Ele observava Hakim, vendo nele o mesmo tipo de Azadeh que era parecida com a mãe, ouvindo-o falar:

— Azadeh apenas se apaixonou, Alteza. Se ela amava esse homem, o senhor não pode perdoá-la? Ela não tinha apenas 16 anos quando foi mandada para uma escola na Suíça, da mesma forma que mais tarde eu fui mandado para Khoi?

— Porque vocês dois eram traiçoeiros, ingratos e perigosos! — O khan gritou, sentindo outra vez a pressão nos ouvidos. — Saia! Você vai... vai ficar longe dos outros, sob guarda, até eu mandar chamá-lo. Ahmed, providencie isso, depois volte aqui.

Hakim se levantou, quase em lágrimas, sabendo o que ia acontecer e sem poder evitá-lo. Ele saiu, Ahmed deu as ordens necessárias aos guardas e voltou. Agora os olhos do khan estavam fechados, seu rosto cinzento, sua respiração mais difícil do que antes. Por favor, meu Deus, não o deixe morrer ainda, rezou Ahmed.

O khan abriu os olhos e olhou para ele.

— Eu tenho que decidir a respeito dele, Ahmed. Depressa.

— Sim, Alteza — começou o seu conselheiro, escolhendo cuidadosamente as palavras —, o senhor só tem dois filhos, Hakim e o bebê. Se Hakim morrer ou — ele deu um sorriso estranho — se por acaso ficasse cego ou aleijado, então Mahmud, marido de Sua Alteza Najoud, seria regente até...

— Aquele idiota? As nossas terras e o nosso poder estarão perdidos em um ano! — Manchas vermelhas apareceram no rosto do khan e lhe parecia cada vez mais difícil pensar com clareza. — Dê-me outra pílula.

Ahmed obedeceu e deu-lhe água para beber, ajudando-o.

— O senhor está nas mãos de Deus, vai se recuperar, não se preocupe.

— Não me preocupar? — o khan resmungou, com dor no peito. — Deus quis que o mulá morresse a tempo... estranho. Petr Oleg manteve o acordo... embora ele... o mulá morreu depressa demais... depressa demais...

— Sim, Alteza.

O espasmo tornou a passar.

— Quai é o seu conselho... com relação a Hakim? Ahmed fingiu pensar um momento.

— O seu filho Hakim é um bom muçulmano, ele poderia ser treinado, ele tem cuidado bem dos seus negócios em Khoi e não fugiu embora talvez o pudesse ter feito. Ele não é um homem violento, exceto para proteger a irmã, não? Mas isso é muito importante, pois aí está a solução. — Ele chegou mais perto e disse baixinho: — Declare-o seu herdeiro, Alte...

— Nunca!

— Desde que ele jure por Deus que vai proteger o seu irmão mais moço como protegeria a sua irmã, desde que, além disso, a sua irmã volte imediatamente por sua própria vontade para Tabriz. Na verdade, Alteza, o senhor não tem nenhuma prova real contra eles, só boatos. Permita-me descobrir a verdade a respeito dos dois e comunicar secretamente ao senhor.

O khan estava concentrado, ouvindo atentamente, embora o estorço cansasse.

— Ah, o irmão é a isca para atrair a irmã, assim como ela foi a isca para atrair o marido?

— Assim cada um deles serve de isca para o outro! Sim, Alteza, é claro que o senhor pensou nisso antes de mim. Em troca do senhor ter favorecido o irmão, ela deve jurar diante de Deus ficar aqui para ajudá-lo.

— Ela o fará, oh, sim, ela o fará.

— Então os dois estarão ao alcance do senhor e o senhor poderá se divertir com eles como quiser, dando e tomando à sua vontade, quer eles sejam culpados ou não.

— Eles são culpados.

— Se eles forem culpados, e eu vou descobrir rapidamente caso o senhor me conceda total autoridade para investigar o caso, então a Vontade de Deus será que eles morram lentamente, que o senhor declare o marido de Fazulia como o próximo khan, e ele não é muito melhor do que Mahmud. Se eles não forem culpados, então deixe Hakim continuar como herdeiro, desde que ela fique. E se acontecer, mais uma vez pela Vontade de Deus, que ela fique viúva, ela poderia até desposar aquele que o senhor escolhesse, Alteza, para manter Hakim como seu herdeiro. Até um soviético, caso ele escape da armadilha, não?

Pela primeira vez naquele dia, o khan sorriu. Naquela manhã, quando Armstrong e o coronel Hashemi Fazir tinham chegado para prender Petr Oleg Mzytryk, eles tinham fingido estar devidamente preocupados com a saúde do khan da mesma forma que ele fingira estar mais doente do que se sentia. Tinha mantido a voz fraca e hesitante e muito baixa, de modo que os dois tiveram que se inclinar para ouvi-lo.

— Petr Oleg vem aqui hoje. Eu ia encontrá-lo, mas pedi que ele viesse até aqui por causa da minha... porque estou doente. Mandei um recado para que ele viesse aqui e ele deverá estar na fronteira ao entardecer. Em Julfa. Se vocês forem imediatamente, terão muito tempo... ele passa pela fronteira num pequeno helicóptero soviético e pousa numa estrada secundária próxima da estrada Julfa-Tabriz, onde seu carro o espera... não há como não encontrar o desvio, aquele é o único... alguns quilômetros ao norte da cidade... é a única estrada secundária, um lugar isolado, pouco mais do que uma trilha. O modo como vocês vão apanhá-lo é problema de vocês e... e como eu não posso estar presente, vocês me darão uma fita da... da investigação?

— Sim, Alteza — dissera Hashemi. — Como o senhor nos aconselharia a apanhá-lo?

— Interrompa a estrada nos dois lados do desvio com dois caminhões velhos, bem carregados... de lenha ou engradados de peixe... a estrada é estreita e sinuosa e cheia de buracos e tem muito tráfego, então uma emboscada deve ser fácil. Mas... mas tenham cuidado, sempre há alguns carros com membros do Tuden para protegê-lo, ele é um homem esperto e corajoso... há uma cápsula de veneno na sua lapela.

— Em qual delas?

— Não sei... Eu não sei. Ele vai pousar na altura do pôr-do-sol. Vocês não podem errar o desvio, é o único...

Abdullah Khan suspirou, pensativo. Muitas vezes ele fora apanhado pelo mesmo helicóptero para ir para a fazenda em Tbilisi. Tinha passado temporadas muito boas lá, comida abundante, mulheres jovens e atenciosas, de lábios cheios e loucas para agradar. E depois, se estivesse com sorte, Vertinskya, a bruxa, para outros divertimentos. Ele viu Ahmed observando-o.

— Eu espero que Petr escape da armadilha. Sim, seria bom que ele... que ele a tivesse. — O cansaço o dominou. — Eu vou dormir agora. Mande de volta o meu guarda e depois que eu tiver comido esta noite, reúna a minha 'devotada' família aqui e faremos conforme você sugeriu. — O seu sorriso era cínico. — É bom não ter ilusões.

— Sim, Alteza. — Ahmed levantou-se. O khan invejou-lhe a agilidade e o corpo forte.

— Espere, há mais alguma coisa. — O khan pensou um momento, um processo estranhamente cansativo. — Ah, sim, onde está o Ruivo da Faca?

— Está com Cimtarga perto da fronteira, Alteza. Cimtarga disse que eles poderiam ficar alguns dias fora. Eles partiram na terça-feira à noite.

— Terça-feira? Que dia é hoje?

— Sábado, Alteza — respondeu Ahmed, disfarçando a preocupação.

— Ah, sim, sábado. — Outra onda de cansaço. Sentia uma sensação estranha no rosto e ergueu a mão para esfregá-lo, mas achou demais o esforço. — Ahmed, descubra onde ele está. Se alguma coisa acontecer... se eu tiver um outro ataque e... bem, providencie para que eu seja levado para Teerã, para o Hospital Internacional, imediatamente. Imediatamente. Entendido?

— Sim, Alteza.

— Descubra onde ele está e... e nos próximos dias mantenha-o por perto.. domine Cimtarga. Mantenha o da faca por perto.

— Sim, Alteza.

Quando o guarda retornou ao quarto, o khan fechou os olhos e se sentiu afundando nas profundezas.

— Não há nenhum outro Deus além de Deus.. —murmurou, com muito medo.

PERTO DA FRONTEIRA AO NORTE, A LESTE DE JULFA: 18:05H. Era quase hora do pôr-do-sol e o 212 de Erikki estava sob um alpendre rude, construído apressadamente, com mais de trinta centímetros de neve no telhado por causa da tempestade da véspera, e ele sabia que muito mais tempo de exposição numa temperatura abaixo de zero arruinaria o aparelho.

— O senhor não pode me dar cobertores ou palha ou alguma coisa para manter o aparelho aquecido? — perguntara ao xeque Bayazid assim que eles voltaram de Rezaiyeh com o corpo da velha, a chefe, há dois dias. — O helicóptero precisa de calor.

— Nós não temos o suficiente nem para os vivos.

— Se ele congelar, não vai funcionar — retrucara, aborrecido pelo xeque não ter permitido que ele partisse imediatamente para Tabriz, que ficava a menos de cem quilômetros de distância, preocupadíssimo com Azadeh e imaginando o que teria acontecido com Ross e Gueng. Se ele não funcionar, como sairemos dessas montanhas?

De má vontade, o xeque ordenara ao seu povo que construísse o alpendre e lhe dera algumas peles de carneiro e cabra que ele usara onde achava que seriam mais necessárias. Logo depois do amanhecer, na véspera, ele tentara partir. Para seu total desespero, Bayazid tinha-lhe dito que ele e o 212 seriam usados para conseguir um resgate.

— O senhor pode ser paciente, capitão, e andar livremente pela aldeia com um guarda calmo, para cuidar do seu avião — dissera Bayazid secamente — ou o senhor pode ser impaciente e agressivo e então será amarrado e amordaçado como se fosse um animal selvagem. Eu não estou procurando confusão, capitão, não quero nem confusão nem discussão. Nós queremos um resgate de Abdullah Khan.

— Mas eu já disse que ele me odeia e que não vai contribuir para o meu res..

— Se ele disser que não, nós vamos procurar o resgate em outro lugar. Com a sua companhia em Teerã ou junto ao seu governo. Talvez com os seus patrões soviéticos. Enquanto isso, o senhor permanece aqui como hóspede, comendo como nós comemos, dormindo como nós dormimos, partilhando igualmente de tudo. Ou amarrado, amordaçado e com fome. Seja como for, o senhor fica até o resgate ser pago.

— Mas isto pode levar meses e..

— Insha'Allah!

Durante todo o dia anterior a metade da noite, Erikki tentara pensar numa maneira de escapar da armadilha. Eles tinham-lhe tirado a granada, mas deixaram a faca. Mas seus guardas eram atentos e constantes. Com toda aquela neve, ser-lhe-ia impossível descer até o vale com botas de pilotar e sem equipamento de inverno, e mesmo que conseguisse, estava em território hostil. Tabriz ficava a menos de trinta minutos de helicóptero, mas e a pé?

— Mais neve esta noite, capitão.

Erikki olhou em volta. Bayazid estava a um passo de distância e ele não o ouvira se aproximar

— Sim, e mais uns dias com este tempo e o meu pássaro não vai mais voar A bateria vai arriar e a maior parte dos instrumentos vai se estragar. Tenho que ligar o motor para carregar a bateria e esquentar o motor, tenho que fazer isso. Quem vai pagar um resgate para tirar um 212 enguiçado destas montanhas?

Bayazid pensou por um momento.

— Por quanto tempo o motor deve ser ligado?

— Dez minutos por dia. Isso é o mínimo.

— Está bem. Assim que estiver escuro, você pode fazer isso, todos os dias, mas primeiro me peça. Nós o ajudaremos a arrastá-lo, aliás, é ele ou ela?

Erikki franziu a testa.

— Eu não sei. Naves são sempre tratadas no feminino, e esta é uma nave do céu. — E deu de ombros.

— Muito bem. Nós o ajudaremos a arrastá-lo para fora e você pode ligá-lo e enquanto o motor estiver esquentando, haverá cinco armas apontadas a curta distância, para o caso de você ficar tentado.

Erikki riu.

— Então eu não ficarei tentado.

— Ótimo. — Bayazid sorriu. Ele era um homem bonito, apesar dos dentes estragados.

— Quando é que o senhor vai mandar um recado para o khan?

— Já mandei. Com toda esta neve, leva-se um dia para descer até a estrada, mesmo a cavalo, mas depois não leva muito tempo para chegar a Tabriz. Se o khan responder favorável e imediatamente, talvez a gente tenha uma resposta amanhã, talvez depois, dependendo da neve.

— Talvez nunca. Quanto tempo o senhor vai esperar?

— Todo o povo lá do Extremo Norte é assim tão impaciente? Erikki fechou a cara.

— Os antigos deuses ficavam muito impacientes quando ficavam presos contra a vontade, e eles nos transmitiram isso. É ruim ficar preso contra a vontade, muito ruim.

— Nós somos um povo pobre, em guerra. Precisamos aceitar o que o Único Deus nos dá. Pedir resgate é um costume antigo. — Ele sorriu levemente. — Nós aprendemos com Saladino a ser cavalheirescos com os nossos prisioneiros, ao contrário de muitos cristãos. Os cristãos não são conhecidos por seu cavalheirismo. Nós somos tra... — Seus ouvidos eram mais aguçados do que os de Erikki, bem como os seus olhos. — Olhe lá embaixo no vale!

Agora Erikki também escutou o motor. Ele levou um momento para perceber o helicóptero camuflado voando baixo e se aproximando, vindo do norte.

— Um Kajychokiv 16. Um aparelho de combate soviético... o que ele está fazendo?

— Está indo para Julfa. — O xeque cuspiu no chão. — Aqueles filhos de um cão vão e vêm à vontade.

— Costumam entrar muitos atualmente?

— Não muitos. Mas um já é o bastante.

PERTO DO DESVIO DE JULFA: 18:15H. A sinuosa estrada secundária através da floresta estava coberta de neve. Havia umas poucas marcas de caminhão e de carroça além das feitas pelo velho Chevrolet que estava estacionado debaixo de uns pinheiros perto do descampado, a alguns metros da estrada principal. Pelo binóculo, Armstrong e Hashemi podiam ver dois homens usando casacos grossos e luvas sentados no banco da frente, com as janelas abertas, ouvindo atentamente.

— Ele não tem muito tempo — resmungou Armstrong.

— Talvez ele não venha, afinal.

Eles estavam vigiando, há meia hora, de uma pequena elevação no meio das árvores, que dava para a área de pouso. O carro deles e o resto dos homens de Hashemi tinham estacionado discretamente na estrada principal, abaixo e atrás de onde eles se encontravam. Estava tudo muito silencioso, havia pouco vento. Alguns pássaros passaram por cima deles, crocitando lamentosamente.

— Aleluia! — murmurou Armstrong, com sua excitação aumentando. Um dos homens tinha aberto a porta lateral e saíra. Agora ele olhava em direção ao norte. O motorista ligou o motor. Então, lá de cima, eles escutaram o barulho do helicóptero se aproximando, viram-no passar pela elevação e descer no vale, beirando o topo das árvores, com o motor funcionando bem. Ele fez um pouso perfeito, levantando uma nuvem de neve. Podiam ver o piloto e um outro homem ao lado dele. O passageiro, um homem pequeno saltou e foi se encontrar com o outro homem. Armstrong praguejou.

— Você o reconhece, Robert?

— Não, aquele não é Suslev. Não é Petr Oleg Mzytryk. Tenho certeza.

— Armstrong estava imensamente desapontado.

— Cirurgia plástica?

— Não, nada disso. Ele é um cara grande, corpulento, da minha altura.

— Eles o observaram encontrar-se com o outro e entregar-lhe alguma coisa.

— Aquilo era uma carta? O que foi que ele entregou, Robert?

— Parecia um embrulho, podia ser uma carta. — Armstrong resmungou outro palavrão, concentrando-se nos lábios deles.

— O que eles estão dizendo? — Hashemi sabia que Armstrong podia ler lábios.

— Eu não sei. Não é nem farsi nem inglês.

Hashemi praguejou e tornou a focalizar o seu binóculo, que já estava perfeitamente focalizado.

— Parecia ser uma carta. — O homem disse mais algumas palavras e depois voltou para o helicóptero. Imediatamente o piloto acelerou e decolou. O outro homem então voltou para o Chevrolet.

— E agora? — Hashemi perguntou irritado.

Armstrong observou o homem caminhando em direção ao carro.

— Duas opções: interceptar o carro conforme o planejado e descobrir o que foi entregue, desde que conseguíssemos neutralizar aqueles dois filhos da mãe antes deles destruírem o material... mas isso mostraria que nós sabemos o ponto de chegada do Senhor Importante, ou simplesmente seguir o carro, presumindo que seja uma mensagem para o khan marcando uma nova data. — Ele já tinha vencido a decepção pelo fato de Mzytryk ter evitado a armadilha. É preciso ter sorte no nosso jogo, lembrou a si mesmo. Não importa, da próxima vez nós vamos pegá-lo e ele vai nos levar até o traidor, até o quarto, quinto e sexto homem e eu vou mijar nos seus túmulos e no de Suslev, ou seja lá como Petr Oleg Mzytryk chame a si mesmo, se tiver a sorte do meu lado. — Nós não precisamos nem segui-los, vão direto para o khan.

— Por quê?

— Porque ele é uma peça vital no Azerbeijão, seja a favor ou contra os soviéticos, então eles vão querer saber em primeira mão o estado do coração dele, e quem foi que ele escolheu como regente até o bebê alcançar a maioridade. O poder não vai junto com o título, com as terras e com a riqueza?

— E com as contas numeradas na Suíça. Mais uma razão para vir imediatamente.

— Sim, mas não se esqueça de que algo sério pode ter acontecido em Tbilisi para explicar a demora. Os soviéticos estão tão ansiosos e tão preocupados quanto nós a respeito do Irã.

Eles viram o homem entrar no Chevrolet e começar a falar abruptamente.

O motorista engrenou e virou em direção à estrada principal.

— Vamos voltar para o nosso carro.

A descida foi fácil, o tráfego estava pesado na estrada Julfa—Tabriz, lá embaixo, com alguns faróis já acesos e sem nenhuma maneira da sua presa escapar da emboscada caso eles decidissem levá-la avante.

— Hashemi, outra possibilidade é que Mzytryk tenha descoberto na última hora que foi traído pelo filho e que tenha mandado um aviso para o khan, cujo disfarce também teria sido descoberto. Não se esqueça que nós ainda não descobrimos o que aconteceu com Rakoczy desde que o seu finado amigo general Janan o deixou escapar.

— Aquele cão nunca faria isso por sua própria conta — Hashemi disse isso com um esgar, recordando a sua imensa alegria ao tocar no botão e ver a explosão do carro-bomba esmagar aquele inimigo junto com a sua casa, o seu futuro e o seu passado. — Isso deve ter sido ordenado por Abrim Pahmudi.

— Por quê?

Hashemi olhou para Armstrong mas não percebeu nenhuma astúcia oculta nele. Você conhece segredos demais, Robert, sabe a respeito das fitas de Rakoczy, e, pior ainda, sabe da existência do meu Grupo Quatro e da minha ajuda para Janan entrar no inferno, onde o velho khan em breve irá encontrá-lo, para onde Talbot deve ir dentro de poucos dias e você, meu velho amigo, quando eu quiser. Será que eu deveria contar-lhe que Pahmudi ordenou que Talbot fosse punido pelos seus crimes contra o Irã? Será que eu deveria contar-lhe que estou feliz em obedecer? Durante anos eu quis que Talbot desaparecesse, mas nunca ousei virar-me contra ele sozinho. Agora é Pahmudi o culpado, que Deus o faça arder, e mais uma pedra será tirada do meu caminho. Ah, sim, e o próprio Pahmudi na próxima semana. Mas você, Robert, você será o assassino escolhido para fazer isso, provavelmente para morrer. Pahmudi não merece nenhum dos meus verdadeiros assassinos.

Ele riu consigo mesmo, descendo a colina, sem sentir o frio, sem se preocupar pelo fato de Mzytryk não ter aparecido. Eu tenho coisas mais importantes com que me preocupar, estava pensando. Eu tenho que proteger o meu Grupo Quatro de assassinos a qualquer custo. Eles são a minha garantia de um paraíso na terra com poder maior do que o do próprio Khomeini.

— Pahmudi é o único que poderia ter ordenado a libertação de Rakoczy — disse. — Em breve eu vou descobrir o porquê e onde ele está. Ou ele está na embaixada soviética, num esconderijo soviético ou num calabouço da Savama.

— Ou fora do país, numa hora dessas.

— Então ele está morto. A KGB não tolera traidores. — Hashemi sorriu sardonicamente. — Qual é a sua aposta?

Por um momento, Armstrong não respondeu, espantado com a pergunta pouco comum de Hashemi, que não aprovava apostas, assim como ele. Agora. A última vez que ele tinha apostado fora em Hong Kong em 1963, com dinheiro de suborno que fora colocado em sua gaveta quando ele era um superintendente da CID. Quarenta mil dólares de Hong Kong — cerca de sete mil dólares americanos então. Contra todos os seus princípios, ele tirara o heung yau, a graxa perfumada, como era chamado lá, da gaveta e, nas corridas daquela tarde, apostara tudo num cavalo chamado Pilot Fish, numa tentativa doida de recuperar as suas perdas no jogo — cavalos e mercado de ações.

Este fora o primeiro dinheiro de suborno que ele tirara em 18 anos embora sempre houvesse dinheiro disponível em abundância. Naquela tarde, ele ganhara uma bolada e devolvera o dinheiro antes que o sargento da polícia notasse que ele fora tocado — e ainda sobrara mais do que o suficiente para as suas dívidas. Mesmo assim, ele tinha ficado tão desgostoso consigo mesmo e tão apavorado com a sua estupidez, que nunca mais jogara, nem tocara em heung yau de novo, embora sempre houvesse oportunidade.

— Você é um idiota, Robert — alguns dos seus colegas costumavam dizer —, não há nenhum mal num dinheirinho extra para a aposentadoria.

— Aposentadoria? Que aposentadoria? Cristo, por vinte anos um policial em Hong Kong andando direito, 11 anos aqui, com a mesma honestidade, ajudando esses idiotas sanguinários, e foi tudo para o brejo. Graças a Deus eu só tenho a mim com que me preocupar, nem mulher, nem filhos, nem parentes próximos, só eu. Ainda assim, se eu pegar o maldito Suslev, que vai me levar até um dos nossos mais importantes traidores, terá valido a pena.

— Como você, eu não sou homem de apostas, Hashemi, mas se fosse... — parou e ofereceu-lhe um cigarro e eles acenderam os cigarros, satisfeitos. A fumaça se misturou com o ar frio e ficou bem visível na luz do entardecer.

— Se eu fosse, diria que Rakoczy foi o pishkesh do seu Pahmudi para algum chefão soviético, só como medida de precaução.

Hashemi riu.

— Você está se tornando mais iraniano a cada dia que passa. Eu vou ter que ser mais cuidadoso. — Eles já estavam quase no carro agora e o seu ajudante saltou para abrir a porta de trás para ele. — Nós vamos diretamente para a casa do khan, Robert.

— E quanto ao Chevrolet?

— Vamos mandar que outros o sigam, eu quero chegar na casa do khan primeiro. — O rosto do coronel endureceu. — Apenas para me certificar de que aquele traidor está mais do nosso lado do que do deles.


48


NA BASE AÉREA DE KOWISS: 18:35H. Starke olhou para Gavallan inteiramente perplexo.

— 'Turbilhão' dentro de seis dias?

— Temo que sim, Duke. — Gavallan desabotoou o casaco e colocou o chapéu no cabide do hall. — Quis contar-lhe pessoalmente. Sinto muito, mas tem que ser. — Os dois homens estavam no bangalô de Starke e ele tinha colocado Freddy Ayre do lado de fora para ter certeza de que ninguém ouviria a conversa. — Eu soube hoje de manhã que todos os nossos aparelhos vão ser impedidos de voar, aguardando a nacionalização. Nós temos seis dias para planejar e executar o Turbilhão', caso o ponhamos em prática. Isso quer dizer na próxima sexta-feira. No sábado já estaremos fora do prazo.

— Jesus. — Distraidamente, Starke abriu a jaqueta e foi até o aparador, deixando uma pequena trilha de neve e água no tapete. No fundo da gaveta de baixo estava a sua última garrafa de cerveja. Ele tirou a tampa, despejou metade num copo e entregou a Gavallan. — Saúde — disse, bebendo da garrafa, e se sentou no sofá.

— Saúde.

— Quem está dentro, Andy?

— Scrag. Ainda não sei quanto ao resto dos rapazes dele, mas vou saber amanhã. Mac preparou um esquema e um plano de três fases, que está cheio de furos, mas é viável. Vamos dizer que seja viável. E quanto a você e seus rapazes?

— Qual é o plano de Mac? Gavallan contou-lhe.

— Você tem razão, Andy. Está cheio de furos.

— Se você fosse tentar uma fuga, como planejaria, saindo daqui? Você tem a distância mais longa e o trajeto mais difícil.

Starke foi até o mapa de vôo na parede e apontou para uma linha que ia de Kowiss até uma cruz no golfo, a algumas milhas da costa, indicando uma plataforma.

— Esta plataforma chama-se Destroços e é uma das que servimos regularmente — disse, e Gavallan notou como sua voz ficara tensa. — Nós levamos cerca de vinte minutos para alcançar a costa e mais dez para ir até a plataforma. Eu esconderia combustível na praia, perto deste lugar. Acho que isso poderia ser feito sem causar muita suspeita; só há dunas de areia e nenhuma casa numa distância de muitos quilômetros, e muitos de nós costumávamos fazer piqueniques lá. Um pouso de 'emergência' para checar os mecanismos de flutuação antes de sair para o mar não faria o radar ficar muito agitado embora eles estejam ficando mais nervosos a cada dia que passa. Nós teríamos que esconder dois tambores de duzentos litros por helicóptero para atravessar o golfo e teríamos que reabastecer o aparelho no ar, manualmente.

Já estava quase anoitecendo. Das janelas divisava-se a pista e a base da Força Aérea. O 125, com prioridade para decolar para Al Shargaz, estava estacionado no pátio, esperando pela chegada do caminhão-tanque. Faixas Verdes nervosos e atarefados o cercavam. Não era realmente necessário reabastecê-lo, mas Gavallan dissera a Johnny Hogg que solicitasse o reabastecimento para lhe dar mais tempo de falar com Starke. Os outros dois passageiros, Arberry e Dibble, enviados em licença depois da sua fuga de Tabriz, estavam apertados no meio de um carregamento completo de engradados de peças, encaixotadas apressadamente e marcadas em inglês e em farsi: PARA CONSERTO IMEDIATO E DEVOLUÇÃO A TEERÃ, e não tiveram permissão para desembarcar, nem mesmo para esticar as pernas. Nem os pilotos, exceto para checar o aparelho e supervisionar o reabastecimento quando o caminhão chegasse.

— Você iria para o Kuwait? — perguntou Gavallan, quebrando o silêncio.

— Claro. O Kuwait seria a melhor escolha, Andy. Nós teríamos que reabastecer o aparelho no Kuwait, depois dar um jeito de seguir pela costa até Al Shargaz. Se dependesse de mim, acho que reservaria mais combustível para um caso de necessidade. — Starke apontou para um pontinho que representava uma ilha perto da Arábia Saudita. — Aqui seria bom. É melhor ficar ao largo da costa da Arábia Saudita, não se sabe o que eles fariam. — Ele ficou olhando desanimadamente para todas as distâncias. — A ilha se chama Jellet, o Sapo, que é com o que ela se parece. Nenhuma casa, nada, mas ótima para pescar. Manuela e eu estivemos lá uma ou duas vezes quando eu estava estacionado em Bahrain. Eu guardaria combustível lá.

Ele tirou o quepe e enxugou o suor da testa, depois tornou a colocar-lo, com o rosto mais vincado e cansado do que normalmente, pois os vôos estavam mais confusos do que normalmente, cancelados, depois marcados de novo, e cancelados outra vez, Esvandiary, mais abominável do que nunca, todo mundo tenso e irritado, nenhuma correspondência nem contato com a família há semanas, a maioria do seu pessoal, inclusive ele, com licenças e substituições atrasadas. Além disso, ainda havia o problema do pessoal e dos aparelhos que estavam chegando de Zagros Três e a questão do que fazer com o corpo do velho Effer Jordon quando este chegasse amanhã. Esta fora a primeira pergunta de Starke ao se encontrar com Gavallan nos degraus do 125.

— Eu já tratei disso, Duke — dissera Gavallan, gravemente, com o vento gelado a dez nós. — Eu tenho permissão da ATC para o 125 voltar amanhã à tarde para apanhar o caixão. Vou mandá-lo para a Inglaterra no primeiro vôo disponível. Terrível. Verei a mulher dele assim que voltar e farei o que puder.

— Que azar. Graças a Deus o jovem Scot está bem, não?

— Sim, mas é terrível que alguém tenha morrido, terrível. — E se fosse o corpo de Scot e o caixão de Scot? pensou de novo Gavallan, e essa pergunta o perseguia sem parar. E se tivesse sido Scot, você aceitaria a notícia do assassinato com tanta facilidade? Não, é claro que não. Só o que você pode fazer é agradecer aos deuses dessa vez e fazer o melhor que puder, apenas fazer o melhor que puder. — Curiosamente, a ATC de Teerã e o komiteh do aeroporto ficaram tão chocados quanto nós e foram muito prestativos. Vamos conversar, eu não tenho muito tempo. Estou trazendo cartas para alguns dos rapazes e uma de Manuela. Ela está bem, Duke. Ela disse para você não se preocupar. As crianças estão bem e querem ficar no Texas. Os seus pais também estão bem; ela me pediu para lhe dizer isso assim que o encontrasse...

Depois, Gavallan tinha lançado a bomba dos seis dias e agora a mente de Starke estava enevoada.

— Com os aparelhos de Zagros aqui, eu terei três 212, um Alouette e três 206 mais uma quantidade de peças. Nove pilotos, incluindo Tom Lochart e Jean-Luc e 12 mecânicos. Isso é demais para um plano como 'Turbilhão', Andy.

— Eu sei. — Gavallan olhou pela janela. O caminhão de combustível estava parando ao lado do 125 e ele viu Johnny Hogg descer a escada. — Quanto tempo vai levar para reabastecer?

— Se Johnny não os apressar, três quartos de hora, fácil.

— Não é muito para se fazer um plano. — disse Gavallan. Ele tornou a olhar para o mapa. — Mas nenhum tempo seria suficiente para isso. Há alguma plataforma perto desse lugar que esteja vazia, ainda fechada?

— Dezenas. Existem dezenas que ainda estão do mesmo jeito que os grevistas as deixaram há meses atrás. Portas soldadas, loucura, não? Por quê?

— Scrag disse que uma delas poderia ser o lugar ideal para guardar combustível e reabastecer.

Starke franziu a testa.

— Não na nossa área, Andy. Ele tem algumas plataformas grandes, as nossas são todas muito pequenas. Não temos nenhuma que pudesse agüentar mais de um helicóptero de cada vez, e nós não iríamos querer ficar esperando a vez. O que foi que o velho Scrag disse? Gavallan contou a ele.

— Você acha que ele vai ver Rudi?

— Ele disse que iria nos próximos dias. Agora, eu não posso mais esperar. Você poderia arranjar uma desculpa para ir até Bandar Delam?

Os olhos de Starke estreitaram-se.

— Claro. Talvez pudéssemos enviar dois dos nossos aparelhos para lá e dizer que os estamos redistribuindo, melhor ainda, dizer ao 'Pé-quente' que os estamos emprestando por uma semana. Ainda podemos conseguir algumas autorizações ocasionais, desde que aquele filho da puta esteja fora do caminho.

Gavallan tomou um gole da cerveja, fazendo-a durar.

— Nós não podemos mais operar no Irã. O pobre velho Jordon não podia ter morrido e eu estou tremendamente arrependido de não ter ordenado uma evacuação há semanas. Terrivelmente arrependido.

— Você não tem culpa dele ter morrido, Andy.

— De uma certa forma, tenho. De qualquer modo, nós temos que dar o fora. Com ou sem os aparelhos. Temos que tentar salvar o que pudermos, sem arriscar a vida do pessoal.

— Qualquer retirada será tremendamente arriscada, Andy — A voz de Starke era gentil.

— Eu sei. Gostaria que você perguntasse aos seus rapazes se eles tomariam parte na operação Turbilhão'.

— Não há nenhuma maneira de retirarmos todos os helicópteros, nenhuma.

— Eu sei, por isso eu proponho que nos concentremos apenas nos 212. — Gavallan viu Starke olhá-lo com mais interesse. — Mac concordou. Você poderia retirar três?

Starke pensou por um momento.

— Dois é o máximo que eu posso conseguir. Nós precisaríamos de dois pilotos, digamos com um mecânico por helicóptero para emergências e alguma ajuda extra para lidar com os tambores de reserva ou reabastecimento durante o vôo. Isso seria o mínimo. Seria arriscado, mas se tivermos sorte... — Ele assoviou desafinadamente. — Talvez pudéssemos mandar o outro 212 para o Rudi em Bandar Delam. Claro, por que não? Eu diria ao 'Pé-quente' que ele foi emprestado por dez dias. Você poderia me enviar um telex solicitando a transferência. Mas que diabo, Andy, ainda assim nós precisaríamos de três pilotos aqui e...

O telefone interno tocou.

— Droga — disse irritado, levantando-se para atender. — Estou tão acostumado com os telefones mudos que cada vez que um toca eu levo um susto. Alô, aqui é Starke. Sim?

Gavallan observou Starke, alto, magro e muito forte. Eu gostaria de ser assim tão forte, pensou.

— Ah, obrigado — Starke estava dizendo. — Sim, claro, obrigado, sargento. Quem?... Claro, ponha-o na linha. — Gavallan notou a mudança na voz dele e prestou mais atenção. — Esta noite... Não, não podemos, agora não... NÃO! Não podemos! Agora não, estamos ocupados. — Desligou o telefone e resmungou um "filho da puta". — 'Pé-quente' queria falar conosco. "Quero vocês dois no meu escritório imediatamente!" Veado! — Tomou um gole de cerveja e se sentiu melhor. — Era também Wazari lá da torre comunicando que o último dos nossos aparelhos acabou de pousar.

— Quem?

— Pop Kelly, ele está trabalhando na plataforma Destroços, transportando alguns operários de uma plataforma para outra. Eles estão com falta de pessoal, exceto os komitehs que estão mais preocupados com encontros para rezar e com tribunais ilegais do que com a extração de petróleo. — Ele estremeceu. — Vou-lhe dizer uma coisa, Andy, os komitehs são patrocinados pelo demônio. — Gavallan notou o termo mas não disse nada e Starke prosseguiu. — Eles são o inferno.

— Sim. Azadeh quase foi assassinada — apedrejada.

— O quê?

Gavallan contou-lhe sobre a aldeia e a fuga dela de lá.

— Nós ainda não sabemos onde está o velho Erikki. Eu a vi antes de partir e ela estava... apalermada é a palavra certa, ainda não tinha se recuperado do choque.

O rosto de Starke ficou ainda mais severo. Com esforço, ele abafou a raiva.

— Digamos que possamos retirar os 212, e os rapazes? Nós ainda temos três pilotos e talvez dez mecânicos para retirar antes da fuga, o que faremos com eles? E as peças? Nós estaríamos deixando para trás três 206 e o Alouette... e quanto aos nossos pertences, nossas contas bancárias, apartamentos em Teerã, fotografias e as coisas das crianças. Droga, não apenas nossos mas de todos os outros caras, daqueles que retiramos durante o êxodo? Se dermos o fora, tudo estará perdido, tudo.

— A companhia reembolsará todo mundo. Eu não posso devolver os objetos, mas nós pagaremos pelas contas bancárias e cobriremos o resto. As contas, na maioria, são pequenas, uma vez que vocês guardam os seus fundos na Inglaterra e os vão retirando na medida em que precisam. Nos últimos meses, com certeza desde que os bancos entraram em greve, nós temos depositado todos os salários em Aberdeen. Nós os indenizaremos pela mobília e artigos pessoais. Eu acho que não poderíamos mesmo retirar quase nada. Os portos ainda estão fechados, as transportadoras são praticamente inexistentes, as estradas de ferro não estão funcionando, o transporte aéreo praticamente não existe. Todo mundo será indenizado.

Starke balançou lentamente a cabeça. Ele terminou a cerveja até a última gota.

— Mesmo que consigamos retirar os 212, você vai ter um tremendo prejuízo.

Gavallan disse pacientemente.

— Não. Calcule você mesmo. Cada 212 vale um milhão de dólares, cada 206 150 mil, um Alouette 500 mil. Nós temos doze 212 no Irã. Se conseguíssemos retirá-los, ficaríamos em boa situação, ainda continuaríamos no negócio, e eu poderia absorver as perdas do Irã. Por pouco. Os negócios estão crescendo e doze 212 nos manteriam trabalhando. Quaisquer peças que conseguíssemos retirar seriam um bônus extra. Poderíamos também nos concentrar apenas nas peças dos 212. Com os 212, nós podemos continuar operando.

Ele tentou manter a confiança, mas ela estava diminuindo. Tantos obstáculos para vencer, tantas montanhas para escalar, precipícios para atravessar. Sim, mas não se esqueça de que uma viagem de dez mil léguas começa com o primeiro passo. Seja um pouquinho chinês, disse a si mesmo. Lembre-se da sua infância em Xangai e da velha babá Ah Soong e do que ela lhe contou a respeito do destino: em parte sorte, em parte carma: "O que está escrito está escrito, jovem senhor, seja bom ou ruim. Às vezes se pode rezar por um destino bom e consegui-lo, às vezes não. Mas ayeeyah, não confie demais nos deuses — os deuses são como as pessoas. Eles dormem, vão almoçar, ficam bêbados, esquecem os seus deveres, mentem, prometem e tornam a mentir. Reze o quanto quiser, mas não se fie nos deuses — só em você e na sua família e mesmo com eles, fie-se em si mesmo. Lembre-se de que os deuses não gostam das pessoas, jovem senhor, porque as pessoas os fazem lembrar deles mesmos..."

— É claro que vamos conseguir retirar os rapazes, todos eles. Nesse meio tempo, você poderia pedir voluntários para pilotar os nossos dois aparelhos, se, se eu apertar o botão da operação 'Turbilhão'?

Starke tornou o olhar para o mapa. Então ele disse:

— Claro. Serei eu e Freddy ou Pop Kelly. O outro pode levar o 212 para Rudi e se juntar a ele na sua operação, eles não têm que percorrer uma distância tão grande. — E deu um sorriso amargo. — Certo?

— Obrigado — disse Gavallan, sentindo-se melhor. — Obrigado. Você mencionou a operação 'Turbilhão' para Tom Lochart quando ele esteve aqui?

— Claro. Ele disse para não contar com ele, Andy.

— Oh. — A sensação agradável desapareceu. — Então é assim. Se ele ficar, não poderemos executar o plano.

— Ele vai ter que ir, Andy, queira ou não — Starke disse cheio de piedade. — Ele está comprometido. Com ou sem Xarazade. Esta é a parte dura... com ou sem ela. Ele não pode escapar do que houve com o HBC, com Valik e Isfahan.

Depois de um momento, Gavallan disse:

— Acho que você tem razão. Injusto, não?

— Sim. Tom está bem, ele vai acabar compreendendo. Mas não tenho tanta certeza quanto a Xarazade.

— Mac e eu tentamos vê-la em Teerã. Fomos à casa dos Bakravan e batemos durante dez minutos. Não houve resposta. Mac foi até lá ontem também. Talvez eles simplesmente não estejam atendendo à porta.

— Isto não é típico dos iranianos. — Starke tirou a jaqueta e pendurou-a no hall. — Assim que Tom chegar aqui amanhã, vou mandá-lo para Teerã se ainda houver claridade suficiente, ou no mais tardar na segunda-feira de manhã. Eu ia tratar disso com Mac hoje à noite durante a nossa comunicação diária.

— Boa idéia. — Gavallan passou para o problema seguinte. — Também não sei o que fazer com relação a Erikki. Estive com Talbot e ele disse que veria o que pode fazer, depois fui até a embaixada da Finlândia e falei com um primeiro-secretário chamado Tollonen e também contei a ele. Ele pareceu muito preocupado, e sem saber o que fazer. "Este é um país selvagem e a fronteira é tão instável quanto a rebelião, insurreição ou luta que está acontecendo lá.

Se a KGB estiver envolvida..." Ele deixou isso solto no ar, Duke, assim mesmo: "Se a KGB estiver envolvida..."

— E quanto a Azadeh, o pai dela, o khan, não pode ajudar?

— Parece que todos tiveram uma briga danada. Ela estava muito abalada. Eu pedi a ela para esquecer os seus documentos iranianos e embarcar no 125 e esperar por Erikki em Al Shargaz, mas ela recusou terminantemente. Não vai arredar pé daqui até o Erikki aparecer. Eu mostrei a ela que o khan faz as suas próprias leis. Ele pode alcançá-la aqui em Teerã e raptá-la facilmente, se quiser. Ela disse: "Insha'Allah."

— Erikki está bem. Eu aposto. — Starke estava confiante. — Os seus deuses ancestrais vão protegê-lo.

— Espero que sim. — Gavallan não tinha tirado o casaco. Mesmo assim, ainda estava com frio. Pela janela, ele podia ver que o reabastecimento ainda não terminara. — Que tal uma xícara de café antes de partir?

— Claro. — Starke foi até a cozinha. Sobre a pia, havia um espelho e sobre o fogão em frente, uma velha tapeçaria emoldurada que uma amiga de Falls Church dera a Manuela de presente de casamento. PÉSSIMA COMIDA CASEIRA. Ele sorriu, lembrando-se de como eles tinham rido ao recebê-la, depois notou o reflexo de Gavallan no espelho, olhando para o mapa. Devo estar louco, pensou, voltando a se preocupar com os seis dias e com os dois helicópteros. Como é que vamos conseguir limpar a base e ainda nos manter inteiros, porque de um jeito ou de outro Andy está com a razão, nós estamos acabados aqui. Devo estar louco para concordar em participar da operação. Mas que diabo, você não pode pedir a um dos seus rapazes para ser voluntário se você mesmo não for. Sim, mas...

Houve uma batida na porta, que se abriu em seguida. Freddy Ayre disse baixinho:

— 'Pé-quente' está vindo para cá com um Faixa Verde.

— Entre, Freddy, e feche a porta — disse Starke. Eles esperaram em silêncio. Houve uma batida imperiosa. Ele abriu a porta e viu o sorriso arrogante de Esvandiary, reconhecendo instantaneamente o jovem Faixa Verde como sendo um dos homens do mulá Hussein e também um membro do komiteh do seu interrogatório.

— Salaam — disse educadamente.

— Salaam, aga — disse o Faixa Verde, com um sorriso tímido. Ele usava óculos de lentes grossas e rachadas, roupas puídas e um M16.

Por um momento, a mente de Starke falhou e ele se ouviu dizendo:

— Sr. Gavallan, acho que o senhor conhece 'Pé-quente'.

— O meu nome é Esvandiary. Sr. Esvandiary! — O homem disse, zangado. — Quantos vezes eu vou ter que lhe dizer isso? Gavallan, seria bom para a sua operação livrar-se deste homem antes que o expulsemos como indesejável.

Gavallan enrubesceu com a grosseria do outro.

— Agora, espere um minuto, o capitão Starke é o melhor capi...

— Você é 'Pé-quente' e também um filho da puta — explodiu Starke, brandindo o punho, subitamente tão perigoso que Ayre e Gavallan ficaram apavorados, Esvandiary recuou um passo e o jovem Faixa Verde abriu a boca. — Você sempre foi 'Pé-quente' e eu o chamaria de Esvandiary ou de qualquer outro maldito nome que você quisesse se não fosse pelo que você fez com o capitão Ayre. Você é um filho da puta e merece uma lição e vai levar uma muito em breve!

— Eu vou levá-lo diante do komiteh aman..

— Você é um covarde comedor de merda, portanto vá tomar no cú. — Starke virou-se insolentemente para o Faixa Verde que ainda estava olhando para ele de boca aberta e, sem fazer uma pausa, mudou para farsi, com a voz agora educada e respeitosa. — Excelência, eu disse a este cão — ele fez um sinal grosseiro com o polegar na direção de Esvandiary — que ele é um comedor de merda, um covarde, que precisa de homens armados para protegê-lo enquanto ele manda que outros homens surrem e ameacem membros desarmados e pacíficos da minha tribo, contra a lei, que não...

Sufocado de raiva, Esvandiary tentou interromper, mas Starke não deixou.

— ... que não quer me enfrentar como homem, com faca, espada, revólver ou punhos, de acordo com o costume entre os beduínos, para evitar um duelo de sangue, e também de acordo com o meu costume.

— Duelo de sangue? Você enlouqueceu! Em nome de Deus, que duelo de sangue? Duelos de sangue são contra a lei... — Esvandiary gritou e continuou a discussão, com Gavallan e Ayre assistindo sem poder fazer nada, sem entender farsi e completamente atônitos pela explosão de Starke.

Mas o jovem Faixa Verde não deu ouvidos a Esvandiary, depois levantou a mão, ainda maravilhado com Starke e sua sabedoria e nem um pouco invejoso.

— Por favor, Excelência Esvandiary — disse, com os olhos aumentados pela grossura das lentes velhas e rachadas, e quando se fez silêncio, ele disse a Starke: — O senhor reivindica o antigo direito de um duelo de sangue contra este homem?

Starke podia sentir o coração batendo e ouviu sua voz responder com firmeza:

— Sim — sabendo que era um jogo perigoso, mas que ele tinha que ar riscar. — Sim.

— Como pode um infiel reivindicar esse direito? — disse Esvandiary, furioso. — Isso aqui não é o deserto da Arábia Saudita, as nossas leis proíbem..

— Eu reivindico esse direito!

— Seja como Deus quiser — disse o Faixa Verde e olhou para Esvandiary — Talvez este homem não seja um infiel, não verdadeiramente. Este homem pode reivindicar o que quiser, Excelência.

— Você está louco? É claro que ele é um infiel e você não sabe que esses malditos duelos são contra a lei? Seu idiota, isso é contra a lei, é..

— O senhor não é um mulá! — disse o rapaz, zangado. — O senhor não é um mulá para dizer o que é contra a lei! Cale a boca! Eu não sou nenhum camponês analfabeto, eu sei ler e escrever e sou um membro do komiteh para manter a paz aqui e agora o senhor está ameaçando esta paz. — Ele olhou para Esvandiary, que mais uma vez recuou. — Eu vou perguntar ao komiteh e ao mulá Hussein — ele disse para Starke. — Há pouca chance deles concordarem, mas... seja como Deus quiser. Eu concordo que a lei é a lei e que um homem não precisa de outros homens armados para surrar homens inocentes contra a lei, nem mesmo para castigar o mal, por pior que seja, apenas da força de Deus. E se virou para sair

— Um momento, aga — disse Starke. E estendeu a mão e apanhou um casaco de reserva que estava pendurado numa cabine ao lado da porta aberta.

— Tome — disse, oferecendo o casaco —, por favor, aceite este pequeno presente.

— Eu não poderia — disse o rapaz, com os olhos arregalados e cheios de desejo.

— Por favor, Excelência, é tão insignificante que nem merece agradecimentos.

Esvandiary começou a dizer alguma coisa mas parou quando o rapaz olhou para ele, depois este tornou a dirigir a atenção para Starke.

— Eu não poderia aceitar. É tão valioso que não poderia aceitá-lo de Sua Excelência.

— Por favor — Starke disse pacientemente, continuando com a formalidade, depois segurou o casaco para o rapaz vestir.

— Bem, se o senhor insiste... — disse o rapaz, fingindo relutância. Ele entregou o M16 a Ayre enquanto vestia o casaco, os outros sem saber direito o que estava acontecendo, exceto Esvandiary, que olhava e esperava, jurando vingança. — É maravilhoso — disse o rapaz, fechando o zíper, sentindo-se aquecido pela primeira vez em muitos meses. Nunca na sua vida ele tivera um casaco parecido. — Obrigado, aga. — Ele viu o olhar no rosto de Esvandiary e seu desprezo por ele aumentou. Ele não estava apenas aceitando pishkesh como era o seu direito? — Eu vou tentar convencer o komiteh a conceder-lhe o direito que Vossa Excelência solicita — ele disse, e depois saiu satisfeito.

Imediatamente, Starke virou-se para Esvandiary.

— Agora, que diabo você quer?

— Há muitas licenças e vistos de permanência de pilotos vencidos.

— Não há nenhuma licença de pilotos americanos ou britânicos vencida, só de iranianos, e elas são automáticas se as outras estiverem em ordem! É claro que estão vencidas! Os seus escritórios não estão fechados há meses? Deixe de ser imbecil!

Esvandiary ficou rubro e assim que começou a responder, Starke virou-lhe as costas e olhou diretamente para Gavallan pela primeira vez.

— É evidente que não se pode mais operar aqui, sr. Gavallan. O senhor mesmo viu, nós estamos sendo impedidos, Freddy foi espancado, nós estamos atados e não há jeito de se trabalhar com toda essa confusão. Eu acho que o senhor deveria fechar a base por uns dois meses. Imediatamente!

Gavallan, de repente, compreendeu.

— Eu concordo — disse e pegou a dica. Starke suspirou de alívio, saiu de perto e sentou-se com uma raiva fingida, com o coração disparado. — Eu vou fechar a base imediatamente. Vamos mandar todos os nossos aparelhos e o nosso pessoal para outro lugar. Freddy, pegue cinco homens com licenças vencidas e embarque-os no 125 imediatamente com toda a sua bagagem, agora mesmo e...

— O senhor não pode fechar a base — gritou Esvandiary. Nem pode...

— Está fechada, por Deus — disse Gavallan, fingindo um ataque de raiva.

— São os meus aviões e os meus homens e nós não vamos nos submeter a todo esse aborrecimento e espancamento. Freddy, quem está com licenças vencidas?

Ayre começou a dar nomes e Esvandiary ficou em estado de choque. Fechar a base não lhe convinha de jeito nenhum. O ministro Ali Kia não estaria aqui na quinta-feira e ele não lhe ofereceria nesta ocasião um extraordinário pishkesh'! Se a base fosse fechada, isso arruinaria os seus planos.

— O senhor não pode tirar os nossos helicópteros desta área sem a minha aprovação — gritou. — Eles são propriedade iraniana!

— Eles são propriedade da sociedade mista, caso sejam pagos — Gavallan gritou de volta, com um ódio ameaçador. — Eu vou me queixar às autoridades de que o senhor está interferindo com as ordens do imã de fazer a produção voltar ao normal. O senhor está! O...

— O senhor está proibido de fechar. Eu farei o komiteh colocar Starke na cadeia por motim se...

— Conversa mole! Starke, eu estou ordenando que você feche a base. 'Pé-quente', você parece esquecer que nós somos bem relacionados. Eu vou me queixar diretamente com o ministro Ali Kia. Ele faz parte do nosso conselho agora e vai cuidar de você e da IranOil!

Esvandiary empalideceu.

— O ministro Kia está no... no... no conselho?

— Sim, sim, está. — Por um segundo, Gavallan ficou sem saber o que dizer. Ele tinha usado o nome de Kia porque era o único que conhecia no atual governo e estava estarrecido pelo impacto que isso causara em Esvandiary. Mas se aproveitou logo da vantagem. — O meu caro amigo Ali Kia vai cuidar de tudo isso! E de você também. Você é um traidor do Irã! Freddy, coloque cinco homens a bordo do 125 agora mesmo! E Starke, mande todos os aparelhos que temos para Bandar Delam assim que clarear. Assim que clarear!

— Sim senhor!

— Espere — disse Esvandiary, vendo o seu plano em ruínas. — Não há necessidade de fechar a base, sr. Gavallan. Pode ter havido algum mal-entendido, principalmente por causa de Petrofi e daquele homem, Zataki. Eu não fui responsável por aquele espancamento, não fui eu! — E fez força para parecer razoável, mas por dentro queria gritar de raiva e ver todos eles na cadeia, açoitados e implorando uma piedade que nunca teriam. — Não há necessidade de fechar a base, sr. Gavallan. Os vôos podem normalizar-se.

— Está fechada — disse Gavallan, autoritariamente e olhou para Starke pedindo ajuda. — Por mais que eu seja contra isso.

— Sim senhor. O senhor tem razão. — Starke foi muito respeitoso. — É claro que o senhor pode fechar a base. Nós podemos redistribuir os helicópteros ou mantê-los na reserva. Bandar Delam precisa imediatamente de um 212 para... para o contrato da Irã-Toda. Talvez pudéssemos enviar-lhe um dos nossos e fechar o resto.

Esvandiary disse rapidamente:

— Sr. Gavallan, o trabalho está voltando ao normal rapidamente. A revolução foi bem-sucedida e já terminou, o imã está no poder. Os komitehs... os komitehs desaparecerão em breve. Há os contratos da Guerney para cumprir, haverá necessidade do dobro de 212. Quanto à renovação de licenças vencidas, Insha'Allah, nós esperaremos trinta dias. Não há necessidade de interromper as operações. Não há necessidade de ser precipitado, sr. Gavallan, o senhor está nesta base há muito tempo, o senhor tem um grande investimento aqui e...

— Eu conheço o nosso investimento — Gavallan respondeu realmente com raiva, detestando aquele ar servil. — Muito bem, capitão Starke, eu vou seguir o seu conselho e por Deus, é melhor que o senhor esteja com a razão. Ponha dois homens no 125 esta noite, os substitutos estarão aqui dentro de uma semana. Mande o 212 para Bandar Delam amanhã. Ele vai ficar emprestado por quanto tempo?

— Seis dias, senhor. Estará de volta no domingo. Gavallan disse para Esvandiary:

— Ele voltará dependendo da situação aqui.

— O 212 é nosso... o 212 pertence à base, sr. Gavallan — Esvandiary corrigiu-se rapidamente. — Ele está nos nossos relatórios. Terá que voltar. Quanto ao pessoal, a regra é que os pilotos e mecânicos substitutos devem chegar primeiro para ficar no lugar daqueles que vão sair de licença e...

— Então nós vamos ter que quebrar as regras, sr. Esvandiary. Ou então eu fecho a base agora — Gavallan disse secamente e cruzou os dedos. — Starke, ponha dois homens no avião esta noite, deixe apenas um grupo reduzido aqui e embarque todo o resto do pessoal no vôo de quinta-feira, e nós os mandaremos de volta com todos os substitutos na sexta-feira, caso a situação se normalize.

Starke viu a raiva de Esvandiary voltando, então disse rapidamente:

— Nós não temos permissão para voar no Dia Santo, senhor. A equipe completa deve voltar no sábado de manhã. — E olhou para Esvandiary. — Você não concorda?

Por um momento, Esvandiary pensou que iria explodir, com o ódio quase se sobrepondo à sua determinação.

— Se você... se você pedir desculpas... pelos nomes feios e pela grosseria. Houve um longo silêncio, a porta ainda estava aberta, a sala gelada, mas

Starke sentiu o suor escorrendo pelas suas costas enquanto decidia o que responder. Eles tinham conseguido muito — caso quisessem levar adiante a Operação Turbilhão — mas Esvandiray não era nenhum idiota e uma capitulação rápida o faria ficar desconfiado, assim como uma recusa poderia ameaçar o que eles tinham conseguido.

— Eu não peço desculpas por nada. Mas, no futuro, eu o chamarei de sr. Esvandiary.

Sem dizer uma palavra, Esvandiary virou as costas e saiu. Starke fechou a porta, com a camisa grudada no corpo debaixo do suéter.

— Que diabo significa tudo isso, Duke? — perguntou Ayre zangado. — Vocês estão malucos?

— Só um instante, Freddy. — disse Gavallan. — Duke, você acha que 'Pé-quente' vai concordar com tudo isso?

— Eu... eu não sei. — Starke sentou-se, com os joelhos tremendo. — Jesus.

— Se ele concordar... se ele concordar... Duke, você foi brilhante! Foi uma idéia brilhante, brilhante!

— Você pegou a bola no ar, Andy, e fez o gol.

— Se é que foi um gol. — Gavallan enxugou o suor da testa. Ele começou a explicar para Ayre, mas parou quando o telefone tocou.

— Alô? Aqui é Starke... Claro, espere um momento... Andy, é a torre.

McIver está no HF. Wazari está perguntando se você quer atender agora ou se prefere ligar para ele depois. McIver mandou dizer que tem um recado para você de um cara chamaod Avisyard.

Na sala de controle, Gavallan apertou o botão de transmissão quase doente de preocupação, com Wazari observando-o e outro Faixa Verde que falava inglês igualmente atento.

— Sim, capitão McIver?

— Boa noite, sr. Gavallan, estou contente por tê-lo alcançado. — A voz de McIver soava cheia de estática e neutra. — Como o senhor está recebendo?

— Três por cinco, capitão McIver, prossiga.

— Acabei de receber um telex de Liz Chen. Ele diz: "Por favor, transmita ao sr. Gavallan o seguinte telex, datado de 25 de fevereiro, que acabou de chegar: 'O seu pedido foi aprovado, [assinado] Masson Avisyard'. Foi enviada uma cópia a Al Shargaz." — Fim da mensagem.

Por um momento Gavallan não acreditou no que estava ouvindo.

— Aprovado?

— Sim, eu repito: "O seu pedido foi aprovado." Telex assinado por Masson Avisyard. O que devo responder?

Gavallan teve dificuldade em evitar demonstrar sua alegria. Masson era o nome do seu amigo no escritório de registros aeronáuticos em Londres e o 'pedido' era para passar temporariamente todos os helicópteros baseados no Irã para registros britânicos.

— Apenas comunique o recebimento, capitão McIver.

— Nós podemos prosseguir com o plano.

— Sim. Eu concordo. Vou partir dentro de poucos minutos, há mais alguma coisa?

— No momento não, só rotina. Eu porei o capitão Starke a par de tudo esta noite, no horário habitual. Estou muito satisfeito com a resposta de Masson, boa viagem.

— Obrigado, Mac. — Gavallan desligou o microfone e devolveu-o para o jovem sargento Wazari. Ele tinha notado o rosto inchado, o nariz quebrado e os dentes que estavam faltando. Mas não disse nada. O que poderia dizer? "Obrigado, sargento?"

Wazari fez um sinal para o pátio lá embaixo onde a equipe de abastecimento tinha começado a enrolar as longas mangueiras.

— O tanque já está cheio, s... — Ele evitou o automático 'senhor'. — Nós, ahn, nós não temos luzes de pista, então é melhor embarcar o quanto antes.

— Obrigado. — Gavallan sentia-se leve ao caminhar em direção à escada. O HF interno começou a falar. — Aqui é o comandante da base. Chame o sr. Gavallan.

Imediatamente Wazari ligou o botão de transmissão.

— Sim senhor. — Nervosamente, ele entregou o microfone a Gavallan cuja cautela tinha aumentado. — É o maj... desculpe, ele agora é coronel, coronel Changiz.

— Sim, coronel? Andrew Gavallan.

— Os estrangeiros não têm permissão de usar o HF para mensagens em código. Quem é Masson Avisyard?

— Um engenheiro projetista — disse Gavallan. Foi a primeira idéia que lhe ocorreu. Tome cuidado, este filho da mãe é esperto. — Eu não estava...

— Qual foi o seu 'pedido' e quem é... — Houve uma ligeira pausa e vozes abafadas — ... quem é Liz Chen?

— Liz Chen é a minha secretária, coronel. O meu pedido foi... — Foi o quê? Ele teve vontade de gritar, então, de repente, a resposta surgiu na sua cabeça. —... limitar os assentos a um grupo de seis filas de dois assentos de cada lado do corredor de um novo helicóptero, o X63. Os fabricantes queriam uma arrumação diferente, mas os nossos engenheiros acreditam que este grupo de seis por quatro trará mais segurança e permitirá uma saída mais rápida em caso de emergência. Também economizaria dinheiro e...

— Sim, muito bem — o coronel interrompeu-o. — Eu repito, o HF não deve ser usado exceto com autorização prévia até que o estado de emergência tenha terminado, e de jeito nenhum em código. O seu reabastecimento está completo, o senhor está autorizado a decolar imediatamente. O pouso de amanhã para buscar o corpo do incidente de Zagros não foi aprovado. EcoTangoLimaLima pode pousar na segunda-feira entre 11 e 12 horas, dependendo de confirmação do QG, que será enviada pelo radar de Kish. Boa noite.

— Mas nós já temos uma aprovação formal de Teerã, senhor. O meu piloto entregou-a ao chefe da pista assim que chegou.

A voz do coronel ficou ainda mais dura:

— A autorização de segunda-feira está sujeita a confirmação por parte do QG da Força Aérea Iraniana. QG da Força Aérea Iraniana. Esta é uma base da Força Aérea Iraniana, o senhor está sujeito ao regulamento e à disciplina da Força Aérea e agirá de acordo com ela. Entendeu?

Depois de uma pausa, Gavallan disse:

— Sim, senhor, eu entendi, mas nós somos uma companhia civil...

— O senhor está no Irã, numa base da Força Aérea Iraniana e portanto sujeito aos regulamentos e à disciplina da Força Aérea. — O canal ficou mudo. Nervosamente, Wazari arrumou a sua mesa já meticulosamente arrumada.


DOMINGO

25 de fevereiro49


ZAGROS — PLATAFORMA BELLISSIMA: 11:05H. Num frio terrível, Tom Lochart observava Jesper Almqvist, o especialista em perfuração, manejar o enorme gancho que agora estava suspenso por um cabo sobre o poço. Em volta deles estavam os destroços queimados da plataforma e dos trailers, o resultado do ataque terrorista, já meio enterrados na neve.

— Pode baixar — gritou o jovem sueco. Imediatamente, o seu assistente, dentro da pequena cabine, movimentou o guincho. Lutando contra o vento, Jesper guiou, com dificuldade, o gancho para dentro do envólucro de metal do poço. O gancho levava uma carga explosiva sobre duas meias taças de metal presas em volta de um anel de borracha. Lochart podia ver o quanto os dois homens estavam cansados. Este era o décimo quarto poço que eles estavam tampando nos últimos três dias, ainda havia mais cinco para tampar, só faltavam sete horas para o pôr-do-sol e cada poço exigia duas ou três horas de trabalho em boas condições, uma vez que eles estivessem no local.

— Condições desgraçadas — resmungou Lochart, igualmente cansado. Horas demais de vôo desde que o Faixa Verde do komiteh determinara o prazo, problemas demais: lutando para fechar todo o campo com seus 11 poços diferentes, correndo até Shiraz para apanhar Jesper, transportando pessoal para Shiraz desde o amanhecer até o anoitecer, peças para Kowiss, decidindo o que levar e o que deixar, impossível fazer tudo em tão pouco tempo. Depois a morte de Jordon e o ataque a Scot.

— Isso aí, mantenha-o onde está! — gritou Jesper, depois correu até a cabine.

Lochart observou-o checar o nível de profundidade e depois apertar um botão. Houve uma explosão abafada. Uma nuvem de fumaça saiu do buraco. Imediatamente, o seu assistente içou os restos do cabo enquanto Jesper voltava, fechava os canos sobre o buraco, e estava pronto.

— A carga de explosivos junta as duas meias taças — Jesper explicara antes. — Isso força o selo de borracha de encontro ao revestimento de metal e ele está tampado, o selo dura uns dois anos. Quando você quiser abri-lo, nós voltamos e, com uma ferramenta especial, retiramos a tampa e ele fica novo. Talvez.

Ele enxugou o rosto com a manga.

— Vamos dar o fora, Tom! — Voltou para a cabine, desligou o interruptor elétrico principal, enfiou todas as folhas de computador numa pasta, fechou e trancou a porta.

— E quanto a todo o equipamento?

— Fica. A cabine é boa. Vamos subir a bordo, eu estou gelado. — Jesper dirigiu-se para o 206 que estava parado na pista. — Assim que eu voltar para Shiraz, irei à IranOil e tentarei que eles nos dêem permissão para voltar e apanhar a cabine, junto com as outras. Onze cabines são um investimento grande demais para deixar para trás, sem uso. Dependendo do tempo, elas duram um ano, trancadas. Elas são projetadas para agüentar um bocado de mau tempo, embora não um ataque. — Ele fez um gesto em direção aos destroços em volta deles. — Que coisa estúpida!

— Sim.

— Estúpida! Tom, você deveria ter visto os executivos da IranOil quando eu lhes contei que vocês tinham sido expulsos e que o sr. Será ia fechar o campo.

— Jesper sorriu, louro, de olhos azuis. — Eles berraram como porcos no matadouro e juraram que não havia nenhuma ordem dos komitehs para interromper a produção.

— Eu ainda não sei por que eles não voltaram com você para dominar estes filhos da mãe daqui.

— Eu os convidei e eles disseram que viriam na próxima semana. Isso aqui é o Irã, eles não virão nunca. — Ele tornou a olhar para o campo. — Só este poço produz 16 mil barris por dia. — Ele se sentou no assento da esquerda ao lado de Tom. Seu assistente, um bretão taciturno, entrou atrás e fechou a porta. Lochart ligou o motor, com o aquecimento no máximo.

— Agora, plataforma Maria, certo? Jesper pensou um momento.

— É melhor deixá-la para o fim. A plataforma Rosa é mais importante.

— E abafou outro bocejo. — Temos dois poços em funcionamento para tampar lá e o que está ainda sendo perfurado. Os pobres desgraçados não tiveram tempo de retirar cerca de sete mil pés de canos, então vamos ter que tampá-lo com tudo lá dentro. Um desperdício danado. — Ele fechou o cinto de segurança e se encolheu mais para perto da saída de ar quente.

— O que acontece depois?

— Rotina. — O rapaz riu. — Quando você quiser reabrir, nós tiramos a tampa e depois começamos a pescar o cano, peça por peça. Lento, cansativo e caro. — Mais um enorme bocejo. Ele fechou os olhos e adormeceu instantaneamente.

Mimmo Sera estava esperando o 206 na plataforma Rosa. Havia também um 212 na pista, com o motor trabalhando, Jean-Luc nos controles, homens carregando a bagagem e subindo a bordo.

— Buon giorno, Tom.

— Oi, Mimmo. Como está indo? — Lochart acenou para Jean-Luc.

— Estes são os meus últimos homens, exceto por um operário que vai ajudar Jesper. — Mimmo Será estava exausto. — Não houve tempo de recolher o cano do Três.

— Não há problema, vamos tampá-lo como está.

— Si. — Um sorriso cansado. — Pense em todo o dinheiro que você vai ganhar retirando-o.

— Dois mil e seiscentos metros a... talvez nós façamos um preço especial para você — riu Jesper

Bem-humoradamente, o outro fez um gesto expressivo, bem italiano.

— Vou deixar vocês dois trabalhando. A que horas você quer que eu venha buscá-lo? — perguntou Lochart.

Jesper olhou o relógio. Era quase meio-dia.

— Venha às quatro e meia. Certo?

— Quatro e meia em ponto. O pôr-do-sol é às 6:37h. — Lochart foi até o 212.

Jean-Luc estava inteiramente agasalhado contra o frio, mas mesmo assim conseguia ser elegante.

— Vou levar este lote diretamente para Shiraz. São os últimos, exceto por Mimmo e a sua tripulação.

— Ótimo. Como estão as coisas lá embaixo?

— Um caos. — Jean-Luc praguejou com vontade. — E sinto cheiro de desgraça, mais desgraça.

— Você está sempre esperando alguma desgraça. A não ser quando está na cama. Não se preocupe, Jean-Luc.

— É claro que estou preocupado. — Jean-Luc observou por um momento o aparelho sendo carregado; estava quase terminado agora, malas, mochilas, dois cachorros, dois gatos, e uma carga completa de homens esperando impacientemente. Depois tornou a virar-se, baixou a voz e disse com seriedade: — Tom, quanto antes estivermos fora do Irã, melhor.

— Não. Zagros é um caso isolado. Eu ainda tenho esperança de que o Irã volte a funcionar. — O HBC apareceu diante dos olhos de Lochart, depois Xarazade e 'Turbilhão'. Ele não tinha contado a ninguém a respeito da operação 'Turbilhão' nem a sua conversa com Starke:

— Vou deixar isto para você, Duke — tinha dito antes de partir. — Você pode apresentar o caso melhor do que eu. Eu sou totalmente contra.

— Claro. É um direito seu. Mac aprovou a sua viagem para Teerã na segunda-feira.

— Obrigado. Ele já esteve com Xarazade?

— Não, Tom, ainda não.

Onde ela se meteu? pensou, sentindo outro aperto no peito.

— Vejo você na base, Jean-Luc. Faça uma boa viagem.

— Certifique-se de que Scot e Rodrigues estejam prontos quando eu voltar. Terei que fazer uma parada rápida se quiser chegar em Al Shargaz hoje à noite. — Bateu a porta da cabine, olhou em volta e obteve autorização para subir, depois agradeceu, e voltou-se. — Vou subir. Certifique-se de que Scot suba a bordo discretamente, hein? Eu não quero ser atacado lá em cima. Eu ainda acho que Scot era o alvo deles, ninguém mais.

Lochart balançou a cabeça e foi para o 206.

Ele voltava de Kowiss, na véspera, quando a desgraça aconteceu. Jean-Luc tinha acabado de acordar na hora e, por acaso, estava olhando pela janela.

— Os dois, Scot e Jordon, estavam muito perto um do outro, transportando peças, carregando o HIW — ele tinha contado a Lochart assim que este pousou. — Eu não vi os primeiros tiros, apenas ouvi, mas vi Jordon cambalear e gritar, atingido na cabeça, e Scot olhar na direção das árvores atrás do hangar. Depois Scot se curvou para ajudar Jordon. Eu já vi muitos homens atingidos por balas para saber que o pobre Effer estava morto antes mesmo de tocar o chão. Então houve mais tiros, três ou quatro, mas não era uma metralhadora, parecia mais um M16 automático. Desta vez Scot levou um tiro no ombro e caiu na neve ao lado de Jordon, meio encoberto por ele. Jordon estava entre ele e as árvores. Então as balas continuaram a chover... sobre Scot, Tom, eu tenho certeza.

— Como você pode ter certeza, Jean-Luc?

— Eu tenho certeza. Effer estava diretamente na linha de fogo, diretamente, e levou todos os tiros. Os atacantes não estavam atirando na base, só em Scot. Eu agarrei a minha pistola Very e saí, não vi ninguém, mas atirei na direção das árvores. Quando cheguei onde estava Scot, ele estava histérico e Jordon todo arrebentado, tinha levado uns oito tiros. Nós levamos Scot para a enfermaria. Ele está bem, Tom, foi uma ferida no ombro, eu o vi ser tratado, a ferida está limpa e a bala atravessou a carne.

Lochart tinha ido imediatamente ver Scot no trailer que eles chamavam de enfermaria. Kevin O'Sweeney, o médico, disse:

— Ele está bem, capitão.

— Sim — repetiu Scot, com o rosto branco e ainda em estado de choque. — Estou bem sim, Tom.

— Deixe-me falar com Scot por um momento, Kevin. — Quando estavam a sós, ele disse baixinho: — O que houve enquanto eu estive fora, Scot, você esteve com Nitchak Khan? Com alguém da aldeia?

— Não, com ninguém.

— E você não contou a ninguém o que aconteceu na praça?

— Não, não, de jeito nenhum. Por quê, o que está havendo, Tom?

— Jean-Luc acha que você era o alvo, não Jordon nem a base, só você.

— Oh, Cristo! O velho Jeffer morreu por minha causa?

Lochart recordou o desespero de Scot. Todos na base ficaram muito tristes, mas as pessoas continuaram a trabalhar freneticamente, encaixotando peças, carregando os dois 212, o 206 e o Alouette para hoje, o último dia em Zagros. A única hora animada foi o jantar — um churrasco de perna de cabrito que Jean-Luc tinha cozinhado com bastante arroz e horisht.

— Grande churrasco, Jean-Luc — ele tinha dito.

— Sem alho francês e a minha habilidade, isto teria gosto de carneiro inglês, Ugh!

— O cozinheiro comprou-o na aldeia?

— Não, foi um presente. O jovem Darius, o que fala inglês, ele nos trouxe a carcaça inteira na sexta-feira, a mulher de Nitchak mandou de presente.

De repente, Lochart sentiu um gosto ruim na boca.

— A mulher dele?

— Oui. O jovem Darius disse que ela tinha caçado de manhã. Mon Dieu, eu não sabia que ela era uma caçadora, você sabia? O que foi que houve, Tom?

— Foi um presente para quem? Jean-Luc franziu a testa.

— Para mim e para a base... na verdade, Darius disse: "Isto aqui foi a senhora que mandou para a base e para agradecer a ajuda da França ao imã, que Deus o proteja." Por quê?

— Por nada. — dissera Lochart, mas mais tarde tinha levado Scot para um canto. — Você estava aqui quando Darius entregou o cabrito?

— Sim, sim, estava. Por acaso eu estava no escritório e agradeci e... — O rosto de Scot perdeu a cor. — Agora que estou pensando nisto, Darius disse quando estava saindo: "É uma sorte a senhora ter tão boa pontaria, não?" Eu acho que eu disse: sim, fantástico. Isso foi uma dica, não foi?

— Sim. Se você juntar isto ao meu lapso, e que agora, refletindo melhor, começo a achar que foi uma armadilha proposital. Eu também fui enganado, e agora Nitchak sabe que nós dois poderíamos servir de testemunhas contra a aldeia.

Na noite anterior e durante todo aquele dia, Lochart tinha ficado imaginando o que fazer, como tirar a si mesmo e a Scot de lá, e ainda não tinha achado uma solução.

Distraidamente, ele subiu no 206, esperou até Jean-Luc se afastar e decolou. Agora ele voava sobre a ravina dos Camelos Quebrados. A estrada que conduzia à aldeia ainda estava enterrada debaixo de toneladas de neve trazidas pela avalanche. Eles nunca a desobstruirão, pensou. No platô montanhoso ele podia ver rebanhos de ovelhas e cabras com seus pastores. Na frente ficava a aldeia de Yazdek. Ele a contornou. A escola era uma cicatriz na terra, preta no meio da brancura. Alguns aldeões estavam na praça e olharam para cima rapidamente e depois continuaram o que estavam fazendo. Não vou sentir pena de partir, pensou. Não depois de Jordon ter sido assassinado aqui. Zagros Três nunca mais será a mesma.

A base estava um caos, com os homens se movimentando por lá — os últimos a serem trazidos de outras plataformas e que deveriam ir para Shiraz e de lá para fora do Irã. Mecânicos exaustos xingavam enquanto continuavam a empacotar peças, empilhar caixas e bagagem para serem embarcadas para Kowiss. Antes de conseguir sair da cabine, o carro-tanque chegou com Freddy

Ayre empoleirado no capô. Na véspera, por sugestão de Starke, Lochart trouxera Ayre e outro piloto, Claus Schwartenegger, para substituírem Scot.

— Eu tomo conta dele agora, Tom — disse Ayre. — Você vai comer.

— Obrigado, Freddy. Como foram as coisas?

— Difíceis. Claus levou outro carregamento de peças para Kowiss e vai voltar a tempo de levar o último. Ao anoitecer eu vou levar o Alouette, ele está cheio até a borda e mais um pouco. Qual você quer pilotar?

— O 212. Eu vou levar Jordon. Claus pode levar o 206. Você vai para Shiraz?

— Sim. Nós ainda temos dez pessoas para levar para lá. Eu estava, ahn, pensando em levar cinco passageiros ao invés de quatro em duas viagens. Certo?

— Se eles forem pequenos, sem bagagem e desde que eu não veja. Certo? Ayre riu, com o frio realçando as suas manchas roxas.

— Eles estão tão ansiosos, acho que não estão ligando muito para bagagens. Um dos caras da plataforma Maria disse que eles ouviram tiros por perto.

— Provavelmente um dos aldeões caçando. — O fantasma da caçadora com o seu rifle possante, aliás, de qualquer um dos kash 'kai, todos atiradores experientes, o encheu de terror. Nós estamos tão desamparados, pensou, mas disfarçou. — Faça uma boa viagem, Freddy. — E foi até a cozinha e se serviu de um pouco de horisht.

— Aga — disse o cozinheiro, nervosamente, com os outros quatro ajudantes agrupados em volta dele. — Nós estamos com dois meses de salários atrasados. O que vai acontecer conosco e com o nosso salário?

— Eu já lhe disse, Ali. Nós vamos levá-los de volta a Shiraz, de onde vocês vieram. Esta tarde. Nós vamos pagar os seus salários lá e assim que eu puder, vou mandar o salário do mês de aviso prévio que estamos devendo a vocês. Vocês mantenham contato através da IranOil como sempre. Quando nós voltarmos, vocês terão os seus empregos de volta.

— Obrigado, aga. — O cozinheiro estava com eles há um ano. Ele era um homem magro, pálido, com uma úlcera de estômago. — Eu não quero mais ficar no meio destes bárbaros — disse nervosamente. — A que horas nós vamos?

— Antes do pôr-do-sol. Às quatro horas você começa a arrumar tudo e deixe tudo em ordem.

— Mas, aga, para que isso? Assim que nós partirmos os Yazdeks virão roubar tudo.

— Eu sei — disse Lochart, exausto. — Mas você vai deixar tudo em ordem e eu vou trancar a porta e talvez eles não roubem.

— Seja como Deus quiser, aga. Mas eles virão.

Lochart terminou de comer e foi para o escritório. Scot Gavallan estava lá, com o rosto abatido, o braço numa tipóia. A porta se abriu. Rod Rodrigues entrou, com olheiras negras e o rosto cansado.

— Oi, Tom, você não esqueceu, hein? — Ele perguntou ansiosamente. — Eu não estou na lista.

— Não há problema. Scot, Rod vai no HJX. Ele vai com você e Jean-Luc para Al Shargaz.

— Ótimo. Mas eu estou bem, Tom. Acho que prefiro ir para Kowiss.

— Pelo amor de Deus, você vai para Al Shargaz e não quero discussão!

Scot ficou vermelho.

— Sim, está bem, Tom. — Ele saiu. Rodrigues quebrou o silêncio.

— O que você quer que mandemos no HJX?

— Como é que eu vou saber, que diabo — Lochart parou. — Desculpe, eu estou ficando cansado. Desculpe.

— Não se preocupe, Tom. Nós todos estamos cansados. Talvez possamos mandá-lo vazio, hein?

Com muito esforço, Lochart afastou o cansaço.

— Não, coloque o motor de reserva a bordo, e quaisquer outras peças de 212 para completar a carga.

— Claro. Isso seria bom. Talvez... A porta foi aberta e Scot entrou rapidamente.

— Nitchak Khan! Olhe pela janela!

Vinte homens ou mais estavam se aproximando pelo caminho que levava à aldeia. Todos estavam armados. Outros já estavam se espalhando pela base, e Nitchak Khan estava se dirigindo ao escritório. Lochart foi até a janela dos fundos, abriu-a.

— Scot, vá até a minha cabana, afaste-se das janelas, não deixe que eles o vejam e não se mexa até eu chegar. Rápido!

Scot pulou a janela com dificuldade e saiu correndo. Lochart fechou a janela.

A porta se abriu. Lochart levantou-se.

— Salaam, calênder.

— Salaam. Estranhos foram vistos aqui perto, na floresta. Os terroristas devem ter voltado, então eu vim proteger vocês. — Os olhos de Nitchak Khan eram duros. — Seja como Deus quiser, mas eu não gostaria que houvesse mais mortes antes de vocês partirem. Nós ficaremos aqui até o pôr-do-sol. — E saiu.

— O que foi que ele disse? — perguntou Rodrigues, sem entender farsi. Lochart contou a ele e o viu estremecer.

— Não há problemas, Rod — disse, disfarçando o seu próprio medo. Não havia nenhuma chance deles decolarem ou pousarem sem voar baixo pela floresta, um alvo perfeito. Terroristas? Conversa fiada! Nitchak sabe sobre Scot e sobre mim e eu aposto que ele tem atiradores plantados em toda parte, e se ele ficar aqui até o pôr-do-sol não há nenhuma maneira de fugir, ele vai saber em que helicóptero nós estamos. Insha'Allah. Insha'Allah, mas enquanto isso, que diabo você vai fazer?

— Nitchak Khan conhece os arredores — disse com tranqüilidade, sem querer amedrontar Rod, já havia medo demais na base. — Ele vai nos proteger, Rod, caso eles estejam lá. O motor de reserva já está embalado?

— Hum? Claro, Tom, claro, está embalado.

— Você se encarrega de colocá-lo no helicóptero. Vejo você mais tarde Não se preocupe.

Durante um longo tempo, Lochart ficou olhando para a parede. Quando chegou a hora de voltar para a plataforma Rosa, Lochart foi procurar Nitchak Khan.

— Você não vai querer ver se a plataforma Rosa foi fechada direito, calênder? Ela fica na sua terra — disse e embora o velho estivesse relutante, ele conseguiu persuadi-lo com lisonjas a acompanhá-lo. Com o khan a bordo, Lochart sabia que estaria seguro por enquanto.

Até agora tudo bem, pensou. Eu vou ter que ser o último a partir. Até estarmos bem longe, Scot e eu, eu vou ter que ser muito esperto. Há muito a perder agora: Scot, os rapazes, Xarazade, tudo.

NA PLATAFORMA ROSA: 17H. Jesper guiava o caminhão velozmente pelo caminho entre os pinheiros que levava ao último poço a ser tampado. Ao lado dele estava Mimmo Será. O operário e o seu assistente estavam atrás, e ele cantava baixinho, mais para se manter acordado. O platô era largo, havia quase um quilômetro entre cada poço, a paisagem era bonita e selvagem.

— Estamos atrasados — disse Mimmo, cansado, olhando para o sol que baixava no horizonte. — Stronzo!

— Nós vamos conseguir — retrucou Jesper. No seu bolso estava a última das barras de chocolate energizantes. Os dois homens a repartiram. — Isto se parece um bocado com a Suécia — disse Jesper, derrapando numa curva, animando-se com a velocidade.

— Nunca estive na Suécia. Lá está ele — exclamou Mimmo. O poço estava numa clareira, já em funcionamento e produzindo cerca de 12 mil barris por dia, todo o campo era imensamente rico. Sobre o poço havia uma coluna gigantesca de válvulas e canos, chamada de árvore de Natal, que o ligava ao oleoduto principal. — Este foi o primeiro que perfuramos aqui — disse distraidamente. — Antes do seu tempo.

Quando Jesper desligou o motor, o silêncio foi estonteante, não havia necessidade de bombas para trazer o óleo para a superfície. A enorme pressão do gás, preso na camada de óleo a milhares de metros de profundidade, fazia isto para eles e continuaria fazendo por muitos anos.

— Nós não temos tempo para tampá-lo direito, sr. Será. A menos que o senhor queira prolongar a nossa permanência.

O homem sacudiu a cabeça e puxou o gorro para cima das orelhas.

— Por quanto tempo as válvulas agüentarão? Jesper deu de ombros.

— Deveriam agüentar indefinidamente, mas sem conservação nem inspeção periódicas? Não sei. Talvez indefinidamente, a menos que tenhamos um escapamento de gás, ou se uma das válvulas ou selos estiver com defeito.

— Stronzo!

— Stronzo — repetiu Jesper, depois fez um sinal para o seu assistente e para o operário e avançou. — Vamos apenas fechá-lo, sem tampar. — A neve afundava sob os pés deles. O vento agitava a copa das árvores e então eles ouviram o barulho do helicóptero voltando da base. — Vamos acabar logo com isso.

Eles estavam ocultos da pista e dos prédios principais da plataforma Rosa, que ficavam a um quilômetro de distância. Irritado, Mimmo acendeu um cigarro e se encostou no capô, observando os três homens trabalharem, lutandocom as válvulas, algumas emperradas, depois apanhando a enorme chave inglesa para soltá-las, depois a bala ricocheteou na árvore de Natal e o ruído que se seguiu ecoou pela floresta. Todos ficaram paralisados. E esperaram. Nada.

— Vocês viram de onde ela veio? — murmurou Jesper. Ninguém respondeu. Mais uma vez eles esperaram. Nada. — Vamos terminar — disse, e mais uma vez pôs o seu peso sobre a chave inglesa. Os outros se adiantaram para ajudar. Imediatamente houve outro tiro e a bala entrou no pára-brisa do caminhão, abriu um buraco na parede da cabine, arrebentou a tela do computador e outros instrumentos elétricos antes de sair pelo outro lado. Silêncio.

Não havia nenhum movimento em parte alguma. Apenas o vento e a neve caindo, agitada pelo vento. Barulho dos jatos do helicóptero na manobra de pouso.

Mimmo Sera gritou em farsi:

— Estamos apenas fechando o poço, Excelências, para ficar mais seguro. Nós vamos fechá-lo e depois partiremos. — Mais uma vez eles esperaram. Nenhuma resposta. Mais uma vez: — Nós só estamos deixando o poço seguro! Seguro para o Irã, não para nós! Para o Irã e o imã. É o petróleo de vocês e não nosso.

Mais uma vez esperaram e não se ouviu nenhum som além dos sons da floresta. Galhos quebrando. Ao longe, um animal gritou.

— Mamma mia — disse Mimmo Será, com a voz rouca de tanto gritar, depois se adiantou e apanhou a chave inglesa e a bala passou tão perto do seu rosto que ele sentiu a sua passagem. Ele levou um choque enorme. A chave inglesa escorregou-lhe das mãos. — Todo mundo para o caminhão. Vamos embora.

Ele recuou e entrou no banco da frente. Os outros o seguiram. Exceto Jesper. Ele foi buscar a chave inglesa e quando viu o estrago que a bala tinha feito na sua cabine, no seu equipamento, fechou a cara, sua raiva explodiu e ele sacudiu a chave inglesa na direção da floresta com um palavrão e ficou lá em pé um momento, com os pés ligeiramente afastados, sabendo que era um alvo fácil mas sem se importar.

— Fòrbannadesshitdjàvlar—murmurou Jesper, satisfeito em dizer o palavrão em sueco, depois subiu para o assento do motorista. O caminhão voltou por onde tinha vindo e quando já estava fora da vista, uma saraivada de balas dos dois lados da floresta atingiu a árvore de Natal, arrancando pedaços de metal, que se espalharam pela neve e pelo ar. Depois silêncio. Então alguém riu e gritou:

— Allahhhh-u Akbarrr...

O grito ecoou. Depois morreu.

EM ZAGROS TRÊS: 18:38H. O sol tocou o horizonte. As últimas peças e bagagens estavam sendo colocadas a bordo. Todos os quatro helicópteros estavam alinhados, dois 212, o 206 e o Alouette, e os pilotos estavam prontos. Jean-Luc andava de um lado para o outro, a partida tinha sido atrasada por Nitchak Khan que, mais cedo, ordenara arbitrariamente que todos os aparelhos partissem ao mesmo tempo, o que tornava impossível para Jean-Luc alcançar Al Shargaz, apenas Shiraz, onde teria que passar a noite, uma vez que os vôos noturnos eram proibidos no Irã.

— Explique outra vez a ele, Tom — disse Jean-Luc, furioso.

— Ele já disse a você que não, já me disse que não, então é não, e de qualquer maneira já está muito tarde. Está tudo pronto, Freddy?

— Sim — Ayre gritou irritado. — Estamos esperando há mais de uma hora!

Com uma expressão severa, Lochart dirigiu-se até onde estava Nitchak Khan, que percebera a raiva e a irritação dos estrangeiros e ficara secretamente encantado pelo transtorno que lhes causara. Ao lado de Nitchak Khan estava o Faixa Verde que Lochart presumia que fosse do komiteh e alguns aldeões. O resto tinha ido embora durante a tarde. Para a floresta, ele pensou, com a boca seca.

— Calênder, estamos quase prontos.

— Seja como Deus quiser. Lochart gritou:

— Freddy, última carga, agora. — Ele tirou o seu gorro e os outros fizeram o mesmo enquanto Ayre, Rodrigues e dois mecânicos traziam o caixão que estava no hangar e o levavam cuidadosamente até o 212 de Jean-Luc. Depois de terminado, Lochart se aproximou. — Pessoal de Shiraz a bordo. — Ele apertou a mão de Mimmo Será, de Jesper, do operário e do assistente de Jesper à medida que eles foram subindo a bordo, ajeitando-se no meio da bagagem, das peças e do caixão. Inquietos, Mimmo Será e o seu operário italiano se benzeram, depois colocaram os cintos.

Jean-Luc subiu para o lugar do piloto com Rodrigues ao seu lado. Lochart virou-se para o resto dos homens.

— Todos a bordo!

Vigiados cuidadosamente por Nitchak Khan e pelo Faixa Verde, os restantes subiram a bordo, Ayre pilotava o Alouette, Claus Schwartenegger o 206, todos os lugares estavam ocupados, os tanques cheios, os compartimentos de bagagem cheios, os deslizadores externos carregados de lâminas de rotor avulsas. O 212 de Lochart estava entulhado até em cima:

— Quando chegarmos em Kowiss já teremos gasto um bocado de combustível, então estaremos dentro da lei. De qualquer maneira, vamos descer o tempo todo — dissera a todos os pilotos ao falar com eles mais cedo.

Agora ele estava sozinho, em pé na neve de Zagros Três, todo mundo já tinha embarcado e as portas estavam fechadas.

— Decolem! — ordenou, com a tensão aumentando. Ele tinha dito a Nitchak Khan que decidira coordenar a decolagem.

Nitchak Khan e o Faixa Verde aproximaram-se de Lochart.

— O jovem piloto, aquele que foi ferido, onde está ele?

— Quem? Oh, Scot? Se ele não está aqui, está em Shiraz, calênder — disse Lochart e viu a raiva surgir na cara do velho e a boca do Faixa Verde se escancarar. — Por quê?

— Isso não é possível — discordou o Faixa Verde.

— Eu não o vi a bordo, ele deve ter ido num vôo mais cedo... — Lochart teve que levantar a voz acima do ruído dos jatos, todos os motores agora estavam funcionando com força máxima — ...num vôo mais cedo, quando nós estávamos nas plataformas Rosa e Maria, calênder. Por quê?

— Isso não é possível, calênder — repetiu o Faixa Verde, assustado, enquanto o velho virava-se para ele. — Eu estava vigiando cuidadosamente.

Lochart se abaixou para evitar as hélices e foi até a janela do piloto do 212 de Jean-Luc, entregando-lhe um grosso envelope branco.

— Tome, Jean-Luc. Bonne chance — disse. — Decole! — Por um instante ele viu o esboço de um sorriso antes de correr para se proteger. Jean-Luc acelerou ao máximo para decolar rapidamente e o aparelho subiu e se afastou, com o vento das hélices sacudindo as suas roupas e as dos aldeões, os jatos abafando o que Nitchak Khan estava gritando.

Ao mesmo tempo — também como havia sido combinado antes — Ayre e Schwartenegger aceleraram, afastando-se um do outro antes de subir devagar em direção às árvores. Lochart ficou de dedos cruzados e então o furioso Faixa Verde o agarrou pela manga e o fez virar-se.

— Você mentiu — o homem estava gritando — você mentiu para o calênder. O jovem piloto não partiu mais cedo! Eu o teria visto, eu estava observando cuidadosamente. Diga ao calênder que você mentiu!

Repentinamente, Lochart arrancou a manga da mão do rapaz, sabendo que cada segundo significava mais alguns metros de altitude, mais alguns metros em direção à salvação.

— Por que eu mentiria? Se o jovem piloto não está em Shiraz, então ele ainda está aqui. Revistem o campo, revistem o meu aparelho! — E saiu andando em direção ao seu 212 e ficou em pé ao lado da porta aberta, vendo com o canto dos olhos o 212 de Jean-Luc agora sobre a linha das árvores, Ayre tão sobrecarregado que mal podia voar, e o 206 ainda subindo. — Em nome de Deus, vamos procurar — disse, atraindo a atenção deles para si e para longe dos helicópteros que se afastavam, desejando que eles não revistassem o avião, mas o próprio campo. — Como um homem poderia se esconder aqui? Impossível. Que tal o escritório ou os trailers talvez ele esteja escondido...

O Faixa Verde tirou a arma do ombro e apontou para ele.

— Diga ao calênder que você mentiu, senão vai morrer!

Quase sem nenhum esforço, Nitchak Khan arrancou a arma da mão do rapaz e a atirou na neve.

— Eu sou a lei em Zagros, não você! Volte para a aldeia! — Cheio de medo, o Faixa Verde obedeceu na mesma hora.

Os aldeões esperavam e observavam. O rosto de Nitchak Khan estava tenso e seus olhos iam de um helicóptero para outro. Eles estavam longe agora, mas não fora do alcance dos homens que ele tinha postado em volta da base — para atirar apenas se ele desse o sinal, só ele. Um dos helicópteros menores estava inclinado, subindo ainda o mais depressa possível, fazendo um grande círculo. Para vigiar-nos, pensou Nitchak Khan, para ver o que vai acontecer. Seja como Deus quiser.

— É perigoso derrubar as máquinas voadoras — dissera sua mulher. — Isso nos trará azar.

— Os terroristas farão isto, não nós. O jovem piloto nos viu e o piloto-chefe que fala farsi sabe. Eles não devem escapar. Os terroristas não têm piedade, eles não se importam com a lei e a ordem, e como provar que eles nãoexistem? Essas montanhas não estão cheias de bandidos? Nós não perseguimos esses terroristas o mais que pudemos? O que poderíamos ter feito para evitar a tragédia? Nada.

E agora, diante dele, estava o último dos infiéis, o seu principal inimigo, aquele que o enganara e mentira, conseguindo fazer o outro demônio partir escondido. Pelo menos este não vai escapar, ele pensou. Só havia um pedacinho de sol sobre o horizonte. Enquanto ele olhava, o sol desapareceu.

— Que a paz esteja com você, piloto.

— E com você também, calênder, que Deus o proteja — disse Lochart, secamente. — Aquele envelope que eu dei ao piloto francês. Você viu quando eu o entreguei?

— Sim, sim, eu vi.

— Aquela era uma carta endereçada ao Komiteh Revolucionário em Shiraz, com uma cópia para o calênder iraniano em Dubai, do outro lado do grande mar, assinada pelo jovem piloto, testemunhada por mim, contando exatamente o que aconteceu na praça da aldeia, quem o fez, a quem, quem foi morto, o número de homens amarrados no caminhão dos Faixas Verdes antes deste cair na ravina dos Camelos Quebrados, o assassinato de Nasiri, o seu...

— Mentiras, só mentiras! Pelo Profeta, o que significa esta palavra. Assassinato? Assassinato? Isso é para bandidos. O homem morreu. Foi a Vontade de Deus — disse teimosamente o velho, consciente dos aldeões com os olhos fixos em Lochart. — Ele era um partidário conhecido do satânico xá a quem você vai encontrar, com certeza, muito em breve, no inferno.

— Talvez sim, talvez não. Talvez o meu empregado leal que foi covardemente assassinado aqui por cães covardes já tenha falado com o Único Deus e o Único Deus saiba quem está dizendo a verdade.

— Ele não era muçulmano, ele não serviu ao Islã e...

— Mas ele era cristão e os cristãos servem ao Único Deus e o meu companheiro foi morto numa emboscada feita por covardes, filhos de um cão, que só tiveram coragem de atirar de tocaia, certamente comedores de merda e homens da Mão Esquerda e amaldiçoados! É verdade que ele foi assassinado como o outro cristão lá na plataforma. Por Deus e pelo Profeta de Deus, a morte deles será vingada!

Nitchak Khan deu de ombros.

— Terroristas — ele repetiu, amedrontado —, os terroristas fizeram isso, é claro que foram os terroristas! Quanto à carta, é tudo mentira, mentira, o piloto era mentiroso, nós todos sabemos o que houve na aldeia. Tudo o que ele disse é mentira.

— Mais uma razão para que a carta não seja entregue. — Lochart estava escolhendo as palavras com muito cuidado. — Portanto, por favor, proteja-me dos 'terroristas' enquanto eu me afasto. Só eu posso evitar que a carta seja entregue. — Seu coração batia desordenadamente enquanto ele observava o velho apanhar um cigarro, pesando os prós e os contras, e acender o cigarro com o isqueiro de Jordon e ele tornou a imaginar como poderia vingar-se da morte de Jordon, uma parte ainda não resolvida do plano que até agora tinha funcionado perfeitamente: ele tinha afastado o atento Nitchak Khan dali, Scot Gavallan se escondera no caixão e embarcara no 212 de Jean-Luc, o corpo de Jordon fora colocado no caixote que servia para carregar caudas de rotorese levado para o seu 212, depois a carta e os três helicópteros decolando juntos, tudo perfeitamente planejado.

E agora estava na hora de terminar. Ayre, no Alouette, estava circulando lá em cima, fora de alcance.

— Salaam, calênder. Que a justiça de Deus esteja com você — disse e se dirigiu à cabine de pilotagem.

— Eu não tenho controle sobre os terroristas! — E quando Lochart não parou, Nitchak gritou ainda mais alto: — Por que você impediria a entrega das mentiras, hein?

Lochart subiu para a cabine, desejando estar longe, detestando aquele lugar e aquele velho.

— Porque, diante de Deus, eu detesto mentiras.

— Diante de Deus, você impediria a entrega destas mentiras?

— Diante de Deus, eu providenciarei para que a carta seja queimada. Que a justiça de Deus esteja com você, calênder, e com Yazdek. — Ele deu partida no motor. O primeiro jato pegou. As hélices começaram a girar. Mais botões. Agora o segundo motor pegou e ele ficou observando o velho o tempo todo. Apodreça no inferno, desgraçado, pensou. Suas mãos estão manchadas com o sangue de Jordon, e de Gianni também, eu tenho certeza, embora não possa provar. Talvez o meu também.

Esperando. Agora todos os mostradores estavam no verde. Ele decolou.

Nitchak Khan observou o helicóptero balançar no ar, hesitar, depois virar lentamente e começar a subir. É tão fácil levantar a mão, pensou, e o infiel e esse monstro barulhento se transformariam numa pira funerária despencando do céu, e quanto à carta, mentiras, só mentiras.

Dois homens mortos? Todo mundo sabe que eles estão mortos por sua própria culpa. Nós os convidamos para virem aqui? Não, eles vieram para explorar a nossa terra. Se não tivessem vindo para cá, ainda estariam vivos e esperando pelo inferno que é o lugar deles.

Seus olhos não se afastaram nem por um momento das máquinas voadoras. Ainda havia muito tempo. Ele fumou devagar, apreciando imensamente o cigarro, deliciando-se com a idéia de que poderia destruir uma máquina tão poderosa com um simples gesto. Mas não o fez. Ele se lembrou do conselho da esposa e acendeu um outro cigarro na ponta do anterior e o fumou, esperando pacientemente. Em pouco tempo, o barulho odioso das máquinas diminuiu, desaparecendo rapidamente e depois, lá em cima, ele viu o menor dos aparelhos parar de circular e também se dirigir para o sul e para oeste..

Quando todos os ruídos que lembravam os infiéis tinham desaparecido, ele achou que a paz voltara novamente a Zagros.

— Incendeiem a base — disse para os outros.

Em pouco tempo as chamas estavam altas. Sem nenhuma pena, ele atirou o isqueiro no meio das chamas e, satisfeito, caminhou para casa.


SEGUNDA-FEIRA

26 de fevereiro50


PERTO DA BASE AÉREA DE BANDAR DELAM: 9.16H. Debaixo de uma chuva torrencial, a caminhonete Subaru, com o símbolo da Irã-Toda na porta, corria pela estrada, com os limpadores do pára-brisas funcionando a todo o vapor, a estrada estava cheia de buracos e poças d'água, e o motorista era iraniano. Scragger estava sentado pouco a vontade ao lado dele, com o cinto de segurança amarrado e, atrás, um mecânico de rádio japonês se segurava o melhor que podia. Lá na frente, no meio do aguaceiro que caía, Scragger viu um ônibus velho atravancando quase toda a estrada e, não muito longe, o trânsito que vinha em sentido contrário.

— Minoru, diga-lhe para ir mais devagar novamente. Ele é um irresponsável.

O jovem japonês inclinou-se para a frente e falou asperamente em farsi, e o motorista balançou tranqüilamente a cabeça e não deu a menor atenção, enfiou a mão na buzina e a manteve lá enquanto desviava para o outro lado da pista, ultrapassando o ônibus, acelerando quando deveria ter freado, der-rapando, corrigindo, ao passar pelo pequeno espaço entre o ônibus e os carros que vinham na direção contrária, com os três veículos tocando freneticamente as buzinas.

Scragger tornou a praguejar. Sorrindo satisfeito, o motorista, um jovem barbudo, tirou os olhos da estrada e disse alguma coisa em farsi, caindo numa enorme poça d'água. Minoru traduziu:

— Ele está dizendo que com a ajuda de Deus nós estaremos no campo de aviação dentro de poucos minutos, capitão Scragger.

— Com a ajuda de Deus nós chegaremos lá inteiros e não aos pedaços. — Scragger tinha querido dirigir, mas não permitiram, nenhum empregado da Irã-Toda tinha permissão para dirigir.

— Nós achamos que esta era uma boa política, capitão Scragger, as estradas, as regras e os iranianos sendo como são — dissera Watanabe, o engenheiro responsável. — Mas Muhammad é um dos nossos melhores motoristas e muito confiável. Vejo-o à noite.

Para alívio de Scragger, ele viu o campo de aviação um pouco à frente. Havia Faixas Verdes guardando os portões. O motorista não prestou nenhuma atenção neles, simplesmente foi passando e parou, respingando água para todos os lados, defronte ao prédio de dois andares.

— Allah-u Akbar — disse orgulhosamente. Scragger respirou aliviado.

— Allah-u Akbar — repetiu, soltou o cinto de segurança, abrindo o guarda-chuva enquanto olhava em volta, pois era a primeira vez que ia lá. Um grande pátio de manobras e uma torre pequena, algumas janelas quebradas, outras pregadas, o prédio de dois andares em ruínas, com mais janelas quebradas, trailers da S-G, bons hangares agora fechados por causa da tempestade, com buracos de balas por toda a parte, até nas paredes dos trailers. Ele deu um assovio, lembrando-se de ter ouvido falar na luta que tinha havido ali entre os Faixas Verdes e os mujhadins. Deve ter sido bem pior do que Duke contou, ele pensou.

Dois jatos de passageiros da Royal Iran Air estavam estacionados displicentemente — o 'Royal' riscado grosseiramente com tinta preta — os pneus arriados, as janelas da cabine de pilotos quebradas e apodrecendo lá.

— Que sacrilégio — murmurou, ao ver a chuva entrar dentro da cabine.

— Minoru, meu filho, diga a Muhammad para não mover um músculo até estarmos prontos para partir, certo?

Minoru obedeceu, depois saiu para a chuva atrás de Scragger. Scragger ficou em pé ao lado do carro, sem saber para onde ir. Então a porta de um dos trailers se abriu.

— Mein Gott, Scrag! Eu achei que era você. Que diabo você está fazendo aqui? — era Rudi Lutz, sorrindo satisfeito. Então ele viu Starke juntar-se a Rudi e seu coração bateu mais rápido.

— Oi, meus filhos! — e trocou um caloroso aperto de mão com cada um deles, todos três falando ao mesmo tempo. — Bem, Duke, é uma surpresa agradável.

— Que diabo você está fazendo aqui, Scrag?

— Uma coisa de cada vez, meu filho. Este aqui é Minoru Fuyama, técnico de rádio da Irã-Toda. O meu UHF pintou o sete na viagem. Eu estou vindo de Lengeh. Minoru retirou o aparelho e ele está no carro, você pode substituí-lo?

— Não há problema. Venha, sr. Fuyama. — Rudi foi até o outro trailer para procurar Fowler Joines e tomar as providências.

— Estou um bocado contente em vê-lo, Scrag. Tenho muito o que conversar com você — disse Starke.

— A respeito de questões climáticas e turbilhões?

— Sim, sim. Eu diria que o clima não sai da minha cabeça. — Starke estava envelhecido, seus olhos percorreram a base, a tempestade parecia pior do que antes e o dia quente e úmido.

— Eu vi Manuela em Al Shargaz, ela está a mesma de sempre, linda, ansiosa, mas bem.

Rudi voltou, chapinhando na água e levou-os para o trailler-escritório.

— Você não vai poder voar com esse tempo, Scrag. Quer uma cerveja?

— Não obrigado, meu chapa, mas adoraria uma xícara de café. — Scragger respondeu automaticamente embora o seu desejo por uma cerveja gelada fosse imenso. Mas desde o seu primeiro exame médico com o dr. Nutt, logo depois dele ter vendido a Sheik Aviation para Gavallan, quando o dr. Nutt tinha dito: "Scrag, a menos que você deixe de fumar e diminua a cerveja, não poderá mais pilotar dentro de uns dois anos", ele tinha sido supercuidadoso. É isso mesmo, pensou. Nada de cigarros, nem de bebida, nem de comida, e um monte de garotas.

— Você ainda tem reservas, Rudi? Em Lengeh as coisas estão ficando pretas, exceto para de Plessey e seu vinho.

— Eu consegui um pouco num cargueiro que está atracado no porto — Rudi respondeu de dentro da pequena cozinha, onde estava pondo a chaleira no fogo. — Emergência, um marinheiro com a cabeça e o rosto arrebentados. O capitão disse que tinha sido uma queda, mas parecia mais uma boa briga. Nada de surpreendente, aliás, o navio está ancorado há três meses. Mein Gott Scrag, você viu o engarrafamento no porto quando chegou? Deve haver mais de cem navios esperando para descarregar, ou para apanhar petróleo.

— Está acontecendo a mesma coisa em Kharg e ao longo de toda a costa, Rudi. Está tudo cheio. Os ancoradouros estão cheios até em cima de caixotes, sacos e sabe Deus o que mais, tudo apodrecendo no sol ou na chuva. Mas chega de falar sobre isso; o que você está fazendo aqui, Rudi?

— Eu trouxe um 212 de Kowiss ontem. Se não fosse pelo tempo, eu teria partido de madrugada. Estou contente de não tê-lo feito.

Scragger percebeu a cautela na voz dele e olhou em volta. Pelo que pudesse ver, não havia ninguém ouvindo.

— Algum problema? — Ele viu Starke sacudir a cabeça. Rudi ligou o gravador. Wagner. Scragger detestava Wagner. — O que há?

— Estou sendo apenas precavido. Estas malditas paredes são finas demais, e eu peguei um dos empregados espionando. Eu acho que a maioria deles são espiões. E temos um novo administrador na base, Numir. Numir o Horrível, nós o chamamos. Ele está de folga hoje, senão você estaria explicando por que está aqui em triplicata. — Rudi baixou mais o tom de voz. — Temos que falar sobre os turbilhões. Mas o que você está fazendo aqui, Scrag? Por que não se comunicou conosco?

— Cheguei na Irã-Toda ontem, trazendo um cara chamado Kasigi, que é o grande comprador do petróleo de Siri e um dos chefões da Irã-Toda. O velho

Georges de Plessey arrumou isto. Vou ficar só hoje, amanhã cedo eu devo partir. Andy me pediu para vê-lo e sondá-lo assim que eu pudesse. Não consegui me comunicar com você pelo UHF. Pode ter sido por causa da tempestade, eu cheguei bem na hora. Não consegui autorização para voar até aqui, então arranquei um fio do aparelho por via das dúvidas e 'precisei urgentemente de um conserto'. Duke, Andy falou-lhe a respeito do que conversamos em Al Shargaz?

— Sim, sim, falou. E é melhor você saber que há mais uma complicação. Disseram a Andy que vamos ficar sem poder voar esperando a nacionalização e que só temos cinco dias... só cinco dias para agir. Se formos executar a operação, tem que ser no máximo até sexta-feira.

— Jesus Cristo! — Scragger sentiu um aperto no peito. — Duke, não há nenhuma possibilidade de me preparar até sexta-feira.

— Andy disse que só tiraremos os 212.

— Hein?

Starke explicou o que tinha acontecido em Kowiss e o que esperava que fosse acontecer "caso Andy dê sinal verde."

— Nada de "caso ele dê". Andy tem que dar. A questão é: vamos arriscar os nossos pescoços?

Starke riu.

— Você já arriscou o seu. Eu disse que estava dentro se todo o mundo estivesse. Com dois 212 é possível para mim, e agora que... bem, agora que o nosso pássaro terá outra vez um registro britânico assim que estivermos fora, isso torna as coisas legais.

— Torna uma ova — disse Rudi. — Não tem nada de legal. Eu disse isso a você ontem à noite e Pop Kelly concordou. Scrag, como...

— Pop está aqui?

— Claro — disse Starke. — Ele veio comigo. — E explicou o motivo e depois acrescentou: — 'Pé-quente' aprovou o 'empréstimo', nós pusemos dois caras no 125 e o resto deve sair na quinta-feira, mas não tenho tanta certeza. O coronel Changiz disse que no futuro todo o movimento de pessoal deve ser aprovado por ele, não apenas por 'Pé-quente'.

— Como é que você vai voltar?

— Eu vou num 206. — Starke olhou pela janela, para a chuva. — Maldito aguaceiro!

— Deverá passar até de noite, Duke — Scragger disse com segurança.

— Como é que você vai retirar os seus homens, Scrag? Hein? — perguntou Rudi.

— Se forem apenas os meus dois 212, isso torna as coisas mais fáceis. Muito mais fáceis. — Scragger viu Rudi beber um bocado de cerveja bem gelada, as gotículas brilhando na lata, e a sua sede aumentou. — Sexta-feira será um bom dia para uma fuga porque os iranianos estarão rezando ou algo semelhante.

— Não tenho tanta certeza disto, Scrag — disse Rudi. — Eles continuam o operar o radar na sexta-feira, e forçosamente saberão que há algo errado com os meus quatro pássaros atravessando o golfo, imagine com os seus três e os dois de Duke. Abadan está um bocado sensível em relação a helicópteros, especialmente depois do HBC.

— Houve mais alguma investigação a respeito dele, Rudi?

— Sim, na semana passada Abbasi esteve aqui, ele é o piloto que explodiu o aparelho. As mesmas perguntas, nada mais.

— Ele sabe que o irmão dele era o piloto do HBC?

— Ainda não, Scrag.

— Tom Lochart teve um bocado de sorte, um bocado de sorte.

— Nós todos tivemos um bocado de sorte. Até agora — disse Starke. — Exceto Erikki. — E contou a Scragger o pouco que sabia.

— Cristo, o que mais? Como vamos executar a operação Turbilhão com ele ainda no Irã?

— Nós não podemos, Scrag. É o que eu acho — disse Rudi. — Nós não podemos deixá-lo aqui.

— Está certo, mas talvez... — Starke tomou um gole de café, um pouco enjoado por causa da ansiedade que estava sentindo. — Talvez Andy não aperte o botão. Enquanto isso, nós esperamos que Erikki escape ou seja libertado antes de sexta-feira. Aí Andy vai poder apertar o botão. Merda, se dependesse de mim, só de mim, vê lá se eu me arriscaria numa operação como Turbilhão.

— Nem eu — disse Rudi, igualmente nervoso.

— Se fossem os seus aviões, a sua companhia e o seu futuro, eu aposto que você faria. Eu sei que eu o faria. — Scragger sorriu. — Eu sou a favor do Turbilhão. Tenho que ser, cara, nenhuma companhia me empregaria na minha idade, então eu tenho que manter Dirty Dunc e Andy Gav no negócio se quiser continuar voando. — A chaleira começou a apitar. Ele se levantou. — Eu estou dentro, Rudi. E você? Você está dentro ou fora?

— Eu, eu estou dentro se vocês dois estiverem, e se for viável, mas não gosto disso nem um pouco e estou lhe dizendo francamente que só retirarei os meus quatro se eu realmente achar que temos uma chance. Nós conversamos com os outros pilotos na noite passada, Scrag. Marc Dubois e Pop Kelly disseram que tentariam, Block e Forsythe disseram não, obrigado, então nós temos três pilotos para quatro 212. Eu pedi a Andy para me mandar um voluntário. — Rudi mostrou a sua inquietação. — Mas reissen mit scheissenl Eu vou ter, de qualquer maneira, quatro para levantar vôo, todos ao mesmo tempo, quando somos obrigados a ter autorização prévia, com Faixas Verdes por toda a base, o nosso operador de rádio, Jahan, não é nenhum idiota, e ainda temos Numi, o Horrível. — E franziu a testa.

— Você não vai ter nenhum problema, meu velho — disse Scrag, brincando. — Diga-lhes que vocês vão prestar uma homenagem à vitória de Khomeini voando sobre Abadan.

— Vá à merda, Scrag! — A música terminou e Rudi virou a fita. Então o seu rosto ficou sério. — Mas eu concordo com você que Andy vai mesmo apertar o botão na sexta-feira. Quanto a mim, eu acho que se um de nós desistir, todos desistem, de acordo?

Scragger quebrou o silêncio.

— Se Andy disser vai, eu vou. Tenho que ir.

PORTO DE BANDAR DELAM: 15:17H. A caminhonete de Scragger saiu de uma rua principal no meio da cidade barulhenta e entrou numa rua secundária, atravessou-a e depois virou na praça em frente a uma mesquita, com Muhammad dirigindo como sempre, com a mão constantemente enfiada na buzina. A chuva tinha diminuído bastante, mas o dia ainda estava horrível. No banco de trás, Minoru cochilava, abraçado ao aparelho de rádio substituto. Scragger estava olhando distraidamente para a frente, tinha tanta coisa para pensar, planos, códigos, e Erikki? Que azar desgraçado! Mas se há alguém que possa dar um jeito é ele. Juro por Deus que o velho Erikki vai achar uma saída. Digamos que ele não consiga ou que o velho Andy não dê o sinal verde, o que você vai fazer para arranjar trabalho? Vou pensar nisso na semana que vem.

Ele não viu o carro de polícia sair correndo de uma rua lateral, derrapar na superfície escorregadia e bater na traseira deles. Muhammad não poderia ter evitado o acidente, e a velocidade do carro de polícia, mais a do deles, fez com que deslizassem pela rua, batessem numa barraca e atropelassem a multidão, matando uma velha, decapitando outra, ferindo muitos ao cair com as rodas dentro da vala, fazendo com que o carro virasse e batesse de encontro ao muro, com um estrondo.

Instintivamente, Scragger cobrira o rosto com as mãos, mas o choque final fez com que sua cabeça batesse na lateral do carro, deixando-o momentaneamente desacordado, só não tendo se machucado seriamente por causa do cinto de segurança. O motorista fora projetado pelo pára-brisa e estava agora com metade do corpo para fora do carro, bastante ferido. Atrás, o assento protegera Minoru e ele foi o primeiro a se recuperar, com o rádio ainda no colo. No meio dos gritos e do pandemônio, ele abriu a porta e saltou, passando despercebido no meio de pedestres e feridos, sem notarem que ele era um passageiro, uma vez que os japoneses da Irã-Toda eram comuns nas ruas.

Naquele momento, os ocupantes do carro da polícia que estava atravessado no meio da rua com a frente amassada chegaram correndo. A polícia abriu caminho até a caminhonete, deu uma olhada no motorista, abriu a porta do outro lado e tirou Scragger lá de dentro.

Gritos zangados de "Americano!" e mais gritos e barulho, Scragger ainda estava tonto.

— Obrigado... eu... eu estou bem... — mas eles o seguraram com firmeza, gritando com ele.

— Pelo amor de Deus — gaguejou — eu não estava dirigindo... que diabo está... — Em volta dele, um tumulto de farsi, pânico e raiva e um dos policiais o algemou e depois o arrastaram para o outro carro, o enfiaram no assento de trás e entraram, ainda xingando-o. O motorista deu a partida.

Do outro lado da rua, Minoru tentava inutilmente abrir caminho no meio da multidão para ajudar Scragger. Ele parou, cabisbaixo, enquanto o carro se afastava pela rua.


51

PERTO DE DOSHAN TAPPEH: 15:30H. McIver dirigia pela estrada vazia que costeava a cerca de arame farpado do campo de aviação militar. Os pára-choques estavam tortos e havia muito mais mossas do que antes. Um dos faróis estava rachado e preso com fita adesiva, a lâmpada de uma das lanternas estava faltando, mas o motor ainda funcionava bem e os pneus de neve rodavam com segurança. Havia neve dos lados da estrada. Não havia sol, o tempo estava nublado, com as nuvens cobrindo tudo, exceto a base das montanhas ao norte. Estava frio e ele estava atrasado.

Do lado de dentro do pára-brisa havia um grande cartão verde e, ao vê-lo, o grupo de Faixas Verdes e os guardas da Força Aérea parados perto do portão fizeram-no entrar, depois tornaram a se juntar em volta de uma fogueira para se manterem aquecidos. Ele se dirigiu para o hangar da S-G. Tom Lochart saiu de uma porta lateral para se encontrar com ele.

— Oi, Mac — disse, entrando rapidamente no carro. Ele estava usando o seu uniforme de piloto e carregava a sua maleta de vôo, tendo acabado de chegar de Kowiss. — Como está Xarazade?

— Sinto ter demorado tanto, o trânsito estava horrível.

— Você a viu?

— Não, ainda não, sinto muito. — Ele viu a tensão imediata de Lochart. — Fui lá outra vez hoje cedo. Um empregado atendeu a porta mas não pareceu entender o que eu estava dizendo. Vou levar você até lá assim que puder. — Ele reduziu e virou no portão. — Como foi em Zagros?

— Um horror, vou lhe contar tudo num segundo — Lochart disse apressadamente. — Antes de sairmos, temos que nos apresentar ao comandante da base.

— Ah, é? Por quê? — McIver freou.

— Eles não disseram. Deixaram um recado com o empregado que quando você chegasse aqui hoje deveria falar com o comandante da base. Algum problema?

— Não que eu saiba. — McIver fez a volta. O que será agora? pensou, controlando a sua ansiedade.

— Pode ser por causa do HBC?

— Esperemos que não.

— O que aconteceu com Lulu? Você deu uma batida?

— Não, foram uns vândalos na rua — disse McIver, com a cabeça no HBC.

— Eles estão cada vez piores. Alguma notícia de Erikki?

— Nada. Ele simplesmente desapareceu. Azadeh passa o dia sentada ao lado do telefone, no escritório.

— Ela ainda está com você?

— Não, ela voltou para o apartamento dela no sábado. — McIver estava indo para os prédios que ficavam do outro lado da pista. — Conte-me sobre Zagros... — Ele escutou sem fazer comentários até que Lochart tivesse terminado. — Terrível, simplesmente terrível!

— Sim, mas Nitchak Khan não deu o sinal para nos derrubarem. Se tivesse dado, teria conseguido. Seria muito difícil desmentir aquela história de terroristas. De qualquer maneira, quando chegamos a Kowiss, Duke e Andy tinham tido um pega com 'Pé-quente'. — Contou-lhe sobre isso. — Mas o ardil parece estar funcionando: ontem, Duke e Pop levaram o 212 para Rudi e esta manhã o EcoTangoLimaLima chegou para apanhar o corpo de Jordon.

— Terrível. Eu me sinto muito responsável pelo velho Effer.

— Acho que todos nós. — Lá na frente eles podiam ver o prédio do QG com sentinelas do lado de fora. — Nós todos carregamos o caixão até o helicóptero, o jovem Freddy tocou uma canção fúnebre na gaita, não havia muito mais a fazer. Curiosamente, o coronel Changiz enviou uma guarda de honra da Força Aérea e nos deu um caixão decente. Os iranianos são muito estranhos. Eles pareciam genuinamente compungidos. — Lochart estava falando automaticamente, doente de ansiedade por causa da demora. Tivera que esperar em Kowiss, depois voara até aqui com a ATC perturbando-o, depois não havia nenhum meio de transporte e tivera que esperar interminavelmente por McIver e agora mais um atraso. O que aconteceu com Xarazade?

Eles estavam perto do prédio que abrigava a suíte do comandante da base e o refeitório dos oficiais, onde tinham passado tantos momentos agradáveis no passado. Doshan Tappeh fora uma base de elite — o xá mantinha parte da sua frota de jatos particulares lá e o seu Fokker Friendship. Agora as paredes do prédio de dois andares estavam furadas de balas e destruídas aqui e ali por bombas, a maioria das janelas estava quebrada, algumas cobertas por tábuas. Lá fora, alguns Faixas Verdes e aviadores desleixados estavam postados como sentinelas.

— Que a paz esteja com vocês! Excelência McIver e Lochart estão aqui para falar com o comandante do campo. — Lochart disse em farsi. Um dos Faixas Verdes fez sinal para eles entrarem. — Por favor, onde fica o escritório?

— Lá dentro.

Eles subiram os degraus em direção à porta principal, o ar estava pesado com cheiro de fumaça, pólvora e esgoto. Ao chegarem ao último degrau, a porta principal se abriu e apareceu um mulá com alguns Faixas Verdes, arrastando dois jovens oficiais da Força Aérea com as mãos amarradas e os uniformes sujos e rasgados. Lochart ficou de boca aberta, reconhecendo um deles.

— Karim! — exclamou e McIver também reconheceu o rapaz. Karim Peshadi, o adorado primo de Xarazade, o homem a quem ele havia pedido para tentar retirar a autorização do HBC da torre.

— Tom! Em nome de Deus, diga-lhes que eu não sou nem espião nem traidor — Karim gritou em inglês. — Tom, diga a eles!

— Excelência — Lochart disse em farsi para o mulá —, deve haver algum engano. Este homem é o capitão Peshadi, um leal partidário do aiatolá, um...

— Quem é você, Excelência? — perguntou o mulá, um homem de olhos escuros, baixo e atarracado. — Americano?

— Meu nome é Lochart, Excelência, canadense, piloto da IranOil, e este é o chefe da nossa companhia que fica do outro lado do campo, capitão McIver, um...

— Como é que você conhece esse traidor?

— Excelência, estou certo de que há algum engano, ele não pode ser um traidor, eu o conheço porque ele é primo da minha esposa e fi...

— Sua esposa é iraniana?

— Sim, Exce...

— Você é muçulmano?

— Não, Excel...

— Então é melhor se divorciar e salvar a alma dela da perdição. Seja como Deus quiser. Não há engano algum a respeito desses traidores. Cuide da sua vida, Excelência. — O mulá fez um sinal para os Faixas Verdes. Imediatamente, eles desceram os degraus, arrastando os dois oficiais que gritavam e protestavam a sua inocência, depois ele se voltou para a porta da frente.

— Excelência — Lochart gritou atrás dele, alcançando-o. — Por favor, em nome do único Deus, eu sei que aquele rapaz é leal ao imã, é um bom muçulmano, um patriota, eu sei com certeza que ele foi um dos que lutaram contra os Imortais aqui em Doshan Tappeh, ele ajudou a revo...

— Pare! — Os olhos do mulá ficaram ainda mais duros. — Esse problema não é da sua conta, estrangeiro. Nós não somos mais governados por estrangeiros, nem por leis estrangeiras, nem por um xá dominado por estrangeiros. Você não é iraniano, nem juiz, nem legislador. Aqueles homens foram julgados e condenados.

— Eu imploro pela sua paciência, Excelência, deve haver algum erro, deve... — Lochart se virou ao ouvir uma sucessão de tiros de rifle ali perto. As sentinelas estavam olhando para algumas barracas e prédios do outro lado da estrada. Então os Faixas Verdes reapareceram, vindos de trás de uma das barracas, pondo as armas no ombro. Eles tornaram a subir os degraus. O mulá fez sinal para que eles entrassem.

— A lei é a lei — disse o mulá, observando Lochart. — A heresia tem que ser exterminada. Já que você conhece a família dele, pode dizer-lhes para pedir perdão a Deus por ter abrigado uma tal criatura.

— E ele foi considerado culpado de que crime?

— Não foi 'considerado' culpado, Excelência — disse o mulá, com raiva na voz. — Karim Peshadi admitiu publicamente ter roubado um caminhão e ter deixado a base sem permissão, admitiu publicamente ter participado de demonstrações proibidas, declarou publicamente ser contra o nosso Estado absolutista islâmico, se opôs publicamente à abolição do Ato do Matrimônio, contrário aos princípios islâmicos, defendeu publicamente atos contrários à lei islâmica, foi apanhado em ações suspeitas de sabotagem, negou publicamente o total absolutismo do Corão, desafiou publicamente o direito do imã de ser faqira, aquele que está acima da lei e que é o árbitro final da lei. — Ele puxou as suas vestes mais para junto do corpo por causa do frio. — Que a paz esteja com você. — E tornou a entrar no prédio.

Por um momento, Lochart não conseguiu falar. Então ele explicou a McIver o que tinha sido dito.

— Suspeito de atos de sabotagem, Tom? Ele foi apanhado na torre?

— Que importância tem isso? — disse Lochart, com amargura. — Karim está morto. Por crimes contra Deus.

— Não, meu rapaz — McIver disse bondosamente —, não contra Deus, contra a versão deles da verdade expressa em nome do Deus que eles nunca irão conhecer. — Ele endireitou os ombros e entrou no prédio. No fim, acabaram encontrando o comandante da base e foram recebidos.

Atrás da mesa estava um major. O mulá sentava-se a seu lado. A única decoração da pequena sala desarrumada era uma grande fotografia de Khomeini.

— Eu sou o major Betami, sr. McIver — o homem disse secamente em inglês. — Este é o mulá Tehrani. — Depois ele olhou para Lochart e mudou para farsi. — Como Sua Excelência Tehrani não fala inglês, você traduzirá para mim. O seu nome, por favor.

— Lochart, capitão Lochart.

— Sentem-se por favor, vocês dois. Sua Excelência disse que você é casado com uma iraniana. Qual era o nome dela de solteira?

Os olhos de Lochart ficaram duros.

— A minha vida particular só interessa a mim, Excelência.

— Não você sendo um piloto de helicóptero estrangeiro no meio da nossa revolução islâmica contra a dominação estrangeira — disse o major, zangado. — Nem sendo uma pessoa que conhece traidores do país. O senhor tem algo a esconder, capitão?

— Não, não, é claro que não.

— Então, por favor, responda à pergunta.

— O senhor é da polícia? Com que autoridade...

— Eu sou um membro do komiteh de Doshan Tappeh — disse o mulá — O senhor prefere ser intimado oficialmente? Agora? Neste minuto?

— Eu prefiro não ser interrogado a respeito da minha vida privada.

— Se o senhor não tem nada a esconder, pode responder à pergunta. Por favor, escolha.

— Bakravan. — Lochart viu que os dois homens tinham identificado o nome. Seu estômago ficou ainda mais embrulhado.

— Jared Bakravan, o agiota do bazar? Uma de suas filhas?

— Sim.

— O nome dela, por favor.

Lochart controlou a raiva, aumentada ainda mais pelo assassinato de Karim. Foi um assassinato, ele teve vontade de gritar, não importa o que vocês digam.

— Sua Excelência Xarazade. McIver estava observando atentamente.

— Do que se trata, Tom?

— Nada. Nada, eu explico depois.

O major tomou nota num pedaço de papel.

— Qual é o seu relacionamento com o traidor Karim Peshadi?

— Eu o conheço há cerca de dois anos, ele foi um dos meus alunos no curso de pilotos. Ele é primo da minha esposa... era primo da minha esposa. E eu só posso repetir que é inconcebível que ele fosse um traidor do Irã ou do Islã.

O major fez outra anotação no bloco, com a pena rangendo.

— Onde o senhor está morando, capitão?

— Eu... eu não tenho certeza. Eu estava na casa dos Bakravan, perto do bazar. O nosso... nosso apartamento foi confiscado.

O silêncio cresceu na sala, tornando-a claustrofóbica. O major terminou de escrever, depois apanhou uma folha cheia de anotações e olhou diretamente para McIver.

— Primeiro, nenhum helicóptero estrangeiro pode entrar ou sair do espaço aéreo de Teerã sem autorização do QG da Força Aérea.

Lochart traduziu e McIver balançou a cabeça. Isso não era nenhuma novidade, exceto que o komiteh do Aeroporto Internacional de Teerã tinha acabado de dar instruções oficiais por escrito, em nome do todo-poderoso Komiteh Revolucionário, de que só o komiteh podia autorizar e conceder tais autorizações. McIver tinha conseguido permissão para mandar o 212 que faltava e um dos seus Alouettes para Kowiss "em empréstimo temporário" bem a tempo, ele pensou com amargura, concentrando-se no major, mas imaginando quai teria sido a discussão em farsi com Lochart.

— Segundo: nós queremos uma lista completa de todos os helicópteros sob sua responsabilidade, em que lugar do Irã eles se encontram, os números dos motores e a quantidade e o tipo de peças que vocês estão carregando em cada helicóptero.

Lochart viu McIver arregalar os olhos, mas sua mente estava presa em Xarazade e na razão pela qual eles queriam saber onde ele morava e qual era o seu relacionamento com Karim, mal ouvindo as palavras que estava traduzindo.

— O capitão McIver diz que: "Muito bem. Isso vai demorar um pouco por causa das comunicações, mas eu vou conseguir o mais cedo possível.

— Eu gostaria de ter isso amanhã.

— Se eu conseguir até lá, Excelência, fique certo de que o senhor a terá. O senhor a terá o mais cedo possível.

— Terceiro: todos os seus helicópteros na área de Teerã serão reunidos aqui a partir de amanhã, e de agora em diante o senhor os operará daqui.

— Eu irei certamente informar aos meus superiores da IranOil a respeito da sua solicitação, major. Imediatamente.

O rosto do major endureceu.

— A Força Aérea é que decide isso.

— É claro. Eu informarei aos meus superiores imediatamente. Isto é tudo, major?

— Quanto ao helicóptero. — E o mulá consultou uma anotação que estava na mesa em frente a ele. — HBC. Nós...

— HBC! — McIver permitiu que o seu pânico explodisse numa raiva que Lochart teve dificuldade em transmitir: "A segurança é de responsabilidade da Força Aérea na base e eu não sei como eles puderam ser tão relapsos para deixar que o HBC fosse seqüestrado! Eu já reclamei várias vezes sobre isso, sentinelas que não aparecem, nenhum guarda à noite. Um roubo de um milhão de dólares. Insubstituível! Eu estou movendo uma ação contra a Força Aérea por negligência e...

— Não foi culpa nossa — começou o major, com raiva, mas McIver não prestou atenção e continuou na ofensiva, não dando nenhuma chance a ele de falar, e nem Lochart, que transformou a tirada de McIver em palavras e frases apropriadas para um ataque ainda mais esmagador sobre a negligência da Força Aérea.

— ... uma negligência inacreditável... eu poderia dizer mesmo uma traição deliberada e um complô por parte de outros oficiais, por permitir que algum americano desconhecido entrasse no nosso hangar, debaixo do nariz dos nossos supostos guardiães, recebesse autorização para voar, dada pelos nossos supostos protetores, e depois prejudicasse o grande Estado iraniano! Imperdoável! É claro que isso foi traição e planejada previamente por 'pessoas desconhecidas com posto de oficiais' e eu devo insis...

— Como o senhor ousa insinuar que...

— É claro que deve ter sido com a convivência de oficiais da Força Aérea. Quem é que controla a base? Quem é que controla o rádio, quem é que fica na torre, nós consideramos a Força Aérea responsável e eu estou registrando a queixa para os escalões mais altos da IranOil, exigindo restituição e... e na próxima semana, eu vou pedir uma indenização ao ilustre Komiteh Revolucionário e ao próprio imã, que Deus o proteja! Agora, Excelência, se me permite, nós vamos tratar do nosso trabalho. Que a paz esteja com os senhores.

McIver dirigiu-se para a porta, seguido de Lochart, os dois homens cheios de adrenalina, McIver se sentindo mal, com dor no peito.

— Esperem! — ordenou o mulá.

— Sim, Excelência?

— Como você explica que o traidor Valik, que 'por acaso' era um sócio da sua companhia e parente e partidário do xá, Bakravan, tenha chegado em Isfahan nesse helicóptero para apanhar outros traidores, um dos quais era o general Seladi, outro parente de Bakravan, sogro de um dos seus pilotos-chefes? A boca de Lochart estava seca quando ele repetiu essas palavras, mas McIver não hesitou e voltou ao ataque.

— Não fui eu quem indicou o general Valik para o conselho, ele foi indicado por iranianos importantes de acordo com a lei daquela época. Nós não procuramos sócios iranianos, a lei iraniana é que nos obrigava a tê-los, eles nos foram impingidos. Eu não tenho, nada a ver com isso. Quanto ao resto, Insha'Allah, foi a vontade de Deus! — Com o coração disparado, ele abriu a porta e saiu. Lochart terminou de traduzir.

— Salaam — ele disse e depois saiu.

— Isso não vai ficar assim — gritou o major, atrás deles.

PERTO DA UNIVERSIDADE: 18:07H. Eles estavam deitados um ao lado do outro sobre macios tapetes em frente à lareira que crepitava alegremente no aposento agradável. Xarazade e Ibrahim Kyabi. Eles não estavam se tocando, apenas olhando o fogo, ouvindo a música do gravador, pensativos, todos dois muito conscientes da presença do outro.

— Tu, dádiva do universo — ele murmurou — tu dos lábios de rubi e hálito de vinho, tu, língua do paraíso...

— Oh, Ibrahim — ela riu — que é isso de "língua do paraíso"?

Ele se apoiou no cotovelo e olhou para ela, abençoando o destino que havia permitido que ele a salvasse do fanático louco na Marcha das Mulheres, o mesmo destino que em breve o levaria até Kowiss para vingar o assassinato do seu pai.

— Eu estava citando o Rubãiyãt — ele disse, sorrindo para ela.

— Eu não acredito numa só palavra! Acho que você inventou tudo isso. — Ela lhe devolveu o sorriso, depois afastou os olhos do brilho do seu amor, tornando a olhar para as chamas.

Depois da primeira Marcha de Protesto, há seis dias, eles tinham conversado muito até esta noite, discutindo a revolução e encontrando uma causa em comum no assassinato do pai dele e do pai dela, ambos filhos da solidão agora, uma vez que suas mães não compreendiam, apenas choravam e repetiam Insha'Allah e nunca desejavam vingança. Suas vidas viraram do avesso assim como o seu país, Ibrahim não era mais um crente — acreditava apenas na força e no propósito do povo — a fé dela estava abalada, sendo questionada pela primeira vez, imaginando como Deus podia permitir tanta maldade e todas as outras maldades que tinham ocorrido desde então, a corrupção da terra e do seu espírito.

— Eu concordo, Ibrahim, você tem razão. Nós não nos livramos de um déspota para aceitar outro! Você tem razão, o despotismo dos mulás se torna mais claro a cada dia — dissera. — Mas por que Khomeini se opõe aos direitos que o xá nos concedeu, direitos razoáveis?

— São direitos inalienáveis que pertencem a você enquanto ser humano, não são para serem concedidos pelo xá nem por ninguém, assim como o seu corpo pertence a você, e não é um "campo para ser arado".

— Mas por que o imã se opõe?

— Ele não é um imã, Xarazade, apenas um aiatolá, um homem e um fanático. Porque ele está fazendo o que os padres sempre fizeram no decorrer da história: ele está usando a sua versão da religião para anestesiar o povo, para mantê-lo dependente, inculto, para assegurar o poder dos mulás. Ele não quer que apenas os mulás se responsabilizem pela educação? Ele não afirma que só os mulás compreendem a 'lei', estudam a 'lei', têm conhecimento da 'lei'? Como se eles sozinhos detivessem todo o saber!

— Eu nunca pensei nisto assim, eu aceitei tanta coisa, tanta. Mas você está certo, Ibrahim, você torna tudo claro para mim. Você tem razão, os mulás só acreditam no que está no Corão, como se o que era certo no tempo do Profeta, que a paz esteja com ele, servisse para o dia de hoje! Eu me recuso a ser uma escrava sem direito de votar e de escolher...

Encontraram muitas idéias em comum, ele, um moderno estudante universitário, ela, querendo ser moderna, mas insegura do caminho a seguir. Partilharam segredos e desejos, compreendendo instantaneamente um ao outro, usando as mesmas nuances, partilhando da mesma herança — ele tão parecido com Karim no discurso e na aparência que poderiam ser irmãos.

Naquela noite ela dormira tranqüilamente e na manhã seguinte saíra cedo para se encontrar com ele de novo, tomando café numa pequena cafeteria, ela usando o chador para se proteger e se esconder, rindo tanto juntos, por tudo e por nada. Ambos conscientes das correntes, sem precisar falar nelas. Depois uma segunda Marcha de Protesto, maior do que a primeira, melhor e com pouca oposição.

— Quando você tem que voltar, Xarazade?

— Eu, eu disse a mamãe que voltaria tarde, que ia visitar uma amiga do outro lado da cidade.

— Vou levá-la para lá agora, depressa, e você pode sair logo e então, se você quiser, nós poderemos conversar mais um pouco, ou melhor ainda, eu tenho um amigo que tem um apartamento e discos maravilhosos...

Isto foi há cinco dias atrás. As vezes o seu amigo, um outro líder estudantil do Tudeh, estava em casa, às vezes havia outros estudantes, rapazes e moças, nem todos comunistas — novas idéias, discussões livres, idéias embriagadoras a respeito da vida e do amor, e de viver livremente. Ocasionalmente, eles ficavam sozinhos. Dias maravilhosos, marchando, conversando, rindo e ouvindo discos e noites de paz em casa, perto do bazar.

Na véspera, a vitória. Khomeini cedera, publicamente, dizendo que as mulheres não estavam obrigadas a usar o chador desde que cobrissem os cabelos e se vestissem com discrição. Na noite passada eles tinham celebrado, dançando alegremente no apartamento, todos eles jovens, depois se beijaram e voltaram para casa. Mas na noite passada o seu sono fora perturbado pela visão dos dois juntos. Erótico. Naquela manhã ela tinha ficado deitada, sonolenta, amedrontada e no entanto excitada.

A fita terminou. Era dos Carpenters, lenta, romântica. Ele a virou e o outro lado era melhor ainda. Será que eu vou ter coragem? Ela perguntou a si mesma sonhadoramente, sentindo a força dos olhos dele. Por uma fresta da cortina ela podia ver que o céu estava escurecendo.

— Está quase na hora de ir — disse sem se mover, com um tremor na voz.

— Jari pode esperar — ele disse ternamente. Jari, sua empregada, sabia das visitas secretas. — É melhor que ninguém saiba — ele tinha dito no segundo dia —, nem mesmo ela.

— Ela tem que saber, Ibrahim, ou eu nunca poderei sair sozinha, nunca poderei vê-lo. Eu não tenho nada a esconder, mas sou casada e é... — Não foi preciso dizer 'perigoso'. Todos os momentos que eles passavam a sós significavam perigo.

Então ele concordara e pedira ao destino que a protegesse, como fez agora.

— Jari pode esperar.

— Sim, pode, mas primeiro temos que fazer algumas compras e o meu querido irmão Meshang não... esta noite eu tenho que jantar com ele e Zarah.

Ibrahim ficou assustado.

— O que é que ele quer? Ele não desconfia de você?

— Oh, não, é só um jantar de família, só isso. — Langorosamente, ela o olhou. — E quanto ao seu negócio em Kowiss? Você vai esperar mais um dia ou vai amanhã?

— Não é urgente — ele disse despreocupadamente. Ele tinha adiado várias vezes embora o seu supervisor do Tudeh tivesse dito que cada dia a mais que ele ficava em Teerã aumentava o perigo:

— Você já esqueceu o que aconteceu com o camarada Yazernov? Nós soubemos que o serviço secreto estava envolvido! Eles devem ter visto você entrando no prédio com ele, ou saindo de lá.

— Eu tirei a barba, não voltei mais para casa e estou evitando a universidade. Aliás, camarada, é melhor que não nos encontremos por um dia ou dois, eu acho que estou sendo seguido. — Ele sorriu consigo mesmo, lembrando-se da rapidez com que o outro homem, um velho partidário do Tudeh, tinha desaparecido ao dobrar uma esquina.

— Por que o sorriso, meu querido?

— Por nada. Eu te amo, Xarazade — ele disse com simplicidade e acariciou-lhe o seio enquanto a beijava.

Ela devolveu o beijo, mas não completamente. A paixão dele cresceu, bem como a dela, embora ela tentasse controlar-se, com a mão dele acariciando-a, deixando fogo no seu rastro.

— Eu te amo, Xarazade... ame-me.

Ela não queria afastar-se do calor, nem das suas mãos, nem da pressão dos seus membros, nem do tumulto do seu coração. Mas o fez.

— Agora não, meu querido — ela murmurou e recuperou o fôlego e então, quando o seu coração se acalmou um pouco, ela olhou para ele, buscando os seus olhos. Ela viu decepção, mas não raiva. — Eu... eu não estou preparada, não para o amor, agora não...

— O amor acontece. Eu amei você desde o primeiro momento. Você está segura, Xarazade, o seu amor estará seguro comigo.

— Eu sei, oh, sim, eu sei disso. Eu... — Ela franziu a testa, sem entender a si mesma, só que agora era errado. — Eu tenho que estar certa do que estou fazendo. E agora eu não estou.

Ele lutou consigo mesmo, então inclinou-se e beijou-a, sem forçar o beijo — confiante de que em breve eles se tornariam amantes. Amanhã. Ou depois.

— Você é ajuizada como sempre — disse. — Amanhã nós teremos o apartamento só para nós. Eu prometo. Vamos nos encontrar como sempre, tomar café no lugar de sempre. — Ele se levantou e ajudou-a a levantar-se. Ela o abraçou e agradeceu e o beijou e ele abriu a porta da frente. Silenciosamente, ela vestiu o chador, jogou-lhe mais um beijo e saiu, deixando um rastro de perfume. Então isso também desapareceu.

Depois de trancar a porta, ele voltou e calçou os sapatos, ainda sentido. Pensativamente, apanhou o seu M16 que estava num canto da sala, checou o mecanismo e a munição. Longe do feitiço dela, ele não tinha nenhuma ilusão a respeito do perigo ou das realidades da sua vida — e de que breve morreria. A sua excitação aumentou.

Morte, pensou. Martírio. Dar a minha vida por uma causa justa, aceitar livremente a morte, desejando-a. Oh, eu o farei. Eu não posso liderar um exército como o Senhor dos Martírios, mas posso revoltar-me contra os satanistas que se autodenominam mulás e me vingar deles no mulá Hussein de Kowiss por ter assassinado o meu pai em nome de falsos deuses e por ter profanado a Revolução do Povo!

Ele sentiu o seu êxtase aumentar. Como o outro. Mais forte do que o outro.

Eu a amo com toda a minha alma, mas deveria ir amanhã. Não preciso de um grupo comigo, sozinho seria mais seguro. Eu posso pegar um ônibus facilmente. Eu deveria ir amanhã. Deveria, mas não posso, não posso, ainda não. Depois que fizermos amor..

AEROPORTO DE AL SHARGAZ: 18:17H. A quase mil e trezentos quilômetros de distância para sudeste, do outro lado do golfo, no heliporto, Gavallan estava vendo o 212 se preparando para pousar. A tarde estava agradável, o sol desaparecia no horizonte. Agora ele podia ver Jean-Luc nos controles com um dos pilotos ao lado dele, não Scot, como ele tinha esperado no primeiro momento. Sua ansiedade aumentou. Ele acenou e então, quando as pás pousaram no solo, ele se dirigiu impaciente para a porta da cabine. Esta foi aberta. Ele viu Scot soltando o cinto com uma das mãos, o outro braço numa tipóia, o rosto pálido e tenso, mas inteiro.

— Oh, meu filho — disse, com o coração batendo aliviado, querendo correr e abraçá-lo mas se controlando e esperando até que Scot tivesse descido os degraus e estivesse ali na pista ao lado dele.

— Oh, rapaz, eu estava tão preocupado...

— Não precisava, papai, eu estou bem, muito bem. — Scot abraçou o seu pai com o braço bom, um contato tão necessário para os dois, esquecidos dos outros. — Cristo, estou muito contente em vê-lo. Eu pensei que você fosse esperado em Londres hoje.

— E sou esperado. Estou de partida daqui a uma hora. — Agora eu estou, estava pensando Gavallan, agora que você está aqui são e salvo. — Estarei lá assim que puder. — E limpou uma lágrima, fingindo que era poeira, e apontou para um carro parado ali perto. Genny estava na direção. — Não quero ser exagerado, Scot, mas Genny vai levá-lo ao hospital agora mesmo, só para tirar uma radiografia, está tudo providenciado. Sem estardalhaço, eu prometo. Há um quarto reservado para você ao lado do meu no hotel. Está bem?

— Está bem, papai. Eu, ahn, eu... estou precisando de uma aspirina. Confesso que estou me sentindo pessimamente. A viagem foi um bocado acidentada. Eu, ahn, você já está de partida? Quando é que você volta?

— Assim que puder. Dentro de um ou dois dias. Ligo para você amanhã, está bem?

— Scot hesitou, com o rosto se contraindo.

— Você poderia... você poderia vir comigo. Eu posso contar-lhe a respeito de Zagros, você teria tempo?

— É claro. Foi muito ruim?

— Sim e não. Nós todos escapamos, exceto Jordon, mas ele foi morto por minha causa, papai, ele foi... — Os olhos de Scot encheram-se de lágrimas embora sua voz permanecesse firme e controlada. — Não posso fazer nada sobre isso... nada. — Ele enxugou as lágrimas e resmungou um palavrão e se abraçou ao pai com a mão boa. — Não posso fazer nada... não sei como...

— A culpa não foi sua, Scot — disse Gavallan, arrasado com o desespero do filho, assustado por ele. — Vamos embora... — E gritou para Jean-Luc: — Vou levar Scot para tirar uma radiografia, voltarei logo.

TEERÃ — NO APARTAMENTO DE McIVER: 18:35H. Charlie Pettikin e Paula estavam sentados à mesa, à luz de velas, brindando com taças de vinho junto com Sayada Bertolin. Havia uma grande garrafa de Chianti aberta, travessas com dois grandes salames, um parcialmente comido, uma enorme fatia de queijo dolce latíe ainda intacto e duas bagueítes francesas que Sayada trouxera do Clube Francês, uma já no fim.

— Pode estar havendo uma guerra — ela tinha dito com uma alegria forçada ao chegar sem ter sido convidada, há meia hora — mas aconteça o que acontecer, os franceses têm que ter um pão decente.

—Vive Ia France e Viva Alitalia — respondera Pettikin, convidando-a com relutância para entrar, sem querer dividir Paula com ninguém. Desde que o interesse de Paula por Nogger Lane terminara, ele tinha entrado no páreo, cheio de esperanças. — Paula chegou esta tarde no vôo da Alitalia, contrabandeou tudo isso arriscando a própria vida, e não está com uma aparência fantástica?

— É o dolce latte, Sayada. Charlie me disse que era o seu favorito — disse Paula, rindo.

— Não é o melhor queijo do mundo? Tudo que é italiano não é o melhor do mundo?

Paula apanhou o saca-rolhas e entregou a ele, com seus olhos esverdeados mandando arrepios pela sua espinha.

— Para você, caro.

— Magnífico! Será que todas as moças da Alitalia são tão gentis, corajosas, lindas, eficientes, doces, cheirosas, afetuosas e, ahn, cinematográficas?

— É claro.

— Venha para a festa, Sayada — ele tinha dito. Quando ela chegou mais perto, ele viu que ela estava com um ar estranho. — Você está bem?

— Oh, sim, não é nada. — Sayada ficou satisfeita pela luz de vela que permitiu que ela disfarçasse. — Eu, ahn, obrigada, eu não vou ficar, eu... só estou com saudades de Jean-Luc, queria descobrir quando ele vai voltar, e achei que vocês gostariam das baguettes.

— Foi ótimo você ter chegado. Há semanas que não comemos um pão decente, obrigado, mas fique de qualquer jeito. Mac foi apanhar o Tom em Doshan Tappeh. Tom deve saber de Jean-Luc. Eles devem estar chegando a qualquer momento.

— Como está Zagros?

Nós tivemos que fechar. — Enquanto ele providenciava os copos e ar rumava a mesa, com Paula ajudando e fazendo quase tudo, ele explicou a elas o motivo e contou-lhes a respeito do ataque terrorista à plataforma Bellissima, da morte de Gianni e, mais tarde, de Jordon, e do ferimento de Scot. — Um horror, mas aconteceu.

— Terrível — disse Paula. — Isto explica por que nós vamos voltar por Shiraz e temos instruções de deixar cinqüenta lugares em aberto. Deve ser para os nossos compatriotas de Zagros.

— Que azar — disse Sayada, imaginando se deveria passar essa informação. Para eles, e ele.

A Voz tinha ligado ontem cedo, perguntando a que horas ela tinha deixado Teymour no sábado.

— Por volta de cinco, cinco e quinze, por quê?

— O maldito prédio pegou fogo pouco antes de escurecer, em algum lugar do terceiro andar, atingindo os outros andares. O prédio inteiro foi destruído, muitas pessoas morreram, e não há nenhum sinal de Teymour nem dos outros. É claro que os bombeiros chegaram tarde demais...

Ela não teve dificuldade em chorar de verdade e deixar a sua agonia transparecer. Mais tarde a Voz tinha ligado de novo

— Você deu os papéis a Teymour?

— Sim... sim, eu dei.

Tinha havido um palavrão abafado.

— Esteja no Clube Francês amanhã de tarde. Deixarei instruções no seu armário. — Mas não havia nenhuma mensagem, então ela apanhara o pão na cozinha e fora para lá. Não havia nenhum outro lugar para ir e ela ainda estava muito assustada.

— Que coisa triste — Paula estava dizendo:

— Sim, mas chega disto — disse Pettikin, censurando-se por ter contado a elas. Isso não é problema delas, pensou. — Vamos comer, beber e nos alegrar.

— Pois amanhã estaremos mortos? — perguntou Sayada.

— Não. — Pettikin levantou o copo e sorriu para Paula. — Pois amanhã estaremos vivos. Saúde! — Ele brindou com ela e depois com Sayada, e pensou, que dupla fantástica, mas Paula é de longe a mais bonita..

Sayada estava pensando: Charlie está apaixonado por esta sereia que vai se aproveitar dele quanto quiser e depois cuspir os restos sem hesitação, mas por que será que eles — os meus novos senhores, sejam eles quem forem — por que será que eles querem saber sobre Jean-Luc e Tom e querem que eu seja amante de Armstrong, e como eles sabem a respeito do meu filho, que Deus os amaldiçoe.

Paula estava pensando: Eu odeio esta merda de cidade onde todo mundo está tão deprimido e melancólico como esta pobre mulher que obviamente está com o problema de sempre, amoroso, quando existe Roma, sol, Itália, e uma vida doce para gozar, vinho, risos e amor para desfrutar, crianças para gerar com um marido para adorar mas só enquanto o demônio se comportar — por que será que todos os homens são uns safados e por que será que eu gosto deste homem, Charlie, que é e não é velho demais, é e não é pobre demais, é e não é masculino demais...

— Alora — ela disse, com o vinho tornando os seus lábios mais suculentos — Charlie, amore, nós precisamos nos encontrar em Roma. Teerã é tão... tão depressão, scusa, deprimente.

— Não quando você está por perto — ele disse. Sayada os viu sorrir um para o outro e os invejou.

— Acho que voltarei mais tarde — disse, levantando-se. Antes que Pettikin pudesse dizer alguma coisa, uma chave girou na fechadura e McIver entrou.

— Oh, olá — disse, tentando esquecer o cansaço. — Oi, Paula, oi, Sayada. Que surpresa agradável. — Então ele notou a mesa. — O que é isso, Natal? — Ele tirou o casacão e as luvas.

— Foi Paula quem trouxe, e Sayada trouxe pão. Onde está Tom? — perguntou Pettikin, sentindo imediatamente que havia alguma coisa errada.

— Eu o deixei na casa dos Bakravan, perto do bazar.

— Como vai ela? — perguntou Sayada. — Eu não a vejo desde... desde o dia da marcha, primeiro de março.

— Eu não sei, garota, apenas deixei-o lá e vim para casa. — McIver aceitou um copo de vinho, devolvendo o olhar de Pettikin. — O tráfego estava horrível. Eu levei uma hora para chegar aqui. Saúde! Paula, você é um colírio para os olhos. Você vai passar a noite aqui?

— Se não for incomodar? Eu vou sair cedo amanhã de manhã, não vou precisar de condução, caro, um dos membros da tripulação me deixou aqui e vem me buscar amanhã. Genny disse que eu podia usar o quarto de hóspedes. Ela achou que ele poderia estar precisando de uma faxina, mas ele me parece limpo. — Paula se levantou e os dois homens, involuntariamente, foram imediatamente atraídos pela sensualidade dos seus movimentos. Sayada xingou-a, com inveja, imaginando por que seria, o uniforme não era, com certeza, pois era muito severo embora lindamente cortado, sabendo que ela própria era muito mais bonita, muito mais bem vestida, mas não da mesma raça. Vaca!

Paula apanhou a bolsa e tirou duas cartas que entregou a McIver.

— Uma de Genny e uma de Andy.

— Obrigado, muito obrigado — agradeceu McIver.

— Eu estava saindo, Mac — disse Sayada. — Só queria perguntar quando é que Jean-Luc vai voltar.

— Provavelmente na quarta-feira. Ele está transportando um 212 para Al Shargaz. Ele deve chegar lá hoje e voltar na quarta-feira. — McIver olhou para as cartas. — Não precisa ir embora, Sayada... dêem-me licença um minuto.

Ele se sentou na poltrona ao lado do aquecedor que estava funcionando a meio vapor e acendeu um abajur. A luz tirou muito do romantismo da sala. A carta de Gavallan dizia: "Oi, Mac, escrevo às pressas, cortesia da mais linda de todas! Estou esperando por Scot. Depois parto para Londres esta noite, se ele estiver bem, mas voltarei dentro de dois dias, três no máximo. Consegui tirar Duke de Kowiss e o mandei falar com Rudi, caso Scrag se atrase — ele deve estar de volta na terça-feira. Kowiss está muito confuso — eu tive uma briga feia com 'Pé-quente' — e Zagros também. Acabei de falar com Masson e é isso mesmo. Então estou dando o sinal verde para o plano. Está dado. Vejo você na quarta-feira. Dê um abraço em Paula por mim e Genny manda dizer que você não ouse fazer isso!"

Ele ficou olhando para a carta, depois recostou-se na poltrona por um momento, ouvindo, distraído, uma história que Paula estava contando sobre o vôo para Teerã. Então ele apertou o botão. Não se iluda, Andy, eu sabia que você iria apertá-lo desde o primeiro momento — foi por isto que eu disse: Certo, desde que eu possa cancelar a operação se achar que é arriscada demais e a minha decisão é definitiva. Eu acho que você deve apertar o botão até o fim. Você não tem outra alternativa se quiser sobreviver.

O vinho estava muito bom. Ele terminou o copo, depois abriu a carta de Genny. Eram apenas notícias de casa e das crianças, todos com saúde e felizes, mas ele a conhecia bem demais para não ver nas entrelinhas a sua preocupação: "Não se preocupe, Duncan, e não se esforce demais. E não pense que estou planejando uma casinha cheia de flores na Inglaterra. Eu estou aqui praticando a dança do ventre, então é melhor você se apressar. Amor, Gen."

McIver sorriu para si mesmo, se levantou e se serviu de mais vinho, sentindo-se mais calmo agora. Brindou com Pettikin:

— Um brinde às mulheres. Vinho fantástico, Paula. Andy mandou-lhe um abraço... — Na mesma hora ela sorriu, estendeu a mão e tocou nele e ele sentiu um arrepio percorrer-lhe o braço. O que será que ela tem? perguntou a si mesmo, perturbado, e disse rapidamente para Sayada: — Ele mandaria um para você também se soubesse que você estava aqui. — Uma das velas na lareira estava derretendo. — Deixe que eu apanho. Algum recado?

— Tem um recado de Talbot. Ele está fazendo tudo o que pode para encontrar Erikki. Duke ficou preso em Bandar Delam por causa de uma tempestade, mas deve voltar a Kowiss amanhã.

— E Azadeh?

— Ela está melhor hoje. Paula e eu a acompanhamos até em casa. Ela está bem, Mac. É melhor você comer alguma coisa, não há nada para jantar.

— Que tal jantarmos no Clube Francês? A comida ainda está passável — disse Sayada.

— Eu adoraria — Paula disse animadamente e Pettikin praguejou. — Que idéia maravilhosa, Sayada! Charlie?

— Ótimo, Mac?

— Claro, se for por minha conta e se vocês não se importarem de voltar cedo. — McIver segurou o copo contra a luz, admirando a cor do vinho. — Charlie, quero que você leve o 212 para Kowiss bem cedinho, Nogger vai levar o Alouette. Você pode ficar ajudando Duke uns dois dias. Vou mandar Shoesmith num 206 para buscá-lo no sábado. Está bem?

— Claro — disse Pettikin, imaginando o motivo da mudança nos planos que eram que McIver, Nogger e ele próprio embarcassem no vôo de quarta-feira, e dois outros pilotos iriam para Kowiss amanhã. Por quê? Deve ter sido a carta de Andy. Turbilhão? Será que Mac vai cancelar?

NAS FAVELAS DE JALEH: 18:50H. O velho carro parou no beco. Um homem saltou e olhou em volta. O beco estava deserto, muros altos, uma vala de um dos lados que já estava coberta de neve e lixo há muito tempo. Do outro lado de onde o carro tinha parado, fracamente iluminada pela luz do farol, havia uma praça arruinada. O homem deu uma batida no teto. Os faróis foram apagados. O motorista saltou e foi ajudar o outro homem, que tinha aberto a mala. Juntos eles carregaram o corpo, enrolado num cobertor escuro, através da praça.

— Espere um pouco — o motorista disse em russo. Ele apanhou a lanterna e acendeu-a por um instante. O círculo de luz mostrou a abertura no muro que ele estava procurando.

— Ótimo — disse o outro, e eles a atravessaram, depois tornaram a parar para se localizarem.

Agora eles estavam num cemitério velho, quase abandonado. Eles foram iluminando túmulo por túmulo — algumas das inscrições em russo, algumas em letras romanas — até encontrar o túmulo aberto, recém-cavado. Havia uma pá enfiada no monte de terra.

Eles foram até a beirada. O homem mais alto, o motorista, disse:

— Pronto?

— Sim. — Eles deixaram o corpo cair no buraco. O motorista iluminou-o com a lanterna. — Endireite-o.

— Ele não vai ligar a mínima — disse o outro homem e apanhou a pá. Era um homem muito forte e de ombros largos e começou a encher o túmulo. O motorista acendeu um cigarro, atirando o fósforo, com raiva, dentro do túmulo.

— Talvez você devesse dizer uma oração por ele. O outro riu.

— Marx-Lenin não aprovariam. Nem o velho Stalin.

— Aquele filho da puta... que ele apodreça!

— Olhe o que ele fez pela mãe Rússia! Ele construiu um império, o maior do mundo, coagiu os britânicos, enganou os americanos, formou o maior e melhor exército, marinha e aeronáutica e tornou a KGB assim tão poderosa.

— Com cada rublo que possuíamos e vinte milhões de vidas. Vidas de russos.

— Dispensáveis! A escória, idiotas, a ralé, havia muito mais gente no lugar de onde eles vieram. — O homem estava suando agora e entregou a pá para o outro. — O que há com você, afinal?, você já estava enfezado desde cedo.

— Estou só cansado. Desculpe.

— Todo mundo está cansado. Você precisa de alguns dias de descanso. Candidate-se a ir para Al Shargaz. Eu tive três dias ótimos lá, não queria mais voltar. Eu pedi para ser transferido de uma vez para lá. Temos uma operação grande lá agora, crescendo todo dia, os israelenses também intensificaram as suas operações, assim como a CIA. O que foi que aconteceu desde que eu parti?

— O Azerbeijão está esquentando. Há boatos de que o velho Abdullah Khan está morto ou morrendo.

— A Seção 16/a?

— Não, ataque de coração. O resto está normal. Você se divertiu mesmo? O outro riu.

— Tem uma secretária da Intourist lá que é muito hospitaleira. — Ele coçou o saco ao se lembrar. — Quem é esse desgraçado, afinal?

— O nome dele não estava relacionado — disse o motorista.

— Nunca está. Então quem era ele?

— Um agente chamado Yazernov, Dimitri Yazernov.

— Não significa nada para mim. E para você?

— Ele era um agente na área da universidade; eu trabalhei com ele por algum tempo, há um ano atrás. Esperto, gênero culto, cheio de baboseiras ideológicas. Parece que ele foi apanhado pelo Serviço Secreto e seriamente interrogado.

— Filhos da mãe! Eles o mataram, não foi?

— Não. — O homem mais alto parou de trabalhar por um momento e olhou em volta. Não havia nenhuma chance deles estarem sendo ouvidos e embora ele não acreditasse em fantasmas nem em Deus nem em nada, só no Partido e na KGB, a cabeça do partido, ele não estava gostando daquele lugar. Ele baixou a voz. — Quando ele foi recuperado, há quase uma semana, ele estava mal, inconsciente, nunca deveria ter sido removido, não no seu estado. A Savama o tirou das mãos do Serviço Secreto. O diretor acha que a Savama também trabalhou nele antes de devolvê-lo. — Ele se apoiou na pá por um momento. — A Savama o devolveu com o recado que achavam que ele tinha revelado tudo através do terceiro nível. O diretor disse para descobrir depressa quem era ele, se ele tinha outras certidões secretas, ou se era um espião interno ou um disfarce para alguém mais alto, e que diabos ele tinha contado a eles, quem ele era, afinal. Ele não consta das nossas fichas como sendo outra coisa além de um agente da área universitária. — Ele enxugou o suor da testa e começou a trabalhar de novo. — Eu ouvi dizer que o grupo esperou um tempão que ele recobrasse a consciência, então hoje eles desistiram e tentaram acordá-lo.

— Um erro? Alguém exagerou na dose?

— Quem sabe? O pobre infeliz está morto.

— Esta é uma das coisas que me assusta — disse o outro, estremecendo. — Receber uma dose forte demais. Não há nada que você possa fazer a respeito. Ele não chegou a acordar? Não disse nada?

— Não. Nadinha. A merda é ele ter sido apanhado. Foi culpa dele. O filho da mãe estava trabalhando por conta própria.

O outro praguejou.

— Como foi que ele conseguiu?

— Não faço a menor idéia! Eu me lembro dele como um desses que acham que sabem tudo e riem do Livro. Esperto? Uma ova! Esses filhos da mãe não valem os problemas que causam. — O homem mais alto trabalhava duro e sem parar. Quando se cansava, o outro o substituía.

Em pouco tempo, o túmulo estava tapado. O homem alisou a terra, ofegante.

— Se esse cretino se deixou apanhar, então por que estamos tendo todo esse trabalho?

— Quando o corpo não pode ser repatriado, o camarada tem direito a um enterro decente, está no Livro. Este é um cemitério russo, não é?

— Claro que sim, mas eu é que não queria ser enterrado aqui. — O homem limpou a terra das mãos, depois virou-se e urinou no túmulo mais próximo.

O homem mais alto estava apanhando uma lápide.

— Me ajuda aqui. — Juntos, eles levantaram a lápide e a colocaram sobre o túmulo que tinham acabado de encher.

Por que o desgraçado teve que morrer, pensou, amaldiçoando-o. A culpa não foi minha. Ele devia ter agüentado a dose. Malditos médicos! Eles deveriam saber! Nós não tivemos escolha, o filho da mãe estava afundando de qualquer maneira e havia muitas perguntas a serem respondidas, como o que havia de tão importante com relação a ele para que o maldito filho da mãe do Hashemi Fazir se encarregasse pessoalmente de interrogá-lo, junto com aquele filho da puta do Armstrong. Aqueles dois profissionais importantes não perdem tempo com arraia miúda. E por que foi que Yazernov disse "Fedor..." pouco antes de morrer? Qual o significado disso?

— Vamos embora — disse o outro homem. — Este lugar é horrível e fede, fede mais do que o normal. — Ele pegou a pá e saiu andando na escuridão.

Neste momento a inscrição da lápide atraiu a atenção do motorista, mas estava escuro demais para ler. Ele acendeu a lanterna um instante. A inscrição dizia: "Conde Alexi Pokenov, Plenipotenciário do xá Nasiru'd Din, 1830-1862."

Yazernov ia gostar disto, ele pensou, sorrindo cinicamente.

NA CASA DOS BAKRAVAN, PERTO DO BAZAR: 19:15H. A porta da rua foi aberta.

— Salaam, Alteza. — O empregado observou Xarazade entrar para o pátio alegremente, seguida de Jari e tirar o chador, e agora ela estava sacudindo os cabelos e afofando-os com os dedos. — O... o seu marido está de volta, Alteza; ele voltou logo depois do pôr-do-sol.

Por um instante, Xarazade ficou imóvel sob a luz das lamparinas a óleo que piscavam no pátio coberto de neve.

Então está acabado, ela estava pensando. Acabou antes de começar. Quase começou hoje, eu estava pronta e no entanto não... e agora, agora estou a salvo do... do meu desejo — era desejo ou amor, será que era isso que eu estava tentando decidir? Eu não sei, não sei, mas amanhã... amanhã eu o verei uma última vez, tenho que vê-lo mais uma vez, só mais uma vez... só para dizer adeus.

Seus olhos se encheram de lágrimas e ela correu para dentro de casa, atravessou os salões, subiu as escadas, entrou no seu quarto e caiu nos braços dele.

— Oh, Tommyyyy, você esteve tanto tempo longe!

— Oh, eu senti tantas saudades suas, onde você... Não chore, minha querida, não há motivo para chorar...

Seus braços estavam em volta dela e ela sentiu o cheiro familiar de gasolina e óleo que vinha das suas roupas de piloto, penduradas no cabide. Ela viu a seriedade dele. O HBC surgiu na sua mente, mas ela o afastou e, sem dar-lhe um segundo, ficou na ponta dos pés, beijou-o e disse rapidamente:

— Tenho novidades maravilhosas, estou grávida, oh, sim, é verdade, eu estive no médico e amanhã vou apanhar o resultado do teste, mas eu sei — O seu sorriso era alegre e franco. — Oh, Tommy — ela continuou na mesma velocidade, sentindo o seu abraço cada vez mais apertado —, você quer se casar comigo, por favor, por favor?

— Mas nós somos casad...

— Diga que sim, oh, por favor, diga que sim! — ela levantou os olhos e viu que ele ainda estava pálido e sorrindo muito pouco, mas isso já era o suficiente naquele momento e ela o ouviu dizer:

— É claro que eu me caso com você.

— Não, diga direito: "Eu me caso com você, Xarazade Bakravan. Eu me caso com você, eu me caso com você" — então ela o ouviu repetir e isso tornou tudo perfeito.

— Perfeito — ela exclamou e abraçou-o, depois se afastou dele e correu para o espelho para ajeitar a maquilagem. E viu o rosto de Lochart no espelho, tão severo, inquieto. — O que foi?

— Você tem certeza sobre a criança?

— Oh, eu tenho certeza — ela riu —, mas o médico precisa de provas, maridos precisam de provas. Não é maravilhoso?

— Sim, sim, é. — Ele pôs as mãos nos ombros dela. — Eu te amo! Na cabeça dela, ela ouviu o outro 'eu te amo' que tinha sido dito com tanta paixão e desejo e pensou como era estranho que embora o amor do seu marido fosse uma coisa certa e provada, o de Ibrahim não era — e no entanto o de Ibrahim era sem reservas enquanto que, mesmo depois das notícias maravilhosas, o seu marido estava de testa franzida.

— Já se passou um ano e um dia, Tommy, um ano e um dia que você quis — ela disse docemente e se levantou da penteadeira, pôs as mãos em volta do pescoço dele, sorrindo para ele, sabendo que precisava ajudá-lo: "Os estrangeiros não são como nós, princesa" Jari tinha dito "suas reações são diferentes, sua educação é diferente, mas não se preocupe, seja tão encantadora como sempre e ele será como argila nas suas mãos..."

Tommy vai ser o melhor pai do mundo, ela prometeu a si mesma, imensamente feliz por não ter cedido naquela tarde por ter contado a sua novidade, e agora eles viveriam felizes para sempre.

— Nós vamos, Tommy, não vamos?

— O quê?

— Viver felizes para sempre?

Por um instante a alegria dela sufocou a sua tristeza por causa de Karim Peshadi, do que fazer e como fazer. Ele a ergueu nos braços e se sentou na poltrona, embalando-a.

— Oh, sim. Oh, sim. Nós vamos ser felizes. Há tanto o que conversar — eles foram interrompidos por Jari batendo na porta.

— Entre Jari.

— Por favor, desculpe-me, Excelência, mas Sua Excelência Meshang e Sua Alteza chegaram e estão esperando para ter o prazer de vê-los quando for conveniente.

— Diga a Sua Excelência que estaremos lá assim que tivermos acabado de trocar de roupa. — Lochart não notou o alívio de Jari quando Xarazade balançou afirmativamente a cabeça e riu para ela.

— Vou preparar o seu banho, Alteza — disse Jari e entrou no banheiro. — Não é maravilhoso, Excelência? Oh, meus parabéns, Excelência, meus parabéns...

— Obrigado, Jari — Lochart disse distraidamente, pensando na criança e em Xarazade, cheio de preocupação e felicidade. Tudo está tão complicado agora, tão difícil.

— Difícil não — Meshang disse depois do jantar.

A conversa tinha sido chata, com Meshang dominando-a como sempre fazia, agora que era o chefe da casa. Xarazade e Zarah quase não falaram, Lochart falou muito pouco — não havia sentido em mencionar Zagros, uma vez que Meshang nunca tinha se interessado pelas suas opiniões nem pelo que ele fazia. Por duas vezes ele esteve a ponto de contar-lhes sobre Karim — não há razão para contar-lhes ainda, tinha pensado, escondendo o seu desespero, Por que eu vou ser mensageiro de más notícias?

— Você não está achando a vida difícil em Teerã hoje em dia? — perguntou. Meshang estava se queixando dos novos regulamentos implantados no bazar.

— A vida sempre foi difícil — disse Meshang —, mas quando se é iraniano, quando se é um lojista experiente, com cautela e compreensão, com trabalho e lógica, até o Komiteh Revolucionário pode ser dobrado. Nós sempre dobramos os cobradores de impostos, os xás, comissários e os paxás ianques e ingleses.

— Estou contente em saber disto, muito contente.

— E eu estou muito contente por você estar de volta, eu estava querendo falar com você — disse Meshang. — Minha irmã já lhe contou sobre a criança?

— Sim, já. Não é maravilhoso?

— Sim, é. Deus seja louvado. Quais são os seus planos?

— O que você quer dizer?

— Onde vocês vão viver? Como é que você vai pagar por tudo agora? O silêncio foi longo.

— Nós vamos dar um jeito — Lochart começou. — Eu preten...

— Não sei como você vai conseguir, logicamente falando. Eu estive vendo as contas do ano passado e... — Meshang parou quando Zarah se levantou.

— Não acho que esta seja uma boa hora para falar em contas — ela disse, com o rosto branco, e o de Xarazade também.

— Bem, eu acho que é — Meshang disse asperamente. — Como é que a minha irmã vai sobreviver? Sente-se, Zarah, e ouça! Sente-se! E, daqui para a frente, quando eu disser que você não vai a uma marcha de protesto ou a qualquer outro lugar, você vai obedecer ou eu lhe dou uma surra! Sente-se — Zarah obedeceu, chocada com a violência e a brutalidade dele. Xarazade estava sem ação, o seu mundo estava ruindo. Ela viu o seu irmão virar-se para Lochart.

— Agora, capitão, as suas contas do ano passado, as contas pagas por meu pai, sem falar nas que estão atrasadas e ainda não foram pagas, são substancialmente maiores do que o seu salário. Não é verdade?

O rosto de Xarazade estava ardendo de vergonha e de raiva e antes que Lochart pudesse responder, ela disse rapidamente, na sua voz mais melosa:

— Meshang querido, você tem toda a razão em se preocupar conosco, mas o apart...

— Por favor, fique quieta! Eu tenho que perguntar ao seu marido, não a você, isto é problema dele, não seu. Bem, capitão...

— Mas Meshang querido...

— Fique quieta! Bem, capitão, é ou não é verdade?

— Sim, é verdade — Lochart respondeu, procurando desesperadamente uma maneira de sair do abismo. — Mas você deve se lembrar de que Sua Excelência me deu o apartamento, de fato todo o prédio, e os outros aluguéis pagavam as contas e o resto era para a mesada de Xarazade, e sou eternamente grato por isso. Quanto ao futuro, eu tomarei conta de Xarazade, é claro que sim.

— Com o quê? Eu li o seu processo de divórcio e está claro que com o que você paga à sua ex-mulher e aos seus filhos, há muito pouca chance de manter a minha irmã longe da miséria.

Lochart ficou engasgado de raiva. Xarazade se mexeu na cadeira e Lochart viu o seu medo e dominou o impulso de dar um soco em Meshang.

— Está tudo bem, Xarazade. O seu irmão tem o direito de perguntar. É justo, ele tem este direito. — Ele viu o ar convencido do outro e percebeu que a guerra estava declarada. — Nós vamos dar um jeito, Meshang. O nosso apartamento não vai ficar confiscado para sempre, ou então podemos arranjar outro. Nós vamos...

— Não há nem apartamento nem edifício. Ele pegou fogo no sábado. Está tudo destruído.

Eles o olharam estatelados, e a mais chocada foi Xarazade.

— Oh, Meshang, você tem certeza? Por que não me contou? Por...

— Será que você tem tantas propriedades assim que não as verifique de vez em quando? Está tudo destruído.

— Oh, Cristo! — Lochart murmurou.

— É melhor você não blasfemar — disse Meshang, achando difícil não demonstrar a sua satisfação. — Então não há nem apartamento nem edifício nem nada. Insha'Allah. E agora, como você pretende pagar as suas contas?

— Seguro! — Lochart exclamou. — Deve haver um segu...

Uma gargalhada o interrompeu, Xarazade derrubou um copo d'água e ninguém reparou.

— Você acha que o seguro será pago? — Meshang riu ironicamente. — Agora? Mesmo que haja seguro? Você perdeu o juízo, não há nenhum seguro, nunca houve. Então, capitão: muitas dívidas, nenhum dinheiro, nenhum capital, nenhum prédio. Não que ele fosse legalmente seu, era apenas uma saída honrosa que meu pai tinha arranjado para lhe dar meios de cuidar de Xarazade. — Ele apanhou um pedaço de halvah e enfiou na boca. — Então, o que você propõe?

— Eu vou dar um jeito.

— Como?, diga-me por favor. E Xarazade, é claro, tem o direito, o direito legal, de saber. Como?

— Eu tenho jóias, Tommy, posso vendê-las — murmurou Xarazade. Cruelmente, Meshang deixou que estas palavras ficassem soando no ar, encantado de ver Lochart encurralado, humilhado, sem nada. Infiel imundo! Se não fosse pelos Locharts do mundo, os estrangeiros gananciosos, exploradores do Irã, nós estaríamos livres de Khomeini e seus mulás, meu pai ainda estaria vivo, Xarazade estaria bem casada.

— E então?

— O que você sugere? — disse Lochart, sem escapatória.

— O que você sugere?

— Não sei.

— Enquanto isso, você não tem casa, deve bastante dinheiro e em breve estará desempregado. Eu duvido que a sua companhia vá ter licença para operar aqui por muito tempo mais; com toda a razão, as companhias estrangeiras são persona non grata. — Meshang estava encantado por ter-se lembrado da expressão latina. — Não são mais nem desejadas nem necessárias.

— Caso isso aconteça, eu vou me demitir e me oferecer para pilotar helicópteros em companhias iranianas. Eles vão precisar de pilotos imediatamente. Eu sei falar farsi, sou um piloto e um instrutor experiente. Khomeini... o imã quer que a produção de petróleo seja normalizada imediatamente, então é claro que eles vão precisar de pilotos treinados.

Meshang riu consigo mesmo. Na véspera, o ministro Ali Kia tinha ido ao bazar, devidamente humilde e ansioso por agradar, levando um pishkesh diferente — a sua "taxa de consultoria" não estava para ser renovada? — e tinha contado a ele os seus planos de adquirir todos os aviões das sociedades mistas e congelar todas as contas bancárias.

— Nós não teremos dificuldade em conseguir todos os mercenários que precisamos para pilotar os nossos helicópteros, Excelência Meshang — Kia tinha dito. — Eles virão em bandos pela metade dos salários normais.

Sim, eles virão, mas não você, marido temporário da minha irmã, nem mesmo por um décimo do salário.

— Eu sugiro que você seja mais prático. — Meshang examinou as suas unhas bem tratadas, que esta tarde tinham acariciado a garota de 14 anos que Ali Kia lhe oferecera. "A primeira de muitas, Excelência!" Linda circassiana de pele clara, o casamento temporário daquela tarde que ele estenderia por toda a semana, com muita facilidade. — Os governantes atuais do Irã são xenófobos, particularmente com respeito a americanos.

— Eu sou canadense.

— Duvido que isso importe. É lógico presumir que você não terá permissão para ficar. — Ele olhou severamente para Xarazade. — Nem para voltar.

— Suposições — Lochart disse entredentes, vendo a expressão do rosto dela.

— Capitão, a caridade do meu falecido pai não pode mais ser mantida. Os tempos estão difíceis. Eu quero saber como o senhor pretende sustentar a minha irmã e o seu filho, onde o senhor pretende viver e como.

Lochart levantou-se repentinamente, surpreendendo todo mundo.

— O senhor expôs o seu caso muito claramente, Excelência Meshang. Terá a sua resposta amanhã.

— Eu quero uma resposta agora. Lochart fechou ainda mais a cara.

— Primeiro eu vou conversar com a minha mulher e amanhã eu conversarei com o senhor. Vamos, Xarazade. — E se retirou. Com o rosto banhado de lágrimas, ela saiu atrás dele e fechou a porta.

Meshang sorriu sardonicamente, apanhou outro doce e começou a comê-lo.

Zarah suspirou, enraivecida.

— Em nome de Deus, o que...

Ele se levantou e deu-lhe uma bofetada.

— Cale a boca! — gritou. Não era a primeira vez que ele batia nela, mas nunca com tanta violência. — Cale a boca ou eu me divorciarei de você! Eu me divorciarei de você, está ouvindo? Eu vou tomar uma outra esposa de qualquer maneira, alguém jovem, não uma velha chata e seca como você. Você não compreende que Xarazade está correndo perigo, que nós todos estamos correndo perigo por causa desse homem? Vá pedir perdão a Deus pelos seus péssimos modos! Saia! — Ela saiu correndo. Ele atirou um copo atrás dela.

NOS SUBÚRBIOS AO NORTE: 21:14H. Azadeh guiava velozmente o carro pequeno e muito amassado pela rua ladeada de belas casas e edifícios — quase todos às escuras, alguns destruídos. Estava com os faróis altos, ofuscando os carros que vinham em sentido contrário, com a mão enfiada na buzina.

Ela freou, derrapou ao ultrapassar perigosamente alguns carros, evitando por pouco um acidente, e entrou na garagem de um dos edifícios com os pneus cantando.

A garagem estava às escuras. Ela tinha uma lanterna no bolso, acendeu-a, saltou e trancou o carro. O seu casaco era bem contado e quente, estava usando saia, botas, luvas de lã e chapéu, tinha os cabelos soltos. Do outro lado da garagem havia uma escada e um interruptor. Quando ela o experimentou, a lâmpada mais próxima acendeu e apagou. Ela subiu as escadas devagar. Havia quatro apartamentos em cada andar. O apartamento que seu pai tinha emprestado a ela e a Erikki ficava no terceiro andar em frente à rua. Hoje era segunda-feira. Ela estava lá desde sábado.

— Não é perigoso, Mac — ela dissera ao anunciar que ia para lá e ele tentara convencê-la a ficar no apartamento dele — mas se meu pai me quiser de volta em Tabriz, o fato de estar aqui na sua casa não vai me ajudar nem um pouco. No apartamento eu tenho um telefone, só estarei a um quilômetro de distância daqui e posso vir a pé facilmente. Lá eu tenho roupas e uma empregada. Eu vou dar notícias todos os dias, irei para o escritório e ficarei esperando. É só o que posso fazer.

Ela não dissera que preferia ficar longe dele e de Charlie Pettikin. Eu gosto muito deles, pensou, mas eles são um tanto velhos e pedantes, nada parecidos com Erikki, nem com Johnny. Ah, Johnny, o que vou fazer a seu respeito? Será que terei coragem de tornar a vê-lo?

O terceiro andar estava escuro mas ela tinha a lanterna e encontrou a chave, enfiou-a na fechadura, sentiu que alguém a olhava e se virou, assustada. O vagabundo sujo e barbado estava com as calças abertas e sacudiu o pênis duro para ela.

— Estava esperando por você, princesa de todas as prostitutas, e que Deus me castigue se ele não estiver pronto para você, de frente, de costas ou de lado... — Ele se aproximou dizendo obscenidades e ela recuou em direção à porta, aterrorizada, agarrou a chave, virou-a na fechadura e abriu a porta.

O doberman estava lá. O homem estacou. O cachorro rosnou ameaçadoramente e em seguida atacou. Em pânico, o homem gritou e tentou afastar o cachorro, depois saiu correndo pelas escadas, com o cachorro latindo e rosnando, mordendo as suas pernas, rasgando as suas roupas, e Azadeh gritou:

— Mostre-me agora!

— Oh, Alteza, eu não ouvi a senhora bater, o que está havendo? — falou o velho empregado, saindo apressadamente da cozinha.

Zangada, ela enxugou o suor do rosto e contou a ele.

— Que Deus o amaldiçoe, Ali, eu já lhe disse vinte vezes para me esperar lá embaixo com o cachorro. Eu venho na hora, venho sempre na hora. Você não raciocina?

O velho se desculpou, mas uma voz grossa atrás dele o interrompeu.

— Vá buscar o cachorro! — Ela se virou. Seu estômago contraiu-se.

— Boa noite, Alteza. — Era Ahmed Dursak, alto, barbado, assustador, em pé na porta da sala. Insha'Allah, ela pensou. A espera terminou e agora começa tudo de novo.

— Boa noite, Ahmed.

— Alteza, perdoe-me, eu não imaginava que o povo de Teerã fosse assim, senão eu mesmo a teria esperado lá embaixo. Ali, o cão!

Amedrontado e ainda murmurando desculpas, o criado desceu as escadas. Ahmed fechou a porta e observou Azadeh tirar as botas e enfiar os pés em sandálias turcas. Ela passou por ele e entrou na sala confortável, mobiliada à moda ocidental e sentou-se, com o coração batendo. Havia um fogo crepitando na lareira. O chão estava coberto de tapetes valiosos e havia outros pendurados nas paredes. Ao lado dela havia uma mesinha. Na mesinha estava o kookri que Ross tinha deixado.

— Você tem notícias do meu pai e do meu marido?

— Sua Alteza, o khan, está muito doente, muito doente e...

— Que doença? — perguntou Azadeh, realmente preocupada.

— Um ataque cardíaco.

— Que Deus o proteja. Quando foi que aconteceu?

— Na última quinta-feira. — Ele leu o seu pensamento. — Foi no dia em que você e... e o Sabotador foram para a aldeia de Abu Mard, não foi?

— Acho que sim. Os últimos dias foram muito confusos — ela disse friamente. — Como está o meu pai?

— O ataque de quinta-feira foi brando, graças a Deus. Pouco antes da meia-noite de sábado ele teve outro. Muito pior. — Ele observou-a.

— Qual a gravidade? Por favor, não brinque comigo! Conte-me tudo de uma vez.

— Ah, sinto muito, Alteza, não tive a intenção de brincar. — Ele manteve a voz educada e os olhos longe das pernas dela, admirando o seu fogo e o seu orgulho e desejando muito brincar com ela. — O médico disse que foi um ataque e agora o lado esquerdo de Sua Alteza está parcialmente paralisado; ele ainda pode falar com alguma dificuldade, mas sua mente está lúcida como sempre. O médico disse que ele se recuperaria muito mais depressa em Teerã, mas a viagem ainda não é possível.

— Ele vai se recuperar? — ela perguntou.

— Eu não sei, Alteza. Seja como Deus quiser. Para mim, ele parece muito doente. O médico, eu não o acho grande coisa, tudo o que ele disse foi que as chances de Sua Alteza seriam melhores se ele estivesse aqui em Teerã,

— Então traga-o para cá o mais depressa possível.

— Eu trarei, Alteza, não se preocupe. Mas tenho uma mensagem para a senhora. O khan, seu pai, disse: "Eu quero vê-la, imediatamente. Não sei quanto tempo vou viver, mas certas providências precisam ser tomadas e confirmadas. O seu irmão está aqui comigo e..."

— Que Deus o proteja — exclamou Azadeh. — O meu pai fez as pazes com Hakim?

— Sua Alteza fez dele o seu herdeiro. Mas...

— Oh, isso é maravilhoso, maravilhoso, Deus seja louvado! Mas...

— Por favor, seja paciente e deixe-me terminar a mensagem: "O seu irmão Hakim está aqui comigo e eu o tornei meu herdeiro, sujeito a certas condições, de sua parte e da dele." — Ahmed hesitou e Azadeh teve vontade de se intrometer, de mostrar a sua alegria, esquecendo a cautela. O seu orgulho a impediu. — "É necessário, portanto, que você volte imediatamente com Ahmed." Este é o fim da mensagem, Alteza.

A porta da frente se abriu. Ali tornou a trancá-la e soltou o cachorro. Imediatamente, este correu para a sala e pôs a cabeça no colo de Azadeh.

— Muito bem, Reza — ela disse afagando-o, agradecendo a oportunidade de recuperar o controle. — Sente-se. Ande, sente-se! — O cachorro obedeceu alegremente, depois deitou-se aos pés dela, observando a porta e vigiando Ahmed que estava em pé perto do outro sofá. Distraidamente, sua mão brincava com o cabo do kookri, sentindo-se tranqüilizada pelo seu toque. Ahmed estava consciente disto e de suas implicações. — Diante de Deus, você me disse a verdade?

— Sim, Alteza, diante de Deus.

— Então iremos imediatamente. — Ela se levantou. — Você veio de carro?

— Sim, Alteza. Eu trouxe a limusine e o motorista. Mas há mais algumas notícias... boas e más. Sua Alteza recebeu um pedido de resgate. Sua Excelência, o seu marido, está nos mãos de bandidos, homens das tribos... — Ela tentou manter a compostura, com os joelhos subitamente fracos. — ...em algum lugar perto da fronteira soviética. Tanto ele quanto o helicóptero. Parece que estes... estes bandidos dizem ser curdos, mas o khan duvida. Eles surpreenderam o soviético Cimtarga e seus homens e mataram todos eles, capturando Sua Excelência e o helicóptero, segundo eles na quinta-feira cedo. Depois eles voaram para Rezaieh, onde ele foi visto e pareceu estar bem antes de tornar a partir.

— Graças a Deus — foi tudo o que o seu orgulho permitiu-lhe dizer. — Estão pedindo um resgate pelo meu marido?

— O pedido de resgate chegou no sábado, através de intermediários. Assim que Sua Alteza recobrou a consciência ontem, ele me entregou a mensagem para a senhora e me mandou aqui para apanhá-la.

Ela ouviu a palavra 'apanhar' e compreendeu a sua gravidade, mas Ahmed não demonstrou nada e pôs a mão no bolso.

— Sua Alteza Hakim mandou isto para a senhora. — E entregou-lhe um envelope selado. Ela o abriu, assustando o cachorro. O bilhete era com a letra de Hakim: "Minha querida, Sua Alteza me declarou seu herdeiro e nos reintegrou a ambos, sob certas condições, condições maravilhosas, fáceis de aceitar.

Volte depressa, ele está muito doente, e não tratará do resgate antes de falar com você. Salaam."

Cheia de felicidade, ela saiu correndo, arrumou a mala, escreveu um bilhete para McIver, dizendo a Ali para entregar no dia seguinte. Pensando melhor, apanhou o kookri e saiu. Ahmed não disse nada, apenas foi atrás dela.


TERÇA-FEIRA

27 de fevereiro52


BANDAR DELAM: 8:15H. Kasigi caminhava apressadamente atrás do policial de ar severo pelos corredores apinhados do hospital — o mecânico de rádio, Minoru, ia um pouco atrás. Homens, mulheres e crianças, doentes e feridos, estavam em maças ou cadeiras ou em pé ou simplesmente deitados no chão, esperando que alguém os atendesse, os doentes graves misturados com os não tão graves, alguns urinando, outros comendo e bebendo alimentos trazidos por seus parentes, em grande número — e todos os que podiam, queixando-se em altos brados. Enfermeiras e médicos atarefados entravam e saíam dos quartos, mas todas as mulheres vestiam o chador, exceto umas poucas inglesas, enfermeiras, cuja touca severa era quase o equivalente, sendo portanto aceitável.

No fim, o policial encontrou a porta que procurava e abriu caminho para o interior da enfermaria lotada. Havia camas alinhadas dos dois lados e mais uma fileira no centro, todas ocupadas por pacientes masculinos — seus parentes, de visita, conversavam ou reclamavam, crianças brincavam, e num dos cantos, uma mulher cozinhava num fogão portátil.

Scragger estava com um dos pulsos e um dos tornozelos algemados numa velha cama de ferro. Ele estava deitado num colchão de palha todo vestido e de sapatos, tinha um curativo em volta da cabeça, estava sujo e barbado. Quando ele viu Kasigi e Minoru atrás do policial, sua fisionomia iluminou-se.

— Olá companheiros — disse com a voz rouca.

— Como vai o senhor, capitão? — disse Kasigi, estarrecido com as algemas.

— Se eu pudesse ficar livre estaria bem.

O policial interrompeu agressivamente em farsi, para se mostrar para os espectadores.

— É este o homem que vocês queriam ver?

— Sim, Excelência — Minoru respondeu por Kasigi.

— Então agora já o viram. Vocês podem comunicar ao seu governo ou a quem quiserem que ele recebeu tratamento. Ele será julgado pelo komiteh de trânsito. — Pomposamente, ele se virou para sair.

— Mas o capitão não estava dirigindo — retrucou Kasigi, pacientemente, em inglês, com Minoru traduzindo para ele, tendo passado a maior parte da noite repetindo isso e continuara repetindo durante a manhã, para diversos policiais de vários postos, recebendo sempre versões variadas da mesma resposta: "Se o estrangeiro não estivesse no Irã, o acidente não teria acontecido, é claro que ele é o responsável."

— Não importa que ele não estivesse dirigindo, mesmo assim ele é o responsável! — O policial respondeu zangado, com sua voz ecoando nas paredes. — Quantas vezes será preciso repetir isto? Ele estava encarregado do carro. Ele o requisitou. Se ele não o tivesse requisitado, o acidente nunca teria acontecido, pessoas foram mortas e feridas, é claro que ele é o responsável.

— Mas eu repito que o meu assistente aqui foi testemunha e dará testemunho de que o acidente foi causado pelo outro carro.

— As mentiras ditas diante do komiteh serão tratadas com severidade — disse o homem, ameaçadoramente, já que ele era um dos que estavam no carro de polícia.

— Não são mentiras, aga. Existem outras testemunhas — disse Kasigi, endurecendo a voz, embora não tivesse outras testemunhas. — Eu insisto que este homem seja solto. Ele trabalha para o meu governo, que investiu bilhões de dólares no pólo petroquímico da Irã-Toda em benefício do Irã e, particularmente, de todo o povo de Bandar Delam. A menos que ele seja solto imediatamente, imediatamente, eu mandarei que todos os japoneses saiam daqui e interromperei todo o trabalho! — A sua raiva aumentou, pois na verdade ele não tinha autoridade nem iria dar uma ordem dessas. — Vou parar tudo!

— Pelo Profeta, nós não estamos mais sujeitos à chantagem estrangeira - o homem gritou e se virou para sair. — O senhor vai ter que discutir isto

Com o komiteh.

— A menos que ele seja libertado imediatamente, todo o trabalho vai parar e não haverá mais empregos. Nenhum! — Enquanto Minoru traduzia, Kasigi notou uma diferença no silêncio e no ar das pessoas que estavam em volta deles. E até o próprio policial, consciente de que todos os olhos estavam pregados nele e sentindo a súbita hostilidade. Um jovem ali perto, usando uma faixa verde no pijama, disse agressivamente:

— Você quer pôr em risco os nossos empregos, hein? Quem é você? Como vamos saber que você não é um homem do xá? Você já foi liberado pelo komiteh!

— É claro que sim! Em nome do Único Deus, eu sou a favor do imã há anos! — o policial respondeu zangado, mas uma onda de medo o percorreu. — Eu ajudei a revolução, todo mundo sabe disso. Você — ele apontou para Kasigi, maldizendo-o por estar causando todo esse problema — siga-me! E abriu caminho no meio dos espectadores.

— Eu voltarei, capitão Scragger, não se preocupe — Kasigi e Minoru saíram atrás do policial.

O policial conduziu-os por uma escada e por um corredor, depois desceu mais um lance de escadas, tudo apinhado de gente. O nervosismo de Kasigi aumentou na medida em que eles desciam. Agora o homem estava abrindo uma porta com um cartaz em farsi pregado nela.

Kasigi começou a suar frio. Eles estavam no necrotério. Mesas de mármore cheias de corpos cobertos por lençóis sujos. Muitos deles. Cheiro de produtos químicos, sangue, formol e excrementos.

— Aqui está! — O policial disse e puxou um lençol, descobrindo o corpo decapitado de uma mulher. Sua cabeça estava colocada perto do tronco, com os olhos abertos. — O seu carro causou a morte dela, e quanto a ela e a sua família? — Kasigi notou o 'seu' e sentiu um arrepio gelado. — E aqui! — Ele afastou um outro lençol. Uma mulher com o rosto irreconhecível. — E então?

— Nós... nós sentimos muito, é claro... é claro que sentimos muito pelo fato de ter havido feridos, sentimos profundamente, mas isto é carma, Insha'Allah, não é culpa nossa nem do piloto que está lá em cima. — Kasigi teve dificuldade em controlar a náusea. — Sentimos profundamente.

Minoru traduziu, o policial estava recostado insolentemente na mesa. Então ele respondeu e os olhos do jovem japonês se arregalaram.

— Ele está dizendo, ele está dizendo que a fiança para soltar o sr. Scragger imediatamente é de um milhão de riais. Imediatamente. O que o komiteh decidir não é da conta dele.

Um milhão de riais eram cerca de 12 mil dólares.

— Isto não é possível, mas nós poderíamos pagar cem mil riais dentro de uma hora.

— Um milhão! O homem gritou. Ele agarrou a cabeça da mulher pelos cabelos e levantou-a na frente de Kasigi, que teve que fazer força para ficar firme.

— E quanto aos filhos dela que estão condenados a serem órfãos para sempre? Eles não merecem uma compensação?

— Não... não há esta quantidade de dinheiro na fábrica, sinto muito. O policial praguejou e continuou a insistir, mas então a porta se abriu e alguns auxiliares entraram empurrando um carrinho com outro corpo, olhando-os com curiosidade. Abruptamente, o policial disse:

— Muito bem, iremos imediatamente para o seu escritório.

Eles foram até lá e apanharam a última quantia que Kasigi tinha oferecido — 250 mil riais — cerca de três mil dólares — mas sem recibo, só com um acordo verbal de que Scragger poderia sair. Sem confiar no homem, Kasigi entregou-lhe a metade no escritório e pôs o resto num envelope que guardou no bolso. Eles voltaram para o hospital. Lá, ele esperou no carro enquanto Minoru e o homem entravam. A espera pareceu interminável, mas finalmente Minoru e Scragger saíram e ele entregou o envelope ao policial. O homem amaldiçoou todos os estrangeiros e se retirou furioso.

— Bem — disse Kasigi e sorriu para Scragger. Eles apertaram-se as mãos, com Scragger agradecendo calorosamente, pedindo desculpas por todo o trabalho, os dois homens xingando o destino, depois abençoando-o, e entrando rapidamente no carro. O motorista iraniano saiu com o carro e entrou no trânsito, xingou um carro que o ultrapassou e quase bateu nele, tocando a buzina.

— Diga-lhe para ir mais devagar, Minoru — disse Kasigi. Minoru obedeceu e o motorista balançou a cabeça, sorriu e obedeceu. Mas isso só durou alguns segundos.

— O senhor está bem, capitão?

— Oh, sim. Estou com uma tremenda dor de cabeça, mas estou bem. O pior foi a vontade de urinar.

— O quê?

— Os filhos da mãe me deixaram algemado à cama e não permitiram que eu fosse ao banheiro. Eu não podia urinar na cama nem nas calças, e só hoje de manhã é que uma enfermeira me trouxe uma garrafa. Cristo, eu pensei que a minha bexiga fosse estourar. — Scragger esfregou os olhos, fatigado. — Não há problema, meu velho. Fico-lhe devendo uma. Mais o resgate! De quanto foi?

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