? — Um dos mecânicos deles, há uns dois anos, tinha esquecido de renovar o seu visto de entrada em Al Shargaz e tinha tentado passar pela Imigração. Embora o visto só estivesse vencido há quatro dias e o seu passaporte estivesse válido, o Serviço de Imigração o pusera na cadeia e ele tinha penado lá por seis semanas e depois tinha sido solto, mas expulso para sempre.
— Droga — dissera o funcionário britânico de lá —, você tem muita sorte de sair com uma pena tão leve. Você conhece a lei. Nós estamos cansados de avisar..
— Eu não saio daqui sem o meu de jeito nenhum — disse Vossi. — Não posso. O meu está cheio de vistos para todos os países do golfo, para a Nigéria, o Reino Unido e mais um montão de lugares, eu levaria meses para conseguir outros, meses, se conseguisse... e quanto a Al Shargaz, hein? E um lugar maravilhoso, mas sem um maldito passaporte e um visto vai-se direto para a cadeia
— Você está certo. Ed. Maldição! E amanhã é dia santo e está tudo fechado. Willi, você se lembra do nome do guarda? Ele era um dos regulares ou era um Faixa Verde?
Depois de pensar um pouco, Willi disse:
— Ele não era um Faixa Verde, Scrag, era um dos regulares. Aquele velho de cabeça branca.
— Qeshemi, o sargento?
— Sim, Scrag, ele mesmo. Scragger tornou a praguejar.
— Se o velho Qeshemi disser que vamos ter que esperar até sábado ou até a semana que vem, não tem jeito. — Naquela área, os guardas ainda funcionavam como antigamente, faziam parte das Forças Armadas, sem essa história de Faixa Verde, só que agora eles não usavam mais os distintivos do xá e sim braçadeiras com o nome de Khomeini.
— Não me esperem para jantar — Scragger saiu pisando duro.
NA DELEGACIA DE POLICIA DE LENGEH: 19:32H. O guarda bocejou e sacudiu a cabeça educadamente, falando em farsi com o operador de rádio da base, Ali Pash, que Scragger tinha levado com ele para servir de intérprete. Scragger esperou pacientemente, já muito acostumado com a maneira iraniana para saber que não devia interrompê-los. Eles já estavam nisso há meia hora.
— Oh, você quer saber dos passaportes dos estrangeiros? Os passaportes estão no cofre que é o lugar deles — o guarda estava dizendo. — Passaportes são coisas muito valiosas e nós temos que mantê-los trancados.
— Perfeitamente correto, Excelência, mas o capitão dos estrangeiros gostaria de tê-los de volta, por favor. Ele diz que precisa deles para uma troca de pessoal.
— É claro que ele pode tê-los de volta. Não são propriedade dele? Seus homens não têm executado muitas missões ao longo dos anos para o nosso povo? Certamente, Excelência, assim que o cofre for aberto.
— Por favor, ele pode ser aberto agora? O estrangeiro ficaria muito grato pela sua gentileza. — Ali Pash foi igualmente educado e não demonstrou nenhuma pressa, esperando que o guarda prestasse voluntariamente a informação que estava procurando. Ele era um teerani bem-apessoado, de quase trinta anos, que tinha sido treinado na Escola de Rádio americana em Isfahan e que estava com a CHI em Lengeh há três anos. — Seria um grande favor.
— Certamente, mas ele não pode tê-los de volta até a chave aparecer.
— Ah, e posso saber onde está a chave, Excelência?
O guarda apontou para o enorme cofre antiquado que dominava o escritório.
— Olhe, Excelência, o senhor pode ver por si mesmo, a chave não está no gancho. É mais do que provável que ela esteja com o sargento.
— Isto é muito sábio e correto, Excelência. Provavelmente Sua Excelência o sargento está em casa agora?
— Sua Excelência estará aqui pela manhã.
— No dia santo? Posso dar a minha opinião de que nós temos sorte dos
nossos policiais possuírem um senso de dever tão alto para trabalhar com tanto afinco? Imagino que ele não vá chegar cedo.
— O sargento é o sargento, mas o escritório abre às sete e meia da manhã embora, é claro, a delegacia fique aberta noite e dia. — O guarda apagou o cigarro. — Voltem de manhã.
— Ah, obrigado, Excelência. O senhor gostaria de um outro cigarro enquanto eu explico ao capitão?
— Obrigado, Excelência. É raro conseguir-se um cigarro estrangeiro, obrigado. — Os cigarros eram americanos e muito apreciados, mas nenhum deles mencionou isso.
— Posso oferecer-lhe fogo, Excelência? — Ali Pash acendeu o seu cigarro também e contou a Scragger o que havia sido dito.
— Pergunte a ele se o sargento está em casa agora, Ali Pash.
— Já perguntei, capitão. Ele disse que Sua Excelência estará aqui de manhã. — Ali Pash disfarçou o seu cansaço, educado demais para dizer a Scragger que tinha percebido em poucos segundos que este homem não sabia nada, não faria nada e que toda aquela conversa era uma perda de tempo. E é claro que os guardas preferiam não ser incomodados de noite por uma questão tão insignificante. Que importância tem isto? Alguma vez eles perderam um passaporte? É claro que não! Que troca de pessoal?
— Se o senhor me permite um conselho, aga, deixe para amanhã. Scragger suspirou. "De manhã" podia significar amanhã ou no dia seguinte. Não adiantava insistir mais, pensou irritado.
— Agradeça-lhe por mim e diga que estaremos aqui amanhã bem cedinho. Ali Pash obedeceu. Seja como Deus quiser, o guarda pensou, cansado, com fome e preocupado pelo fato de ter-se passado outra semana e ele ainda não haver recebido nenhum pagamento, há meses que não era pago, e os agiotas do bazar o estavam pressionando para pagar os empréstimos, e a minha amada família está quase passando fome.
— Shab be khayr, Agha — ele disse a Scragger. — Boa noite.
— Shab be khayr, Agha. — Scragger esperou, sabendo que a partida seria tão demorada quanto a conversa.
Lá fora na pequena rua que era a rua principal da cidade, ele se sentiu melhor. Passantes curiosos, todos homens, cercavam a sua velha caminhonete amassada, com o símbolo da SG na porta.
— Salaam — ele disse e alguns responderam. Os pilotos da base eram muito populares, a base e as plataformas de petróleo eram fontes lucrativas de trabalho, as missões de salvamento deles com qualquer tempo eram muito conhecidas e Scragger era facilmente identificável:
— Aquele é o chefe dos pilotos — um homem idoso cochichou para o seu vizinho. — Foi ele que ajudou o jovem Abdullah Turik a ir para o hospital de Bandar Abbas, onde geralmente só entram ricos. Ele foi até visitar a aldeia dele perto de Lengeh e foi ao seu enterro.
— Turik?
— Abdullah Turik, o filho do filho da minha irmã! O rapaz que caiu da plataforma de petróleo e foi comido pelos tubarões.
— Ah, sim, eu me lembro, o rapaz que dizem que foi assassinado pelos esquerdistas.
— Não fale tão alto, nunca se sabe quem pode estar ouvindo. Que a paz esteja com o senhor, piloto, saudações, piloto!
Scragger acenou para eles e arrancou.
— Mas a base é para o outro lado, capitão. Onde é que nós vamos? — Ali Pash perguntou.
— Visitar o sargento, é claro. — Scragger assoviou entredentes, ignorando a desaprovação de Ali Pash.
A casa do sargento ficava na esquina de uma ruazinha de terra cheia de poças por causa da tempestade daquela manhã, apenas outra porta nos muros altos que ficavam do outro lado da vala. Estava ficando escuro, por isso Scragger deixou os faróis ligados e saltou. Não havia nenhum sinal de vida na rua inteira. Apenas algumas das janelas altas estavam fracamente iluminadas. Sentindo o nervosismo de Ali Pash, ele disse:
— Você fica no carro. Não há problema, eu já estive aqui antes. — Ele bateu com força na porta, com a sensação de que estava sendo observado de todos os lados.
A primeira vez que ele estivera lá tinha sido há um ano, quando havia levado uma enorme cesta de comida, com dois carneiros, alguns sacos de arroz e caixotes de frutas, como um presente da base para comemorar o fato do seu sargento ter sido condecorado com a Medalha de Bronze do xá por bravura em combate contra os piratas e contrabandistas, que eram endêmicos naquelas águas. A última vez, há poucas semanas, ele tinha acompanhado um guarda preocupado, que queria que ele comunicasse imediatamente a tragédia de Siri Um, quando ele tinha retirado Abdullah Turik das águas infestadas de tubarões. Em nenhuma das duas vezes ele havia sido convidado para entrar na casa, mas havia ficado no pequeno pátio, do outro lado da grande porta de madeira, e das duas vezes era de dia.
A porta se abriu com um rangido. Scragger não estava preparado para a luz súbita que o cegou momentaneamente. O círculo de luz hesitou, depois foi para o carro e se deteve em Ali Pash, que deu um salto para fora do carro, inclinou-se respeitosamente e disse:
— Meus cumprimentos, Excelência, que a paz esteja com o senhor. Peço desculpas pelo fato do estrangeiro o estar incomodando na sua casa e ousar...
— Meus cumprimentos — Qeshemi o interrompeu bruscamente, desligou a lanterna e desviou a sua atenção para Scragger.
— Salaam, aga Qeshemi — Scragger disse, já com os olhos mais acostumados à escuridão. Ele viu o homem de traços fortes o observando, com o casaco do uniforme desabotoado e o revólver solto na cartucheira.
— Salaam, capitão.
— Desculpe vir até aqui, aga, à noite — Scragger disse devagar e cautelosamente, sabendo que o inglês de Qeshemi era tão limitado quanto o seu farsi, que era quase nulo. — Loftan, gozar nameh. Loftan. — Por favor, preciso de passaportes. Por favor.
O sargento resmungou, surpreso, e depois fez um sinal com a mão na direção da cidade.
— Passaportes na delegacia, capitão.
— Sim. Mas, me desculpe, não há chave. — Scragger imitou o gesto de alguém abrindo uma fechadura com uma chave. — Não tem chave — ele repetiu.
— Ah, sim. Compreendo. Sim, não tem chave. Amanhã. Amanhã o senhor pega.
— É possível esta noite? Por favor. Agora? — Scragger percebeu a sua curiosidade.
— Por que esta noite?
— Ahn, para uma troca de pessoal. Homens vão para Shiraz. Troca de pessoal.
— Quando?
Scragger sabia que tinha que arriscar.
— No sábado. Se me der a chave, vou até a delegacia e volto imediatamente.
Qeshemi sacudiu a cabeça.
— Amanhã. — Depois ele falou asperamente com Ali Pash que na mesma hora se inclinou e agradeceu profusamente, mais uma vez desculpando-se por incomodá-lo.
— Sua Excelência está dizendo que o senhor pode pegá-los amanhã. É melhor nós irmos embora, capitão.
Scragger forçou um sorriso.
— Mamnoon am, Agha. — Obrigado, Excelência. — Mamnoon am, Agha Qeshemi. — Ele gostaria de pedir a Ali Pash para perguntar ao sargento se poderia apanhar os passaportes assim que a delegacia fosse aberta, mas não quis agitar o sargento desnecessariamente. — Eu irei depois da primeira oração.
— Mamnoon am, Agha. — Scragger estendeu a mão e Qeshemi apertou-a. Cada um sentindo a força do outro. Então ele entrou no carro e foi embora.
Pensativamente, Qeshemi fechou e trancou a porta.
No verão, o pequeno pátio, com seus muros altos, trepadeiras e uma pequena fonte era fresco e convidativo. Agora estava sem vida. Ele o atravessou e abriu a porta que dava para a sala, tornando a trancá-la. Ouviu-se o barulho de uma criança tossindo lá em cima. Uma lareira dava um pouco de calor à casa, mas esta era cheia de correntes de ar, nenhuma das portas e janelas fechava direito.
— Quem era? — Sua mulher perguntou lá de cima.
— Nada, nada de importante. Um estrangeiro da base aérea. O velho. Ele queria os passaportes deles.
— A esta hora da noite? Que Deus nos proteja! Toda a vez que batem na porta eu fico esperando mais problemas... os malditos Faixas Verdes ou os desgraçados dos esquerdistas! — Qeshemi balançou a cabeça, distraído, mas não disse nada, esquentando as mãos no fogo, mal ouvindo o que ela dizia:
— Por que ele veio até aqui? Os estrangeiros são tão mal-educados. Para que ele iria precisar dos passaportes a esta hora da noite? Você os entregou a ele?
— Eles estão trancados no cofre. Normalmente eu trago a chave comigo, mas ela sumiu. — A criança tornou a tossir. — Como está a pequena Sousan?
— Ela ainda está com febre. Traga-me um pouco d'água quente, isto vai ajudar. Ponha um pouco de mel na água. — Ele pôs a chaleira no fogo, suspirou, ouvindo-a resmungar: — Passaportes a esta hora da noite! Por que eles
não podem esperar até sábado? Que falta de consideração! Você disse que a chave sumiu?
— Sim. Provavelmente aquele idiota do Lafti a apanhou e se esqueceu de tornar a colocar no lugar. Seja como Deus quiser.
— Muhammed, por que será que o estrangeiro queria os passaportes a esta hora da noite?
— Não sei. É estranho. Muito estranho.
58
NO CAMPO DE AVIAÇÃO DE BANDAR DELAM: 19:49H. Rudi Lutz estava na varanda do seu trailer contemplando a chuva.
— Scheiss— resmungou. Atrás dele, a porta estava aberta e o reflexo da luz fazia brilharem as gotas de chuva. Ele estava ouvindo Mozart no toca-fitas. A porta do trailer ao lado, o trailler-escritório, se abriu e ele viu Pop Kelly sair segurando um guarda-chuva e vir pulando pelas poças até onde ele estava. Nenhum dos dois notou o iraniano nas sombras. Em algum lugar da base um gato estava miando.
— Oi, Pop. Entre. Você conseguiu?
— Sim, sem problemas. — Kelly sacudiu a chuva da roupa. Dentro do trailer estava quente e agradável, tudo muito arrumado. O HF estava desencapado e ligado, com a estática se misturando com a música. Havia um bule de café no fogão.
— Café?
— Obrigado. Eu me sirvo. — Kelly entregou-lhe o papel e foi até a cozinha. O papel tinha colunas de números escritas apressadamente, temperaturas, direções de vento, e força do vento para cada trezentos metros, pressão barométrica e a previsão de tempo para o dia seguinte. — A torre de Abadan disse que estava atualizada. Eles disseram que incluía todos os dados fornecidos hoje. Não parecia assim tão mau, hein?
— Se estiver correta. — A previsão indicava uma diminuição da precipitação por volta da meia-noite e uma redução da força do vento. Rudi aumentou o volume do toca-fitas e Kelly sentou-se ao lado dele. Rudi baixou a voz. — Poderia estar tudo bem para nós, e uma droga para Kowiss. Nós ainda vamos precisar reabastecer durante o vôo para chegar até Bahrain.
Kelly tomou um gole de café com satisfação, estava quente e forte, com uma colher de leite condensado.
— O que você faria se fosse Andy?
— Com as três bases com que me preocupar, eu... — Houve um ligeiro barulho lá fora. Rudi se levantou e olhou pela janela. Nada. Então, mais uma vez o barulho do gato, mais perto. — Malditos gatos, eles me dão arrepios.
— Eu gosto de gatos. — Kelly sorriu. — Nós temos três lá em casa: Mateus, Marcos e Lucas. Dois são siameses, o outro é um vira-lata; Betty diz que os garotos estão deixando-a maluca, querendo mais um para arredondar a conta.
— Como está ela?
O vôo de hoje da BA para Abadan trouxera Sandor Petrofi para pilotar o quarto 212, junto com uma carta de Gavallan. Desde o início dos problemas, a correspondência era enviada através do QG em Aberdeen, a primeira em muitas semanas.
— Está bem, aliás está ótima... faltam três semanas. Ela geralmente se mantém dentro do prazo. Eu vou ficar feliz de estar em casa quando ela tiver o bebê. — Kelly sorriu satisfeito. — O médico disse que acha que finalmente vai ser uma menina.
— Parabéns! Isso é maravilhoso! — Todo mundo sabia que os Kelly estavam torcendo para isso. — Sete meninos e uma menina, é um bocado de gente para alimentar. — Rudi pensou no quanto achava difícil pagar as contas e as mensalidades do colégio com apenas três filhos e nenhuma prestação da casa, a casa deixada para a mulher pelo pai dela, que Deus abençoe o velho filho da mãe. — Um bocado de bocas, não sei como você consegue.
— Oh, nós damos um jeito, que Deus seja louvado. — Kelly olhou para a previsão do tempo e franziu a testa. — Sabe, se eu fosse Andy, forçaria a barra e não adiaria nada.
— Se dependesse de mim, eu cancelaria a operação e esqueceria toda esta maluquice. — Rudi continuou falando baixo e chegou mais perto. — Eu sei que vai ser duro para Andy, talvez a companhia tenha que fechar, talvez. Mas nós todos podemos conseguir novos empregos, até melhores, nós temos que pensar na família e eu detesto esta história de agir contra as regras. Como é que nós vamos conseguir dar o fora? Não é possível. Se nós... — Faróis de automóvel iluminaram a janela, um carro se aproximou e parou lá fora.
Rudi foi o primeiro a chegar na janela. Ele viu Zataki saltar com alguns Faixas Verdes, depois Numir, o gerente da base, sair do escritório com um guarda-chuva e se juntar a eles.
— Scheiss — Rudi tornou a resmungar, então baixou a música, checou rapidamente o trailer para ver se havia alguma coisa que os incriminasse e colocou a previsão do tempo no bolso.
— Salaam, coronel — disse, abrindo a porta. — O senhor estava me procurando?
— Salaam, capitão, sim, estava. — Zataki entrou na sala, com uma metralhadora do exército americano pendurada no ombro. — Boa noite. Quantos helicópteros há aqui no momento, capitão?
Numir começou:
— Quatro 212 e..
— Eu perguntei ao capitão — Zataki exclamou — não a você. Se eu quiser que você me dê alguma informação, eu peço! Capitão?
— Quatro 212 e dois 206, coronel.
Para grande espanto deles, especialmente de Numir, Zataki disse:
— Ótimo. Eu quero que dois 212 sejam enviados para a Irã-Toda amanhã às oito horas para trabalhar sob as ordens do aga Watanabe, o chefe de lá. A partir de amanhã, vocês deverão fazer isto diariamente. O senhor o conhece?
— Ahn, sim, ahn, uma vez eles tiveram uma emergência e nós os ajudamos. — Rudi tentou controlar-se. — Ahn, eles... eles vão trabalhar no dia santo, coronel?
— Sim. E vocês também. Numir disse:
— Mas o aiatolá dis...
— Ele não é a lei. Cale-se. — Zataki olhou para Rudi. — Esteja lá às oito horas.
Rudi balançou a cabeça.
— Ahn, sim. Posso, ahn, oferecer-lhe um café, coronel?
— Obrigado. — Zataki encostou a metralhadora num canto e se sentou na mesa, com os olhos em Pop Kelly. — Eu não o vi em Kowiss?
— Sim, é verdade — ele respondeu. — Aquela é a minha base. Eu, ahn, vim trazer um 212. Eu sou Ignatius Kelly. — E desabou numa cadeira em frente a ele, tão abalado quanto Rudi, encolhendo-se sob o seu olhar. — Está uma noite para peixes, hein?
— O quê?
— A, ahn, a chuva.
— Ah, sim — disse Zataki. Estava satisfeito por estar falando inglês, melhorando o seu inglês, convencido de que os iranianos que soubessem falar a língua internacional e fossem educados seriam muito procurados, mulás ou não. Desde que começara a tomar as pílulas que o dr. Nutt lhe dera, ele se sentia muito melhor, as dores de cabeça tinham melhorado. — A chuva vai impedir os vôos de amanhã?
— Não...
— Isso depende — Rudi disse rapidamente da cozinha — do tempo melhorar ou piorar. — Ele trouxe a bandeja com duas xícaras de açúcar e leite condensado, ainda tentando enfrentar este novo desastre. — Por favor, sirva-se, coronel. Com relação à Irã-Toda — ele disse cautelosamente — todos os nossos helicópteros estão sob contrato com a IranOil e o aga Numir aqui é o encarregado. — Numir concordou com a cabeça, começou a dizer alguma coisa, mas mudou de idéia. — Nós temos contratos com a IranOil
O silêncio ficou mais pesado. Todos eles olhavam para Zataki. Sem pressa, ele colocou três Colheres cheias de açúcar no seu café, mexeu e tomou um gole.
— Está muito bom, capitão. Sim, muito bom, e sim, eu sei sobre a IranOil, mas resolvi que neste momento a Irã-Toda tem preferência sobre a IranOil e amanhã você vai fornecer dois 212 às oito horas para a Irã-Toda.
Rudi olhou para o gerente da base, que evitou o seu olhar.
— Mas... bem, desde que a IranOil não faça objeções...
— Não há objeções — Zataki disse para Numir. — Não é, aga?
— Sim, sim, aga — Numir concordou humildemente. — É claro que eu vou informar aos meus superiores da sua... da sua eminente decisão.
— Ótimo. Então está tudo combinado. Ótimo.
Não está nada combinado, Rudi teve vontade de gritar.
— Posso perguntar, ahn, como vamos ser pagos pelo, ahn, novo contrato? — perguntou, sentindo-se um imbecil.
Zataki pendurou a arma no ombro e levantou-se.
— A Irã-Toda tomará as providências. Obrigado, capitão, eu voltarei depois da primeira oração amanhã. O senhor pilotará um dos helicópteros e eu o acompanharei.
— Ótima idéia, coronel — Pop Kelly exclamou repentinamente, sorrindo e Rudi teve ganas de matá-lo. — Não há necessidade de vir antes das oito horas, isto seria melhor para nós. Há tempo bastante para se chegar lá digamos às oito e quinze. É uma grande idéia trabalhar para a Irã-Toda. Nós sempre desejamos este contrato, como podemos agradecer-lhe, coronel! Fantástico! De fato, Rudi, nós deveríamos levar todos os quatro aparelhos, fazer os rapazes tomarem conhecimento do trabalho imediatamente, isto pouparia tempo, imediatamente, sim senhor, eu vou prepará-los para você! — E saiu apressado.
Rudi ficou olhando para a porta, quase vesgo de fúria.
59
PERTO DO AEROPORTO DE AL SHARGAZ: 20:01H. A noite estava linda e perfumada com o cheiro das flores e Gavallan e Pettikin estavam sentados no terraço do Hotel Oásis, ao lado do campo de aviação, na beira do deserto. Eles tomavam uma cerveja antes do jantar, Gavallan estava fumando um cigarro fino e olhando para o horizonte onde o céu, roxo e cheio de estrelas, se encontrava com a terra mais escura. A fumaça do cigarro subia em espiral. Pettikin se mexeu na sua cadeira.
— Eu gostaria que houvesse mais alguma coisa que eu pudesse fazer.
— Eu queria que o velho Mac estivesse aqui, eu iria quebrar o seu maldito pescoço — Gavallan disse e Pettikin riu. Alguns hóspedes já estavam na sala de jantar que ficava atrás deles. O Oásis era velho e decadente, estilo barroco, e tinha sido a residência britânica quando os britânicos eram a única potência do golfo e, até 1971, evitavam a pirataria e mantinham a paz. Uma música tão antiga quanto o conjunto de três componentes se fazia ouvir — piano, violino e baixo, duas senhoras idosas e um senhor de cabeça branca no piano.
— Meu Deus, isto não é Chu Chin Chowly. Você me pegou, Andy. — Pettikin olhou para trás, viu Jean-Luc na sala de jantar, conversando com Nogger Lane, Rodrigues e alguns dos outros mecânicos. Ele tomou um gole da sua cerveja e viu que o copo de Gavallan estava vazio. — Quer mais uma?
— Não, obrigado. — Gavallan deixou os olhos vagarem com a fumaça.
— Acho que vou até o escritório da meteorologia e depois dar uma passada no nosso.
— Eu vou com você.
— Obrigado, Charlie, mas por que você não fica aqui para o caso de alguém telefonar?
— Claro, como você quiser.
— Não me espere para jantar, eu me encontro com você para o cafezinho. Vou dar uma passada no hospital para ver o Duke quando estiver voltando.
— Gavallan levantou-se, atravessou a sala de jantar cumprimentando o pessoal da sua equipe que estava lá, e entrou no saguão, que também já tinha conhecido dias melhores.
— Sr. Gavallan, desculpe-me effendi, mas há uma chamada para o senhor. — O recepcionista apontou para a cabine telefônica que ficava ali ao lado. Era forrada de feltro e não tinha nem ar condicionado nem privacidade.
— Alô, Gavallan falando — ele disse.
— Alô, patrão, Liz Chen... é só para dizer que recebemos uma chamada a respeito das duas encomenda de Luxemburgo e elas vão chegar atrasadas.
— "Encomendas de Luxemburgo" era o código para os dois 747 de carga que ele tinha fretado. — Não podem chegar na sexta-feira. Eles só podem garantir que cheguem no domingo às 16 horas.
Gavallan ficou abalado. Ele fora avisado pelos fretadores de que estavam com uma agenda muito apertada entre um frete e outro e que poderia haver um atraso de 24 horas. Ele tivera muita dificuldade para conseguir os aviões. Obviamente, ele não pôde se dirigir a nenhuma das companhias aéreas que serviam o golfo ou o Irã e teve que ser vago a respeito do motivo do frete e da sua carga.
— Ligue para eles imediatamente e tente antecipar esta data. Seria mais seguro se elas chegassem no sábado, muito mais seguro. O que mais?
— A Imperial Air se ofereceu para assumir a nossa posição com os novos X63.
— Mande-os para o inferno. O que mais?
— A ExTex reformulou a sua oferta com relação aos novos contratos na Arábia Saudita, Singapura e Nigéria, baixando o preço em dez por cento.
— Aceite a oferta por telex. Marque um almoço com o chefão em Nova York na terça-feira. O que mais?
— Estou com a lista de números de peças que você queria.
— Ótimo. Espere um instante. — Gavallan apanhou o bloco que carregava sempre com ele e encontrou a página que queria. Ela continha a lista dos registros iranianos dos dez 212 que ainda estavam no Irã, todos começando com 'EP' para Irã, depois 'H' para helicóptero e mais duas letras. — Pronto. Pode dizer.
— AB, RV, Kl
Enquanto ela lia as letras, ele as escrevia ao lado da coluna anterior. Por segurança, ele não colocou o registro novo por inteiro, omitindo 'G' para Grã-Bretanha e 'H' para helicóptero, anotando apenas as duas letras novas finais. Ele releu a lista e ela combinava com os dados que ele tinha.
— Obrigado, está tudo certo. Eu ligo para você hoje à noite, Liz. Ligue para Maureen e diga-lhe que está tudo bem.
— Está bem, patrão. Sir Ian telefonou há meia hora atrás para desejar-lhe boa sorte.
— Oh, que bom! — Gavallan tinha tentado falar com ele durante todo o tempo em que esteve em Aberdeen e Londres, mas não tinha conseguido. — Onde ele está? Ele deixou o telefone?
— Sim. Ele está em Tóquio: 73 73 84. Ele disse que ficará lá por algum tempo e que se você não conseguisse falar com ele, tornaria a ligar-amanhã. Ele também disse que estará de volta dentro de duas semanas e que gostaria de vê-lo.
— Melhor ainda. Ele mencionou o assunto?
— Óleo para as lamparinas da China — disse sua secretária, em código. O interesse de Gavallan aumentou.
— Maravilhoso. Marque uma data o mais cedo que ele puder. Ligo para você mais tarde, Liz, tenho que correr.
— Está bem. Só quero lembrar-lhe que amanhã é aniversário do Scot.
— Deus do céu, eu tinha esquecido. Obrigado, Liz. Falo com você mais tarde. — Ele desligou, satisfeito com as notícias de Ian Dunross, abençoando o sistema telefônico de Al Shargaz e a discagem direta à distância. Ele discou. Em Tóquio eram cinco horas a mais, cerca de uma hora da manhã.
— Hafl — disse uma voz de mulher, sonolentamente.
— Boa noite. Desculpe ligar tão tarde, mas recebi um recado para ligar para Sir Ian Dunross. Aqui é Andrew Gavallan.
— Ah, sim. Ian não está aqui no momento, ele só voltará amanhã, sinto muito. Talvez às dez horas. O senhor pode deixar o seu telefone, sr. Gavallan?
Gavallan deu o telefone, desapontado.
— Há algum outro número onde possa encontrá-lo?
— Não, sinto muito.
— Por favor, peca-lhe para me telefonar, a qualquer hora. — Ele tornou a agradecer e desligou, pensativo.
Lá fora estava o carro que tinha alugado. Entrou nele e se dirigiu para a entrada principal do aeroporto. Um 707 estava se aproximando da pista, com os faróis acesos, e as luzes da cauda e das asas piscando.
— Boa noite, sr. Gavallan — disse Sibbles, o funcionário da meteorologia. Ele era inglês, magro, pequeno, desidratado, e estava no golfo há dez anos. — Aqui está. — Ele entregou a Gavallan a longa fotocópia com a previsão do tempo. — O tempo vai ficar instável por aqui nos próximos dias. — Entregou-lhe mais três folhas. — Lengeh, Kowiss e Bandar Delam.
— E qual é a última previsão?
— São quase todas iguais, com uma diferença de 10 ou 15 nós para mais ou para menos, algumas centenas de pés de teto... desculpe, não consigo me acostumar com o sistema métrico. Uns cem metros de teto. Nos próximos dias o vento deve voltar ao normal, o simpático noroeste. A partir de meia-noite, estamos prevendo chuva e nuvens baixas e neblina sobre quase todo o golfo, ventos de sudeste de cerca de 20 nós com pancadas de chuva, e alguma turbulência. — Ele levantou os olhos e sorriu. — E turbilhões.
O estômago de Gavallan deu um salto, embora Sibbles tivesse dito aquilo sem segundas intenções e não estivesse a par do segredo. Pelo menos, eu acho que não está, pensou. Esta é a segunda coincidência estranha de hoje. A outra foi o americano que estava almoçando numa mesa perto da minha com um shargazi cujo nome eu não entendi.
— Boa sorte amanhã — o homem tinha dito com um sorriso simpático, bem-humoradamente, na hora que estava saindo
— Perdão?
— Glenn Wesson, da Wesson Oil Marketing, o senhor é Andrew Gavallan, certo? Nós soubemos que o senhor e seus rapazes estão organizando uma., uma 'corrida de camelos' amanhã no oásis de Dez-al, certo?
— Nós não, sr. Wesson. Não nos interessamos muito por camelos.
— É mesmo? O senhor deveria experimentar, é muito divertido. De qualquer maneira, boa sorte.
Pode ter sido uma coincidência. Corridas de camelo eram uma diversão comum entre os estrangeiros e o oásis de Dez-al um dos lugares favoritos para o fim-de-semana islâmico.
— Obrigado, sr. Sibbles, vejo-o amanhã. — Ele guardou as previsões no bolso e desceu as escadas até o saguão do terminal-, dirigindo-se para o escritório da companhia, que ficava ali ao lado. Nada de positivo ainda, estava pensando. Sábado é mais seguro do que amanhã. É preciso arriscar. Não posso esperar mais muito tempo.
— Como você vai decidir? — sua mulher, Maureen, tinha perguntado, ao se despedir dele na madrugada do dia anterior, com Aberdeen quase inundada e continuando a chover.
— Não sei, garota. Mac tem um bom faro, ele vai ajudar.
E agora nada de Mac! Mac ficando biruta, Mac pilotando sem um exame médico, Mac convenientemente preso em Kowiss e a única saída sendo o Turbilhão; Erikki ainda desaparecido, e o pobre Duke uma fera por estar fora da lista, mas teve uma sorte danada em vir para cá. O doutor Nutt estava certo. As radiografias mostraram que várias lascas de osso tinham perfurado o seu pulmão esquerdo e que havia mais uma dúzia ameaçando uma artéria. Ele olhou para o relógio do saguão: 20:27h. Nesta altura ele já deve ter acordado da anestesia.
Tenho que decidir logo. De comum acordo com Charlie Pettikin tenho que tomar logo uma decisão.
Ele entrou pela porta que dizia PROIBIDA A ENTRADA EXCETO PARA QUEM VIER A SERVIÇO, atravessou o corredor com janelas de vidro em toda a sua extensão. Na pista, o 707 estava sendo guiado para o local de desembarque por um carro-guia e o aviso estava escrito em inglês e em farsi. Vários ônibus de quarenta lugares para transporte de passageiros estavam estacionados ali perto, no meio de um Jumbo da Pan Am que fazia parte do esquema de evacuação de Teerã e de meia dúzia de jatos particulares. Gostaria que hoje fosse sábado, pensou. Não, talvez não.
Na porta do conjunto de escritórios da companhia estava escrito: S-G HELICÓPTEROS, SHEIK AVIATION
— Olá, Scot
— Olá, papai. — Scot sorriu. Ele estava sozinho, era o oficial de plantão e estava sentado diante do HF com um livro no colo e o braço direito na tipóia. — Nada de novo exceto um recado para ligar para Roger Newbury na casa dele. Posso fazer a ligação?
— Daqui a pouco, obrigado. — Gavallan entregou-lhe os relatórios da meteorologia. Scot examinou-os rapidamente. O telefone tocou. Sem parar de ler, ele atendeu.
— S-G? — Ele ouviu por um momento. — Quem? Oh, sim. Não, ele não está aqui, sinto muito. Sim, eu digo a ele. Até logo. — Ele desligou e suspirou. — A nova conquista de Johnny Hogg, Alessandra. Manuela a chama de 'Tamale apimentado' porque ela tem certeza de que ele vai ficar com a boca ardendo. — Gavallan riu. Scot levantou os olhos dos relatórios. — Nem uma coisa nem outra. Pode ser muito bom, dá bastante cobertura. Mas se o vento aumentar pode ser horrível, sábado é melhor do que sexta-feira. — Seus olhos azuis observavam o pai que estava olhando pela janela para o tráfego na pista, onde os passageiros do jato estavam desembarcando.
— Eu concordo. — Gavallan disse, neutramente. — Há algo.. — Ele parou porque o HF começou a funcionar.
— Al Shargaz, aqui é o escritório de Teerã, estão me ouvindo?
— Aqui é o escritório de Al Shargaz, você está quatro por cinco, continue - disse Scot.
— O diretor Siamaki quer falar imediatamente com o sr. Gavallan. Gavallan balançou a cabeça negativamente.
— Eu não estou aqui — murmurou.
— Posso anotar o recado? — Scot perguntou no microfone. — Já está um pouco tarde, mas eu darei o recado o mais cedo possível.
Espera. Estática. Depois ouviu-se a voz arrogante que Gavallan detestava.
— Aqui é o diretor Siamaki. Diga a Gavallan para ligar para mim esta noite. Eu estarei aqui até as dez e meia ou a partir das nove da manhã. Sem falta. Entendido?
— Cinco por cinco, escritório central — Scot disse docemente. — Câmbio e desligo.
— Metido, filho da mãe — Gavallan resmungou. Depois perguntou: — Que diabo ele está fazendo no escritório a essa hora da noite?
— Deve estar bisbilhotando, e se está planejando trabalhar no dia santo.. vsso é muito suspeito, não?
Mac disse que podia tirar do cofre tudo o que fosse importante e atiraT a chave dele e a sobressalente na vala.
— Aposto que esses metidos têm duplicatas — disse Gavallan. — Vou ter que esperar até amanhã pelo prazer de falar com ele. Scot há alguma maneira de evitar que ele ouça as nossas ligações?
— Não, não se usarmos freqüências da companhia, que são as únicas que temos.
O pai concordou com a cabeça.
— Quando Johnny chegar, lembre a ele que eu posso querer que ele levante vôo amanhã a qualquer momento. — Era parte do plano da operação Turbilhão usar o 125 como um VHF transmissor-receptor de alta altitude para cobrir os helicópteros que só possuíam VHF. — De sete horas em diante.
— Então vai ser mesmo amanhã.
— Ainda não. — Gavallan apanhou o telefone e discou. — Boa noite, sr. Newbury, por favor, aqui é o sr. Gavallan. — Roger Newbury era um dos funcionários do consulado britânico que tinha sido muito gentil, facilitando a obtenção dos vistos. — Alô, Roger, você queria falar comigo? Desculpe, você não esta jantando, está?
— Não, foi bom você ligar. Duas coisas: primeiro, uma má notícia, acabamos de saber que George Talbot foi assassinado.
— Meu Deus, como foi?
— Acho que foi muito azar. Ele estava num restaurante onde havia alguns aiatolás importantes. Um carro-bomba terrorista explodiu o lugar e ele foi junto. Ontem, na hora do almoço.
— Que horror!
— Sim. Havia um certo capitão Ross com ele. Ele também ficou ferido. Acho que você o conhece.
— Sim, sim, eu o conheci. Ele ajudou a esposa de um dos nossos pilotos a sair de uma encrenca em Tabriz. Um rapaz simpático. Ele está muito ferido?
— Nós não sabemos, é tudo muito confuso, mas a nossa embaixada em Teerã mandou-o para o Hospital Internacional do Kuwait ontem. Amanhã eu vou saber direito e digo para você. Agora, você me perguntou se eu podia descobrir o paradeiro do capitão Erikki Yokkonen. — Houve uma pausa e o ruído de papéis e Gavallan ficou de dedos cruzados. — Nós recebemos um telex esta noite de Tabriz, pouco antes de eu sair do escritório: "Em resposta às suas indagações a respeito do capitão Erikki Yokkonen, acredita-se que ele tenha escapado dos seus seqüestradores e que esteja agora com a sua esposa na palácio de Hakim Khan. Um relatório mais detalhado será encaminhado amanhã, assim que isto possa ser verificado."
— Você quis dizer Abdullah Khan, Roger. — Excitadamente, Gavallan cobriu o bocal e cochichou para Scot: — Erikki está a salvo!
— Fantástico! — Scot disse, imaginando quais teriam sido as más notícias.
— O telex diz Hakim Khan — Newbury estava dizendo.
— Não faz mal, graças a Deus ele está a salvo. — E graças a Deus foi removido mais um grande empecilho à operação Turbilhão, pensou. — Você podia mandar-lhe uma mensagem minha?
— Eu poderia tentar. Ligue amanhã. Não posso garantir que vá chegar a ele, a situação no Azerbeijão ainda é muito instável. Mas podemos tentar.
— Não sei como posso agradecer-lhe, Roger. Foi muita gentileza sua informar-me. Sinto muito sobre Talbot e o jovem Ross. Se houver algo que eu possa fazer para ajudar Ross, fale comigo.
— Sim, sim, farei isto. A propósito, nós estamos sabendo. — Isto foi dito de sopetão.
— Perdão?
— Vamos dizer, 'Turbulências' — Newbury disse delicadamente. Por um momento, Gavallan ficou em silêncio, depois se recuperou.
— Ah, é?
— É. Parece que um certo sr. Kasigi queria que você prestasse serviços à Irã-Toda a partir de ontem e você disse a ele que não poderia lhe dar uma resposta antes de trinta dias. Então nós, ahn, somamos dois mais dois e com todos os boatos que andam por aí ficamos curiosos.
Gavallan estava tentando manter-se calmo.
— Não prestar serviços à Irã-Toda é uma decisão comercial, Roger, nada mais. Atualmente é muito difícil operar no Irã, você sabe disso. Eu não poderia assumir uma tarefa extra.
— É mesmo? — A voz de Roger ficou seca. Então, ele acrescentou severamente: — Bem, se o que soubemos é verdade, nós o aconselhamos a não fazê-lo.
Gavallan disse teimosamente:
— Você certamente não me aconselharia a apoiar a Irã-Toda quando todo o Irã está se desintegrando, não é?
Mais uma pausa. Um suspiro. Então.
— Bem, não quero prendê-lo, Andy. Talvez,possamos almoçar juntos No sábado.
— Sim, obrigado, eu teria muito prazer. — Gavallan desligou.
— Qual foi a má notícia? — Scot perguntou.
Gavallan contou-lhe a respeito de Talbot e Ross e depois sobre 'Turbulências'. — Isto está perto demais de Turbilhão para ser engraçado.
— Que história é essa a respeito de Kasigi?
— Ele queria imediatamente dois 212 de Bandar Delam para prestarem serviço à Irã-toda. Eu tive que desconversar. — O encontro deles fora breve e direto:
— Sinto muito, sr. Kasigi, não é possível atendê-lo esta semana nem na próxima. E não poderei fazê-lo nos próximos trinta dias.
— Mas meu diretor ficaria muito grato. Acho que o senhor o conhece?
— Sim, e se eu pudesse ajudar, certamente o faria. Sinto muito, mas não é possível.
— Mas... então o senhor pode sugerir uma alternativa? Eu preciso do apoio de helicópteros.
— Que tal uma companhia japonesa?
— Não há nenhuma. Existe... existe mais alguém que possa me atender?
— Não que eu saiba. A Guerney jamais voltará, mas eles podem saber de alguém. — Ele tinha dado o telefone da Guerney para ele e o infeliz japonês tinha ido embora.
Ele olhou para o filho.
— Foi uma pena, mas eu não podia fazer nada por ele.
— Se a notícia tiver se espalhado... — Scot ajeitou a tipóia. — Se a notícia tiver se espalhado, então temos que dar o fora. Mais um motivo para apressar as coisas.
— Ou para cancelar a operação. Acho que vou dar uma passada no hospital para ver Duke. Comunique-se comigo se alguém ligar. Nogger vai substitui-lo?
— Sim. À meia-noite. Jean-Luc ainda está com lugar reservado no vôo da madrugada para Bahrain e Pettikin para o Kuwait. Eu confirmei as reservas. — Scot ficou olhando para ele.
Gavallan não respondeu à pergunta não formulada
— Deixe as coisas como estão por enquanto. — Ele viu o filho sorrir e concordar e seu coração encheu-se de amor, orgulho e preocupação por ele, misturado com suas próprias esperanças de um futuro que dependia dele ser capaz de arrancar todos eles das garras do Irã. Ficou surpreso ao se ver perguntando:
— Você não gostaria de deixar de pilotar, rapaz?
— O quê?
Gavallan sorriu do espanto do filho. Mas agora que tinha falado, resolveu continuar.
— Isto faz parte de um plano a longo prazo. Para você e a família. De fato eu tenho dois planos... só entre nós. É claro que os dois dependem de nós continuarmos no negócio ou não. O primeiro é você desistir de pilotar e ir para Hong Kong por uns dois anos para aprender sobre o ramo de lá da Struan's, depois você voltaria para Aberdeen talvez por mais um ano e depois tornaria a voltar para Hong Kong onde ficaria trabalhando. O segundo seria para você fazer um curso sobre X63, passar uns seis meses nos Estados Unidos, talvez um ano, aprendendo esta parte do negócio, depois passaria uma temporada no mar do Norte. E depois iria para Hong Kong.
— Sempre de volta a Hong Kong?
— Sim. A China algum dia abrirá as portas à exploração de petróleo e eu e Ian queremos que a Struan's esteja preparada com uma operação completa, helicópteros de apoio, plataformas, o pacote todo. — E sorriu estranhamente. "Petróleo para as lamparinas da China" era o código para o plano secreto de Ian Dunross, do quai Linbar Struan não estava a par. — A Air Struan será a nova companhia e ficará responsável pela China, os mares da China e toda a bacia da China. O nosso plano é que você dirija esta companhia.
— Não há muito potencial lá — Scot disse com uma indiferença fingida. — Você acha que a Air Struan terá algum futuro? — E então ele deixou o sorriso aparecer.
— Mais uma vez, isto é só entre nós, Linbar ainda não sabe disto. Scot franziu a testa.
— Ele vai aprovar a minha ida para lá, entrando para a Struan's e fazendo tudo isto?
— Ele me odeia, Scot, não a você. Ele não se opôs ao seu namoro com a sobrinha dele, se opôs?
— Ainda não. Não, não se opôs ainda.
— O momento é este e nós temos que ter um plano para o futuro, para a família. Você está na idade certa, eu acho que você poderia fazer isto. — Gavallan animou-se. — Você é metade Dunross, é um descendente direto de Dirk Struan, e portanto tem responsabidades que estão além da sua própria vontade. Você e sua irmã herdaram as ações da sua mãe, você poderá candidatar-se ao conselho interno se for bom o bastante. Aquele cretino do Linbar vai ter que se aposentar algum dia, nem mesmo ele vai conseguir destruir completamente a Casa Nobre. O que você acha do meu plano?
— Eu gostaria de pensar um pouco sobre isto, papai. O que há para pensar, rapaz?, ele pensou.
— Boa noite, Scot, talvez eu passe por aqui mais tarde. — Ele bateu-lhe de leve no ombro e saiu. Scot não vai me desapontar, ele disse a si mesmo, cheio de orgulho.
No espaçoso salão da Alfândega Imigração, passageiros faziam fila para passar pela Imigração, outros esperavam por suas bagagens. O quadro de chegadas anunciava que o vôo da Gulf Air n? 52 de Muscat, capital do Omã, tinha chegado na hora e que deveria partir dentro de 15 minutos para Abu Dhabi, Bahrain e Kuwait. A banca de jornal ainda estava aberta, e ele foi até lá para ver que jornais havia. Estava estendendo a mão para apanhar o Times de Londres quando viu o cabeçalho PRIMEIRO-MINISTRO CALLAGHAN ANUNCIA OS SUCESSOS DO PARTIDO TRABALHISTA e mudou de idéia. Para que eu quero saber disto?, pensou. Então ele viu Genny McIver.
Ela estava sentada sozinha, perto do portão de embarque, com uma pequena mala ao lado.
— Olá, Genny, o que você está fazendo aqui? Ela sorriu docemente.
— Eu vou para o Kuwait. Ele também sorriu docemente.
— E para quê?
— Porque eu preciso de umas férias.
— Não seja ridícula. O botão ainda nem foi apertado e de qualquer maneira não há nada que você possa fazer lá, nada. Você só atrapalharia. É muito melhor ficar esperando aqui. Genny, pelo amor de Deus, seja razoável.
O sorriso continuou o mesmo.
— Você já terminou?
— Sim.
— Eu sou razoável, sou a pessoa mais razoável do mundo. Mas Duncan McIver não é. Ele é o cara mais torto e desorientado que eu já conheci e é para o Kuwait que eu vou. — Tudo isso foi dito com uma calma fantástica.
Espertamente, ele mudou de tática.
— Por que você não me contou que estava indo ao invés de sair de fininho? Eu ficaria morto de preocupação se você sumisse.
— Se eu tivesse falado com você, você teria tentado me fazer desistir. Eu pedi a Manuela para lhe contar depois, dizer-lhe a hora do vôo, o nome do hotel, e o telefone. Mas estou contente que esteja aqui, Andy. Você pode se despedir de mim. Eu gostaria de ter alguém que viesse se despedir de mim, detesto não ter ninguém para me trazer, bem você sabe o que eu quero dizer.
Foi então que ele viu o quanto ela parecia frágil.
— Você está bem, Genny?
— Oh, sim... É só que... bem, é só que eu preciso estar lá, não posso ficar aqui sentada, e de qualquer maneira uma parte disto foi idéia minha, eu também me sinto responsável e não quero que nada... nada dê errado.
— Nada vai dar errado — disse e os dois bateram na madeira do banco. Então ele passou o braço pelo ombro dela. — Vai dar tudo certo. Ouça, uma boa notícia. — E contou a ela sobre Erikki.
— Oh, isto é maravilhoso. Hakim Khan? — Genny vasculhou a memória. — Este não é o irmão de Azadeh, aquele que estava vivendo em... droga, esqueci o nome, algum lugar perto da Turquia, o nome dele não era Hakim?
— Talvez o telex estivesse certo e ele seja Hakim 'Khan'. Isto seria ótimo para eles.
— Sim. O pai dela parecia ser um homem horrível. — Ela o olhou ansioso. — Você já decidiu? Vai ser amanhã?
— Não, ainda não.
— E quanto ao tempo? Ele lhe contou.
— Isto não ajuda muito — ela disse.
— Gostaria que Mac estivesse aqui. Ele saberia o que fazer numa situação como esta.
— Não mais do que você, Andy. — Eles olharam para o quadro de embarque enquanto o locutor chamava os passageiros do vôo 52. Eles se levantaram. — Se isso adianta de alguma coisa, Andy, se tudo continuar como está, Mac decidiria por amanhã.
— Como é que você sabe?
— Eu conheço Duncan. Até logo, querido Andy. — Ela o beijou apressadamente e não olhou para trás.
Esperou até que ela tivesse desaparecido. Ele saiu, muito pensativo, e não notou Wesson perto da banca de jornais, guardando a sua caneta.