— Você não compreende, sua cadela ingrata — ele berrou — ele concordou até em adotar o seu filho! Em nome de Deus, o que mais você quer?
Meshang estava roxo, tremendo de raiva, sacudindo o punho fechado na cara de Xarazade, enquanto Zarah olhava para os dois, horrorizada com a fúria dele.
Xarazade não estava ouvindo nada, não estava vendo nada, só pensava no que Meshang tinha decretado para ela: o resto da vida ligada àquele homenzinho que era alvo das piadas de todos os bazaris, que fedia constantemente a mijo, que a engravidaria uma vez por ano para parir e viver e parir de novo até morrer de parto, como as duas outras mulheres. Nove filhos da primeira, sete da segunda. Ela estava destinada a isto. Não havia nada que pudesse fazer. Princesa do Lixo da Noite até morrer
Nada.
Nada, a não ser que eu morra agora, não por suicídio, pois neste caso eu não poderia entrar no paraíso e estaria condenada ao inferno. Suicídio não. Nunca. Suicídio não, mas morrer fazendo o trabalho de Deus, morrer com o nome de Deus nos lábios.
O quê?
64
BASE DE KOWISS: 13:47H. O coronel Changiz, o mulá Hussein e alguns Faixas Verdes saltaram do carro. Os Faixas Verdes se espalharam pela base enquanto o coronel e Hussein se dirigiam ao escritório.
No escritório, os dois funcionários que ainda estavam lá levaram um susto com a chegada repentina do coronel.
— Sim... sim, Excelência?
— Onde está todo mundo? — gritou Changiz. — Onde?
— Deus é testemunha de que não sabemos de nada, Excelência coronel, a não ser que Sua Excelência, o capitão Ayre foi levar algumas peças para a plataforma Abu Sal e que Sua Excelência, o capitão McIver foi para Teerã com Sua Excelência o ministro Kia e que Sua Excelência, o capitão Lochart foi procurar os 212 que estão vindo para cá e...
— Que 212?
— Os quatro 212 que Sua Excelência o capitão McIver mandou que viessem de Bandar Delam para cá com pilotos e pessoal e nós estamos nos preparando... nos preparando para recebê-los. — O funcionário, cujo nome era Ismael, se encolheu sob o olhar penetrante do mulá. Deus é testemunha de que o capitão foi sozinho, para procurar por eles sozinho, pois eles não têm HF e talvez um VHF pudesse alcançá-los lá em cima.
Changiz ficou enormemente aliviado. Ele disse para Hussein:
— Se os 212 estão vindo para cá, não há razão para todo este pânico. — Ele enxugou a testa. — Quando é que eles vão chegar?
— Imagino que seja logo, Excelência — disse Ismael.
— Quantos estrangeiros há na base neste momento?
— Eu... eu não sei, Excelência, nós... nós estamos trabalhando num relatório e...
Um Faixa Verde entrou correndo no escritório.
— Não encontramos nenhum estrangeiro, Excelência — ele disse para Hussein. — Um dos cozinheiros disse que os dois últimos mecânicos partiram com os helicópteros grandes hoje de manhã. Os operários iranianos disseram que os ouviram dizer que as equipes substitutas deveriam chegar no domingo ou na segunda.
— Sábado, Excelências, eles nos disseram que seria amanhã — corrigiu Ismael. — Mas os quatro 212 que estão chegando vão trazer mecânicos a bordo, bem como pilotos e mais pessoal, Sua Excelência McIver disse. O senhor está precisando de mecânicos?
O Faixa Verde estava dizendo:
— Alguns dos quartos... parece que os infiéis arrumaram as malas apressadamente, mas ainda há três helicópteros no hangar.
Changiz virou-se para Ismael.
— De que tipo?
— Um... não, dois 206 e um francês, um Alouette.
— Onde está o chefe do escritório, Pavoud?
— Ele estava doente, Excelência coronel, ele saiu daqui doente, logo depois da oração do meio-dia e foi para casa. Não foi, Ali? — ele disse para o outro colega.
— Sim, sim, ele estava doente e saiu dizendo que voltaria amanhã.
— O capitão McIver mandou que os helicópteros de Bandar Delam viessem para cá?
— Sim, sim, Excelência, foi isto que ele disse a Sua Excelência Pavoud, eu o ouvi dizer exatamente isto, com pilotos e mais pessoal, não foi, Ali?
— Sim, juro por Deus, foi isto que aconteceu, Excelência coronel.
— Está bem, já chega. — Para Hussein, o coronel disse: — Vamos falar com Lochart pelo rádio. — E para o funcionário ele perguntou: — O sargento Wazari está na torre?
— Não, Excelência coronel, ele voltou para a base pouco antes de Sua Excelência o capitão Lochart decolar para procurar os quatro 212 que deveriam estar chegando de...
— Chega! — O coronel pensou um momento e depois falou rudemente com o Faixa Verde: — Você! Mande o cabo ir correndo para a torre.
O jovem Faixa Verde enrubesceu com a grosseria e olhou para Hussein, que disse friamente:
— O coronel está pedindo para você fazer o favor de procurar o cabo Bor-gali e levá-lo para a torre, depressa.
Changiz começou a dizer:
— Eu não quis ser indelicado, é cia...
— É claro. — Hussein dirigiu-se para a escada que levava à torre. Changiz seguiu-o, bastante contrito.
Há meia hora havia chegado na base aérea um telex da torre de controle de Teerã, pedindo uma verificação imediata de todo o pessoal estrangeiro da CHI e dos helicópteros de Kowiss: "...fomos comunicados do desaparecimento de quatro 212 da base da CHI em Bandar Delam pelo Diretor Gerente da CHI, Siamaki, que acredita que eles possam ter sido levados ilegalmente do Irã para um dos Estados do Golfo."
Imediatamente, Changiz tinha sido chamado pelo Faixa Verde de serviço, que já tinha levado o telex para Hussein e o komiteh. O komiteh estava em sessão na base, dando prosseguimento à investigação acerca da confiabilidade islâmica de todos os soldados e oficiais, e dos crimes cometidos contra Deus em nome do xá. Changiz ficou enjoado.O komiteh era impiedoso. Ninguém que havia sido pró-xá tinha escapado. E embora ele fosse o comandante, indicado pelo komiteh com a aprovação de Hussein, o seu nome ainda não havia sido confirmado pelo todo-poderoso Komiteh Revolucionário. Até isto acontecer, Changiz sabia que estava sob julgamento. E ele não tinha feito um juramento de fidelidade ao xá, pessoalmente, assim como todos os outros membros das Forças Armadas?
Na torre, ele viu Hussein olhando para o equipamento.
— O senhor sabe operar os rádios, coronel? — perguntou o mulá, com
suas roupas velhas, mas limpas, o turbante branco recém-lavado mas também velho.
— Não, Excelência, foi por isso que mandei chamar Borgali.
O cabo Borgali subiu as escadas de dois em dois degraus e se apresentou.
— UHF e HF — ordenou o coronel.
— Sim senhor — Borgali ligou os aparelhos. Nada. Checou-os rapidamente e encontrou o cristal quebrado e viu que estava faltando o disjuntor do VHF. — Desculpe, senhor, mas este equipamento não está funcionando.
— Você quer dizer que foi sabotado? — Hussein perguntou em voz baixa e olhou para Changiz.
Changiz perdeu a fala. Que Deus castigue todos os estrangeiros, ele estava pensando, cheio de desespero. Se foi uma sabotagem deliberada... então isto prova que eles fugiram e levaram os nossos helicópteros. Aquele cão do McIver devia estar sabendo de tudo quando eu falei com ele sobre o 125.
Um arrepio gelado percorreu-o. Não havia mais nenhum 125 agora, nem rota de fuga, nem chance de tomar Lochart ou qualquer um dos outros pilotos como refém num ataque forjado, e depois ajudar o homem secretamente a 'escapar da prisão' em troca de um lugar no avião para si mesmo — caso isso fosse necessário. Ele sentiu uma contração nas entranhas. E se o komiteh descobrir que minha mulher e minha família já estão em Bagdá, e não em Abadan, onde a minha pobre mãe está 'morrendo'? Os demônios que povoavam os seus pesadelos estavam sempre zombando dele, gritando a verdade: "Que mãe? A sua mãe está morta há sete ou oito anos! Você está planejando fugir, você é culpado de crimes contra Deus e o Irã e a revolução..."
— Coronel — Hussein disse com uma voz aterradora —, se os rádios foram sabotados, isto significa que o capitão Lochart não está procurando os outros helicópteros, mas sim que fugiu junto com o outro, e que McIver mentiu ao dizer que tinha mandado os 212 para cá, não?
— Sim... sim, Excelência, e...
— E então isto também significa que eles escaparam ilegalmente e levaram dois helicópteros daqui ilegalmente, sem falar nos quatro de Bandar Delam, não?
— Sim, sim, isto também é verdade.
— Seja como Deus quiser, mas o senhor é responsável.
— Mas Excelência, o senhor deve compreender que seria impossível prever uma operação secreta, ilegal, como... — Ele compreendeu o olhar do outro e calou-se.
— Então o senhor foi enganado?
— Os estrangeiros são uns filhos da mãe que mentem e fingem o tempo todo... — Changiz parou, tendo uma idéia. Ele agarrou o telefone e praguejou ao ver que este não estava funcionando. Num tom de voz diferente, ele disse rapidamente: — Excelência, um 212 não pode atravessar o golfo sem ser reabastecido, não é possível, e McIver vai ter que reabastecer o seu aparelho também para conseguir chegar até Teerã com Kia. Ele vai ter que reabastecer também, então nós poderemos apanhá-lo. — Para Borgali ele disse: — Depressa, volte para a torre e descubra onde o 206 que partiu para Teerã com o ministro Kia vai pousar para reabastecer. Diga ao oficial de serviço para alertar a base e prender o piloto, deter o helicóptero e mandar o ministro para Teerã... por terra. — Ele olhou para Hussein. — O senhor concorda, Excelência? — Hussein fez um sinal afirmativo com a cabeça. — Ótimo. Vá depressa!
O cabo saiu correndo pelas escadas.
Estava frio na torre e ventando. Uma pancada de chuva sacudiu as janelas por um instante e depois passou. Hussein não prestou atenção, com os olhos fixos em Changiz.
— Nós vamos agarrar aquele cão, Excelência. O ministro Kia vai nos agradecer.
Hussein não sorriu. Ele já tinha providenciado um komiteh de recepção para Kia no aeroporto de Teerã, e se Kia não conseguisse explicar o seu estranho comportamento, dentro em breve o governo estaria livre de um ministro corrupto.
— Talvez o ministro Kia faça parte da conspiração e esteja fugindo do Irã com McIver, o senhor já pensou nisso, coronel?
O coronel ficou boquiaberto.
— O ministro Kia, o senhor acha mesmo?
— O que o senhor acha?
— Por Deus, é... é possível, se o senhor acha que sim... — Changiz respondeu cautelosamente, tentando manter-se bem alerta. — Eu nunca tinha visto aquele homem na minha vida. O senhor deve saber melhor do que eu, Excelência, a respeito de Kia, o senhor o interrogou diante do komiteh. — E o isentou de culpa, pensou satisfeito. — Quando agarrarmos McIver, poderemos usá-lo como refém para trazer os outros de volta, nós vamos apanhá-lo, Excelência...
Hussein viu o medo no rosto do coronel e imaginou que culpas o homem carregaria, será que o coronel também fazia parte do plano de fuga que tinha se tornado tão óbvio para ele desde que havia interrogado Starke na véspera e McIver naquela manhã?
E se tinha se tornado tão óbvio — ele imaginou um superior religioso perguntando — por que você o manteve em segredo e não o evitou?
— Por causa de Starke, Eminência. Porque eu acredito sinceramente que aquele homem, embora seja um infiel, é um instrumento de Deus e um protegido de Deus. Por três vezes ele evitou que as forças do mal me concedessem a paz do paraíso. Por causa dele, os meus olhos se abriram para a vontade de Deus, eu compreendi que não devo mais buscar o martírio, e sim permanecer na terra para me tornar um flagelo incansável para os inimigos de Deus e do imã, para os inimigos do Islã e os seus inimigos.
— Mas e os outros? Por que permitiu que eles escapassem?
— O Islã não precisa nem de estrangeiros nem de seus helicópteros. Se o Irã precisar de helicópteros, há mais de mil em Isfahan.
Hussein não tinha a menor dúvida de que estava certo, tão certo quanto este coronel vira-casaca pró-xá, pró-americanos, estava errado.
— Então, coronel, e quanto aos dois 212, o senhor vai pegá-los também? Como?
Changiz foi até o mapa da parede, perfeitamente consciente de que, embora todos dois tivessem sido enganados, ele era o comandante e o responsável caso o mulá quisesse responsabilizá-lo. Mas não se esqueça de que este é o mulá que fez um acordo com o coronel Peshadi na noite do primeiro ataque à base, este é o mesmo homem que fez amizade com o americano Starke e aquele maníaco de Abadan, Zataki. E eu não sou um defensor do imã e da revolução? Eu não entreguei a base aos soldados de Deus?
Insha'Allah. Concentre-se nos estrangeiros. Se você conseguir agarrá-los, nem que seja só um, você estará a salvo deste mulá e dos seus Faixas Verdes.
Havia várias rotas de vôo marcadas no mapa, de Kowiss para diversos campos de petróleo e plataformas situadas no golfo.
— Aquele cão lá do escritório falou em peças que estavam sendo transportadas para Abu Sal — ele murmurou. Agora, se eu fosse eles, onde desceria para reabastecer? Ele apontou para as plataformas. — Numa dessas, Excelência — ele disse, cheio de excitação. — Era aqui que eu desceria.
— As plataformas têm reservas de combustível?
— Oh, sim, para o caso de uma emergência.
— E como vai agarrá-los?
— Com os caças.
NO LOCAL DE ENCONTRO: 14:07H. Os dois 212 estavam parados na praia deserta, sob uma chuva fina. Freddy Ayre e Lochart estavam sentados, desanimados, na porta de uma das cabines, os dois mecânicos e Wazari na outra, todos cansados de carregar os pesados tambores de duzentos litros de combustível e de se revesar em bombear gasolina para dentro dos tanques. Nunca dois 212 haviam sido reabastecidos com tanta rapidez. Freddy Ayre tinha chegado lá por volta das onze e meia, Lochart um pouco depois do meio-dia, eles tinham levado meia hora para reabastecer e estavam esperando desde então.
— Vamos dar mais meia hora — disse Lochart.
— Cristo, você está agindo como se tivéssemos todo o tempo do mundo.
— É uma burrice ficarmos os dois esperando, é mais seguro você ir na frente. Quantas vezes eu vou ter que dizer isto? Leve todo mundo, eu fico esperando.
— Quando o Mac chegar, nós todos podemos...
— Droga, leve os mecânicos e Wazari, eu fico esperando. McIver diria isto mesmo se estivesse aqui e vocês estivessem esperando por mim.
— Pelo amor de Deus, pare de bancar o herói e dê o fora!
— Não, sinto muito, mas ou partimos juntos ou eu vou esperar até ele chegar.
Lochart deu de ombros, com o humor tão sombrio quanto o dia. Assim que chegou, ele tinha calculado aproximadamente o esquema de McIver:
— Freddy, Mac saiu do sistema de Kowiss às 11:20h. Digamos que ele continuasse voando por meia hora, e depois levasse mais meia hora, no máximo, para fingir uma emergência, aterrissar e se livrar de Kia, e mais uma hora para chegar aqui. Isto significa que deverá chegar, no mais tardar, às 13:30h. O meu palpite é que ele estará aqui entre 13:00 e 13:15h.
Mas já passava das duas e nem sinal de Mac ainda e talvez ele não chegasse nunca — deve ter havido algum imprevisto. Ele estudou as nuvens, procurando respostas no tempo e redefinindo os seus planos. Os tambores vazios estavam arrumados numa pilha e ainda havia cinco cheios. Os tambores tinham sido levados para lá durante as viagens de rotina para as plataformas e escondidos sob lona, camuflados com areia e algas. Lá no meio do mar, quase invisível, havia uma plataforma, bem acima do nível do mar, empoleirada sobre estacas.
Ele não tivera nenhum problema em chegar lá. Assim que estava no ar, Wazari tinha se arrastado até a cabine.
— É melhor você ficar escondido até estarmos sobrevoando o golfo — Lochart tinha dito. Mas quando pousaram, Wazari ficou muito enjoado, então ele mudou de idéia e contou aos outros o que tinha acontecido. Agora Wazari já tinha se recuperado e fora aceito. Mas ainda era considerado suspeito.
A praia fedia a peixe podre e algas. O vento, mantendo-se em cerca de trinta nós, sacudia as lâminas dos rotores, ainda adverso à rota de fuga planejada para o Kuwait. O teto tinha baixado, estava agora em cerca de setenta metros. Mas Lochart não estava pensando nisso. Sua mente estava cada vez mais voltada para Teerã e Xarazade, enquanto os seus ouvidos tentavam ouvir o barulho do 206 por sobre o ruído do vento e das ondas. Vamos, Mac, ele rezou. Vamos, não me decepcione. Vamos Mac, não me decepcione...
Aí ele ouviu o barulho do helicóptero. Levou alguns segundos para se certificar e então deu um salto para fora da cabine, com a boca ligeiramente aberta para ouvir melhor e aumentar a sua capacidade de localização. Ayre deixou de sonhar acordado e ficou ao lado dele, ambos olhando para o céu coberto de nuvens, ouvindo o barulho cada vez mais alto do motõ.r, indo na direção do mar, depois ultrapassando-os e Lochart praguejou
— Ele não nos viu!
— VHF? — perguntou Ayre.
— É perigoso demais... ainda não... ele vai tornar a passar, ele é bom demais para não fazer isto.
Mais uma vez a espera, o ruído dos motores desaparecendo, depois tornando a aumentar. Mais uma vez o helicóptero passou e não os viu e começou a se afastar e mais uma vez tornou a voltar. Os motores roncavam cada vez mais altos, então ele saiu da neblina a um quilômetro da praia, localizou-os e começou a descer. Não havia dúvida de que era um deles, McIver estava pilotando e estava sozinho. Eles começaram a aplaudir.
NA CABINE DE COMANDO DO 206: MacIver tinha tido muita dificuldade em encontrar o local de encontro, os charcos eram todos iguais, a costa também e as condições péssimas. Então ele se lembrou da plataforma inativa perto da costa, começou a procurá-la e, usando-a como marco, voou em direção à costa.
Quando estava solidamente plantado no chão, ele murmurou.
— Graças a Deus — e respirou, com o estômago doendo e desesperado de vontade de urinar, abriu a porta da cabine imediatamente e disse, sem responder a nenhuma pergunta: — Desculpem, mas tenho que mijar. Freddy, desligue-o para mim, sim? — Lochart, que estava mais perto, disse:
— Deixe que eu faço isso, Mac.
— Obrigado. — MacIver soltou o cinto, saltou e correu para a duna mais próxima. Quando pôde falar, ele olhou em volta, viu Ayre esperando por ele, os outros perto dos 212. — Os meus dentes de trás estavam flutuando há mais de uma hora.
— Eu sei como é.
McIver fechou o zíper e reparou em Wazari.
— Que diabo ele está fazendo aqui?
— Tom achou melhor trazê-lo, mais seguro do que deixá-lo lá e ele realmente ajudou. É melhor irmos andando, Mac. Nós já estamos reabastecidos. E quanto ao 206?
— Vamos ter que deixá-lo aqui. — O aparelho não estava equipado com tanques para longas distâncias e levaria muito tempo para montar um sistema de reabastecimento durante o vôo. E de qualquer maneira, o vento contrário aumentaria o consumo de combustível e tornaria a viagem impossível. MacIver apontou para o mar. — Eu pensei em deixá-lo na plataforma na esperança de podermos voltar e apanhá-lo, mas isso é impossível. Não há espaço suficiente para pousar com ele e com um 212 ao mesmo tempo. É uma pena, mas não há outro jeito.
— Nenhum problema com Kia?
— Não. Ele deu um pouco de trabalho, e... — Ele se virou, espantando. Atrás deles, Lochart tinha acelerado o 206 e agora estava subindo e recuando. — Pelo amor de Deus, Tom... — ele gritou e correu em direção ao helicóptero, mas Lochart recuou mais depressa e subiu seis metros. — Tommmm!
Lochart debruçou-se na janela.
— Não espere por mim, Mac! — gritou.
— Mas você está quase sem combustível...
— Há o bastante por enquanto. Eu vou esperar vocês partirem e então volto para reabastecer. Vejo-o em Al Shargaz.
— Que diabo você está fazendo? — disse Ayre, surpreso.
— Xarazade — McIver disse, xingando a si mesmo por ter esquecido disto. — Ele devia ter mais de cinqüenta planos prontos para levar o 206, de uma forma ou de outra. — Então ele pôs as mãos em volta da boca e gritou: — Tom, você vai arruinar a operação turbilhão, pelo amor de Deus! Você tem que ir conosco!
— Eles nunca me tomarão como refém, Mac! Nunca! O risco é meu, não seu... a decisão é minha, por Deus. Agora dêem o fora!
McIver pensou por um segundo, depois berrou:
— Desça agora, nós o ajudaremos a reabastecer, isto vai lhe poupar trabalho. — Ele viu Lochart balançar a cabeça negativamente e apontar para os 212.
— Eu vou voltar para apanhar Xarazade — gritou Lochart. — Não tentem me impedir nem me dissuadir... é o meu pescoço, não o de vocês... Feliz aterrissagem. — Ele acenou e se afastou, pousando de frente para eles, mantendo os motores ligados, pronto para uma decolagem rápida.
Não há meio de impedi-lo — murmurou McIver, furioso consigo mesmo por n$o ter se prevenido.
— Nós.nós poderíamos esperar até o combustível dele acabar disse Ayre.
— Tom é esperto demais para cair numa armadilha dessas. — Quase em pânico, McIver olhou para o relógio, com a cabeça confusa. — Malditos idiotas, eu e Tom. — Ele viu todos os outros olhando para ele
— O que vamos fazer, Mac? — perguntou Ayre.
McIver forçou-se a raciocinar com clareza: Você é o líder. Decida. Nós estamos horrivelmente atrasados. Tom tomou esta decisão depois de tudo o que eu disse a ele. É um direito dele. Sinto muito, mas isto significa que ele está por conta dele. Agora pense nos outros. Erikki tem que estar bem. Rudi e Scragger e os rapazes estão a salvo, vamos presumir que estejam, então entre no 212 e comece a segunda parte da viagem.
Ele teve vontade de gemer alto, a idéia de ter que conduzir um 212 até o Kuwait voando baixo por mais uma ou duas horas quase acabou com ele.
— Maldição — resmungou. Os outros ainda estavam olhando para ele. E esperando. — Tom vai voltar para apanhar a esposa dele, vamos deixá-lo sozinho.
— Mas se ele for apanhado, isto não arruinará a operação? — Ayre perguntou.
— Não. Tom está por conta própria. Você ouviu o que ele disse. Nós vamos partir para o Kuwait conforme o combinado. Todo mundo para o 212 de Ayre. Eu levo o de Lochart. Vamos embora e voaremos baixo e perto um do outro. Silêncio de rádio até estarmos bem longe da fronteira. — McIver dirigiu-se para o outro 212. Os outros se entreolharam, inquietos. Todos ele tinham notado a palidez dele e todos sabiam que ele não tinha uma licença médica.
Kyle, o mecânico baixinho, foi atrás dele.
— Mac, não há sentido em voar sozinho, eu vou com você.
— Não, obrigado. Todo mundo na máquina de Freddy! Andem, vamos logo!
— Mac, eu vou falar com Tom — disse Ayre. — Ele deve estar louco, eu vou convencê-lo a ir para o Kuw...
— Você não vai fazer isso. Se fosse com Genny, eu estaria do mesmo jeito. Todos a bordo! — Neste momento, o som de dois caças a jato a baixa altitude, ultrapassando a barreira do som, encheu a praia. E deixaram um enorme silêncio atrás deles.
— Jesus — Wazari estremeceu. — Capitão, se o senhor não se importar, eu posso voar com o senhor?
— Não, todo mundo com Freddy, eu prefiro voar sozinho.
— A sua falta de licença não faz nenhuma diferença para mim. — Wazari deu de ombros. — Insha 'Allah! Eu fico tomando conta do rádio. — E fez um sinal em direção ao céu. — Aqueles filhos da mãe não falam inglês. — Ele entrou no 212 e se sentou no assento da esquerda.
— É uma boa idéia, Mac — disse Ayre.
— Está bem. Nós vamos voar baixo e juntos como planejamos. Freddy, se um de nós tiver problemas, o outro continua — Vendo o olhar de Ayre, ele acrescentou: — Qualquer tipo de problema. — Lançando um último olhar a Lochart, McIver acenou e subiu a bordo. Ele estava muito contente por não estar sozinho. — Obrigado — disse a Wazari. — Eu não sei o que vai acontecer no Kuwait, sargento, mas ajudarei no que puder. — Ele fechou o cinto e ligou o motor Número Um.
— Claro. Obrigado. Droga, eu não tenho nada a perder; minha cabeça está explodindo, eu já tomei todas as aspirinas que havia... O que houve com Kia?
McIver ajustou o volume dos seus fones, ligou o motor Número Dois, verificando os tanques de combustível e os instrumentos enquanto falava.
— Eu tive que fazer o pouso de emergência um pouco mais tarde do que tinha planejado. Pousei cerca de um quilômetro de uma aldeia, mas correu tudo bem, bem demais, o cretino desmaiou e então eu não consegui retirá-lo da cabine. Ele ficou preso no assento e os cintos dos ombros se embaralharam e eu não pude soltá-los. Eu não tinha nem uma faca para cortar as alças. Tentei de todas as maneiras, mas o fecho tinha enguiçado, então desisti e esperei que ele voltasse a si. Enquanto esperava, retirei a bagagem dele e coloquei-a perto da estrada, num lugar onde ele pudesse encontrá-la. Quando ele voltou a si, eu tive um trabalhão para convencê-lo a sair da cabine. — Os dedos experientes de McIver iam de um botão a outro. — No fim, eu fingi que tínhamos um incêndio a bordo e saltei, deixando-o lá dentro. Isto resolveu o problema, ele deu um jeito de abrir o cinto e saiu correndo. Eu tinha deixado os motores ligados, foi muito perigoso, mas eu tive que arriscar, e assim que ele saiu, eu voltei correndo e fui embora. Bati numa ou duas pedras, mas não tive maiores problemas...
O seu coração estava disparado, a garganta seca com aquela partida frenética, Kia agarrando-se à maçaneta da porta, aos berros, pendurado, com um dos pés no esqui, McIver com medo de ser obrigado a pousar novamente. Felizmente, Kia perdeu a coragem e pulou para o chão e então McIver foi embora. Ele deu uma volta para ver se Kia estava bem. A última coisa que viu foi Kia agitando os punhos enfurecido. Então ele tinha se dirigido para a costa, colado às copas das árvores e às rochas. E embora estivesse a salvo, seu coração continuou disparado. Ondas de náusea e calor começaram a percorrer seu corpo.
E só a tensão das últimas semanas, ele tinha dito a si mesmo. A tensão e o esforço para tirar aquele idiota da cabine, somados à preocupação com o Turbilhão e ao medo que senti ao ser interrogado por aquele mulá.
Depois de deixar Kia, ele tinha continuado a voar por algum tempo. Dificuldade de concentração. A dor aumentando. Os controles pouco familiares. Um espasmo de náusea e ele quase perdeu o controle, então resolveu pousar e descansar um pouco. Ele ainda estava no sopé das montanhas, coberto de rochas, árvores e neve, o teto baixo e não tão carregado. Tonto de náusea, ele escolheu o primeiro platô e desceu. O pouso não foi bom e isso o assustou mais ainda. Ali perto havia um riacho, parcialmente gelado, com a água espumando ao descer pelas pedras. Ele foi atraído pela água. Com muita dor, desligou os motores, foi tropeçando até lá, deitou-se na neve e bebeu bastante água. O choque do frio o fez vomitar e quando o espasmo passou, ele limpou a boca e tornou a beber. Isto e o ar frio o fizeram sentir-se melhor. Um punhado de neve esfregado na nuca e nas têmporas fez com que ele se sentisse ainda melhor. Aos poucos a dor diminuiu e a dormência no braço esquerdo passou. Ao sentir-se melhor, ele se levantou e, cambaleando um pouco, voltou para a cabine e atirou-se no assento.
A sua cabine estava quente, agradável e familiar — aconchegante. Automaticamente, ele prendeu o cinto de segurança. O silêncio encheu os seus ouvidos e a sua cabeça. Só o barulho do vento e da água, nem motores, nem tráfego, nem estática, nada além da suavidade da água e do vento. Paz. Suas pálpebras estavam pesadas. Ele fechou os olhos e dormiu.
Ele dormiu profundamente por cerca de meia hora. Quando acordou, sentiu-se revigorado — nem dor, nem desconforto, só um pouco tonto, como se tivesse sonhado com a dor. Ele se espreguiçou. Então ouviu um barulhinho de metal. Ele olhou em volta. Montado num pequeno pônei das montanhas, observando-o silenciosamente, havia um rapaz, um nativo. Ele trazia um rifle pendurado na sela e outro nas costas, junto com um cinturão de balas.
Os dois ficaram olhando um para o outro, então o rapaz sorriu e o platô pareceu iluminar-se.
— Salaam, aga.
— Salaam, Aga. — MacIver também sorriu, surpreso por não sentir medo algum, a beleza selvagem do rapaz deixando-o à vontade. — Loftan befarma'idshoma ki hastid? — Ele usou uma das poucas frases que sabia: Posso perguntar quem é você?
— Aga Mohammed Rud Kahani — e então algumas palavras que McIver não entendeu e ele tornou a sorrir e disse: — Kash kai.
— Ah, kash'kai. — McIver balançou a cabeça, compreendendo que o rapaz pertencia a uma das tribos nômades que se espalhavam pelas montanhas Zagros. Ele apontou para si mesmo. — Aga McIver — e disse outra frase: Mota assefan, man zaban-e shoma ra khoob nami danan. — Desculpe, eu não falo a sua língua.
— Insha'Allah. América?
— Inglês. — Ele estava observando a si mesmo e ao outro homem. Helicóptero e cavalo, piloto e nativo, um abismo entre eles, mas nenhuma ameaça de um para o outro. — Sinto muito, mas preciso ir embora — ele disse em inglês, então fez um gesto indicando voar. — Khoda haefez, até logo, aga Mohammed Kash'kai.
O rapaz balançou a cabeça e ergueu a mão numa despedida.
— Khoda haefez, Agha. — Depois afastou-se com o seu cavalo e ficou lá, observando-o. Quando os motores estavam com toda a força, McIver acenou e partiu. Ele foi pensando no rapaz durante toda a viagem. O rapaz não tinha nenhum motivo para não atirar em mim. Nem para atirar. Será que eu sonhei com ele e com a dor? Não, eu não sonhei com a dor. Será que eu tive um ataque cardíaco?
Agora, pronto para partir para o Kuwait, ele encarou a questão pela primeira vez. A inquietação voltou e ele olhou para Wazari, que estava olhando desconsoladamente para o mar, pela janela lateral. Até que ponto eu represento um perigo agora? Ele perguntou a si mesmo. Se eu tive um ataque, mesmo que fraco, posso ter outro, então será que estou arriscando a vida dele e a minha? Acho que não. Eu só tenho a pressão alta e isto está sob controle, eu tomo duas pílulas por dia e não há problema. Eu não posso largar um 212 só porque Tom ficou maluco. Eu estou cansado mas estou bem, e o Kuwait fica apenas a duas horas de vôo. Eu estaria mais satisfeito se não tivesse que pilotar. Meu Deus, eu nunca imaginei que um dia fosse sentir isso. O velho Scragger pode continuar pilotando, mas eu nunca mais vou querer saber disso.
Ele estava prestando atenção ao barulho dos motores. Estão prontos para decolar agora, não há necessidade de checar os instrumentos. Através dos pingos de chuva do pára-brisa ele viu Ayre erguer o polegar, também pronto. Lá na praia, ele podia ver Lochart no 206. Pobre Tom. Aposto que está torcendo para nós irmos logo, louco para reabastecer e correr para o norte, atrás de um outro destino. Espero que ele consiga, pelo menos vai ter um vento favorável.
— Posso ligar o VHF? — perguntou Wazari, distraindo-o. — Vou sintonizá-lo nas freqüências militares.
— Ótimo. — McIver sorriu para Wazari, satisfeito com a companhia dele.
Ouviu o barulho de estática nos fones, depois vozes falando em farsi. Wazari escutou um pouco, depois falou com voz rouca:
— São os caças falando com Kowiss. Um deles disse: "Em nome de Deus, como vamos encontrar dois helicópteros nesta poça de merda?"
— Eles não vão encontrar se depender de mim. — McIver tentou mostrar-se confiante. Ele atraiu a atenção de Ayre, apontou para cima, indicando os caças e fez um sinal de quem corta a garganta. Então apontou para o golfo mais uma vez e ergueu o polegar. Deu uma olhada no relógio: 14:21h. — Aqui vamos nós, sargento — ele disse e acelerou ao máximo — próxima parada o Kuwait. Eta 16:40h aproximadamente.
NO AEROPORTO DO KUWAIT: 14:56H. Genny e Charlie Pettikin estavam sentados no restaurante ao ar livre do último andar do terminal recém-inaugurado. Estava um dia lindo, ensolarado, e lá eles estavam abrigados do vento. As toalhas e os guarda-sóis eram de um amarelo brilhante, todo mundo comia e bebia com prazer. Exceto eles. Genny mal havia tocado na sua salada, Pettikin tinha só beliscado o seu arroz com curry.
— Charlie — Genny disse subitamente — acho que vou tomar um martíni de vodca afinal.
— Boa idéia — Pettikin chamou o garçom e fez o pedido. Ele gostaria de acompanhá-la, mas estava esperando substituir ou se revesar com Lochart e Ayre no próximo trecho até a ilha Jellet, pelo menos mais uma parada para reabastecer, talvez duas, antes de chegar a Al Shargaz. Maldito vento. — Não vai demorar muito agora, Genny.
Oh, pelo amor de Deus, quantas vezes você vai repetir isto, Genny teve vontade de gritar, doente de tanto esperar. Estoicamente, ela continuou a manter uma aparência de tranqüilidade.
— É, agora falta pouco, Charlie. — Eles olharam na direção do mar. A visibilidade estava ruim, o horizonte coberto de névoa, mas eles seriam informados assim que os helicópteros entrassem no radar do Kuwait. O representante da Imperial Air estava esperando na torre.
Como medir o tempo? Ela perguntou a si mesma, tentando enxergar através da neblina, com toda a sua energia se derramando, buscando Duncan, enviando preces e esperança e forças que ele poderia estar precisando. A informação que Gavallan tinha dado naquela manhã não havia ajudado:
— Por que motivo ele está levando Kia, Andy? De volta para Teerã? O que significa isto?
— Eu não sei, Genny. Estou repetindo o que ele disse. A nossa interpretação é que Freddy foi enviado primeiro para o ponto de encontro. Mac decolou com Kia. Ou ele vai levá-lo para o ponto de encontro ou vai deixá-lo no caminho. Tom vai segurar as pontas por algum tempo, para dar aos outros tempo para se afastar, depois ele vai para o ponto de encontro. Nós recebemos o primeiro chamado de Mac às 10:42h. Digamos que ele e Freddy tenham decolado às 11 horas. Vamos dar-lhe mais uma hora para chegar ao ponto de encontro e reabastecer, vamos acrescentar duas horas e meia de vôo e eles devem chegar ao Kuwait por volta das 14:30h. Dependendo de quanto tempo tiverem que esperar no ponto de encontro, podem chegar a qualquer hora a partir das 14:30h.
Ela viu o garçom trazendo o seu drinque. Na bandeja havia um telefone sem fio.
— Telefone para o senhor, capitão Pettikin — disse o garçom, enquanto colocava o copo na frente dela.
Pettikin levantou a antena e atendeu.
— Alô? Oh, alô, Andy. Ela observou o rosto dele.
— Não, não, ainda não... Oh?... — Ele ouviu atentamente durante algum tempo, respondendo de vez em quando, sem demonstrar nada, e ela imaginou o que Gavallan estaria dizendo que ela não devia ouvir. — Sim, claro... sim, está tudo sob controle... Sim, sim, ela está aqui, está bem, um momento. — Ele passou o telefone para ela. — Quer falar com você.
— Alô, Andy, o que há de novo?
— Estou só dando notícias, Genny. Não se preocupe com Mac e os outros, não se pode dizer quanto tempo eles tiveram que esperar no ponto de encontro.
— Eu estou bem, Andy. Não se preocupe comigo. E quanto aos outros?
— Rudi, Pop Kelly e Sandor estão a caminho daqui. Eles reabasteceram em Abu Dhabi e nós estamos em contato com eles. John Hogg é o nosso retransmissor. Eles estão sendo esperados dentro de vinte minutos. Scrag está bem, Ed e Willi sem problemas, Duke está dormindo e Manuela está aqui. Ela quer falar com você. — Ela ouviu a voz de Manuela.
— Oi, querida, como vai? E não me diga que vai muito bem
Genny sorriu.
— Muito bem. Duke está bem?
— Está dormindo como um bebê, não que os bebês durmam quietinhos o tempo todo. Só queria que você soubesse que nós também estamos ansiosos. Vou passar para Andy.
Uma pausa e então:
— Alô, Genny, Johnny Hogg vai entrar na sua área em pouco tempo e também vai ficar na escuta, Nós manteremos contato com você. Posso falar outra vez com Charlie, por favor?
— É claro, mas e quanto a Marc Dubois e Fowler? Uma pausa.
— Nada ainda. Nós estamos com esperança de que eles tenham sido resgatados. Rudi, Sandor e Pop refizeram parte do caminho e procuraram o mais que puderam. Não havia nenhum sinal de destroços e há um bocado de navios nessas águas, além de plataformas. Nós achamos que eles devem estar bem.
— Agora conte-me o que Charlie deve saber e eu não. — Ela franziu a testa com o silêncio do outro lado da linha, depois ouviu Gavallan suspirar.
— Você é esperta demais para mim, Genny. Está bem, eu perguntei a Charlie se tinha chegado aí algum telex do Irã, como o que recebemos aqui em Dubai e em Bahrain. Eu estou tentando puxar todas as cordas possíveis através de Newbury e da nossa embaixada no Kuwait no caso de alguma complicação, embora Newbury diga que eu não deva esperar muito, uma vez que o Kuwait está perto demais do Irã, não quer desagradar a Khomeini e está apavorado que ele mande alguns fundamentalistas para cá para açular os xiitas do Kuwait. Eu disse a Charlie que estou tentando comunicar-me com os pais de Ross no Nepal e com seu regimento. Isto foi tudo. — E numa voz mais gentil: — Eu não queria preocupá-la mais do que o necessário. Certo?
— Sim, obrigada. Sim, eu... eu estou bem. Obrigada, Andy. — Ela passou o fone para Charlie e olhou para o seu copo. Haviam-se formado gotículas na superfície. Algumas estavam escorrendo. Como as lágrimas no meu rosto, ela pensou e levantou-se. — Volto num segundo.
Pettikin viu-a afastar-se cheio de tristeza. Ele escutou as instruções finais de Andy.
— Sim, sim, é claro — disse. — Não se preocupe, Andy, eu me encarrego de... eu me encarrego de Ross, e ligarei assim que eles surgirem no radar. É terrível não saber de Dubois e Fowler, vamos ter pensamentos positivos e esperança. Quanto aos outros, é formidável. Até logo.
O fato de ter encontrado Ross o havia abalado. Assim que recebeu o telefonema de Gavallan naquela manhã, ele tinha corrido para o hospital. Por ser sexta-feira, a equipe estava reduzida ao mínimo, havia apenas um recepcionista de plantão e só falava árabe. O homem sorriu e deu de ombros e disse:
— Bokrah, amanhã. Mas Pettikin tinha insistido e no fim o homem tinha entendido o que ele queria e tinha dado um telefonema. No fim de algum tempo um enfermeiro chegou e fez um sinal para ele. Eles atravéssaram vários corredores e atravessaram uma porta e lá estava Ross nu numa mesa.
Foi o impacto, a nudez total, a aparência de profanação e a inexistência de um mínimo de dignidade o que tinha desesperado Pettikin, não a morte em si. Este homem que tinha sido bom em vida fora deixado ali como se fosse uma carcaça. Em outra mesa havia lençóis. Ele apanhou um e o cobriu e isto o fez sentir-se melhor.
Pettikin tinha levado mais de uma hora para encontrar a enfermaria onde Ross estivera, para localizar uma enfermeira que falasse inglês e para achar o médico.
— Sinto tanto, sinto tanto, senhor — o médico, um libanês, tinha dito num inglês hesitante. — O rapaz chegou ontem em coma. Ele estava com uma fratura de crânio e nós suspeitamos de lesão cerebral. Disseram-nos que ele foi atingido por uma bomba terrorista. Os dois tímpanos estavam rompidos e ele tinha alguns cortes e hematomas de menor importância. Nós o radiografamos, evidentemente, mas além de enfaixar-lhe a cabeça havia muito pouco a fazer a não ser esperar. Ele não tinha nenhum ferimento interno nem hemorragia. Ele morreu esta manhã ao nascer do dia. O alvorecer hoje foi bonito, não foi? Eu assinei o atestado de óbito, o senhor gostaria de ter uma cópia? Nós entregamos uma para a embaixada inglesa, junto com os pertences dele.
— Ele... ele recobrou a consciência antes de morrer?
— Eu não sei. Ele estava sob tratamento intensivo e a sua enfermeira... deixe-me ver... O médico consultou as suas listas e encontrou o nome dela. — Sivin Tahollah. Ah, sim. Nós a designamos para ele porque ele era inglês.
Ela era uma mulher idosa, fazia parte dos destroços do Oriente Médio, sem antepassados, parte de muitas nações. O seu rosto era feio e marcado de varíola, mas sua voz era gentil e tranqüilizadora, suas mãos cálidas.
— Ele não recobrou a consciência, Effendi. — Ela disse em inglês — não realmente.
— Ele disse alguma coisa em especial, alguma que a senhora pudesse entender, qualquer coisa?
— Muita coisa que eu pude entender, mas sem sentido, Effendi. — Ela pensou por um momento. — A maioria do que ele disse foram divagações, o espírito temendo o que não deveria temer, desejando o que não podia ter. Ele murmurou "azadeh". Azadeh significa "nascido em liberdade" em farsi, embora também seja um nome comum de mulher. Às vezes ele murmurava um nome parecido com "Erri" ou "Ekki" ou "kookri", e depois outra vez "azadeh". O seu espírito ainda não estava em paz, embora ele não tenha chorado ou gritado como alguns ao se aproximar do limiar.
— Houve mais alguma coisa?, qualquer coisa? Ela brincou com o relógio que usava na lapela.
— De vez em quando seus pulsos pareciam incomodá-lo e quando eu os esfregava ele ficava calmo de novo. Durante a noite ele falou numa língua que eu nunca tinha ouvido antes. Eu falo inglês, um pouco de francês e muitos dialetos árabes, muitos. Mas esta língua eu nunca tinha ouvido antes. Ele falou de uma maneira melodiosa, misturada com divagações e
"azadeh", e às vezes palavras como... — Ela buscou na memória. — Como "regimento" e "edelweiss" e "highlands" ou "high land", e algumas vezes, ah, sim, palavras como "gueng" e "tens'ng", às vezes um nome como "Roses" ou "Rose Mountain", talvez não fosse um nome, mas um lugar mas parecia entristecê-lo. — Seus olhos velhos eram remelentos. — Eu já vi a morte muitas vezes, Effendi, muitas, sempre diferente e sempre igual. Mas a sua morte foi tranqüila e ele passou para o outro lado sem sofrimento. No último momento ele deu um grande suspiro. Eu acho que ele foi para o paraíso, se é que os cristãos vão para o paraíso, e encontrou a sua Azadeh...
65
TABRIZ — NO PALÁCIO DO KHAN: 15:40H. Azadeh caminhava vagarosamente pelo corredor em direção ao Salão, onde ia encontrar-se com o irmão, suas costas ainda a incomodavam por causa da explosão da granada na véspera. Deus do Céu, foi apenas ontem que os nativos e Erikki quase nos mataram?, pensou. Parece que foi há mil dias, e parece que já morreu há um ano-luz.
Era uma outra existência. Não havia nada de bom nela, exceto mamãe e Erikki e Hakim, Erikki e... Johnny. Uma existência de ódios e matança, terror e loucura, a loucura de viver como párias, Hakim e eu, cercados de maldade, loucura a barreira de Qazvin e aquele horrível mujhadin de cara redonda imprensado contra o carro, esmagado como uma mosca, loucura o nosso resgate feito por Charlie e o homem da KGB — como era o nome dele, ah, sim, Rakoczy — Rakoczy quase matando a todos nós, loucura o que houve em Abu Mard e que mudou a minha vida para sempre, loucura o que houve na base, onde passamos tempos tão bons, Erikki e eu, mas onde Johnny matou tanta gente tão depressa e com tanta crueldade.
Ela tinha contado tudo a Erikki na noite anterior — quase tudo.
— Na base ele... ele se tornou um animal assassino. Eu não me lembro de muita coisa, só de alguns flashes, de ter-lhe entregue a granada na aldeia, de vê-lo correr em direção à base... granadas e metralhadoras, um dos homens usando uma kookri, depois Johnny levantando a sua cabeça decepada e urrando como um espírito mau... Agora eu sei que a kookri era de Gueng. Johnny me contou em Teerã.
— Não diga mais nada agora. Deixe para amanhã, deixe o resto para amanhã, minha querida. Vá dormir, você está a salvo agora.
— Não. Eu tenho medo de dormir, mesmo agora nos seus braços, mesmo com as ótimas novidades sobre Hakim, quando eu durmo eu volto à aldeia, volto a Abu Mard e o mulá está lá, aquele maldito, o calânder está lá, o açougueiro está lá com a sua faca de trinchar.
— Não há mais aldeia nem mulá, eu estive lá. Não há mais nem calânder nem açougueiro. Ahmed contou-me a respeito da aldeia, parte do que houve lá.
— Você foi à aldeia?
— Sim, esta tarde, quando você estava descansando. Eu peguei um carro e fui até lá. Só há destroços e cinzas. Ainda bem — Erikki tinha dito com ódio.
No corredor, Azadeh parou um momento e se segurou na parede até passar a crise de tremedeira. Tanta morte, matança e horror. Ontem, quando ela tinha chegado na escada no palácio e vira Erikki na cabine, com o sangue escorrendo pelo rosto e pingando da manga, com Ahmed encolhido ao seu lado, ela quase morrera e depois, ao vê-lo saltar e caminhar ereto para ela e levantá-la nos braços, ela revivera, pondo para fora todos os seus temores junto com as lágrimas.
— Oh, Erikki, oh, Erikki, eu tive tanto medo, tanto...
Ele a carregara para o salão e o médico estava lá com Hakim, Robert Armstrong e o coronel Fazir. Uma bala arrancara parte da orelha esquerda de Erikki, outra passara de raspão pelo seu braço. O médico cauterizara as feridas e fizera um curativo nelas, aplicando-lhe soro antitetânico e penicilina, com mais medo de infecção do que da perda de sangue.
— Insha'Allah, mas não há muito mais que eu possa fazer, capitão, o senhor é forte, o seu pulso está bom, um cirurgião plástico pode melhorar a aparência da sua orelha, a sua audição não foi afetada, graças a Deus! Tome cuidado apenas com a infecção...
— O que aconteceu, Erikki? — tinha perguntado Hakim.
— Eu voei para o norte, em direção às montanhas e Ahmed foi descuidado. Não foi culpa dele, ele ficou enjoado, e antes que nos déssemos conta do que estava acontecendo, Bayazid encostou um revólver na cabeça dele, um outro nativo encostou um na minha e Bayazid disse:
— Voe até a aldeia, depois você pode partir.
— Você fez um juramento sagrado de que não iria fazer-me nenhum mal! — eu disse. *
— Eu jurei que não lhe faria nenhum mal e não vou fazer, mas o juramento foi meu, não dos meus homens — disse Bayazid, e o homem que estava com a arma encostada na minha cabeça riu e gritou:
— Obedeça ao nosso xeque ou, por Deus, você vai sentir tanta dor que vai implorar pela morte.
— Eu devia ter pensado nisso — disse Hakim. — Devia ter feito todos eles jurarem. Eu devia ter pensado nisso.
— Não teria feito nenhuma diferença. De qualquer maneira, a culpa foi minha; eu os trouxe aqui e quase estraguei tudo. Não posso dizer-lhe o quanto estou arrependido, mas era a única maneira de voltar e eu pensei que fosse encontrar Abdullah Khan, nunca imaginei que aquele matyeryebyets do Bayazid fosse usar uma granada.
— Nós não estamos feridos, graças a Deus, Azadeh e eu. Como você podia saber que Abdullah Khan estava morto, ou que metade do seu resgate já fora pago? Continue a contar o que aconteceu — tinha dito Hakim, e Azadeh notou algo de estranho na voz dele. Hakim mudou, ela pensou. Eu não consigo mais entender o que ele está pensando, como antes. Antes dele se tornar khan, khan de verdade, eu conseguia, mas agora não. Ele ainda é o meu irmão querido, mas um estranho. Tanta coisa mudou, e tão depressa. Eu mudei, Erikki também, meu Deus, e quanto! Johnny não mudou...
No salão, Erikki prosseguira:
— Continuar voando era a única maneira de tirá-los do palácio sem mais confusão nem matança. Se Bayazid não tivesse insistido, eu teria oferecido. Nenhuma outra maneira seria segura para você e Azadeh. Eu tinha que apostar no fato deles obedecerem ao juramento. Mas o que quer que acontecesse, era entre mim e eles, eu sabia disso e eles também, pois é claro que eu era o único que sabia quem eles eram e onde viviam e a vingança de um khan é uma coisa séria. O que quer que eu fizesse, deixa-los no meio do caminho ou ir até a aldeia, eles jamais me libertariam. Como poderiam?, era a aldeia ou eu e o único Deus deles votaria pela aldeia junto com eles, não importa o que eles tivessem combinado ou jurado.
— Esta é uma questão que só Deus pode responder
— Os meus deuses, os meus antigos deuses, não gostam de ser usados como desculpas e eles não gostam desses juramentos em seu nome. Eles desaprovam inteiramente isso, aliás, eles proíbem. — Azadeh percebeu a amargura e tocou nele com carinho. Erikki segurou a mão dela. — Eu estou bem agora, Azadeh.
— O que aconteceu depois, Erikki? — perguntou Hakim.
— Eu disse a Bayazid que não havia gasolina suficiente e tentei raciocinar com ele, mas ele disse apenas: "Seja como Deus quiser", enfiou a arma no ombro de Ahmed e puxou o gatilho. "Vá para a aldeia! A próxima bala vai ser no estômago." Ahmed desmaiou e Bayazid debruçou-se por cima dele para apanhar a arma que tinha escorregado para o chão da cabine, e estava sob o assento, mas não conseguiu apanhá-la. Eu estava com o cinto de segurança fechado, Ahmed também, mas eles não, então eu comecei a dar piruetas no céu de uma maneira que nunca pensei que um helicóptero pudesse agüentar, depois deixei-o cair e fiz uma aterrissagem malfeita; pensei que tivesse quebrado um esqui, mas depois vi que só estava torto. Assim que paramos, eu usei a arma e a minha faca e matei os que estavam conscientes e hostis, desarmei os inconscientes e atirei-os para fora da cabine. Então, depois de algum tempo, eu voltei.
— Assim, com esta facilidade — tinha comentado Armstrong — quatorze homens.
— Cinco, e Bayazid. Os outros... — Azadeh estava com o braço no ombro dele e sentiu-o tremer. — Eu os deixei lá.
— Onde? — perguntou Hashemi Fazir. — O senhor poderia descrever o lugar, capitão? — Erikki fizera-o com bastante precisão e o coronel tinha mandado alguns homens para procurá-lo.
Erikki colocou a mão no bolso e tirou as jóias dadas como resgate, entregando-as para Hakim.
— Agora eu gostaria de conversar com minha mulher, se você não se importar. Contarei o resto mais tarde. — E os dois tinham ido para os seus aposentos e ele não dissera mais nada, apenas a abraçara com carinho. A presença dele afastou sua angústia. Ele logo adormeceu. Ela mal dormiu, pois voltava sempre à aldeia, lutando para livrar-se das suas garras sufocantes. Ela tinha ficado quieta por algum tempo nos braços dele, depois fora sentar-se numa cadeira e cochilara, contente por estar com ele. Ele dormira profundamente até escurecer, depois acordara.
— Primeiro um banho e uma barba e depois um pouco de vodca e então podemos conversar. Eu nunca a vi mais bonita nem a amei mais e sinto muito ter tido ciúmes. Não, Azadeh, não diga nada ainda. Depois eu vou querer saber de tudo.
Ao amanhecer, ela terminara de contar a ele tudo o que havia para contar — tudo o que ela jamais contaria — e ele terminara a sua história. Ele não tinha escondido nada, nem o seu ciúme, nem o ódio mortal nem a alegria da batalha e as lágrimas que derramara na montanha, ao ver a selvageria dos ferimentos que causara nos nativos. Eles... eles me trataram direito na aldeia deles... e resgate é um costume antigo. Se não fosse pelo fato de Abdullah ter mandado matar o mensageiro deles... talvez isso fizesse diferença, talvez não. Mas isso não desculpa os assassinatos, eu me sinto um monstro, você se casou com um louco, Azadeh. Eu sou perigoso.
— Não, não, não é, é claro que não.
— Por todos os meus deuses, eu matei vinte homens ou mais em dez dias e, no entanto, eu nunca tinha matado antes, a não ser aqueles assassinos, aqueles homens que entraram aqui para matar o seu pai antes do nosso casamento. Fora do Irã eu nunca matei ninguém, nunca feri ninguém, eu tive muitas brigas com ou sem pukoh, mas nada sério. Nunca. Se este calânder ou a aldeia ainda existissem, eu o teria matado sem pestanejar. Eu posso entender o seu Johnny na base; agradeço a todos os deuses por terem-no trazido para junto de nós para proteger você e o amaldiçôo por ter destruído minha paz, embora eu saiba que estou em dívida eterna para com ele. Eu não posso lidar com as mortes e nem com ele. Não posso, ainda não.
— Isto não tem importância agora, Erikki. Agora nós temos tempo. Agora estamos em segurança, você, eu, Hakim, nós estamos seguros, meu querido. Olhe para o amanhecer, não é lindo? Olhe, Erikki, é um novo dia agora, tão bonito, uma nova vida, Nós estamos seguros, Erikki.
NO SALÃO: 15:45h. Hakim Khan estava sozinho exceto por Hashemi Fazir. Hashemi chegara inesperadamente há meia hora. Ele se desculpara pela intromissão, estendendo-lhe um telex.
— Achei que o senhor deveria ver isto imediatamente, Alteza.
O telex dizia: "URGENTE. Ao coronel Fazir, Serviço Secreto, Tabriz: prenda Erikki Yokkonen, marido de Sua Alteza, Azadeh Gorgon, por crimes contra o Estado, por cumplicidade em pirataria aérea, seqüestro e alta traição. Algeme-o e mande-o imediatamente para o meu QG aqui. Diretor, Savama, Teerã."
Hakim dispensou os guardas.
— Eu não entendo, coronel. Por favor explique.
— Assim que eu o decodifiquei, telefonei para saber de mais detalhes, Alteza. Parece que no ano passado a S-G Helicópteros vendeu alguns aparelhos para a CHI e...
— Eu não compreendo.
— Desculpe, para a Companhia de Helicópteros Iraniana, uma companhia iraniana, onde trabalha atualmente o capitão Yokkonen. Entre esses havia, há, dez 212, incluindo o dele. Hoje, os outros nove, avaliados em cerca de nove milhões de dólares, foram roubados e retirados ilegalmente do Irã por pilotos da CHI. A Savama supõe que tenham sido levados para um dos Estados do golfo.
Hakim disse friamente:
— Mesmo que eles tenham feito isso, não tem nada a ver com Erikki. Ele não fez nada de errado.
— Nós não sabemos ao certo. Alteza. A Savama acha que talvez ele soubesse da conspiração. Ela tem que ter sido planejada há algum tempo, porque há três bases envolvidas: Lengeh, Bandar Delam e Kowiss, bem como o escritório central deles em Teerã. A Savama está agitadíssima porque foram informados de que uma grande quantidade de peças valiosas foi retirada também. Não..
— Informados por quem?
— Pelo diretor executivo, Siamaki. E o que é ainda mais sério, todo o pessoal estrangeiro da CHI, pilotos, mecânicos e funcionários, também desapareceram. Todos eles, portanto trata-se de uma conspiração. Parece que ontem havia cerca de vinte deles em todo o Irã, na semana passada havia quarenta, hoje não há nenhum. Não há mais nenhum empregado estrangeiro da S-G, ou melhor, da CHI, em todo o Irã. Exceto o capitão Yokkonen.
Imediatamente, Hakim percebeu a importância de Erikki e xingou a si mesmo por permitir que o seu rosto o denunciasse quando Hashemi disse jovialmente:
— Ah, sim, é claro que o senhor percebe isso! A Savama me disse que mesmo que o capitão seja inocente de cumplicidade na conspiração, ele é o único trunfo de que dispomos para convencer os líderes e criminosos, Gavallan e McIver, e certamente o governo britânico que deve ter tomado parte na traição, a devolver os nossos helicópteros, as nossas peças, a pagar uma indenização bem grande e voltar para o Irã para ir ao julgamento por crimes contra o Islã.
Hakim Khan mudou de posição nas almofadas, com a dor nas costas voltando e querendo gritar de raiva porque toda aquela dor e aquela angústia tinham sido desnecessárias, e agora, incapaz de ficar em pé sem sentir dor, ele poderia ficar lesado para sempre. Deixe isto para mais tarde, disse a si mesmo severamente, e trate de lidar com este filho de um cão perigoso que está sentado ali pacientemente como se fosse um vendedor de tapetes preciosos que tivesse apresentado os seus preços e estivesse esperando pelo início das negociações. Se eu quiser comprar.
Para tirar Erikki desta armadilha, eu terei que dar a este cão um pishkesh pessoal, de valor para ele e não para a Savama, que Deus os amaldiçoe seja que nome tenham. O quê? no mínimo Petr Oleg Mzytryk. Eu poderia entregá-lo para Hashemi sem pestanejar, se ele vier e quando vier. Ele virá. Ontem Ahmed mandou chamá-lo em meu nome — como estará passando Ahmed, será que a operação correu bem? Espero que o idiota não morra; eu poderia usar um pouco mais os seus conhecimentos. Que burrice deixar-se apanhar desprevenido, que burrice! Sim, ele é um burro, mas este cão não é. Dando-lhe Mzytryk de presente, mais ajuda no Azerbeijão e com a promessa de uma amizade futura, eu posso tirar Erikki da armadilha. Mas por que o faria?
Porque Azadeh o ama? Infelizmente ela é irmã do khan de todos os Gorgons e isto é um problema do khan não do irmão.
Erikki é um risco para mim e para ela. Ele é um homem perigoso, com as mãos manchadas de sangue. Os nativos, sejam curdos ou não, vão buscar vingança, provavelmente. Ele sempre foi uma escolha errada embora tenha-lhe trazido muita alegria e ainda lhe proporcione felicidade — mas nenhum filho — e agora ele não pode ficar no Irã. Impossível. Não há jeito dele ficar. Eu não poderia comprar dois anos de proteção para ele e Azadeh jurou por Deus que ficaria aqui pelo menos dois anos — como meu pai foi esperto em me dar poder sobre ela. Se eu tirar Erikki da armadilha, ela não poderá ir com ele. Em dois anos muita coisa pode acontecer. Mas se ele não serve para ela, por que livrá-lo? Por que não deixá-los levar Erikki para se vingarem de uma traição? É traição roubar a nossa propriedade.
— Esta é uma questão séria demais para responder imediatamente — disse.
— Não há nada para o senhor responder, Alteza. Só para o capitão Yokkonen. Eu presumo que ele ainda está aqui.
— O doutor ordenou que ele descansasse.
— Talvez o senhor pudesse mandar chamá-lo, Alteza.
— É claro. Mas um homem da sua importância e da sua cultura deve saber que há regras de honra e hospitalidade no Azerbeijão e na minha tribo. Ele é meu cunhado e até mesmo a Savama entende a honra familiar. — Os dois homens sabiam que esta era apenas uma abertura numa delicada negociação, delicada porque nenhum dos dois queria a maldição da Savama sobre suas cabeças, nenhum dos dois sabia ainda onde poderia chegar, nem mesmo se algum acordo particular era desejado. — Eu presumo que muitos saibam desta... desta traição?
— Só eu aqui em Tabriz, Alteza, no momento — Hashemi disse imediatamente, esquecendo-se convenientemente de Armstrong, a quem ele havia sugerido este telex forjado naquela manhã:
— Não há nenhuma maneira daquele filho de um cão do Hakim saber que não é verdadeiro, Robert. — Ele tinha dito, encantado com a sua esperteza. — Ele vai ter que negociar. Nós trocamos o finlandês por Mzytryk e isto não vai nos custar nada. Aquele finlandês sanguinário pode partir ao pôr-do-sol quando nós conseguirmos o que queremos. Até lá nós o manteremos preso.
— Digamos que Hakim Khan não concorde, não queira ou não possa entregar Mzytryk?
— Se ele não quiser negociar, nós agarramos Erikki de qualquer maneira. O Turbilhão vai vazar logo e eu posso usar Erikki para todo tipo de concessões. Ele é refém de pelo menos 15 milhões de dólares em helicópteros... ou talvez eu o ofereça aos nativos como uma oferenda de paz... O fato dele ser finlandês ajuda. Eu poderia ligá-lo intimamente com Rakoczy e à KGB e causar aos soviéticos todo tipo de problemas, bem como à CIA, hein? Até mesmo ao M16, hein?
— A CIA nunca fez mal algum a você. Nem o M16.
— Insha'Allah! Não se meta nisto, Robert. Erikki e o khan são uma questão interna do Irã. Para o seu próprio bem, não se meta. Com o finlandês eu posso conseguir concessões importantes. — Mas importantes só para mim, Robert, não para a Savama, tinha pensado Hashemi, sorrindo para si mesmo. Amanhã ou depois nós voltaremos para Teerã e então os meus assassinos vão caçá-lo na calada da noite e aí, puf, você se apagará como uma vela. — Ele vai entregá-lo — disse calmamente.
— Se Hakim desistir de Erikki, ele vai agüentar o diabo da irmã, eu acho que ela iria até o fim por ele.
— Talvez ela tenha que fazê-lo.
Hashemi recordou a alegria que sentira e agora foi ainda melhor. Ele podia ver a inquietação de Hakim e estava certo de que ele estava num beco sem saída.
— Tenho certeza de que o senhor compreenderá, Alteza, eu tenho que responder rapidamente a este telex.
Hakim decidira fazer uma oferta parcial.
— Traição e conspiração não devem ficar sem punição. Seja onde for. Eu mandei chamar o traidor que o senhor deseja. Com urgência.
— Ah. Quanto tempo levará para Mzytryk responder?
— Você deveria saber melhor do que eu, não?
Hashemi percebeu o seu aborrecimento e xingou-se por ter cometido este deslize.
— Eu ficaria estarrecido se Vossa Alteza não obtivesse uma resposta com muita rapidez — disse com grande gentileza. — Com muita rapidez.
— Quando?
— Dentro de 24 horas, Alteza. Pessoalmente ou por mensageiro. — Ele viu o jovem khan se mexer cheio de dor e tentou decidir se deveria adiar ou insistir na sua vantagem, certo de que a dor era verdadeira. O médico fornecera-lhe um diagnóstico detalhado das possíveis contusões do khan e de sua irmã. Para cobrir qualquer eventualidade, ele mandara o médico dar a Erikki um sedativo bem forte aquela noite, caso o homem tentasse escapar.
— As 24 horas terminam às sete horas desta noite, coronel.
— Há tanto o que fazer em Tabriz, Alteza, seguindo o seu conselho desta manhã, que eu duvido que pudesse tratar do telex antes disso.
— O senhor vai destruir o quartel-general dos esquerdistas mujhadins esta noite?
— Sim, Alteza. — Agora que temos a sua permissão e a sua garantia de que não haverá repercussões junto ao Tudeh, ele teve vontade de acrescentar, mas não o fez. Não seja estúpido! Este rapaz não tem três caras como o cão do Abdullah, que ele queime no fogo do inferno. Este é mais fácil de se lidar, desde que você tenha mais cartas do que ele e não tenha medo de mostrar as garras quando necessário. — Seria uma pena se o capitão não estivesse disponível para... para ser interrogado esta noite.
Os olhos de Hakim estreitaram-se com aquela ameaça desnecessária. Como se eu não entendesse, seu filho de um cão grosseiro.
— Eu concordo. — Houve uma batida na porta. — Entre. Azadeh entrou.
— Desculpe interrompê-lo, Alteza, mas o senhor pediu-me para lembrá-lo meia hora antes da hora de ir para o hospital tirar as radiografias. Saudações, que a paz esteja com o senhor, coronel.
— E que a paz de Deus esteja com a senhora, Alteza. — Fico contente de que toda esta beleza vá ter que ser coberta com o chador em breve, estava pensando Hashemi. Ela poderia tentar o próprio Satã, quanto mais os analfabetos sujos do Irã. Ele tornou a olhar para o khan. — Eu já vou, Alteza.
— Por favor, volte às sete, coronel. Se eu tiver alguma notícia antes disso, mando chamá-lo.
— Obrigado, Alteza.
Ela fechou a porta atrás dele.
— Como você está se sentindo, Hakim querido?
— Cansado. E com muita dor.
— Eu também. Você tem que ver o coronel mais tarde?
— Sim. Isso não tem importância. Como vai Erikki?
— Está dormindo. — Ela estava feliz. — Nós temos tanta sorte, nós três.
NA CIDADE DE TABRIZ: 16:06H. Robert Armstrong checou a sua pequena automática, com o rosto fechado.
— O que você vai fazer? — perguntou Henley, sem gostar nem um pouco do revólver. Ele também era inglês, mas muito menor, tinha um bigode espetado e usava óculos. Estava sentado atrás da escrivaninha no escritório sujo e desarrumado, debaixo de um retrato da rainha Elizabeth.
— É melhor você não perguntar isso. Mas não se preocupe, eu sou um tira, lembra-se? Isto é só para o caso de algum bandido resolver acabar comigo. Você pode transmitir a mensagem para Yokkonen?
— Não posso ir ao palácio sem ser convidado, que desculpa eu daria? — Henley levantou as sobrancelhas. — Acha que posso dizer para Hakim Khan: Sinto muito, meu velho, mas quero falar com o seu cunhado a respeito da possibilidade de retirar um amigo do Irã no seu helicóptero. — A sua jovialidade desapareceu. — Você está completamente enganado a respeito do coronel, Robert. Não há nenhuma prova de que ele seja responsável pelo que aconteceu com Talbot.
— Mesmo que você tivesse uma prova, não o admitiria — disse Armstrong, zangado consigo mesmo por ter explodido quando Henley lhe contou a respeito do 'acidente'. Mais uma vez a sua voz endureceu. — Por que diabos você esperou até hoje para me contar que tinham acabado com Talbot? Pelo amor de Deus, isso aconteceu há dois dias.
— Eu não decido a política, apenas transmito as mensagens, e de qualquer maneira nós acabamos de saber. Além disso, foi difícil encontrá-lo. Todo mundo pensou que você tivesse partido, a última vez que você foi visto estava a bordo de um avião britânico, indo para Al Shargaz. Droga, você recebeu ordens de partir há uma semana e ainda está aqui, que eu saiba não está em nenhuma missão, e não importa o que você tenha decidido fazer, não o faça, queira por gentileza dar o fora do Irã porque se você for apanhado e eles o puserem no terceiro nível, muita gente vai ficar uma fera.
— Vou tentar não desapontá-los. — Armstrong levantou-se e vestiu sua velha capa com gola de pele. — Vejo-o em breve.
— Quando?
— Quando eu quiser. — Armstrong fechou a cara. — Não estou sob a sua autoridade e o que eu faço ou deixo de fazer não lhe interessa. Providencie apenas para que meu relatório fique guardado no cofre até que você tenha uma mala diplomática para enviá-lo com urgência a Londres, e fique com a sua maldita boca fechada.
— Geralmente você não é tão rude nem tão sensível. Que diabo está acontecendo, Robert?
Armstrong virou-se e desceu as escadas, saindo para a friagem da rua. Estava nublado e prometia nevar de novo. Ele desceu a rua apinhada de gente. Transeuntes e vendedores fingiam não notá-lo, presumindo que ele fosse soviético, e tratavam de cuidar da própria vida. Embora estivesse atento para ver se estava sendo seguido, sua mente estava imaginando como lidaria com Hashemi. Não havia tempo para consultar os seus superiores, e nem ele realmente queria fazer isso. Eles teriam sacudido as cabeças:
— Meu Deus, o nosso velho amigo Hashemi? Despachá-lo sob suspeita dele ter liquidado com Talbot? Primeiro nós precisaríamos de provas...
Mas nunca haverá nenhuma prova e eles não acreditariam na existência das equipes Grupo Quatro e nem que Hashemi está se imaginando um moderno Hassan ibn al-Sabbah. Mas eu sei. Hashemi não estava radiante por ter assassinado o general Janan? Agora ele tem peixes mais graúdos para fisgar. Como Pahmudi. Ou todo o Komiteh Revolucionário, sejam eles quem forem — fico me perguntando se ele já os pegou? Será que ele iria atrás do próprio imã? É impossível saber. Mas de uma maneira ou de outra, ele vai pagar pelo velho Talbot — depois de apanharmos Petr Oleg Mzytryk. Sem Hashemi eu não tenho nenhuma chance de apanhá-lo, e através dele, os malditos traidores que nós todos sabemos que estão operando lá em cima em Whitehall, os patrões de Philby, o quarto, o quinto e o sexto homem — no Gabinete, no M15 ou no M16. Ou em todos três.
Estava com dor de cabeça de tanta raiva. Tantos homens bons traídos. O toque da sua automática agradou-lhe. Primeiro Mzytryk, pensou, depois Hashemi. Só falta decidir quando e onde.
BAHRAIN — NO AEROPORTO INTERNACIONAL: 16:24H. Jean-Luc estava falando no telefone no escritório de Matias.
— ...Não, Andy, não temos nenhuma notícia. — Ele olhou para Matias que ouviu e baixou os polegares sombriamente.
— Charlie está fora de si — estava dizendo Gavallan. — Eu acabei de falar com ele pelo telefone. É terrível, mas não podemos fazer nada a não ser esperar. A mesma coisa com relação a Dubois e Fowler. — Jean-Luc pôde perceber o cansaço na voz de Gavallan.
— Dubois vai aparecer, afinal de contas ele é francês. Por falar nisso, eu disse a Charlie que se... quando — corrigiu apressadamente — quando Tom Lochart e Freddy Ayre pousarem, diga a eles para reabastecerem os aparelhos em Jellet ao invés de virem para cá, a menos que haja uma emergência. Matias levou pessoalmente o combustível de reserva para Jellet, portanto sabemos que está lá. Andy, é melhor você ligar para Charlie e usar a sua autoridade porque Bahrain pode endurecer e eu não quero arriscar um outro confronto. A advertência deles foi clara, quer estejamos voando com registro britânico ou não. Eu ainda não sei como conseguimos livrar Rudi, Sandor e Pop. Tenho certeza de que eles vão apreender qualquer aparelho com registro iraniano, bem como as tripulações, e da próxima vez vão verificar a pintura e os papéis.
— Está bem, eu vou falar com ele imediatamente. Jean-Luc, não há nenhum motivo para você voltar para Al Shargaz; por que não vai diretamente para Londres amanhã e depois para Aberdeen? Eu vou mandá-lo para o mar do Norte até estarmos com tudo resolvido, está bem?
— Boa idéia. Eu me apresentarei em Aberdeen na segunda-feira — Jean-Luc disse rapidamente, pensando no fim-de-semana livre. Mon Dieu, eu mereço isso, pensou, e mudou de assunto rapidamente para não dar tempo a Gavallan de argumentar. — Rudi já chegou?
— Sim, são e salvo. Todos três estão aqui. E também Vossi e Willi. Scrag está bem. Erikki está fora de perigo. Duke está melhorando devagar... Se não fosse por Dubois e Fowler, Mac, Tom e o grupo deles... Aleluia! Eu tenho que ir, até logo.
— Au revoir. — E disse para Matias: — Merde, fui designado para o mar do Norte.
— Merde.
— Qual é o número da Alitalia!
— E 22134. Porquê?
— Mesmo que eu tenha que invocar o próprio papa, vou estar no primeiro vôo para Roma amanhã, com conexão para Nice. Preciso de Marie-Christine, das crianças e de uma comida decente. Espéce de con, o mar do Norte! — Preocupado, ele olhou para o relógio. — Espéce de con esta espera! Onde estão os nossos pássaros de Kowiss, onde?
KUWAIT - AO LARGO DA COSTA: 16:31H. A luz vermelha do combustível acendeu. McIver e Wazari viram-na ao mesmo tempo e ambos praguejaram.
— Quanto ainda temos, capitão?
— Com este maldito vento, não muito. — Ele estava apenas uns três metros acima das ondas.
— Quanto ainda falta para chegarmos?
— Não muito. — McIver estava exausto e sentia-se muito mal. O vento chegara a cerca de trinta e cinco nós e ele estava poupando o 212, tentando fazer o combustível render, mas não havia muito o que pudesse fazer naquela altitude. A visibilidade ainda estava fraca, e as nuvens menos densas à medida que se aproximavam da costa. Ele olhou pela janela, para Ayre, apontou para o painel e baixou os polegares. Ayre balançou a cabeça. A sua luz vermelha ainda não havia aparecido. Mas naquele momento ela acendeu.
— Maldição — Kyle, o mecânico de Ayre, disse: — Nós estaremos voando em campo aberto dentro de poucos minutos e seremos um alvo fácil.
— Não se preocupe. Se Mac não chamar logo o Kuwait, eu o farei. — Ayre espiou para cima, achou que tinha visto dois caças, mas eram apenas gaivotas. — Cristo, por um momento...
— Aqueles filhos da mãe não teriam coragem de nos seguir até aqui, teriam?
— Não sei. — Eles estavam brincando de esconder com dois caças desde que haviam saído da costa. Próximo a Kharg, esgueirando-se através da chuva e da neblina, sem variar a altura sobre as ondas, ele e McIver tinham sido localizados:
— Aqui é o controle de Kharg. Helicópteros voando ilegalmente no rumo 275, subam para trezentos e mantenham-se lá. Subam para trezentos e mantenham-se lá.
Por um momento, eles ficaram em estado de choque, então McIver fez sinal a Ayre para segui-lo, fez uma curva de noventa graus para o norte, afastando-se de Kharg, e desceu ainda mais. Em poucos minutos os seus fones encheram-se com as vozes dos pilotos dos caças, falando em farsi com o controle da Força Aérea.
— Eles estão sendo informados das nossas coordenadas, capitão — disse Wazari. — Ordens para preparar os foguetes... agora estão comunicando que os foguetes já estão armados...
— Aqui é Kharg! Helicópteros ilegais no curso 270, subam para trezentos e mantenham-se lá. Se não obedecerem, serão interceptados e abatidos; eu repito, serão interceptados e abatidos.
McIver soltou os comandos e esfregou o peito, sentindo a dor de voltar, depois manteve o curso enquanto Wazari traduzia trechos do que estava sendo dito:
— ...o líder está dizendo sigam-me... agora o atirador diz que os foguetes estão armados... como eles vão encontrar os helicópteros no meio de toda essa merda de neblina... diz: eu estou diminuindo a velocidade... não queremos errar... o controlador de terra está dizendo: confirme se os foguetes estão armados, confirme destruição. Jesus, eles estão confirmando foguetes armados e em rota de colisão conosco.
Então os dois caças tinham saído da neblina em direção a eles, mas à direita e vinte metros acima e então passaram por eles e desapareceram.
— Cristo, será que eles nos viram?
— Jesus, capitão, não sei, mas esses filhos da mãe carregam sensores de calor.
O coração de McIver estava disparado quando ele fez um sinal para Ayre e ficou parado no ar, logo acima das ondas, para despistar os caças.
— Conte-me o que eles estão dizendo, Wazari, pelo amor de Deus!
— Os pilotos estão xingando... estão comunicando que estão a duzentos, duzentos nós... um deles está dizendo que não há nenhum buraco no colchão de nuvens e que o teto está a cerca de cento e cinqüenta... que é difícil enxergar a superfície... o controlador está dizendo para eles seguirem para a fronteira e se colocarem entre ela e os piratas... Jesus, piratas? Fiquem entre eles e o Kuwait, vejam se as nuvens estão menos densas... mantenham-se emboscados em cem...
O que fazer? McIver estava perguntando a si mesmo. Nós poderíamos nos desviar do Kuwait e seguir direto para Jellet. Não adianta. Com este vento jamais conseguiríamos. Não podemos voltar. Então é mesmo o Kuwait e rezar para despistá-los.
Na fronteira, as nuvens foram suficientes para escondê-los. Mas os caças estavam à espreita em algum lugar, esperando por uma brecha, ou que as nuvens ficassem menos densas ou que suas presas achassem que estavam a salvo e subissem para a altura regulamentar de aproximação. O canal militar estava mudo já há um quarto de hora. Agora eles podiam ouvir os controladores do Kuwait.
— Vou cortar um motor para economizar combustível — disse McIver.
— O senhor quer que eu chame o Kuwait, comandante?
— Não, eu farei isso. Num minuto. É melhor você voltar para a cabine e ficar preparado para se esconder. Veja se pode encontrar algum colete salva-vidas, há alguns no armário. Use uma roupa inteiriça. Jogue fora o seu uniforme e fique com um colete à mão. Wazari ficou branco.
— Nós vamos descer no mar?
— Não, é só camuflagem, caso sejamos inspecionados — mentiu McIver, não esperando conseguir chegar até a costa. Sua voz estava calma e sua cabeça também, embora as pernas estivessem pesadas como chumbo.
— Qual é o plano quando pousarmos, comandante?
— Vamos ter que dançar conforme a música. Você tem algum documento?
— Só as minhas licenças de operador, americana e iraniana. Ambas dizem que eu pertenço à Força Aérea do Irã.
— Fique escondido, eu não sei o que vai acontecer... mas vamos ter esperança.
— Comandante, nós deveríamos subir, não há necessidade de abusarmos da sorte — disse Wazari. — Já ultrapassamos a fronteira, estamos a salvo agora.
McIver olhou para cima. A neblina e as nuvens estavam menos densas, agora eles estavam quase totalmente desprotegidos. A luz vermelha pareceu encher o seu horizonte. É melhor subir, hein? Wazari tem razão, não há necessidade de abusarmos da sorte, pensou.
— Nós só estaremos a salvo quando estivermos no chão — disse alto. — Você sabe disso.
NA TORRE DO AEROPORTO DO KUWAIT: 16:38H. A sala estava com a equipe completa. Alguns controladores britânicos, outros kuwaitianos. O melhor equipamento moderno. Telex, telefones e eficiência. A porta se abriu e Charlie Pettikin entrou.
— O senhor mandou me chamar? — perguntou ansiosamente ao controlador de plantão, um irlandês rechonchudo, usando um jogo de fones com um pequeno microfone pendurado e uma única peça de ouvido.
— Sim, capitão Pettikin — o homem disse secamente e, imediatamente, a ansiedade de Pettikin aumentou. — O meu nome é Sweeney, olhe! — Ele usou o lápis para apontar. Na periferia da sua tela, na linha dos trinta quilômetros, havia uma luzinha. — Isto é um helicóptero, talvez dois. Ele ou eles acabaram de aparecer, ainda não se comunicaram. Disseram-me que o senhor está esperando dois helicópteros britânicos em trânsito, não é verdade?
— Sim — disse Pettikin, com vontade de gritar de alegria pelo fato de um deles ou os dois terem aparecido no sistema — eles deviam estar vindo para Kuwait neste curso — e ao mesmo tempo dolorosamente consciente de que ainda faltava muito para eles estarem em segurança. — Está correto — disse, rezando.
— Talvez não sejam os seus, afinal, pois este curso que eles estão usando é um bocado estranho, vindos do leste, já que estão em trânsito do Reino Unido. — Pettikin não disse nada. — Caso eles sejam os seus, qual seria o registro deles?
O desconforto de Pettikin aumentou. Se ele fornecesse os registros britânicos e os helicópteros fornecessem os registros iranianos — como legalmente seriam obrigados a fazer — estariam todos encrencados. As letras verdadeiras teriam forçosamente que ser vistas da torre quando os helicópteros se aproximassem para pousar — não havia como os controladores deixarem de vê-las. Mas se ele desse a Sweeney os registros iranianos... isso arruinaria a operação Turbilhão. O filho da mãe está tentando me pegar, pensou, sentindo um grande vazio por dentro.
— Sinto muito — disse humildemente —, eu não sei. O nosso serviço de documentação não é dos melhores. Desculpe.
O telefone da escrivaninha tocou. Sweeney atendeu.
— Ah, sim, sim, comandante?... sim, não... no momento não... achamos que são dois... sim, sim, eu concordo... não, está bom agora. Desaparece de vez em quando... sim, muito bem. — Desligou, tornando a concentrar-se na tela.
Inquieto, Pettikin tornou a olhar para a tela. A luzinha parecia estar parada.
Então Sweeney trocou para alcance máximo e a tela abrangeu uma extensão maior para o interior do golfo, a oeste em direção aos poucos quilômetros até a fronteira do Kuwait com o Iraque, a nordeste em direção à fronteira Irã-Iraque, ambas muito próximas.
— O nosso sistema de longo alcance esteve enguiçado por algum tempo ou nós os teríamos visto antes, agora está ótimo, graças a Deus. Há um bocado de bases de combate ali — disse distraidamente, indicando com o lápis o lado iraniano da fronteira do Shatt-al-Arab na direção de Abadan. Então moveu o lápis na direção do golfo, traçando uma linha entre Kowiss e Kuwait e parou na luzinha. — Estes são os seus helicópteros, caso haja dois, e caso sejam os seus. — Ele moveu a ponta do lápis um pouco para o norte, para dois pontos que se deslocavam rapidamente. — Caças. Não são nossos. Mas estão na nossa área. — E levantou os olhos para Pettikin que ficou gelado. — Não autorizados e portanto hostis.
— O que eles estão fazendo? — perguntou, agora certo de que estava sendo testado.
— É isto que nós gostaríamos de saber, e muito. — A voz de Sweeney não era nada amigável. Com o lápis, ele indicou dois outros pontos, saindo da faixa militar do Kuwait. — Estes são nossos, vão dar uma olhada. — Ele emprestou um fone de reserva para Pettikin e ligou o transmissor. — Aqui é o Kuwait. Helicóptero ou helicópteros aproximando-se a 274 graus, qual o seu registro e a sua altitude?
Estática. O chamado foi repetido pacientemente. Então Pettikin reconheceu a voz de McIver.
— Kuwait, aqui é o helicóptero... aqui é o helicóptero Boston Tango e o helicóptero Hotel Echo, em trânsito para Al Shargaz, passando de duzentos para duzentos e cinqüenta. — McIver tinha dado apenas as duas últimas letras do registro iraniano em vez de todas as letras exigidas na primeira chamada, incluindo o prefixo EP para Irã.
Surpreendentemente, Sweeney aceitou a chamada:
— Helicópteros Bosto. Tango e Hotel Echo comuniquem-se no momento de pousar. — E Pettikin viu que ele estava distraído, concentrado nos dois pontos hostis que agora se aproximavam rapidamente dos helicópteros, seguindo-os com o lápis na tela. — Eles estão rentes — murmurou. — Quinze quilômetros a leste.
A voz de McIver soou nos fones:
— Kuwait, por favor confirme pouso. Solicitamos aproximação direta, estamos com pouco combustível.
— Aproximação direta aprovada, comunique momento de pouso.
Pettikin percebeu a dureza da voz e quase deu um gemido. Sweeney começou a cantarolar. O controlador-chefe, um kuwaitiano, levantou-se da sua mesa e aproximou-se deles.
Eles observaram o sinal deixando um desenho da terra e os pontinhos de luz à sua passagem, vendo-os não como pontos luminosos, mas como dois caças hostis e dois interceptadores do Kuwait ainda muito longe, com dois helicópteros indefesos entre eles. Mais perto. Os hostis estavam quase fundidos com os helicópteros agora. Então eles se afastaram em direção ao golfo. Por um momento, os três homens prenderam a respiração. Foguetes levam algum tempo para alcançar o alvo. Os segundos se passaram. Os sinais dos helicópteros permaneceram na tela. Os dos interceptores do Kuwait também, aproximando-se dos helicópteros, e depois eles também se afastaram. Sweeney trocou para a freqüência deles e escutou a conversa em árabe. Ele olhou para o controlador-chefe e falou com ele em árabe. O homem disse:
— Insha'Allah — cumprimentou Pettikin com a cabeça e saiu da sala.
— Os nossos interceptadores comunicaram que não viram nada — Sweeney disse a Pettikin com uma voz neutra. — Exceto dois helicópteros 212. Eles não viram nada. — Ele voltou para a faixa regular, com aviões se apresentando e sendo orientados para pouso e decolagem, depois mudou o radar para um alcance menor. Agora os helicópteros estavam separados em dois sinais, ainda longe da costa. A aproximação deles parecia terrivelmente lenta em comparação com os traços dos jatos que chegavam e partiam.
A voz de McIver se fez ouvir:
— Pan pan pan! Kuwait, aqui falam os helicópteros BT e HE, pan pan pan, as nossas luzes vermelhas estão acesas, os tanques vazios, pan pan pan.
— Era a chamada de emergência que ficava um grau abaixo de Mayday.
— Permissão para pousar no heliporto de Messali Beach, bem à sua frente, perto do hotel. Vamos avisá-los e enviaremos combustível. Está me ouvindo? — perguntou Sweeney.
— Roger, Kuwait, obrigado. Eu conheço o hotel. Por favor, informe ao capitão Pettikin.
— Certo, informarei imediatamente. — Sweeney telefonou e pôs de sobreaviso o helicóptero de resgate para o caso de uma decolagem repentina, mandou um carro de bombeiros para o hotel e depois estendeu a mão para apanhar o fone que tinha emprestado a Pettikin, olhou para a porta e fez sinal para ele chegar mais perto. — Agora ouça — falou baixinho, com raiva. — É você quem vai encontrá-los e reabastecê-los e fazê-los passar pela Alfândega e pela Imigração — se puder — e fazê-los dar o fora do Kuwait o mais depressa possível ou vocês, eles e os seus amigos "importantes" irão todos para a cadeia! Mãe Santíssima, como vocês tiveram a coragem de pôr em risco o Kuwait com essas suas aventuras malucas contra aqueles fanáticos do Irã, obrigando homens honestos a arriscarem os seus empregos por vocês. Se um dos seus helicópteros tivesse sido abatido... foi uma sorte danada não ter havido um incidente internacional. — Ele pôs a mão no bolso e de lá tirou um papel que enfiou na mão de Pettikin, que ficou paralisado de susto.
Sweeney deu-lhe as costas e tornou a pegar o telefone. Pettikin saiu com as pernas bambas. A uma distância segura, ele olhou o papel. Era um telex. O telex. De Teerã. Não era uma fotocópia. Era o original.
Deus do céu! Será que Sweeney o interceptou e o guardou para nós? Mas ele não disse: ...fazê-lo passar pela Alfândega e pela Imigração — se puder?
HOTEL MESSALIBEACH: O pequeno caminhão de combustível, com Genny e Pettikin a bordo, saiu da estrada e entrou nos amplos jardins do hotel, com os esguichos ligados. O heliporto ficava bem à esquerda do enorme estacionamento. Já havia um carro de bombeiros lá, esperando. Genny e Pettikin saltaram, Pettikin com um walkie-talkie de ondas curtas, ambos examinando o céu na direção do mar.
— Charlie, você está pegando alguma coisa?
Eles podiam ouvir o barulho dos motores, mas ainda não os viam, até que de repente:
— Dois por cinco, Charlie... — Ruídos de estática. — ...mas eu.. Freddy, você desce no heliporto, eu vou descer do lado... — Mais estática.
— Lá estão eles! — gritou Genny. Os 212 saíram do meio da neblina a cerca de duzentos metros. — Oh, Deus, ajude-os...
— Estamos vendo vocês, Mac, há um carro de bombeiros aqui, não há problema. — Mas Pettikin sabia que eles estavam numa grande enrascada, não havia possibilidades de trocar as letras com tantas pessoas olhando. Um dos motores falhou e tossiu, mas eles não puderam saber de qual dos helicópteros. Outra tossida.
A voz de Ayre, seca demais, disse:
— Afastem-se aí embaixo, eu vou descer no heliporto.
Eles viram o 212 da esquerda se afastar ligeiramente e começar a perder altitude, calculando a distância, com o motor tossindo. Os bombeiros se prepararam. McIver manteve o curso e a altitude, para ter uma chance maior se os seus dois motores parassem
— Merda — Pettikin murmurou involuntariamente, vendo Ayre se aproximar depressa, depressa demais, mas então ele reverteu ao máximo e pousou bem no meio do círculo, em segurança, com McIver começando o seu pouso de emergência. Pelo amor de Deus, por que ele está voando sozinho e onde está Tom Lochart? Sem espaço para manobrar, todo mundo prendendo a respiração, e então os esquis tocaram o chão e neste momento os motores morreram.
Bombeiros, em contato com o aeroporto pelo rádio, comunicaram fim da emergência, começaram a guardar o equipamento e Pettikin já estava agarrando a mão de McIver correndo depois até Ayre para fazer o mesmo. Genny ficou em pé ao lado da cabine de McIver, sorrindo para ele, radiante
— Olá, Duncan — disse Genny, tirando o cabelo dos olhos. Fez boa viagem?
— A pior que eu já fiz, Gen — ele respondeu, tentando sorrir, ainda não refeito de todo. — De fato, nunca mais quero voar, nunca mais quero pilotar, que Deus me ajude! Eu ainda vou checar o Scrag, mas só uma vez por ano.
Ela riu e deu-lhe um abraço desajeitado e o teria largado, mas ele continuou abraçado com ela, cheio de amor, tão aliviado por vê-la de novo e por estar no chão, com seu passageiro são e salvo, com o aparelho em segurança, que sentiu vontade de chorar
— Você está bem, amor?
Isso a fez chorar. Ele não a chamava assim há meses, talvez anos. Ela o abraçou ainda mais apertado.
— Agora veja só o que você me fez. — Ela encontrou um lenço, soltou-o e depois beijou-o de leve. — Você merece um uísque com soda. Dois, e bem grandes! — Pela primeira vez ela notou a palidez dele. — Você está bem, querido?
— Sim. Acho que sim. Estou um pouco abalado. — McIver olhou para Pettikin, que ria e conversava animadamente com Ayre, enquanto o motorista do caminhão-tanque já tinha começado a abastecer os helicópteros. Mais adiante, um carro de aparência oficial estava se aproximando.
— E quanto aos outros, o que aconteceu?
— Está todo mundo em segurança, exceto Marc Dubois e Fowler Joines. Eles ainda estão desaparecidos. — Ela contou que sabia a respeito de Starke, Gavallan, Scragger, Rudi e seus homens. — Uma novidade fantástica é que Newbury, um funcionário do consulado em Al Shargaz, recebeu uma mensagem de Tabriz dizendo que Erikki e Azadeh estão em segurança na casa do pai dela, mas o pai está morto, parece, e agora o irmão dela é o khan.
— Meu Deus, isto é maravilhoso! Então nós conseguimos, Gen!
— Sim, sim, conseguimos, maldito vento. — Ela tornou a tirar o cabelo dos olhos. — E Andy, Charlie e os outros acham que Dubois tem uma boa chan... — Ela parou, e sua alegria foi se extinguindo, ao perceber, sur bitamente, o que havia de errado. Ela se virou e olhou para o outro 212
— Tom? Onde está Tom Lochart?
AO SUL DE TEERÃ: 17:10H. O poço de petróleo deserto ficava numas colinas desertas a cerca de cento e cinqüenta quilômetros de Teerã. Lochart o conhecia dos velhos tempos, o seu 206 estava estacionado ao lado da bomba de combustível e ele tinha reabastecido manualmente o aparelho e já estava quase terminando.
Era uma estação intermediária para os helicópteros que serviam àquela região, parte do grande oleoduto setentrional que, em épocas normais, abrigava uma equipe de manutenção iraniana. Numa cabana tosca havia alguns beliches para se passar a noite caso alguém fosse apanhado por uma das tempestades súbitas que eram muito comuns ali. Os donos originais do local, britânicos, o haviam chamado de 'D'Arcy 1908' para homenagear um inglês com este nome que fora o primeiro a descobrir petróleo no Irã, naquele ano. Agora pertencia à IranOil, mas tinha mantido tanto o nome quanto os tanques de combustível cheios.
Graças a Deus por isso, Lochart tornou a pensar já cansado de bombear combustível. No local de encontro, na costa, ele tinha atirado dois tambores vazios de duzentos litros no banco de trás, para o caso de D'Arcy 1908 estar aberto, e conseguira uma bomba provisória. Ainda havia combustível suficiente na costa para usar quando estivessem saindo do Irã, e Xarazade poderia manejar a bomba durante o vôo.
— Agora nós temos uma chance — disse alto, sabendo onde pousar, como guardar o helicóptero em segurança e como entrar em Teerã.
Estava confiante outra vez, fazendo planos, pensando no que dizer a Meshang, o que evitar, o que dizer a Xarazade e como iam escapar. Tem que haver um jeito dela receber a sua parte da herança, o bastante para lhe dar a segurança de que ela precisa...
A gasolina transbordou dos tanques cheios até a boca, e ele praguejou por sua falta de cuidado, tampou-os cuidadosamente e enxugou o excesso. Agora estava pronto, os tambores do banco de trás já estavam cheios e a bomba no lugar.
Numa das cabanas ele achou algumas latas de carne e comeu uma delas — impossível comer e pilotar, a não ser que fosse com a mão esquerda, e ele estava há tempo demais no Irã para fazer isso — depois apanhou a garrafa de cerveja que tinha deixado na neve para gelar e tomou-a devagar. Havia água num barril. Ele quebrou o gelo e jogou água no rosto para refrescar-se, mas não ousou bebê-la. Enxugou o rosto. Sentiu a barba espetando e tornou a praguejar, querendo estar com boa aparência para ela. Então lembrou-se da maleta de vôo e dos aparelhos de barbear que havia lá. Um deles era a pilha. Ele o encontrou.
— Você pode fazer a barba em Teerã — disse para o seu reflexo na janela da cabine, ansioso por partir.
Um último olhar em volta. Neve, pedras e nada mais. Lá longe ficava a estrada Qom—Teerã. O céu estava encoberto mas o teto estava alto. Alguns pássaros voavam lá em cima. Aves de rapina, pensou, fechando o cinto de segurança.
TEERÃ — NA CASA DOS BAKRAVAN: 17:15H. Uma porta se abriu no muro e duas mulheres saíram, cobertas de chador e véu, Xarazade e Jari estavam irreconhecíveis. Jari fechou a porta e foi andando apressadamente atrás de Xarazade, que avançava rapidamente no meio da multidão.
— Princesa, espere... não há pressa...
Mas Xarazade não diminuiu o passo até virar a esquina. Então parou e ficou esperando impacientemente.
— Jari, vou deixá-la agora — disse, não dando tempo a Jari de interrompê-la. — Não vá para casa, mas encontre-me no café, você sabe qual, às seis e meia, espere por mim se eu me atrasar
— Mas princesa... — Jari mal podia falar. — Mas Sua Excelência Meshang... a senhora disse a ele que nós íamos ao médico e não...
— No café por volta das seis e meia, sete horas, Jari! — Xarazade saiu andando depressa, atravessou o tráfego perigosamente para evitar que a empregada a seguisse, entrou num beco, depois em outro e logo estava livre.
— Eu não vou me casar com aquele homem horrível, não vou, não vou, não vou! — murmurou alto.
A zombaria começara já naquela tarde, embora tivesse sido apenas no almoço que Meshang anunciara o grande mal. A sua melhor amiga tinha chegado há uma hora atrás para perguntar se eram verdadeiros os boatos de que Xarazade ia se casar com um membro da família Farazan.
— O bazar só fala nisso, Xarazade querida, eu vim imediatamente para dar-lhe os parabéns.
— O meu irmão tem muitos planos, agora que eu estou quase divorciada — ela tinha dito displicentemente. — Eu tenho muitos pretendentes.
— É claro, é claro, mas o boato é de que o dote já foi combinado.
— Ah, é? É a primeira vez que estou ouvindo falar nisto, como as pessoas são mentirosas!
— É verdade, que coisa horrível! Outros fofoqueiros maldosos afirmam que o casamento será na próxima semana e que o seu... e que o futuro marido está se gabando de ter tapeado Meshang no dote.
— Alguém tapear Meshang? Tem que ser mentira!
— Eu sabia que os boatos eram falsos! Eu sabia! Como você poderia casar-se com Diarréia Danoush, xá do lixo da noite? Como você poderia? — E sua amiga tinha dado boas gargalhadas. — Pobre querida, para que lado você iria virar-se?
— Que importância tem isso? — Meshang berrara com ela. — Elas estão é com inveja! O casamento vai se realizar, e hoje à noite nós vamos recebê-lo para jantar.
Talvez sim, talvez não, ela pensou. Talvez o jantar não seja como eles estão esperando.
Mais uma vez ela verificou o caminho, com os joelhos fracos. Ela estava indo para o apartamento do amigo dele, não muito longe dali. Lá ela encontraria a chave secreta no nicho do andar de baixo, entraria, olharia debaixo do tapete do quarto e levantaria o assoalho como o vira fazer. Então ela apanharia a pistola e a granada — Deus seja louvado pelo chador para escondê-las e ajudar-me a ficar disfarçada — depois ela poria no lugar a tábua do assoalho e o tapete e voltaria para casa. Estava quase sem fôlego de excitação. Ibrahim vai ter orgulho de mim, indo à luta por Deus, para me sacrificar por Deus. Ele não foi para o sul lutar contra o mal e se sacrificar da mesma maneira? É claro que Deus vai perdoar as suas bobagens esquerdistas.
Como ele foi esperto de me mostrar como tirar a trava de segurança e armar o revólver e segurar a granada, puxar o pino e depois atirá-la sobre os inimigos do Islã, gritando Deus é Grande, Deus é Grande... e depois atacando-os, atirando neles, sendo levada para o paraíso, esta noite mesmo se eu puder, amanhã no máximo, com a cidade toda dizendo que os estudantes esquerdistas começaram a sua insurreição. Nós os arrasaremos, meu filho e eu, nós o faremos, soldados de Deus e do profeta, cujo nome seja louvado, nós o faremos!
Deus é Grande, Deus é Grande... Puxe o pino e conte até quatro e atire, eu me lembro exatamente do que ele disse.
KUWAIT — NO HELIPORTO DO HOTEL MESSALI BEACH: 17:35H. McIver e Pettikin estavam olhando para os dois homens da Alfândega e da Imigração, o primeiro examinando impassivelmente os papéis do helicóptero, o outro a cabine do 212. Até agora a inspeção deles fora superficial, embora demorada. Eles tinham recolhido todos os passaportes e documentos dos helicópteros, mas tinham dado apenas uma olhada superficial neles e perguntado a McIver a opinião dele a respeito da situação no Irã. Eles ainda não haviam perguntado diretamente de onde os helicópteros tinham vindo. Iriam perguntar a qualquer momento, pensavam McIver e Pettikin, nervosos.
McIver pensara em deixar Wazari escondido, mas resolvera não correr o risco.
— Sinto muito, sargento, você vai ter que arriscar.
— Quem é ele? — O homem da Imigração perguntou imediatamente, a cor e o medo de Wazari denunciando-o.
— Um operador de rádio e radar — disse McIver, com naturalidade. O funcionário tinha-se afastado e deixara Wazari lá em pé, suando, vestido com o pesado macacão de plástico e o colete de salva-vidas fechado até a metade.
— Então, capitão, o senhor acha que vai haver um golpe no Irã, um golpe militar?
— Eu não sei — tinha respondido McIver. — Os boatos se espalham como pragas. Os jornais ingleses dizem que é possível, muito possível, e também que o Irã está tomado por uma espécie de loucura, como o Terror da Revolução russa ou francesa. Posso mandar os nossos mecânicos verificarem tudo enquanto esperamos?
— É claro. — O homem esperou enquanto McIver dava as ordens, e depois disse: — Vamos esperar que esta loucura não se espalhe pelo golfo, hein? Ninguém quer problemas deste lado do golfo Islâmico. — Ele usou a expressão de propósito, uma vez que todcs os Estados do golfo detestavam o termo golfo Pérsico. — Este é o golfo Islâmico, não é?
— Sim, sim, é.
— Todos os mapas terão que ser mudados. O golfo é o golfo, o Islã é o Islã e não pertence apenas à seita xiita.
McIver não disse nada, ficando mais cauteloso e mais inquieto. Havia muitos xiitas no Kuwait e na maioria dos Estados do golfo. Muitos. Geralmente eles eram os pobres. Os governantes, os xeques, eram geralmente sunitas.
— Capitão! — O funcionário da Alfândega estava na porta da cabine do 212 estacionado no heliporto, chamando-o. Ayre e Wazari tinham recebido instruções para esperar longe dos helicópteros até que a inspeção tivesse terminado. Os mecânicos estavam ocupados checando os aparelhos. — Vocês estão carregando armas de qualquer tipo?
— Não, senhor; a não ser a pistola de sinalização aprovada pelo regulamento.
— Contrabando de algum tipo?
— Não, senhor, só peças de reposição. — Todas as perguntas normais, intermináveis, que seriam repetidas assim que eles fossem liberados para ir para o aeroporto. Finalmente, o homem agradeceu e fez sinal para ele se afastar. O funcionário da Imigração tinha voltado para o carro com os passaportes. O transmissor de rádio ficara ligado, e McIver pôde ouvir claramente o controle de terra. Ele viu o homem cocar a barba Pensativamente e depois apanhar o microfone e falar em árabe. Isso aumentou a sua preocupação. Genny estava sentada na sombra e ele foi até ela.
— Cabeça erguida — ela murmurou. — Como vai indo?
— Gostaria muito que eles nos deixassem prosseguir — disse McIver, irritado. — Nós vamos ter que aturar mais uma hora disto no aeroporto e eu não tenho a menor idéia do que fazer.
— Charlie tem...
— Capitão! — O homem da Imigração o chamava e a Pettikin para irem até o carro. — Então o senhor está em trânsito, não é?
— Sim. Para Al Shargaz. Com a sua permissão, nós partiremos imediatamente — disse McIver. — Iremos até o aeroporto, preencheremos o nosso plano de vôo e partiremos assim que pudermos. Está certo?
— Para onde o senhor disse que está indo?
— Para Al Shargaz, via Bahrain para reabastecer. — McIver estava ficando cada vez mais nervoso. Qualquer funcionário do aeroporto deveria saber que eles precisariam reabastecer antes de Bahrain, mesmo que o vento não estivesse assim tão forte, e todos os aeroportos do caminho eram sauditas, portanto ele teria que preencher um plano de vôo para uma aterrissagem em território saudita. Bahrain, Abu Dhabi, Al Shargaz, todos tinham recebido o mesmo telex. O Kuwait também, e mesmo que aqui o telex tivesse sido interceptado por um funcionário que simpatizava com eles, por qualquer motivo, o mesmo não aconteceria nos aeroportos sauditas. Com toda a razão, pensou McIver, e viu o homem olhar para as letras do registro iraniano debaixo das janelas da cabine de comando. Eles tinham chegado lá com o registro iraniano, ele teria que preencher o plano de vôo e partir com as mesmas letras.
Para seu espanto, o homem apanhou um bloco de formulários no carro.
— Eu recebi instr... eu aceitarei o seu plano de vôo e darei permissão para o senhor seguir direto daqui para Bahrain, imediatamente. O senhor pode me pagar as taxas de pouso regulamentares e eu carimbarei os seus passaportes também. Não haverá necessidade de ir até o aeroporto.
— O quê?
— Eu aceitarei o seu plano de vôo agora e o senhor pode partir daqui mesmo. Por favor, prepare-o. — Ele entregou o bloco a McIver. Era o formulário correto. — Assim que o senhor tiver terminado, assine-o e devolva-me. — Havia algumas moscas incomodando-o e ele as afastou com a mão
Depois apanhou o microfone, esperou até que McIver e Pettikin se afastassem e falou em voz baixa.
Sem poder acreditar no que tinha acontecido, eles foram se encostar no caminhão.
— Jesus, Mac, você acha que eles sabem e estão simplesmente deixando que a gente vá embora?
— Eu não sei o que pensar. Não perca tempo, Charlie. — McIver enfiou o bloco nas mãos dele e disse com mais irritação do que pretendia: — Faça logo este plano de vôo antes que ele mude de idéia: Al Shargaz. Se tivermos uma emergência em Jellet isso é problema nosso. Pelo amor de Deus, faça isto logo e vamos partir o mais rápido que pudermos.
— Claro. Agora mesmo.
— Você não vai pilotar, vai, Duncan? — peguntou Genny.
— Não, é Charlie quem vai fazer isso.
Pettikin pensou por um momento, depois pegou uma chave e algum dinheiro.
— Esta é a chave do meu quarto, Genny. Você pode apanhar as minhas coisas para mim, não há nada muito importante lá, pagar a conta e pegar o próximo avião. Hughes, o representante da Imperial Air, lhe dará prioridade.
— E quanto ao seu passaporte e licença para pilotar? — ela perguntou.
— Eu sempre os carrego comigo, tenho um medo danado de perdê-los, bem como uma nota de cem dólares — nunca sei quando vou precisar subornar alguém.
— Conte comigo. — Ela colocou os óculos escuros e sorriu para o marido. — O que você vai fazer, Duncan?
Sem notar, McIver suspirou profundamente.
— Eu vou ter que continuar, Gen. Não tenho coragem de ficar aqui. Duvido que eles me deixassem. Eles estão desesperados para não criar nenhuma confusão e loucos para se livrarem de nós. É óbvio, não é? Quem já ouviu falar em ser autorizado a decolar de uma praia? Nós somos um tremendo embaraço e uma ameaça para o Estado, é claro que somos. Esta é a verdade! Faça o que Charlie disse, Gen. Nós vamos reabastecer os aparelhos em Jellet, mudar os registros lá e torcer pelo melhor. Você está com os estênceis, Charlie?
— Pincéis, tinta, tudo. — Pettikin não parou de preencher os formulários. — E quanto a Wazari?
— Ele faz parte da tripulação até que alguém faça alguma pergunta. Coloque-o aí como operador de rádio. Isto não é nenhuma mentira. Se não implicarem com ele em Bahrain, certamente o farão em Al Shargaz. Talvez Andy possa inventar alguma coisa para livrá-lo.
— Está bem. Ele é da tripulação. Então está pronto.
— Ótimo. Gen, Jeliet é fácil de chegar, Bahrain e A! Shargaz também. O tempo está bom, a lua está de fora, portanto um vôo à noite não será problema. Faça o que Charlie disse. Você chegará lá a tempo de nos esperar.
— Se você vai partir imediatamente, precisará de comida e água — ela disse. — Podemos conseguir um pouco aqui. Eu vou buscar, Charlie. Vamos, Duncan, você está precisando de um drinque
— Sirva-me um em Al Shargaz, Gen.
— Eu o farei. Mas vou lhe servir um agora. Você não vai pilotar, está precisando de um, eu vou lhe arranjar. — Ela foi até o funcionário da Imigração e conseguiu permissão para comprar sanduíches e dar um telefonema.
— Volto num segundo, Charlie. — McIver seguiu-a pelo interior do saguão do hotel e foi direto para o toalete. Lá ele vomitou muito. Levou algum tempo para se recuperar. Quando saiu, ela estava desligando o telefone
— Os sanduíches já estão quase prontos, o seu drinque está servido e eu pedi uma ligação para você falar com Andy. — Ela foi na frente até uma mesa no suntuoso terraço-bar. Três Perrier gelados com fatias de limão, e uma dose dupla de uísque puro, sem gelo, do jeito que ele gostava. Ele bebeu o primeiro copo de Perrier sem parar.
— Meu Deus, eu estava precisando disto... — Ele olhou para o uísque, mas não o tocou. Pensativamente, ele tomou o segundo copo de Perrier e olhou para ela. Quando ele já estava quase no fim, disse: — Gen, acho que gostaria que você viesse comigo.
Ela ficou perplexa. Depois disse:
— Obrigado, Duncan, eu gostaria muito de ir. Sim, eu gostaria muito. O rosto dele enrugou num sorriso.
— Você teria vindo de qualquer jeito, não teria? Ela deu de ombros. Baixou os olhos para o uísque.
— Você não está pilotando, Duncan. O uísque seria bom para você. Acalmaria o seu estômago.
— Você notou, hein?
— Só que você está muito cansado. Eu nunca o vi assim tão cansado, mas você se saiu maravilhosamente bem, fez um trabalho perfeito e deve descansar. Você... você tem tomado as suas pílulas e todo o resto?
— Oh, sim, embora vá precisar de um reforço em breve. Não há problema, mas eu me senti muito mal umas duas vezes. — Ao ver a ansiedade dela, ele acrescentou depressa: — Eu estou bem agora, Gen. Muito bem.
Ela não quis insistir. Agora que ele a convidara para ir junto, ela podia relaxar um pouco. Desde que ele pousara que ela o vinha observando com muito cuidado, cada vez mais preocupada. Ela tinha pedido umas aspirinas junto com os sanduíches, tinha Veganin na bolsa e o estojo de primeiros socorros que o dr. Nutt lhe dera em segredo.
— Como foi pilotar de novo? De verdade?
— De Teerã até Kowiss foi formidável, mas o resto não foi tão bom. Este último trecho não foi nada bom. — A lembrança de ter sido perseguido por caças e de ter estado tão perto do fracasso o fez sentir-se enjoado outra vez. Não pense nisso, disse a si mesmo, já terminou. O Turbilhão está quase no fim. Erikki e Azadeh estão a salvo, mas e quanto a Dubois e Fowler, que diabo aconteceu com eles? E Tom? Eu poderia matar Tom, pobre idiota.
— Você está bem, Duncan?
— Oh, sim, estou muito bem. Só estou cansado, foram duas semanas daquelas.
— E quanto a Tom? O que você vai dizer a Andy?
— Eu estava pensando nele agora. Vou ter que contar a Andy.
— Isto é uma ameaça e tanto ao Turbilhão, não?
— Ele... ele está por conta própria, Gen. Talvez ele consiga apanhar Xarazade e fugir. Se for apanhado... nós temos que esperar e torcer — disse. Mas ele estava pensando quando ele for apanhado. McIver estendeu a mão e tocou-a, contente de estar com ela, sem querer preocupá-la ainda mais. Tudo isso é muito mais duro para ela. Eu acho que vou morrer.
— Por favor, desculpe-me, sahib, mensahib, os seus pedidos foram levados para o helicóptero — disse o garçom.
McIver entregou-lhe um cartão de crédito e o garçom se afastou.
— Isto me faz lembrar da sua conta do hotel e da do Charlie. Vamos ter que tratar disso antes de partirmos.
— Oh, eu telefonei para o sr. Hughes enquanto você estava no banheiro e pedi a ele para cuidar das nossas contas e despachar nossa bagagem e todo o resto se eu não estivesse de volta dentro de uma hora. Eu estou com a minha bolsa, meu passaporte e... por que você está rindo?
— Nada... nada, Gen.
— Foi só para o caso de você me convidar. Eu achei... — Ela examinou as bolhas do seu corpo. Mais uma vez deu de ombros e olhou para ele, sorrindo feliz. — Estou tão contente que você tenha me pedido isso, Duncan. Obrigado.
AL SHARGAZ — NOS ARREDORES DA CIDADE: 18:01H. Gavallan saltou do carro e subiu rapidamente os degraus da frente da casa em estilo mourisco que era cercada de muros altos.
— Sr. Gavallan!
— Oh, olá, sra. Newbury! — Ele mudou de direção para ir ao encontro da mulher, que estava meio escondida, ajoelhada, plantando alguns arbustos perto da entrada de carros. — O seu jardim está maravilhoso.
— Obrigada. É uma distração e me mantém em forma — ela respondeu. Angela Newbury era alta, tinha cerca de trinta anos e seu sotaque era elegante. — Roger está no pavilhão esperando pelo senhor. — Com as costas das mãos enluvadas, ela enxugou o suor do rosto, deixando uma mancha de terra. — Como vão as coisas?
— Muito bem — ele disse, omitindo as notícias sobre Lochart. — Nove em dez até agora.
— Oh, que bom, oh, isso é um alívio. Meus parabéns, nós estávamos todos tão preocupados. Que maravilha, mas pelo amor de Deus, não diga a Roger que eu perguntei, ele teria um ataque. Ninguém deve saber.
Ele devolveu-lhe o sorriso e atravessou os lindos jardins até chegar ao pavilhão. Este ficava no meio de um grupo de árvores e canteiros de flores e tinha cadeiras, mesinhas, um bar portátil e telefone. A sua alegria desapareceu ao ver a cara de Roger.
— Qual é o problema?
— Você é o problema. Turbilhão é o problema. Eu deixei muito claro que a operação não era aconselhável. Como ela está indo?
— Acabei de saber que os dois Kowiss chegaram em segurança no Kuwait e partiram para Bahrain sem problemas, isto significa nove em dez, se incluirmos o de Erikki em Tabriz. Dubois e Fowler ainda não apareceram, mas n5s estamos torcendo. Agora, qual é o problema, Roger?
— O golfo está em palvorosa, com Teerã pondo a boca no mundo e todos os nossos escritórios em alerta. O meu Líder Destemido e este seu criado, Roger Newbury, estão convidados a comparecer ao gabinete do ilustre ministro do Exterior, às sete e meia, para explicar a súbita afluência de helicópteros com registros britânicos aqui, e para informar quanto tempo eles pretendem ficar. — Newbury, um homem pequeno e magro, com cabelos cor de areia, olhos azuis e um nariz proeminente, estava visivelmente irritado. — Fico satisfeito com os nove em dez, você quer um drinque?
— Obrigado. Um uísque com soda. Newbury foi preparar.
— O meu Líder Destemido e eu ficaríamos encantados se você nos sugerisse o que dizer.
Gavallan pensou por um momento.
— Os helicópteros sairão daqui assim que conseguirmos embarcá-los nos aviões de carga.
— E quando vai ser isso? — Newbury entregou-lhe o drinque.
— Obrigado. Os aviões de carga estão prometidos para domingo, por volta das 18 horas. Nós vamos trabalhar a noite inteira e os despacharemos na segunda-feira de manhã.
Newbury ficou alarmado.
— Você não pode tirá-los daqui antes disso?
— Os aviões foram encomendados para amanhã, mas me deixaram na mão. Por quê?
— Porque, meu velho, há poucos minutos atrás nós recebemos uma informação amável, de alta fonte, de que caso os helicópteros não estejam mais aqui amanhã ao anoitecer, talvez eles não sejam apreendidos.
Agora foi a vez de Gavallan levar um choque.
— Isso não é possível. Não pode ser feito.
— Eu estou sugerindo que seria prudente que você tornasse isso possível. Leve-os para Omã ou Dubai ou qualquer outro lugar.
— Se fizermos isso... se fizermos isso, ficaremos mais encrencados ainda.
— Não acho que você possa ficar mais encrencado do que já está, meu velho. Da forma como nos passaram esta informação, amanhã ao anoitecer você vai estar encrencado até o pescoço. — Newbury brincou com o seu drinque, uma batida de limão. Que droga tudo isso, ele estava pensando. Enquanto somos obrigados a ajudar a salvar os nossos interesses comerciais da catástrofe do Irã, temos que pensar tanto a longo prazo como a curto prazo. Não podemos pôr em risco o governo de Sua Majestade. Além disso, meu fim-de-semana está arruinado. Eu deveria estar tomando um gostoso aperitivo de vodca com Angela e aqui estou eu, me aborrecendo. — Você vai ter que retirá-los.
— Você não pode nos conseguir um adiantamento de 48 horas, explicar Que os aviões de carga foram contratados mas que só pode ser no domingo?
— Eu não ousaria sugerir isto, Andy. Isto seria admitir a nossa culpa.
— Você poderia nos conseguir uma licença de trânsito de 48 horas para Omã?
Newbury fez uma careta.
— Vou perguntar ao chefe, mas não poderemos sondá-los até amanhã, agora é tarde demais, e o meu palpite é que o pedido será negado. O Irã tem uma força considerável lá, afinal de contas eles realmente ajudaram a derrotar os rebeldes comunistas apoiados pelo Iemen. Duvido que eles concordem em ofender um grande amigo, por mais que a atual linha fundamentalista os desagrade.
Gavallan estava se sentindo mal.
— É melhor eu ver se consigo trazer os meus aviões de carga ou tentar uma outra alternativa. Eu diria que tenho uma chance em cinqüenta. — Ele terminou o drinque e se levantou. — Sinto muito por tudo isto.
Newbury também se levantou.
— Sinto muito não poder ajudar mais — disse, genuinamente aborrecido. — Mantenha-me informado e eu farei o mesmo.
— É claro. Você disse que talvez pudesse mandar uma mensagem para o capitão Yokkonen em Tabriz?
— Posso tentar. O que é?
— Só que eu mandei dizer que ele deve, ahn, partir o mais cedo possível, pelo caminho mais curto. Por favor, assine GHPLX Gavallan.
Sem fazer nenhum comentário, Newbury tomou nota da mensagem.
— GHPLX?
— Sim. — Gavallan tinha certeza de que Erikki entenderia que este era o novo registro britânico. — Ele não está a par de certos acontecimentos, então, se o seu homem pudesse também falar com ele em particular e explicar o motivo de tanta pressa, eu ficaria muito agradecido. Obrigado pela sua ajuda.
— Para o seu bem, e o dele, eu concordo que quanto mais cedo ele partir melhor, com ou sem o helicóptero. Não há nada que possamos fazer para ajudá-lo. Sinto muito, mas esta é a verdade. — Newbury brincou com o copo. — Ele agora representa um enorme perigo para você. Não?
— Eu acho que não. Ele está sob a proteção do novo khan, cunhado dele. Ele está bastante seguro — disse Gavallan. O que Newbury diria se soubesse sobre Tom Lochart? — Erikki vai ficar bem, ele vai entender. Mais uma vez obrigado.
66
TABRIZ — NO HOSPITAL INTERNACIONAL: 18:24H. Hakim Khan caminhou penosamente para o quarto particular, seguido por um médico e por um guarda. Ele estava usando muletas e estas faziam com que andasse com mais facilidade, mas quando se inclinava ou tentava sentar, elas não lhe aliviavam a dor. Isto só os analgésicos conseguiam fazer. Azadeh estava esperando lá embaixo, seu raio-X fora melhor do que o dele, e ela sentia menos dor.
Ahmed estava deitado na cama, acordado, com o peito e o estômago envolto em ataduras. A operação para remover a bala alojada no seu peito tinha sido bem-sucedida. A do estômago fizera muitos estragos, ele perdera muito sangue e a hemorragia interna tinha recomeçado. Mas quando ele viu Hakim tentou levantar-se.
— Não se mexa, Ahmed — disse Hakim, com bondade. — O médico me disse que você está se recuperando bem.
— O médico é um mentiroso, Alteza.
O médico começou a falar, mas parou quando Hakim disse:
— Mentiroso ou não, fique bom, Ahmed.
— Sim, Alteza, com a ajuda de Deus. Mas e o senhor, o senhor está bem?
— Se o raio-X não tiver mentido, eu estou apenas com uma rotura de ligamentos. — E deu de ombros. — Com a ajuda de Deus.
— Obrigado... Obrigado pelo quarto particular, Alteza. Eu nunca tive tanto conforto.
— Isto é apenas uma prova do meu reconhecimento por tanta lealdade. — Com um gesto imperioso, ele mandou que o guarda e o médico saíssem. Depois que a porta foi fechada, ele chegou mais perto. — Você pediu para me ver, Ahmed?
— Sim. Alteza, por favor, desculpe-me por não ter podido... não ter podido ir até o senhor. — A voz de Ahmed estava fraca e ele falava com dificuldade. — O homem de Tbilisi que o senhor quer... o soviético... ele mandou uma mensagem para o senhor. Está... está debaixo da gaveta... ele a prendeu aqui debaixo da gaveta. — Com esforço ele apontou para uma pequena cômoda.
A excitação de Hakim cresceu. Ele enfiou a mão por baixo da gaveta. As ataduras que o envolviam não deixavam que ele se inclinasse direito. Encontrou o papelzinho dobrado e retirou-o com facilidade.
— Quem trouxe isto e quando?
— Foi hoje... não sei a que horas... Não tenho certeza, acho que foi esta tarde. Não sei. O homem estava usando um jaleco de médico e óculos,
mas não era um médico. Era um azerbeidjano, talvez um turco, eu nunca o tinha visto antes. Ele falou em turco, e tudo o que disse foi: "Isto é para Hakim Khan, de um amigo de Tbilisi. Compreendeu?" Eu disse que sim e ele saiu tão depressa quanto tinha entrado. Por algum tempo achei que fora um sonho...
A mensagem estava rabiscada numa letra que Hakim não reconheceu: "Meus sinceros parabéns pela sua herança. Que o senhor possa ter uma vida longa e ser tão produtivo quanto o seu predecessor. Sim, eu também gostaria de encontar-me urgentemente com o senhor. Mas aqui, não aí. Desculpe. Assim que o senhor estiver pronto, eu ficarei honrado em recebê-lo, com pompa ou em particular, o que o senhor preferir. Nós deveríamos ser amigos, há muito o que fazer e nós temos muitos interesses em comum. Por favor, diga a Robert Armstrong e a Hashemi Fazir que Yazernov está enterrado no cemitério russo em Jaleh e que está ansioso para vê-los assim que for conveniente." Não havia nenhuma assinatura.
Muito desapontado, ele voltou para perto da cama e entregou o papel a Ahmed.
— Como você interpreta isto?
Ahmed não teve forças para segurar o papel.
— Desculpe, Alteza, por favor, segure-o para que eu possa ler. — Depois de ler, ele disse: Não é a letra de Mzytryk, eu... eu reconheceria a sua letra mas... mas acredito que seja genuíno. Ele deve ter transmitido a mensagem para... para os seus subordinados...
— Quem é Yazernov e o que ele quer dizer com isto?
— Eu não sei. É um código... um código que eles vão entender.
— Ou é um convite para um encontro ou uma ameaça. Qual dos dois?
— Eu não sei, Alteza. Acho que é um encontro. — Ele teve um espasmo de dor e praguejou na sua própria língua.
— Mzytryk sabe que nas duas últimas vezes eles estavam à espreita? Ele sabe que Abdullah Khan o traiu?
— Eu... eu não sei, Alteza. Eu lhe disse que ele era esperto e que o khan, seu pai, tomava muito cuidado com ele. — O esforço de falar e de se concentrar estava tirando as forças de Ahmed. — O fato de Mzytryk saber que eles estão em contato com o senhor... que ambos estão aqui agora, não significa nada, ele tem espiões em toda parte. O senhor é o khan e é claro... é claro que o senhor sabe que... que é espionado por todo tipo de homens, a maioria maus, que comunicam tudo aos seus superiores — na maioria piores ainda. — Ele sorriu e Hakim ficou pensando o que significaria o sorriso. — Mas, por outro lado, o senhor sabe esconder os seus verdadeiros propósitos, Alteza. Abdullah Khan nunca suspeitou o quanto o senhor é brilhante, nem uma vez. Se... se ele tivesse sabido o quanto o senhor vale, ele nunca o teria banido, mas tê-lo-ia feito seu herdeiro e conselheiro.
— Ele teria me mandado matar. — Nem por um segundo Hakim Khan ficou tentado a contar a Ahmed que fora ele próprio que enviara os assassinos que Erikki matara, nem sobre a tentativa de envenenamento que também havia falhado. — Há uma semana atrás ele teria ordenado que eu fosse mutilado e você o teria feito alegremente.
Ahmed olhou para ele, com olhos fundos que refletiam a face da morte
— Como é que o senhor sabe de tanta coisa?
— É a vontade de Deus.
O fim começara. Os dois homens sabiam disto. Hakim disse:
— O coronel Fazir mostrou-me um telex acerca de Erikki. — E contou o conteúdo do telex a Ahmed. — Agora eu não tenho Mzytryk para servir de barganha, não imediatamente. Posso entregar Erikki a Fazir ou então ajudá-lo a fugir. De qualquer maneira minha irmã prometeu ficar aqui e não pode ir com ele. Qual é o seu conselho?
— Para o senhor é mais seguro entregar o infiel ao coronel como pishkesh e fingir para ela que não pôde fazer nada para impedir... para impedir a prisão. Na verdade, não há nada que o senhor possa fazer se o coronel decidir que vai ser assim. Ele, o da Faca, ele vai resistir e portanto vai ser morto. Então o senhor pode prometê-la secretamente para o homem de Tbilisi... Mas não entregá-la nunca, assim o senhor poderá controlá-lo... embora eu duvide.
— E se ele, o da Faca, "conseguir" fugir?
— Se o coronel permitir isso, ele exigirá um pagamento.
— E qual será?
— Mzytryk. Agora ou no futuro. Enquanto ele, o da Faca, viver, Alteza, ela nunca se divorciará dele. Esqueça-se do Sabotador, ele pertence a uma outra vida, e quando os dois terminarem, ela irá ao encontro dele, isto é, se ele permitir que ela fique aqui. Eu duvido que até mesmo o senhor, Alteza... — Os olhos de Ahmed se fecharam e um tremor o percorreu.
— O que aconteceu com Bayazid e os bandidos? Ahmed... Ahmed não o escutou. Ele estava vendo as estepes, as vastas planícies da sua terra e da terra dos seus ancestrais, o mar de grama de onde os seus antepassados tinham vindo para cavalgar ao lado dos exércitos de Gengis Khan, e depois ao lado dos exércitos de seu neto, Kublai Khan e seu irmão Hulagu Khan, que invadiram a Pérsia e ergueram montanhas de crânios dos que se opuseram a eles. E que permaneceram aqui nas terras douradas desde tempos muito remotos. Ahmed pensou, terras de vinho, calor e riqueza, de mulheres de grande beleza e sensualidade, valorizadas desde tempos muito antigos como Azadeh... ah agora eu nunca a possuirei como ela deveria ser possuída, arrastada pelos cabelos como um despojo de guerra, carregada na sela de um cavalo para ser possuída e domada sobre peles de lobos...
De muito longe, ele ouviu a sua própria voz dizendo:
— Por favor, Alteza, eu lhe imploro um favor, eu gostaria de ser enterrado na minha própria terra e de acordo com os nossos costumes... — Então eu poderei viver para sempre com os espíritos dos meus ancestrais, ele pensou, atraído por aquela terra encantadora.
— Ahmed, o que aconteceu com Bayazid e os bandidos quando vocês pousaram?
Com muito esforço, Ahmed voltou.
— Eles não eram curdos, eram apenas nativos fingindo ser curdos e ele, o da Faca, os matou a todos, Alteza, com enorme brutalidade — disse com estranha formalidade. — Na sua loucura, ele os matou a todos, com faca, revólver, mãos, pés e dentes, a todos, exceto Bayazid que, por causa do juramento feito ao senhor, não podia atacá-lo.
— Ele o deixou vivo? — Hakim perguntou, incrédulo.
— Sim, que Deus lhe dê paz. Ele... ele pôs um r-e-vólver na minha mão e segurou Bayazid perto do revólver e eu... — Sua voz sumiu, ondas de grama o chamavam se estendendo até o horizonte.
— Você o matou?
— Oh, sim, olhando... Olhando dentro dos olhos dele. — A voz de Ahmed encheu-se de raiva. — O filho de um... um cão atirou em mim pelas costas, duas vezes, sem honra e sem... e sem virilidade, o filho de um cão. — Os lábios sem sangue sorriram e ele fechou os olhos. Ele estava morrendo, suas palavras eram quase imperceptíveis. — Eu me vinguei.
Hakim falou rapidamente:
— Ahmed, o que foi que você não me disse e que eu preciso saber?
— Nada... — Alguns segundos depois os seus olhos se abriram e Hakim viu a morte lá dentro. — Não há nenhum outro deus além de Deus e... — um pouco de sangue escorreu-lhe pelos cantos da boca. — Eu fiz do senhor kh... — A última palavra morreu com ele.
Hakim sentiu-se mal diante daqueles olhos parados.
— Doutor! — gritou.
Imediatamente o homem entrou junto com o guarda. O médico fechou os olhos dele.
— Seja como Deus quiser. O que devemos fazer com o corpo, Alteza?
— O que é feito em geral com os corpos? — Hakim afastou-se apoiado nas muletas e o guarda o acompanhou. Então, pensava Hakim, então, Ahmed, agora você está morto e eu estou sozinho, desligado do passado e sem obrigação para com ninguém. Você me fez khan? Era isso o que você ia dizer? Você sabia que havia buracos ocultos naquele quarto também?
E deu um sorriso. Depois seu rosto endureceu. Agora é a vez do coronel Fazir e de Erikki, Ele, o da Faca, como você o chamava.
NO PALÁCIO: 18:48H. Na luz do entardecer, Erikki consertava cuidadosamente um dos buracos de bala no pára-brisa de plástico do 212 com fita adesiva. Era difícil com o braço na tipóia, mas sua mão era forte e o ferimento do braço ia ficar bom — não havia sinal de infecção. Ele estava com a orelha coberta de curativos, parte do seu cabelo tinha sido raspado por medida de higiene, e ele estava melhorando rapidamente. Seu apetite era bom. As horas de conversa que tivera com Azadeh tinham-lhe proporcionado bastante paz de espírito.
É só isso, pensou, é só uma medida, não o suficiente para perdoar as matanças ou o perigo que eu represento. Então que seja. Foi assim que os deuses me fizeram e é assim que eu sou. Sim, mas e quanto a Ross e Azadeh? E por que ela guarda o kookri tão perto dela:
— Foi o presente dele para você, Erikki, para você e para mim. - Traz má sorte dar uma faca a um homem sem receber dinheiro em troca, na mesma hora, só como um símbolo. Quando eu o vir, vou lhe dar algum dinheiro e aceitar o presente.
Mais uma vez ele apertou o botão de arranque. Mais uma vez o motor pegou, tossiu e morreu. E quanto a Ross e Azadeh?
Ele se sentou na porta da cabine e olhou para o céu. O céu não lhe deu nenhuma resposta. Nem o pôr-do-sol. O sol estava se pondo e havia nuvens ameaçadoras. Os chamados dos muezins começaram. Os guardas do portão viraram-se de frente para Meca e se prostraram; assim como os que estavam dentro do palácio e os que estavam trabalhando nos campos, na fábrica de tapetes e nos abrigos de ovelhas.
Inconscientemente, sua mão se dirigiu para a faca. Inconscientemente, seus olhos verificaram se a metralhadora ainda estava ao lado do assento do piloto e carregada. Havia outras armas escondidas na cabine, armas tiradas dos nativos. AK47s e M16s. Ele não se lembrava de tê-las tirado ou de tê-las escondido, descobrira-as esta manhã ao fazer a sua inspeção para ver os estragos e enquanto limpava o interior da cabine.
Com o curativo na orelha, ele não ouviu o carro que se aproximava até que este apareceu no portão. Os guardas do khan reconheceram os ocupantes e fizeram sinal para o carro passar. Este parou no enorme pátio, perto da fonte. Mais uma vez ele apertou o botão de arranque, e mais uma vez o motor pegou por um momento, sacudiu todo o aparelho e morreu.
— Boa noite, capitão — disseram os dois homens, Hashemi Fazir e Armstrong. — Como o senhor está se sentindo hoje? — perguntou o coronel.
— Boa noite. Se eu tiver sorte, dentro de mais ou menos uma semana estarei melhor do que nunca. — Erikki disse amavelmente, mas pondo-se em guarda.
— Os guardas disseram que Suas Altezas ainda não voltaram. O khan está nos esperando, nós viemos aqui a convite dele.
— Eles estão sendo radiografados no hospital. Eles saíram enquanto eu estava dormindo, não devem demorar. — Erikki observou-os. — Os senhores gostariam de um drinque? Há vodca, uísque e chá e, é claro, café.
— Obrigado, o que o senhor for tomar — disse Hashemi. — Como está o seu helicóptero?
— Mal — respondeu aborrecido. — Há uma hora que estou tentando fazê-lo pegar. Ele teve uma semana miserável. — Erikki foi na frente em direção aos degraus de mármore. — Estou precisando urgentemente de um mecânico. Nossa base está fechada, como vocês sabem, e eu tentei telefonar para Teerã, mas os telefones estão mudos de novo.
— Talvez eu possa lhe arranjar um mecânico, amanhã ou depois, da base aérea.
— Poderia mesmo, coronel? — O seu sorriso foi súbito e grato. — Isto ajudaria um bocado. E eu preciso de combustível, um tanque cheio. Seria possível?
— Você poderia voar até o campo de aviação?
— Eu não me arriscaria, mesmo que conseguisse fazer o motor pegar, seria perigoso demais. Não, eu não me arriscaria. — Erikki sacudiu a cabeça. — O mecânico vai ter que vir aqui. — Ele foi andando por um corredor comprido, abriu a porta que dava para o pequeno salão do andar térreo que Abdullah Khan reservara para convidados não-islâmicos. Era chamado Salão Europeu. O bar era bem sortido. Havia sempre gelo na geladeira, gelo feito com água fervida, soda e refrigerantes de todos os tipos, além de chocalate e halvah, que ele adorava.
— Eu vou tomar vodca — disse Erikki.
— O mesmo para mim, por favor — disse Armstrong. Hashemi pediu um refrigerante.
— Eu também vou tomar uma vodca depois que o sol terminar de se pôr.
— Os muezins ainda estavam chamando.
— Prosit! — Erikki tocou o seu copo no de Armstrong, educadamente fez o mesmo com Hashemi, e bebeu tudo de um só gole. Serviu-se de outra dose.
— Sirva-se, superintendente. — Ao ouvir um carro se aproximando, ele olhou pela janela. Era o rolls. — Dêem-me licença um minuto, vou dizer a Hakim Khan que os senhores estão aqui. — Erikki saiu e recebeu Azadeh e o irmão na escada. — O que foi que as radiografias mostraram?
— Nenhum sinal de ossos quebrados em nenhum de nós. — Azadeh estava contente, com o rosto descansado. — Como você está, meu querido?
— Muito bem. Que bom que não haja nenhuma fratura nas costas de vocês. Que maravilha! — O sorriso que deu para Hakim foi genuíno. — Estou muito contente. Você tem alguns convidados, o coronel e o superintendente Armstrong. Eu os levei para o Salão Europeu. — Erikki percebeu o cansaço de Hakim. — Quer que eu diga a eles para voltarem amanhã?
— Não, não, obrigado. Azadeh, quer dizer a eles que os verei dentro de 15 minutos, para eles ficarem à vontade? Vejo-os mais tarde, na hora do jantar.
— Hakim viu-a tocar em Erikki, sorrir e se afastar. Como eles tinham sorte em se amarem tanto, e como isso era triste para eles. — Erikki, Ahmed está morto, eu ainda não quis contar a Azadeh.
Erikki sentiu uma grande tristeza.
— É por minha culpa que ele está morto. Bayazid não lhe deu nenhuma chance. Matyeryebyets!
— Foi a vontade de Deus. Vamos entrar e conversar por um momento.
— Hakim foi até o Grande Salão, apoiando-se nas muletas. Os guardas ficaram na porta, fora do alcance da conversa. Hakim foi até um nicho, largou as muletas, virou-se de frente para Meca, gemeu de dor ao se ajoelhar e tentou orar. Mesmo fazendo força, ele não conseguiu e teve que se contentar em entoar o Shahada. — Erikki, me ajude aqui, por favor.
Erikki levantou-o com facilidade.
— É melhor você não fazer isto por uns dias.
— Não rezar? — Hakim olhou-o espantado.
— Quer dizer... talvez o único Deus possa entender se você rezar em pé, sem se ajoelhar. Se não você vai piorar as suas costas. O médico disse o que havia de errado?
— Ele acha que são ligamentos rompidos. Irei a Teerã assim que puder, com Azadeh, para consultar um especialista. — Erikki estendeu as muletas para Hakim. — Obrigado. — Depois de pensar por um momento, ele escolheu uma cadeira em lugar das almofadas e sentou-se, e depois pediu chá.
A mente de Erikki estava em Azadeh. Tão pouco tempo.
— O melhor especialista de coluna do mundo é Guy Deschamp, em Londres. Ele me consertou em cinco minutos, depois dos médicos terem dito que eu teria que ficar em tração por três meses ou ficaria com dois discos rompidos. Não acredite num médico comum sobre as suas costas, Hakim. O máximo que eles podem fazer é lhe dar analgésicos.
A porta se abriu. Um criado trouxe o chá. Hakim mandou-o sair junto com os guardas.
— Veja que eu não seja interrompido. — O chá estava quente, perfumado com hortelã, doce e servido em pequenas xícaras de prata. — Agora, nós precisamos decidir o que você vai fazer. Você não pode ficar aqui.
— Concordo — disse Erikki, satisfeito por ter terminado a espera. — Sei que eu sou... eu sou um problema para você como khan.
— Parte do acordo que eu e Azadeh fizemos com meu pai, para sermos perdoados e para que eu fosse declarado seu herdeiro, foram os juramentos que fizemos de permanecer em Tabriz, no Irã, por dois anos. Assim, embora você tenha que partir, ela não pode.
— Ela me contou sobre os juramentos.
— É óbvio que você está em perigo, até mesmo aqui. Eu não posso protegê-lo contra a polícia e contra o governo. Você deve partir imediatamente, voar para fora do país. Dentro de dois anos, quando Azadeh puder partir, ela irá.
— Não posso partir. Fazir disse que me mandaria um mecânico amanhã, possivelmente. E combustível. Se eu conseguisse falar com McIver em Teerã, ele poderia mandar alguém até aqui.
— Você já tentou?
— Sim, mas os telefones ainda estão mudos. Eu teria usado o HF da nossa base, mas o escritório está totalmente destruído. Eu sobrevoei a base quando estava vindo para cá, está uma bagunça, não há viaturas nem tambores de gasolina. Quando eu chegar a Teerã, McIver poderá enviar um mecânico para cá para consertar o 212. Até ele poder voar, pode ficar onde está.
— Sim. É claro. — Hakim serviu-se de mais chá, convencido agora de que Erikki não sabia nada a respeito da fuga dos outros pilotos e dos helicópteros. Mas isso não muda nada, disse a si mesmo. — Não há nenhuma linha aérea servindo Tabriz ou eu providenciaria alguma dessas coisas para você. Mesmo assim, ainda acho que você deveria partir imediatamente. Você está correndo muito perigo, um perigo iminente.
Erikki estreitou os olhos.
— Você tem certeza?
— Sim.
— O que é?
— Não posso dizer-lhe. Mas não está sob meu controle, é sério, imediato, não diz respeito a Azadeh no momento, mas poderia afetá-la se não formos cautelosos. Para proteção dela, isto deve ficar entre nós dois. Eu lhe darei um carro, qualquer um que você queira dos que estão na garagem. Há cerca de vinte, creio. O que aconteceu com o seu Range Rover?
Erikki deu de ombros, com a mente trabalhando.
— Isto é outro problema, o fato de ter matado aquele matyeryebyets daquele mujhadin que tomou os meus documentos e os de Azadeh, e depois Rakoczy fulminou os outros.
— Eu tinha me esquecido de Rakoczy. — Hakim tornou a insistir: — Não há rt-mito tempo.
Erikki movimentou a cabeça para aliviar a tensão dos músculos e diminiur a dor.
— Até que ponto o perigo é imediato, Hakim? Hakim sustentou-lhe o olhar.
— Imediato o suficiente para eu sugerir a você que espere até escurecer e depois apanhe o carro e parta e saia do Irã o mais rápido que puder — acrescentou deliberadamente. — Imediato o bastante para saber que se você não o fizer, Azadeh sofrerá mais ainda. Imediato o suficiente para saber que você não deve dizer nada a ela antes de partir.
— Você jura?
— Diante de Deus, eu juro que acredito no que estou dizendo.
Ele viu Erikki franzir a testa e esperou pacientemente. Gostava da sua honestidade e da sua simplicidade, mas isso não pesava nada na balança.
— Você pode partir sem dizer nada a ela?
— Se for durante a noite, perto do amanhecer, contanto que ela esteja dormindo. Seu eu partir hoje à noite, fingindo que vou sair, digamos para ir até a base, ela ficará esperando por mim, e se eu não voltar, será muito difícil, para ela e para você. Ela tem pesadelos com a aldeia, ficará histérica. Uma partida secreta seria mais prudente, pouco antes do amanhecer. Ela estará dormindo, o médico lhe deu sedativos. Ela estará dormindo e eu poderia deixar um "bilhete.
Hakim concordou, satisfeito.
— Então está combinado. — Ele não queria nenhum problema para Azadeh ou causado por ela.
Erikki tinha percebido a determinação dele e soube, sem sombra de dúvida, que se a deixasse agora perdê-la-ia para sempre.
NA CASA DE BANHOS: 19:15H. Azadeh enfiou-se na água quente até o pescoço. A banheira era lindamente trabalhada, com 15 metros quadrados e vários níveis, rasa de um lado com plataformas para a pessoa se recostar, e a água quente vinha de uma fornalha que ficava no quarto ao lado. A sala era quente e grande, um lugar alegre, com espelhos. Seu cabelo estava enrolado numa toalha e ela estava encostada numa das plataformas, com as pernas esticadas, deixando a água relaxá-la.
— Oh, está tão bom aqui, Mina — murmurou.
Mina era uma mulher forte, bonita, uma das três empregadas de Azadeh. Ela estava em pé na água, usando apenas uma calcinha, massageando gentilmente as costas e o pescoço de Azadeh. A sala de banho estava vazia exceto por Azadeh e a criada. Hakim tinha mandado o resto da família para outras casais em Tabriz: para preparar um Dia de Luto adequado para Abdullah Khan — tinha sido a desculpa, mas todos sabiam que os quarenta aias de espera eram para lhe dar tempo de inspecionar o palácio à sua vontade e rearrumar os aposentos da maneira que quisesse. Só o velho khan não foi incomodado, e Aysha e os s dois filhos
Sem perturbar a tranqüilidade de Azadeh, Mina puxou-a para a parte mais rasa, e para outra plataforma, onde Azadeh ficou deitada, com a cabeça pousada confortavelmente num travesseiro, de modo que ela pudesse trabalhar no seu peito, coxas e pernas, preparando-a para a verdadeira massagem de óleo que viria mais tarde, quando ela já tivesse absorvido o calor da água.
— Oh, isto é tão bom! — Azadeh repetiu. Ela estava pensando no quanto isto era melhor do que a sua antiga sauna, aquele calor forte e seco, e depois o terrível mergulho na neve, um choque reanimador, mas não tão bom quanto isto, a sensualidade da água perfumada e o silêncio e nenhum choque e oh, como isto é bom... mas por que a banheira é uma praça de aldeia e agora está tão frio e tem um açougueiro e o falso mulá está gritando: — Primeiro a mão direita... apedrejem a rameira! — Ela lançou um grito mudo e deu um salto.
— Oh, eu machuquei a senhora, Alteza, sinto muito!
— Não, não foi você, Mina, não foi nada, nada, por favor, continue. — Mais uma vez os dedos gentis. Seu coração se acalmou. Eu espero poder voltar a dormir sem... sem a aldeia. Na noite passada, com Erikki, foi bem melhor, só por estar perto dele. Talvez hoje à noite seja melhor ainda. Onde estará o Johnny. Ele deve estar a caminho de casa agora, para o Nepal, de licença. Agora que Erikki está de volta eu me sinto segura outra vez, enquanto eu estiver com ele, perto dele. Sozinha eu não... não me sinto segura, nem com Hakim. Eu não me sinto mais segura. Simplesmente não me sinto mais segura.
A porta se abriu e Aysha entrou. Seu rosto estava marcado de tristeza, seus olhos cheios de medo, o chador preto fazendo-a parecer ainda mais abatida.
— Olá, Aysha querida, o que foi?
— Eu não sei. O mundo é estranho e eu não tenho... me sinto perdida.
— Venha para dentro da banheira — disse Azadeh, com pena dela, ela parecia tão magra e velha, tão frágil e indefesa. É difícil acreditar que ela é a viúva do meu pai com um filho e uma filha, e que só tem 17 anos. — Entre, está tão bom.
— Não, não, obrigada, eu queria apenas falar com você. — Aysha olhou para Mina, depois baixou os olhos e esperou. Há dois dias ela teria simplesmente mandado chamar Azadeh que teria ido imediatamente e se inclinado e se ajoelhado esperando pelas ordens dela, da mesma forma como ela estava ajoelhada agora. Seja como Deus quiser, pensou. Se não fosse pelo meu terror com relação ao futuro dos meus filhos, eu estaria gritando de alegria, nunca mais aquele fedor e aqueles roncos, nunca mais aquele peso em cima de mim e aqueles gemidos e os acessos de raiva, as surras e o desespero em conseguir alcançar aquilo que raramente conseguia. "A culpa é sua, é sua, é sua"... Como poderia ser minha culpa? Quantas vezes eu implorei a ele para me dizer o que eu podia fazer para ajudar, e eu tentava e tentava e no entanto era tão raro e então, de repente, o peso desaparecia, os roncos começavam e eu ficava acordada a noite inteira, deitada no suor e no fedor. Oh, quantas vezes eu quis morrer.
— Mina, deixe-nos a sós até eu chamá-la — disse Azadeh. Ela foi obedecida instantaneamente. — Qual é o problema, Aysha querida?
A garota tremeu.
— Eu estou com medo. Estou com medo por meu filho e vim lhe pedir que o proteja.
Azadeh disse bondosamente.
— Você não tem nada a temer de Hakim Khan e de mim, nada. Nós juramos por Deus que protegeríamos você, seu filho e sua filha, você escutou, nós o fizemos na frente do seu... do seu marido, nosso pai, e depois novamente, depois da morte dele. Você não tem nada a temer, nada.
— Eu tenho tudo a temer — a moça gaguejou. — Não estou mais em segurança, nem o meu filho. Por favor, Azadeh, Hakim Khan não poderia... não poderia... eu assinaria um papel desistindo de todos os meus direitos em nome dele, qualquer papel, eu só quero viver em paz e quero que o meu filho cresça e viva em paz.
— A sua vida é aqui conosco, Aysha. Logo você vai ver como nós vamos ser felizes juntos. — disse Azadeh. A garota tem o direito de estar com medo, pensou. Hakim nunca vai ceder o khanato se tiver filhos. Ele tem que se casar agora, eu preciso ajudá-lo a encontrar uma boa esposa. Não se preocupe, Aysha.
— Preocupar-me? Você está em segurança agora, você que até poucos dias atrás vivia em terror. Agora eu não estou segura e vivo aterrorizada.
Azadeh analisou-a. Não havia nada que pudesse fazer por ela. A vida de Aysha estava decidida. Ela era a viúva de um khan. Ela ficaria no palácio, vigiada e guardada, vivendo o melhor que pudesse. Hakim não ousaria permitir que ela tornasse a se casar, e não poderia permitir que ela desistisse dos direitos do filho, garantidos pela vontade pública do marido moribundo. — Não se preocupe — disse.
— Olhe aqui — Aysha tirou um grande envelope pardo de baixo do seu chador. — Isto é seu.
— O que é isto? — As mãos de Azadeb estavam molhadas e ela não quis apanhar o envelope.
A garota abriu-o e mostrou-lhe o que tinha dentro. Azadeh arregalou os olhos. Seu passaporte, carteira de identidade, e outros documentos, de Erikki também, todas as coisas que tinham sido roubadas pelo mujhadin na barreira da estrada. Isto era realmente um pishkesh.
— Onde você conseguiu isso?
A garota estava certa de que ninguém estava escutando, mas ainda assim baixou a voz.
O mulá esquerdista, o mesmo mulá da aldeia, ele os entregou a Sua Alteza, Abdullah Khan, há duas semanas, quando você estava em Teerã... o mesmo mulá da aldeia.
Azadeh ficou olhando para ela sem acreditar.
— Como ele os conseguiu? Nervosamente, a garota deu de ombros.
— O mulá sabia sobre a barreira e sobre o que tinha acontecido lá. Ele veio aqui para tentar apanhar o... o seu marido. Sua Alteza... — Ela hesitou, depois continuou aos cochichos. — Sua Alteza disse a ele que não, só quando ele desse a sua aprovação, mandou-o embora e guardou os papéis.
— Você tem outros papéis, Aysha? Papéis particulares?
— Não que digam respeito a você, nem ao seu marido. — Mais uma vez a garota tremeu. — Sua Alteza odiava tanto vocês todos. Ele queria o seu marido destruído, depois ele ia entregá-la ao soviético, e o seu irmão ia ser assassinado. Há tanta coisa que eu sei e que poderia ajudar a você e a ele, e tanta coisa que eu não entendo. Azadeh, tome cuidado com ele, Azadeh.
— Sim — Azadeh disse lentamente. — Papai mandou o mulá para a aldeia?
— Eu não sei. Acho que sim. Eu o ouvi pedir ao soviético para acabar com Mahmud, ah, sim, este era o nome do falso mulá. Talvez Sua Alteza tenha-o mandado lá para atormentar você e o Sabotador, mandando-o também ao encontro da própria morte. Mas Deus interveio. Eu ouvi o soviético concordar em mandar alguns homens atrás desse Mahmud.
Azadeh perguntou como quem não quer nada:
— Como foi que você ouviu tudo isso?
Aysha segurou o chador e ajoelhou-se nervosamente na beirada da banheira.
— O palácio é uma colmeia de buracos feitos para se ouvir e se ver, Azadeh. Ele... Sua Alteza não confiava em ninguém, espionava todo mundo, até a mim. Eu acho que nós devíamos ser amigas, aliadas, você e eu, nós somos indefesas, até você, talvez você mais do que qualquer um de nós e a menos que nos ajudemos mutuamente estaremos perdidas. Eu posso ajudá-la, protegê-la. — Gotas de suor apareceram-lhe na testa. — Eu só peço que você proteja o meu filho, por favor. Eu posso proteger você.
— É claro que devemos ser amigas — disse Azadeh, sem acreditar que estivesse sob qualquer ameaça, mas curiosa de conhecer os segredos do palácio. — Você me mostra esses lugares secretos e divide comigo os seus conhecimentos?
— Oh, sim, sim. — O rosto da garota iluminou-se. Eu vou lhe mostrar tudo e estes dois anos passarão rapidamente. Oh, sim nós vamos ser amigas.
— Que dois anos?
— Enquanto seu marido estiver fora, Azadeh. Azadeh se levantou, alarmada.
— Ele vai embora? Aysha olhou-a espantada.
— É claro. Que mais ele pode fazer?
NO SALÃO EUROPEU: Hashemi estava entregando a Robert Armstrong a mensagem enviada por Mzytryk que Hakim acabara de mostrar a ele. Armstrong deu uma olhada nela:
— Sinto muito, Hashemi, mas não sei ler turco.
— Ah, desculpe, eu me esqueci. — Hashemi leu em inglês. Os dois homens viram a decepção de Armstrong. — Da próxima vez, Robert, nós o pegaremos, Insha’Allah.
Não tem importância, pensou Armstrong. Foi um tiro ao acaso, de qualquer maneira. Eu pego Mzytryk de outra vez. Eu vou pegá-lo e vou pegar você, meu velho amigo Hashemi, você fez muito mal em matar Talbot. Por que fez isso? Vingança, porque ele conhecia muitos dos seus segredos? Ele não lhe faria nenhum mal, pelo contrário, ele tirou muitos ossos do seu caminho e consertou um bocado de erros para você. Droga! Você não lhe deu nenhuma chance, então por que você deveria ter uma? Assim que eu tiver conseguido uma saída, você está frito. Não há nenhum motivo para adiar mais isso, agora que Mzytryk sabe que eu estou atrás dele e está debochando de mim lá onde ele está seguro. Talvez os chefões mandem a Divisão Especial ou uma equipe dos Serviços Aéreos Especiais para Tbilisi agora que sabemos onde ele está — alguém vai pegar o filho da mãe. Mesmo que eu não o faça... Ele foi atraído pelas palavras de Hakim:
— Coronel, o que significa isso, sobre Yazernov e o cemitério de Jaleh? — Hashemi respondeu prontamente:
— É um convite, Alteza. Yazernov é um intermediário que Mzytryk usa às vezes, aceito pelos dois lados, quando algo de importância para os dois lados precisa ser discutido.
Armstrong quase riu, pois Hashemi sabia tão bem quanto ele que se tratava de uma promessa de vingança pessoal e, evidentemente, de uma imediata Seção 16/a. Esperto da parte de Mzytryk usar o nome Yazernov e não Rakoczy.
— Assim que for conveniente encontrar Yazernov — disse Hashemi. — Eu acho, Alteza, que é melhor nós voltarmos para Teerã amanhã.
— Sim — concordou Hakim. Voltando do hospital de carro com Azadeh, ele tinha decidido que a única maneira de lidar com a mensagem de Mzytryk e com estes dois homens era cara a cara. — Quando vocês voltarão a Tabriz?
— Se estiver bem para o senhor, na semana que vem. Então nós poderemos discutir como atrair Mzytryk para cá. Com a sua ajuda, há muito a ser feito no Azerbeijão. Nós acabamos de receber um relatório comunicando que os curdos estão em rebelião perto de Rezaiyeh, agora bem providos de armas e dinheiro fornecidos pelo Iraque, que Deus os amaldiçoe. Khomeini ordenou ao Exército que acabasse com eles de uma vez por todas.
— Com os curdos? — Hakim sorriu. — Nem mesmo ele, que Deus o proteja, nem mesmo ele vai conseguir fazer isto, não de uma vez por todas.
— Talvez desta vez ele consiga, Alteza. Ele está enviando fanáticos para lutar contra fanáticos.
— Os Faixas Verdes podem obedecer ordens e morrer mas eles não habitam estas montanhas, eles não têm a resistência dos curdos nem o seu desejo pela liberdade na terra a caminho do paraíso.
— Com a sua permissão, eu comunicarei o seu conselho, Alteza. Hakim disse asperamente:
— Será que darão mais crédito a mim do que deram aos conselhos do meu pai, ou do meu avô, que foram os mesmos?
— Eu espero que sim, Alteza. Eu espero... — Suas palavras foram abafadas pelo barulho do 212 que foi ligado, pegou, tossiu, se agüentou por um momento e tornou a morrer. Pela janela, eles viram Erikki tirar a tampa de um dos motores e ficar olhando para o problema que havia lá dentro com um lanterna. Hashemi tornou a voltar-se para o khan que estava sentado numa cadeira, com as costas retas. O silêncio se tornou complicado, com as mentes de três homens trabalhando, todas igualmente poderosas, todas inclinadas para algum tipo de violência.
Hakim Khan disse cautelosamente:
— Ele não pode ser preso na minha casa nem nos meus domínios. Muito embora ele não saiba nada do que está no telex, ele sabe que não pode ficar em Tabriz, nem mesmo no Irã, e que minha irmã não pode ir com ele nem deixar o Irã nos próximos dois anos. Ele sabe que tem que partir imediatamente. O seu aparelho não pode voar. Eu espero que ele não se deixe prender.
— Minhas mãos estão atadas, Alteza — a voz de Hashemi era apologética e aparentemente sincera. — É meu dever obedecer à lei do país. — Distraidamente ele notou um fio de linha na manga e tirou-o. Armstrong compreendeu o sinal imediatamente. Limpar a manga esquerda significava: "Eu preciso falar com este homem em particular, ele não vai falar na sua frente. Arranje uma desculpa e espere por mim lá fora." — Hashemi repetiu com a mesma tristeza na voz: — É nosso dever obedecer à lei.
— Eu tenho certeza absoluta de que ele não tomou parte em nenhuma conspiração, não sabe nada a respeito da fuga dos outros, e eu gostaria que ele pudesse partir em paz.
— Eu terei prazer em informar à Savama dos seus desejos.
— Eu ficaria satisfeito se o senhor fizesse o que estou sugerindo.
— Alteza, se o senhor me der licença, a questão do capitão não é da minha alçada e eu não gostaria de me meter em questões de Estado — disse Armstrong.
— Sim, o senhor pode ir, superintendente. Quando eu vou receber o seu relatório sobre as novas medidas de segurança?
— Estará nas suas mãos quando o coronel voltar.
— Que a paz esteja com o senhor.
— E com o senhor também, Alteza. — Armstrong saiu, depois caminhou devagar pelos corredores até a escada. Hashemi vai espremer o infeliz, pensou.
A noite estava agradável, havia uma brisa fresca e o céu estava avermelhado para o lado do oeste. Céu vermelho à noite, alegria do pastor, céu vermelho de manhã, um aviso para o pastor.
— Boa noite, capitão. Entre nós dois e esta parede, se o seu ônibus estivesse funcionando, eu sugeriria uma viagem rápida até uma fronteira.
Erikki estreitou os olhos.
— Por quê?
Armstrong apanhou um cigarro.
— O clima não anda muito saudável por aqui, não acha? — Ele protegeu o isqueiro com as mãos e acendeu-o.
— Se você acender um cigarro com toda esta gasolina em volta, o seu clima e o meu deixarão de ser saudáveis permanentemente. — Erikki apertou o botão. O motor funcionou perfeitamente por vinte segundos, depois tornou a morrer. Erikki praguejou.
Armstrong cumprimentou-o educadamente e se afastou, voltando para o carro. O motorista abriu a porta para ele. Ele entrou, acendeu o cigarro e tragou profundamente, sem saber se Erikki tinha compreendido a mensagem. Espero que sim. Não posso contar-lhe sobre o telex forjado, nem sobre Turbilhão, isto me poria no paredão por traição a Hashemi e ao khan por meter o meu nariz onde não sou chamado, eu fui avisado. Está certo. É uma questão de política interna.
Cristo! Estou nervoso com tudo isso. Preciso de umas férias. Umas longas férias. Onde? Eu poderia voltar para Hong Kong por uma ou duas semanas, visitar os meus velhos amigos, os poucos que sobraram, ou talvez ir para o Pays d'Enhaut, esquiar. Há anos que não esquio e uma boa cozinha suíça me faria bem, roesti, wurst e um bom café com creme e montes de vinho. Montes! É o que eu vou fazer. Primeiro Teerã, depois tratar de Hashemi, e depois em direção à natureza. Talvez eu conheça alguém interessante...
Mas as pessoas como nós não voltam do frio e não mudam. Que diabo eu vou fazer para ganhar dinheiro no futuro, agora que a minha pensão iraniana foi pro brejo e a pensão que recebo da polícia de Hong Kong cada dia vale menos?
—- Olá, Hashemi, como foi?
— Ótimo, Robert. Motorista, volte para o QG. — O motorista acelerou, passou pelo portão e tomou a estrada em direção à cidade. — Erikki vai fugir de madrugada, pouco antes do amanhecer. Nós vamos segui-lo até onde acharmos conveniente e então o prenderemos, fora de Tabriz.
— Com a bênção de Hakim?
— Bênção particular, indignação pública. Obrigado — Hashemi aceitou o cigarro, muito satisfeito consigo mesmo. — Nessa altura, o infeliz provavelmente já estará morto.
Armstrong ficou imaginando qual teria sido o acordo.
— Por sugestão de Hakim?
—É claro.
— Interessante. — Isso não foi idéia de Hakim. O que estará Hashemi tramando agora? Armstrong perguntou a si mesmo.
— Sim, interessante. Depois de acabarmos com os mujhadins hoje à noite e de nos certificarmos de que o finlandês está seguro, de um jeito ou de outro, voltaremos para Teerã.
— Perfeito.
TEERÃ - NA CASA DOS BAKRAVAN: 20:06H. Xarazade colocou a pistola e a granada na bolsa e escondeu-a debaixo de algumas roupas na gaveta da sua cômoda. As roupas que ela iria usar mais tarde, uma jaqueta de esqui com um suéter grosso por baixo e calças de esqui, já estavam escolhidas. Agora ela usava um vestido de seda verde pálido, de Paris, que realçava a sua silhueta e as suas longas pernas. A sua maquilagem também estava perfeita. Ela deu uma última olhada no quarto e depois desceu para a recepção em honra de Danoush Farazan, o seu futuro marido.
— Ah, Xarazade! — Meshang esperava na porta. Ele estava transpirando e disfarçou o nervosismo com um bom humor fingido, sem saber o que esperar dela. Quando ela voltara do médico mais cedo, ele tinha começado a brigar com ela e a ameaçá-la, mas, inacreditavelmente, ela simplesmente baixara os olhos e dissera documente:
— Não precisa dizer mais nada, Meshang. Deus já decidiu, por favor, desculpe-me, eu vou trocar de roupa. — E agora ela estava lá, ainda dócil.
E é bom que esteja, ele pensou.
— Sua Excelência Farazan está ansioso por cumprimentá-la. — Ele tomou-lhe o braço e conduziu-a pela sala, no meio das vinte pessoas aproximadamente que estavam lá, a maioria amigos dele com as esposas, Zarah e algumas de suas amigas, e nenhum amigo de Xarazade. Ela sorriu para aqueles que conhecia e depois dedicou toda a sua atenção a Danoush Farazan.
— Saudações, Excelência — disse educadamente e estendeu-lhe a mão. Esta era a primeira vez que ela o via tão de perto. Ele era mais baixo do que ela. Ela baixou os olhos para os poucos fios de cabelo pintado sobre a calva grosseira, a pele grossa e as mãos mais grosseiras ainda, com o mau hálito dele invadindo o espaço que os separava, os olhinhos escuros brilhando. — Que a paz esteja com o senhor.
— Saudações, Xarazade, que a paz esteja com você, mas por favor, não me chame de Excelência. Como... como você é linda.
— Obrigada — ela disse e observou a si mesma retirando a mão e o sorriso, ficando em pé ao lado dele, correndo para trazer-lhe um refrigerante, com as saias voando, servindo-o gentilmente, sorrindo das bobagens que ele dizia, cumprimentando os outros convidados, fingindo não reparar nos seus olhares e nos sorrisos disfarçados, nunca exagerando a sua performance, com o pensamento fixo no comício na universidade que já tinha começado, e na Marcha de Protesto que fora proibida por Khomeini mas que iria se realizar.
Do outro lado da sala, Zarah estava observando Xarazade, estarrecida com a mudança, mas agradecendo a Deus por ela ter aceito o seu destino e estar disposta a obedecer, o que tornava mais fácil a vida de todos. O que mais ela poderia fazer? Nada. E não há nada que eu possa fazer a não ser aceitar o fato de que Meshang tem uma prostituta de 14 anos que já pôs as garras de fora, gabando-se de que em breve vai tornar-se sua segunda esposa.
— Zarah!
— Oh, sim, Meshang, meu querido.
— A noite está perfeita, perfeita. — Meshang enxugou a testa e aceitou o refrigerante que estava na bandeja que também continha taças de champanhe para aqueles que gostavam. — Estou encantado por Xarazade ter recobrado o juízo, pois não há dúvida de que este casamento é perfeito para ela.
— Perfeito — Zarah disse amavelmente. Acho que devemos ficar gratos por ele ter chegado sozinho e não ter trazido um dos seus amiguinhos. E é verdade, ele realmente cheira ao lixo que vende. — Você organizou tudo com perfeição, meu querido Meshang.
— Sim, sim. Está tudo correndo conforme planejei.
PERTO DE JALEH: Para alcançar a pequena pista de grama, antiga sede de um aeroclube agora abandonado, Lochart tinha contornado a cidade e voado baixo para evitar ser visto por algum radar. Durante todo o caminho desde D'Arcy 1908, ele mantivera o seu rádio sintonizado com o Aeroporto Internacional de Teerã, mas o canal estava silencioso, o aeroporto estava fechado por causa do Dia Santo, nenhum vôo tinha sido permitido. Ele tivera o cuidado de chegar ao anoitecer. Quando desligou os motores e ouviu os muezins, ficou satisfeito. Até agora tudo bem.
A porta do hangar estava enferrujada. Com alguma dificuldade ele conseguiu abri-la e empurrou o 206 para dentro. Depois tornou a fechar a porta e começou a longa caminhada. Estava usando as suas roupas de piloto e, se fosse parado, planejava dizer que era um piloto comercial cujo carro tinha enguiçado e que ia passar a noite com alguns amigos.
Quando chegou aos arredores de Teerã, as estradas foram se tornando cada vez mais cheias, com pessoas indo e vindo das mesquitas, sem alegria nem cor, só uma apreensão sombria.
Não havia muito tráfego, exceto por alguns veículos militares cheios de Faixas Verdes. Não havia soldados nem policiais uniformizados. Quem controlava o tráfego eram jovens Faixas Verdes. A cidade estava voltando à ordem. Nenhuma mulher vestida com roupas ocidentais, todas usando chadors.
Alguns xingamentos foram dirigidos a ele, não muitos. Alguns cumprimentos — o seu uniforme de piloto dava-lhe um ar de respeito. Entrando mais na cidade, ele encontrou um bom lugar para esperar por um táxi perto de um mercado. Enquanto esperava, comprou uma garrafa de refrigerante, pegou um pedaço de pão fresco e começou a mastigá-lo. O vento da noite aumentou um pouco, mas o braseiro era alegre e convidativo.
— Saudações. Os seus documentos, por favor.
Os Faixas Verdes eram jovens, educados, alguns com um começo de barba. Lochart mostrou-lhes a sua identidade que estava carimbada e em dia e eles a devolveram depois de alguma discussão.
— Para onde o senhor vai, podemos saber? De propósito, num farsi atroz, ele disse:
— Visitar amigos, perto bazar. Carro enguiçou. Insha'Allah. — Ele os ouviu falando entre eles, dizendo que pilotos eram inofensivos, que este aqui era canadense, isto não faz parte do Grande Satã? Não, acho que não.
— Que a paz esteja com o senhor — eles disseram e se afastaram. Ele foi até a esquina e ficou olhando o tráfego, o cheiro da cidade era forte — gasolina, temperos, fruta podre, urina, suor e morte. Os seus olhos atentos enxergaram um táxi só com dois homens atrás e um na frente, numa esquina que estava bloqueada por um caminhão que fazia uma curva. Sem hesitar, ele se enfiou no meio dos carros, empurrou um outro homem, tirando-o do caminho, abriu a porta e se jogou lá dentro, pedindo muitas desculpas em farsi e implorando aos ocupantes que permitissem que ele os acompanhasse. Depois de alguns xingamentos, alguma discussão, o motorista verificou que o bazar ficava bem no caminho que ele tinha combinado com os outros, todos passageiros individuais que também tinham forçado lugar.
— Com a ajuda de Deus, a sua parada será a segunda, Excelência.
Eu consegui, pensou exultante, depois permitiu que outros pensamentos viessem à superfície: espero que os outros também consigam. Duke e Scrag, Rudi, todos eles, Freddy e o velho Mac.
BAHRAIN — AEROPORTO INTERNACIONAL: 20:50H. Jean-Luc, em pé no heliporto, focalizou o binóculo nos dois 212 que estavam no final da pista, com as luzes de navegação acesas. Eles tinham recebido autorização para um pouso imediato e se aproximavam rapidamente. Ali perto estava uma ambulância, um médico e o funcionário da Imigração, Yusuf. O céu estava claro e coberto de estrelas, a noite agradável, com um vento fraco e quente.
O 212 que vinha na frente virou um pouco e agora Jean-Luc pôde ler as letras do registro. G-HUVX. Britânico. Graças a Deus, eles tiveram tempo em Jellet, pensou, reconheceu Pettikin na cabine de comando, depois dirigiu o binóculo para o outro 212 e viu Ayre e Kyle, o mecânico.
Pettikin desceu. Matias e Jean-Luc se aproximaram, Matias em direção a Pettikin, Jean-Luc à porta da cabine. Ele abriu-a.
— Olá, Genny. Como está ele?
— Ele não parece estar respirando. — Ela estava branca.
Jean-Luc viu McIver deitado no chão, com um salva-vida sob a cabeça. Há vinte minutos atrás, Pettikin tinha comunicado à torre de Bahrain que um dos seus tripulantes, McIver, parecia estar sofrendo um ataque cardíaco, solicitou urgentemente um médico e uma ambulância. A torre tinha providenciado imediatamente.
O médico entrou rapidamente na cabine e ajoelhou-se ao lado de McIver. Um olhar foi o suficiente. Ele usou a injeção que tinha preparado.
— Isto vai fazê-lo melhorar rapidamente e nós o teremos no hospital dentro de poucos minutos. — Em árabe ele chamou os enfermeiros e eles entraram correndo. — Eu sou o dr. Lanoire, por favor, conte-me o que aconteceu.
— É um ataque cardíaco? — Ela perguntou.
— Sim, é. Não muito grave — disse o médico, querendo acalmá-la. Ele era meio-francês, meio-Bahrain, muito bom, e eles tinham tido sorte de consegui-lo em tão pouco tempo. Atrás dele os enfermeiros tinham posto McIver em uma maca e já o retiravam cuidadosamente do helicóptero.
— Ele... meu marido, ele de repente engasgou e deu uma espécie de ronco, "Eu não posso respirar", depois se dobrou em dois de dor e desmaiou. — Ela limpou o suor do rosto e continuou na mesma voz neutra: — Eu achei que devia ser um ataque cardíaco e não sabia o que fazer, então me lembrei do que o velho doutor Nutt disse quando fez uma conferência para todas as esposas e abri o colarinho de Duncan e o deitamos no chão, então eu encontrei as... as cápsulas que ele nos tinha dado e coloquei uma debaixo do nariz dele e quebrei-a...
— Nitrato?
— Sim, foi isto. O doutor Nutt deu duas para cada uma de nós e nos disse para guardá-la em lugar seguro e nos ensinou como usá-las. O cheiro é horrível, mas Duncan gemeu e voltou a si, e depois tornou a desmaiar. Mas ele estava respirando, mal, mas respirando. Estava difícil de ver e de ouvir dentro da cabine, mas eu achei que ele tinha parado de respirar outra vez e ministrei-lhe a última cápsula, e ele pareceu melhorar de novo.
O médico estava observando a maca. Assim que ela foi colocada dentro da ambulância, ele disse para Jean-Luc:
— Capitão, por favor leve madame McIver para o hospital dentro de meia hora, aqui está o meu cartão, eles saberão onde me encontrar.
Genny disse rapidamente:
— O senhor não acha melhor... O médico respondeu com firmeza:
— A senhora ajudará mais deixando-nos fazer o nosso trabalho durante meia hora. A senhora já fez o seu, salvou a vida dele, eu acho. — E se afastou depressa.
67
TEERÃ — NA CASA DOS BAKRAVAN: 20:59H. Zarah estava diante da mesa, vendo se estava tudo pronto. Pratos, talheres e guardanapos de linho branco. Tijelas de horishts variados, carnes e legumes, pão fresco e frutas frescas, doces e condimentos. Só faltava trazer o arroz e isto seria feito quando ela anunciasse que o jantar estava servido.
— Ótimo — disse para os criados e foi para a outra sala.
Os convidados ainda estavam conversando, mas ela viu que no momento Xarazade estava sozinha, perto de Daranoush que conversava animadamente com Meshang. Disfarçando a tristeza, ela foi até lá.
— Minha querida, você parece tão cansada. Você está se sentindo bem?
— É claro que ela está bem — Meshang disse alto, cheio de animação. Xarazade forçou um sorriso num rosto que estava muito pálido.
— É a excitação, Zarah, é só excitação. — Então ela disse para Farazan: — Se o senhor não se importar, Excelência Daranoush, eu não vou acompanhá-lo no jantar esta noite.
— Por que, o que foi que houve? — Meshang disse asperamente — Você está doente?
— Oh, não, meu querido irmão, é só excitação. — Xarazade concentrou a sua atenção no homenzinho. — Talvez eu possa vê-lo amanhã? Talvez possamos jantar juntos amanhã?
Antes que Meshang pudesse responder por ele, Daranoush disse:
— É claro, minha querida — aproximou-se dela e beijou-lhe a mão, e ela teve que usar toda a sua força de vontade para não recuar. — Nós jantaremos juntos amanhã. Talvez a senhora, Sua Excelência Meshang e Zarah me dêem a honra de jantar na minha pobre casa. — E deu uma risadinha. Seu rosto ficou ainda mais grotesco. — Na nossa pobre casa.
— Obrigado, eu acho a idéia formidável. Boa noite, que a paz esteja com o senhor.
— E com você também.
Ela foi igualmente gentil com o irmão e Zarah, depois virou-se e saiu. Daranoush observou-a afastando-se, o balanço dos seus quadris e das nádegas. Meu Deus, olhe só para ela, ele disse a si mesmo com desejo, imaginando-a nua, mexendo-se para ele. Eu fiz um trato ainda melhor do que esperava. Quando Meshang propôs o casamento, eu só me deixei convencer pelo dote, junto com as promessas de uma futura sociedade no bazar — coisas substanciais, como evidentemente deveria ser, em se tratando de uma mulher grávida de um estrangeiro. Mas agora, por Deus, eu não acho que será difícil dormir com ela, fazê-la tratar-me como eu gosto, e talvez fazer filhos meus. Quem sabe, talvez seja como Meshang disse, talvez ela perca o que está carregando. Talvez ela o perca.
Ele se coçou distraidamente enquanto ela saía da sala.
— Agora, onde é mesmo que nós estávamos, Meshang?
— Sobre a minha sugestão de um novo banco...
Xarazade fechou a porta e subiu as escadas correndo. Jari estava no quarto dela, cochilando numa cadeira.
— Oh, princesa, como...
— Eu vou para a cama agora, Jari. Você pode sair e eu não quero ser incomodada, Jari, por ninguém, seja qual for o motivo. Nós conversaremos na hora do café.
— Mas, princesa, eu vou dormir na cadeira... Xarazade bateu com os pés, aborrecida.
— Boa noite! E eu não quero ser incomodada! — Trancou a porta depois que ela saiu, tirou os sapatos barulhentamente e depois, sem fazer barulho, trocou de roupa rapidamente. Colocou o véu e o chador. Cautelosamente, ela abriu a porta que dava para o balcão e saiu. As escadas davam para um pátio interno e lá havia um corredor que levava a uma porta nos fundos. Ela abriu os ferrolhos. As dobradiças rangeram. Então ela saiu e fechou a porta. Enquanto se afastava rapidamente, o seu chador ondulava atrás dela como se fosse uma grande asa negra.
No salão de recepção, Zarah olhou para o relógio e foi até Meshang.
— Querido, você gostaria que o jantar fosse servido agora?
— Daqui a pouco, você não está vendo que Sua Excelência e eu estamos ocupados?
Zarah suspirou, depois foi conversar com uma amiga, mas parou quando ouviu o porteiro entrar com um ar de ansiedade, e olhar em volta à procura de Meshang, depois ir rapidamente até onde ele estava e cochichar. Meshang ficou pálido. Daranoush Farazan ficou sem fala. Ela correu para eles.
— O que está acontecendo?
Meshang mexeu com a boca mas não produziu nenhum som. No súbito silêncio que se seguiu, o criado assustado exclamou:
— Há alguns Faixas Verdes aqui, Alteza, Faixas Verdes e um mulá. Eles querem ver Sua Excelência imediatamente.
No grande silêncio que se fez, todo mundo recordou a prisão de Paknouri e a intimação de Jared e todas as outras prisões, execuções e rumores de mais terror, mais komitehs, as cadeias cheias de amigos, fregueses e parentes. Daranoush estava quase louco de raiva por estar naquela casa numa hora dessas, com vontade de rasgar as roupas por ter concordado tolamente em se juntar com a família Bakravan, já condenada por causa da agiotagem de Jared — a mesma agiotagem de que eram culpados todos os prestamistas do bazar, mas só que Jared tinha sido apanhado! Filho de um cão e eu concordei publicamente com o casamento e concordei em particular em participar dos planos de Meshang, planos que agora eu posso ver, oh Deus, proteja-me, que são perigosamente modernos, perigosamente ocidentais, e claramente contra os desejos e as ordens do imã. Filho de um cão, deve haver uma saída pelos fundos desta casa de condenados.
Os quatro Faixas Verdes e o mulá estavam na sala para onde o criado os havia levado, sentados de pernas cruzadas e recostados em almofadas de seda. Eles tinham tirado os sapatos e os deixado ao lado da porta. Os jovens estavam de olhos arregalados com a riqueza que os cercava, suas armas pousadas no tapete, ao lado deles. O mulá usava belas roupas e um bonito turbante branco e era um homem imponente de uns sessenta anos, com uma barba branca e espessas sobrancelhas escuras, um rosto forte e olhos negros.
A porta se abriu, Meshang entrou na sala como um autômato. Ele estava branco e sua cabeça doía com a intensidade do seu terror.
— Saudações... saudações, Excelência...
— Saudações. O senhor é Excelência Meshang Bakravan? — Meshang balançou afirmativamente a cabeça. — Ah, então meus cumprimentos e que a paz esteja com o senhor, Excelência, por favor, desculpe-me por vir tão tarde, mas eu sou o mulá Sayani e vim em nome do komiteh. Nós acabamos de descobrir sobre Sua Excelência Bakravan e eu vim contar-lhe que embora tenha sido vontade de Deus, Sua Excelência não foi condenado de acordo com a lei, foi morto por engano, sua propriedade foi confiscada por engano, e tudo será devolvido imediatamente.
Meshang ficou olhando para ele, sem fala.
— O governo islâmico tem o compromisso de executar a lei de Deus. O mulá franziu as sobrancelhas enquanto continuava: — Deus sabe que nós não podemos controlar todos os fanáticos ou ignorantes. Deus sabe que há alguns que, por excesso de zelo, cometem erros. E Deus sabe também que há muitos que usam a revolução para fazer o mal, sob uma capa de 'patriotismo', muitos que torcem o Islã para atender aos propósitos sujos, muitos que não obedecem à palavra de Deus, muitos que agem para nos desmoralizar, mesmo alguns que usam falsamente o turbante, muitos que não merecem o turbante, mesmo alguns aiatolás, mesmo eles, mas com a ajuda de Deus nós arrancaremos os seus turbantes, limparemos o Islã e acabaremos com o mal, onde quer que ele esteja...
As palavras não estavam alcançando Meshang. Sua mente estava explodindo de esperança.
— Ele... meu pai... eu vou recuperar... as minhas propriedades?
— O nosso governo islâmico é o governo da lei. A realeza pertence exclusivamente a Deus. A lei do Islã tem absoluta autoridade sobre todos — inclusive o governo islâmico. Mesmo o Mais Nobre Mensageiro, que a paz esteja com ele, esteve sujeito à lei que apenas Deus revelou, exposta unicamente pela palavra do Corão. — O mulá se levantou. — Foi a vontade de Deus, mas Sua Excelência Jared Bakravan não foi julgado de acordo com a lei.
— Isto... isto é verdade?
— Sim, é a vontade de Deus, Excelência. Tudo será devolvido. O seu pai não nos deu o seu apoio generosamente? Como pode o governo islâmico florescer sem a ajuda e o apoio dos bazaris, como podemos existir sem os bazaris para lutar contra os inimigos do Islã, os inimigos do Irã e o Infiel?...
DO LADO DE FORA DO BAZAR: O táxi parou na praça cheia de gente. Lochart saltou e pagou o motorista enquanto dois de uma massa de passageiros em potencial, uma mulher e um homem, brigavam pelo espaço que ele tinha deixado. A praça estava cheia de gente entrando e saindo da mesquita e do bazar e em volta das barracas. Prestaram pouca atenção nele, seu uniforme e seu quepe dando-lhe passagem livre. A noite estava fria e nublada. O vento tinha aumentado de novo e agitava as chamas dos lampiões a óleo dos vendedores de rua. Do outro lado da praça ficava a rua dos Bakravan e ele caminhou rapidamente, dobrou a esquina e se afastou para deixar o mulá Sayani e os Faixas Verdes passarem, depois continuou andando.
Na porta que ficava no muro alto ele parou, respirou fundo e bateu com força. Depois tornou a bater. Ouviu passos, viu um olho por trás da vigia.
— Porteiro, sou eu, Excelência Capitão Lochart — ele gritou alegremente.
A porta foi aberta.
— Saudações, Excelência — disse o porteiro, ainda não de todo recuperado do choque da chegada e da partida inesperada do mulá e dos Faixas Verdes, humildemente recebidos por Sua Excelência Mau Humor em pessoa, pensou espantado, que assim que a porta se fechou tinha começado a pular como um doido, batendo com os pés no chão, e voltando correndo para o salão e agora aqui estava uma nova aparição, por Deus, o infiel que foi casado com a prometida de Sua Excelência Mijo.
Uma rajada de vento fez voarem folhas mortas pelo pátio. Um outro criado de olhos esbugalhados estava em pé ao lado da porta.
— Saudações, Excelência — ele gaguejou — Eu... eu vou dizer a Sua Excelência Meshang que o senhor chegou.
— Espere! — Agora Lochart estava ouvindo o ruído excitado de vozes vindo do salão de jantar, copos tilintando, risadas de festa. — Minha mulher está lá dentro?
— Sua mulher? — O criado conteve-se com dificuldade. — A, ahn, Sua Alteza, Excelência capitão, ela foi para a cama.
A ansiedade de Lochart aumentou.
— Ela está doente?
— Ela não me pareceu doente, Excelência, ela subiu pouco antes do jantar. Eu vou dizer a Sua Excelência Meshang que...
— Não é preciso incomodar nem a ele nem aos seus convidados — ele disse, encantado com a oportunidade de vê-la a sós primeiro. — Eu vou vê-la e depois desço e anuncio a minha presença.
O criado observou-o subir as escadas, de dois em dois degraus, esperou até que ele desaparecesse da sua vista, depois correu para encontrar Meshang
Lochart andou de um corredor para o outro. Forçou-se a ir andando, encantado com a surpresa que faria a ela e depois eles iriam ver Meshang e Meshang ouviria o seu plano. Finalmente ele chegou na porta do quarto e girou a maçaneta. Como a porta não abriu, ele bateu de leve e chamou:
— Xarazade, sou eu, Tommy. — O seu coração cantava enquanto ele esperava. — Xarazade? — Esperou. Tornou a bater. Esperou. Depois bateu um pouco mais alto. — Xarazade!
— Excelência!
— Oh, olá, Jari — disse, não notando, na sua impaciência, que ela estava tremendo. — Xarazade, querida, abra a porta, sou eu, Tommy!
— Sua Alteza disse que não queria ser incomodada.
— Ela não se referia a mim, é claro que não! Oh! Ela tomou um comprimido para dormir?
— Oh, não, Excelência. Ele prestou atenção nela.
— Por que você está tão assustada?
— Eu? Eu não estou assustada, Excelência, por que estaria assustada? Há alguma coisa errada, ele pensou. Impacientemente, tornou a bater.
— Xarazade! — Esperou, esperou, esperou. — Isto é ridículo — murmurou. — Xarazade! — Sem se dar conta do que estava fazendo, começou a esmurrar a porta. — Abra esta porta, pelo amor de Deus!
— O que você está fazendo aqui?
Era Meshang, louco de raiva. No final do corredor, Lochart viu Zarah aparecer e parar.
— Boa... boa noite, Meshang — ele disse, com o coração disparado, tentando se mostrar razoável e educado e por que ela não abria a porta e não foi assim que eu pensei que fosse acontecer. — Eu voltei para ver minha mulher.
— Ela não é mais sua mulher, ela está divorciada, agora saia! Lochart olhou para ele estarrecido.
— É claro que ela é minha mulher!
— Por Deus, você é idiota? Ela foi sua mulher. Agora saia da minha casa!
— Você é louco, você não pode fazê-la divorciar-se assim.
— SAIA!
— Foda-se! — mais uma vez Lochart esmurrou a porta. — Xarazade! Meshang virou-se para Zarah:
— Vá chamar os Faixas Verdes! Ande, vá chamar os Faixas Verdes! Eles porão este louco daqui para fora.
— Mas, Meshang, não é perigoso envolvê-los em...
— Vá chamá-los!
Lochart exaltou-se. Enfiou o ombro na porta. Esta sacudiu mas não cedeu, então ele levantou o pé e atirou-o de encontro à fechadura. A fechadura estalou e a porta abriu-se.
— Vá chamar os Faixas Verdes! — Meshang berrou. — Você não compreende que eles agora estão do nosso lado?, nós fomos reconhecidos... — Então ele entrou no quarto também. Viu, espantado, que o quarto estava vazio, a cama vazia, o banheiro vazio, que ela não estava em lugar nenhum. Tanto ele como Lochart viraram-se para Jari que estava em pé na porta, olhando estarrecida. Zarah, cautelosamente, ficou parada atrás dela.
— Aonde ela está? — gritou Meshang .
— Eu não sei, Excelência, ela não saiu daí, o meu quarto é aqui ao lado e eu tenho o sono leve... — Jari gritou quando Meshang acertou-lhe um soco na boca, fazendo-a cair de quatro no chão.
— Onde ela foi?
— Eu não sei, Excelência. Pensei que ela estivesse na ca... — Ela gritou quando o pé de Meshang acertou-a do lado. — Por Deus, eu não sei, eu não sei!
Lochart foi até as janelas francesas. Elas se abriram facilmente, pois não estavam trancadas. Imediatamente, ele saiu para o balcão, desceu as escadas e foi até a porta dos fundos. Depois voltou devagar, com a cabeça rodando. Meshang e Zarah ficaram observando do balcão.
— A porta dos fundos não estava trancada. Ela deve ter saído por lá.
— Para ir aonde? — Meshang estava vermelho de raiva e Zarah virou-se para Jari que estava ainda de quatro no chão, gemendo e chorando de dor e medo.
— Cale-se, sua cadela, ou vou mandar açoitá-la. Jari! Se você não sabe aonde ela foi, aonde acha que ela deve ter ido?
— Eu... eu não sei, Alteza — a velha soluçou.
— Pense! — Zarah gritou e deu-lhe um tapa. Jari uivou.
— Eu não seiii! Ela esteve esquisita o dia inteiro, Excelência, esquisita, ela me mandou embora hoje à tarde e continuou sozinha e eu me encontrei com ela às sete horas e nós voltamos juntas, mas ela não disse nada, nada, nada...
— Por Deus, por que você não me contou isso? — gritou Meshang.
— Mas o que havia para contar, Excelência? Por favor, não me chute de novo, por favor!
Meshang atirou-se numa cadeira. O pêndulo violento de um terror total, quando os Faixas Verdes e o mulá foram anunciados, para uma total euforia ao saber que suas propriedades seriam devolvidas e depois a fúria por saber que Lochart estava lá e que Xarazade tinha sumido o haviam deixado completamente perturbado. Sua boca se moveu mas não saiu nenhum som e ele viu Lochart questionando Jari mas não conseguiu entender as palavras.
Ao voltar correndo para a sala de jantar para contar a grande novidade, tinha havido muita alegria, Zarah chorando de felicidade, abraçando-o, bem como as outras mulheres, e os homens lhe apertaram a mão com entusiasmo. Todos exceto Daranoush. Daranoush não estava mais lá. Ele tinha fugido. Pela porta dos fundos.
— Ele foi embora?
— Como um saco de merda! — Alguém gritou.
Todo mundo tinha começado a rir, aliviados por não correrem nenhum risco por tabela, além de satisfeitos com a volta de Meshang à riqueza e ao poder, tudo isso deixando-os com as cabeças leves. Alguém tinha gritado:
— Você não pode ter por cunhado um cretino como Daranoush, Meshang!
— Não, não, por Deus — ele se lembrava de ter respondido, tomando uma taça de champanhe. — Como confiar num homem destes? Nem com um balde de mijo! Pelo Profeta, eu sempre achei que o Imundo Daranoush cobrava demais pelos serviços. O bazar devia rescindir o seu contrato!
Mais aplausos e todos concordaram e Meshang tinha bebido uma segunda taça de champanhe, exultante com as novas possibilidades que se abriam diante dele: o novo contrato para o lixo do bazar que ele, como a parte ofendida, evidentemente receberia, um novo consórcio para financiar o governo sob sua coordenação e maior lucro, novas associações com ministros mais importantes do que Ali Kia — onde está aquele filho da mãe? — novos acordos nos campos de petróleo, monopólios para manobrar, um novo casamento para Xarazade, tão fácil de conseguir agora, quem não haveria de querer entrar para a sua família, a família de bazaris? Não havia mais necessidade de pagar um dote exorbitante, o que eu concordei porque não havia outro jeito. Todas as minhas propriedades de volta, as propriedades nas costas do Cáspio, ruas de casas em Jaleh, apartamentos nos subúrbios ao norte da cidade, terras, pomares, campos e aldeias, tudo de volta.
Depois o criado estragando a sua alegria, murmurando que Lochart tinha voltado, que já estava dentro da casa, lá em cima. Ele correndo para cima e agora olhando, impotente, o homem que ele tanto detestava interrogando Jari, com Zarah ouvindo atentamente.
Com esforço, ele se concentrou. Jari estava dizendo, entre soluços:
— Eu não tenho certeza, Excelência... ela... ela só... só me disse que o rapaz que tinha salvado a vida dela na primeira marcha de protesto das mulheres era estudante.
— Ela alguma vez se encontrou com ele sozinha?
— Oh, não, Excelência, não, como eu disse, nós o conhecemos na marcha e ele nos convidou para tomar café para nos recuperarmos — disse Jari. Ela estava apavorada de ser apanhada mentindo, mas mais apavorada ainda em contar o que tinha realmente acontecido. Que Deus nos proteja, ela rezou. Para onde ela foi, para onde?
— Como era o nome dele, Jari?
— Eu não sei, Excelência, pode ter sido Ibrahim ou... ou Ismael, eu não sei, eu já disse, ele não era importante.
A cabeça de Lochart estava latejando. Nenhuma pista, nada. Aonde ela poderia ter ido? Para a casa de um amigo? Para a universidade? Para outra marcha de protesto? Não se esqueça dos boatos no mercado sobre uma nova manifestação estudantil, hoje à noite eram esperadas novas manifestações de protesto, novas marchas, Faixas Verdes contra esquerdistas, mas todas as marchas desfavoráveis ao imã tinham sido proibidas pelo komiteh e a paciência do komiteh já tinha se esgotado.
— Jari, você tem que ter alguma idéia, algum modo de nos ajudar! Meshang disse com a voz gutural:
— Vou mandar chicoteá-la. Ela sabe.
— Eu não sei, não sei... — Jari gemeu.
— Cale a boca, Jari! — Lochart virou-se para Meshang, com o rosto pálido e cheio de ódio. — Eu não sei para onde ela foi, mas sei o porquê: você a obrigou a se divorciar, e eu juro por Deus que se acontecer alguma coisa com ela, qualquer coisa, você vai pagarl
Meshang gritou:
— Você a abandonou, você a deixou sem um tostão, você a abandonou e está divorciado, vo...
— Lembre-se, você vai pagar! E se você impedir a minha entrada nesta casa quando eu voltar ou quando ela voltar, por Deus, você vai pagar por isto também! — À beira da loucura, Lochart dirigiu-se para as portas francesas
Zarah disse rapidamente:
— Aonde você vai?
— Eu não sei... eu... para a universidade. Talvez ela tenha ido participar de outra marcha, embora eu não saiba por que teria fugido para fazer isso...
Lochart não conseguiu articular o seu verdadeiro medo: de que a sua revolta fosse tão extrema que sua mente tivesse ficado perturbada e que ela tivesse resolvido se matar. Oh, não suicídio, mas quantas vezes no passado ela tinha dito: "Nunca se preocupe comigo, Tommy. Eu sou uma crente. Eu sempre procuro fazer o trabalho de Deus e desde que eu morra fazendo o trabalho de Deus, com o nome de Deus nos meus lábios, eu irei para o paraíso."
Mas e quanto ao nosso filho? Uma mãe não poderia fazer isto, poderia, uma pessoa como Xarazade?
O quarto estava muito quieto. Por uma eternidade ele ficou lá. Então, de repente, todo o seu ser enveredou para uma outra direção. Numa voz estranhamente clara ele disse:
— Sejam testemunhas do que eu digo: Eu atesto que não há nenhum outro deus além de Deus e que Maomé é o Profeta de Deus... — E repetiu isto pela terceira vez. Agora estava feito. Ele estava em paz consigo mesmo. Ele os viu olhando para ele, boquiabertos.
Meshang quebrou o silêncio, não mais com raiva.
— Allah-u Akbarl Seja bem-vindo. Mas dizer o Shahada, por si só, não é o suficiente.
— Eu sei. Mas é o começo.
Eles o viram desaparecer na noite, todos eles encantados por terem testemunhado a salvação de uma alma, a transmutação de um infiel em um crente, de forma tão inesperada. Todos estavam cheios de alegria, vários níveis de alegria.
— Deus é Grande! Zarah murmurou:
— Meshang, isto não muda tudo?
— Sim, sim e não. Mas agora ele irá para o paraíso. Seja como Deus quiser. — De repente ele se sentiu muito cansado. Seus olhos se dirigiram para Jari e ela recomeçou a tremer. — Jari — ele disse com a mesma calma —, você será chicoteada até contar toda a verdade ou até ir para o inferno. Vamos, Zarah, não podemos nos esquecer dos nossos convidados.
— E Xarazade?
— Seja como Deus quiser.
PERTO DA UNIVERSIDADE: 21:48H. Xarazade entrou na rua principal onde Faixas Verdes e seus partidários estavam se reunindo. Milhares deles. A grande maioria era de homens. Todos armados. Os mulás os controlavam, exortando-os a manter a disciplina, a não atirar nos esquerdistas até que estes começassem a atirar, a tentar persuadi-los a desistir do seu pecado.
— Não se esqueçam de que eles são iranianos, não estrangeiros diabólicos. Deus é Grande... Deus é Grande...
— Seja bem-vinda, minha filha — um velho mulá disse bondosamente — que a paz esteja com você.
— E com o senhor também — ela disse. — Nós estamos marchando contra o antideus?
— Oh, sim, daqui a pouco, há muito tempo.
— Eu tenho um revólver — ela disse orgulhosamente, mostrando-o a ele. — Deus é Grande.
— Deus é Grande. Mas é melhor que a matança termine e que os revoltosos reconheçam a Verdade, renunciem à sua heresia, obedeçam ao imã e voltem para o Islã. — O velho viu a sua juventude e a sua decisão e ficou ao mesmo tempo feliz e entristecido. — É melhor que a matança cesse, mas se os de esquerda não pararem de se opor ao imã, que a paz de Deus esteja com ele, então, com a ajuda de Deus, os mandaremos para o inferno...
68
TABRIZ — NO PALÁCIO: 22:05H. Os três estavam sentados diante do fogo, tomando café e observando as chamas, a sala pequena e ricamente adornada, quente e aconchegante — um dos guardas de Hakim ao lado da porta. Mas não havia nenhuma paz entre eles, embora todos fingissem que sim, agora durante toda a noite. As chamas prendiam a atenção deles, cada um vendo diferentes quadros lá dentro. Erikki estava vendo a encruzilhada do caminho, sempre a encruzilhada, de um lado as chamas conduziam à solidão, de outro à felicidade — talvez sim e talvez não. Azadeh via o futuro, tentando não vê-lo.
Hakim Khan desviou o olhar do fogo e lançou o desafio.
— Você esteve distraída a noite toda, Azadeh.
— Sim. Acho que todos nós estivemos. — O seu sorriso não era verdadeiro. — Você acha que poderíamos falar em particular, nós três?
— É claro. — Hakim fez um sinal para o guarda. — Se eu precisar de você, chamarei. — O homem obedeceu e fechou a porta. Instantaneamente, a atmosfera da sala mudou. Agora todos três eram adversários, todos estavam conscientes disto, todos estavam em guarda e preparados.
— Sim, Azadeh?
— É verdade que Erikki deve partir imediatamente?
— Sim.
— Deve haver uma solução. Eu não posso agüentar dois anos sem o meu marido.
— Com a ajuda de Deus, o tempo vai passar depressa. — Hakim Khan estava sentado bem esticado, melhor da dor por causa da codeína.
— Eu não posso agüentar dois anos. — Ela tornou a dizer
— O seu juramento não pode ser quebrado Erikki disse:
— Ele tem razão, Azadeh. Você fez o juramento de livre e espontânea vontade, Hakim é o khan e o preço... justo. Mas todas as mortes... — eu tenho que partir, a culpa é minha, nem sua nem de Hakim.
— Você não fez nada de errado, nada, você foi obrigado a proteger a mim e a você mesmo, eles iam nos matar, e quanto ao ataque... você fez o que achou melhor, você não tinha meios de saber que o resgate tinha sido pago pela metade nem que papai estava morto. Ele não deveria ter mandado matar o mensageiro.
— Isto não muda nada. Eu tenho que partir esta noite. Nós devemos aceitar isto e deixar as coisas como estão — disse Erikki, observando Hakim.
Os anos passarão depressa.
Se você viver, meu querido Azadeh virou-se para o irmão, que olhou para ela, com o mesmo sorriso, com o mesmo olhar.
Erikki olhou para os dois irmãos, tão diferentes e no entanto tão parecidos. O que foi que deu nela, por que ela precipitou o que não deveria ter sido precipitado?