A multidão berrava com ela e com ele, dizendo a ela para pôr o chador, e Azadeh gritava: — Não, não, deixem-me me paz... — completamente desorientada. Durante toda a sua vida, nunca fora ameaçada daquela maneira, nunca estivera no meio de uma multidão como aquela, nunca estivera tão perto de camponeses, nem nunca sentira tanta hostilidade.
— Vista-o, meretriz...
— Em nome de Deus, vista o chador...
— Não em nome de Deus, mulher, em nome do povo...
— Deus é grande, obedeça a palavra...
— Dane-se Deus, em nome da revolução...
— Cubra seu cabelo, rameira e filha de uma rameira...
— Obedeça ao Profeta cujo nome seja louvado...
Os gritos e as vaias aumentaram, pés pisavam o homem que estava morrendo no chão, então alguém puxou o braço de Erikki que ainda estava em volta de Azadeh e ela sentiu que a outra mão dele procurava a faca grande e gritou:
— Não, Erikki, não, eles vão matá-lo...
Em pânico, empurrou a camponesa e vestiu o chador, repetindo "Allah-u Akbarr" e isso abrandou um pouco os que estavam perto, as vaias diminuíram, embora as pessoas de trás continuassem empurrando para ver melhor, amassando os outros de encontro ao Range Rover. Naquela confusão, Azadeh e Erikki ganharam um pouco mais de espaço em volta, embora ainda estivessem encurralados. Ela não o olhou, simplesmente agarrou-se nele, tremendo como um cachorrinho apavorado, envolvida naquela mortalha grosseira. Houve uma gargalhada quando um dos homens colocou o sutiã dela no próprio peito e desfilou afetadamente.
O vandalismo continuou até que, subitamente, Erikki sentiu alguma coisa diferente em volta deles. O homem atarracado e seus seguidores tinham parado e estavam olhando fixamente na direção de Qazvin. Enquanto os observava, viu que se misturavam com a multidão. Em questão de segundos tinham desaparecido. Outros homens perto da barreira estavam entrando nos carros e arrancavam rápido em direção à estrada de Teerã. Agora os aldeões também olhavam na direção da cidade, depois os outros, até que toda a multidão ficou paralisada. Aproximando-se pela estrada, em meio às fileiras de veículos, vinha um outro grupo de homens, conduzidos por mulás. Alguns mulás e muitos homens estavam armados.
— Allah-u Akbar — gritavam. — Deus e Khomeiiini! — e depois começaram a correr, atacando a barreira.
Soaram tiros, o fogo foi respondido pelo pessoal da barreira e as forças opostas se enfrentaram com pedaços de pau, pedras, barras de ferro e alguns revólveres. O resto da multidão se espalhou. Os aldeões correram para a proteção de suas casas, os motoristas e passageiros fugiram dos carros, correram para as valas ou se lançaram ao chão.
Os gritos, os tiros, o barulho do conflito tiraram Erikki de sua paralisia. Empurrou Azadeh em direção ao carro, apanhando apressadamente seus pertences que estavam mais próximos, atirando-os na mala do carro e batendo a porta. Uma meia dúzia de aldeões começaram também a recolher as coisas, mas eles os tirou do caminho com um empurrão, pulou para o banco do motorista, deu a partida, manobrou e saiu em disparada pela campina, costeando a estrada. Bem na frente, à direita, viu o homem atarracado, com três dos seus seguidores, entrando num carro e se lembrou que ainda estavam com seus documentos. Durante um segundo pensou em parar, mas rejeitou a idéia e manteve o curso em direção às árvores que margeavam a estrada. Mas então viu o homem atarracado tirar a metralhadora do ombro, apontar e atirar. A rajada foi um pouco alta e Erikki, com os reflexos estimulados pelo ódio, deu um golpe na direção e enfiou o pé no acelerador, enquanto o homem recarregava a arma. O pára-choque maciço do carro atirou o homem de encontro à lataria, esmagando-o, e a metralhadora continuou atirando até acabarem as balas, que furaram o metal, estilhaçando o pára-brisa, com o Range Rover funcionando como um aríete. Furioso, Erikki deu marcha à ré e tornou a atacar, passando por cima dos destroços, achatando-os, e teria saído e continuado a carnificina com as próprias mãos, mas nesse momento viu pelo espelho retrovisor que havia homens correndo na direção deles, então manobrou e fugiu.
O Range Rover fora construído para aquele tipo de terreno, com os pneus para neve aderindo à superfície acidentada. Em poucos instantes, estavam no meio das árvores e fora de alcance, e ele virou em direção à estrada, mudou de marcha, travou os diferenciais e subiu por cima do fosso, arrebentando a cerca de arame farpado. Uma vez na estrada, destravou os diferenciais, mudou de marcha e foi embora depressa.
Só quando já estava bem longe foi que a nuvem de sangue saiu dos seus olhos. Apavorado, ele se lembrou da rajada de balas caindo em cima do carro, e que Azadeh estava com ele. Em pânico, procurou-a com os olhos. Mas ela estava bem, embora paralisada de medo e encolhida no assento, agarrada nele com as duas mãos. Havia buracos de bala no vidro e no teto do carro, mas Azadeh nada sofrerá, embora, por um segundo, não conseguisse reconhecê-la, vendo apenas um rosto iraniano enfeiado pelo chador — como qualquer um das dezenas de milhares que se viam no meio da multidão.
— Oh, Azadeh — murmurou, e puxou-a para ele, guiando com uma só mão. Em seguida, diminuiu a marcha, parou no acostamento e abraçou-a enquanto os soluços a sacudiam. Não notou que o marcador de gasolina indicava que o tanque estava quase vazio nem que o tráfego aumentava, nem os olhares hostis dos passantes, nem que muitos carros transportavam revolucionários para Teerã.
17
EM ZAGROS TRÊS: 15:18H. Os quatro homens estavam deitados em tobogãs, descendo a encosta atrás da base, com Scot Gavallan um pouco à frente de Jean-Luc Sessonne, que estava lado a lado com Nasiri, o gerente da base e com Nitckak Khan uns vinte metros atrás. Era uma corrida organizada por Jean-Luc, o Irã contra o Mundo, e todos quatro tentavam excitadamente aumentar a velocidade. A neve parecia uma poeira branca — uma neve muito leve em cima de uma camada dura de gelo — e sem trilha. Todos tinham subido até o cume atrás da base, com Rodrigues e um aldeão como juízes da partida. O prêmio para o vencedor era de cinco mil riais — cerca de sessenta dólares — e uma das garrafas de uísque de Lochart:
— Tom não vai se importar — dissera Jean-Luc, com imponência. — Ele está tirando uma licença extra, gozando das delícias de Teerã, enquanto temos que ficar na base! E não sou eu que estou no comando? É claro. Este comandante está requisitando a garrafa para a glória da França, o bem das minhas tropas e para os nossos gloriosos senhores, os Yazdek Kash'kais — acrescentara, sob aplausos generalizados.
Era uma linda tarde de sol, a dois mil e quinhentos metros de altura, o céu sem nuvens e muito azul, o ar gelado. Durante a noite, a neve tinha parado de cair. Nevara desde que Lochart partira para Teerã, há três dias. Agora a base e as montanhas em volta eram um reino encantado de pinheiros, neve e cumes que atingiam quatro mil metros de altura — com cerca de setenta centímetros de neve fresca.
À medida que os competidores desciam, a encosta ficava mais íngreme, com algumas saliências encobertas fazendo-os pular de vez em quando. Ganharam velocidade, quase desaparecendo às vezes, sob o esguichos de neve, todos alegres e determinados a vencer.
Na frente, agora, havia um grupo de pinheiros. Scot freou habilmente, com a ponta das botas de esqui, agarrando os suportes curvos da frente com as mãos enluvadas, e contornou graciosamente as árvores, depois fez uma curva e começou a descer o último declive em direção à linha de chegada, onde o resto da base e os aldeões aplaudiam e gritavam. Nasiri e Jean-Luc frearam uma fração de segundo depois, contornaram as árvores uma fração de segundo mais depressa e fizeram a curva em meio a uma cascata de neve, alcançando-o, fazendo com que a diferença entre os três ficasse mínima.
Nitchak Khan não freou nem se desviou. Ele se entregou a Deus pela centésima vez, fechou os olhos e entrou no meio dos pinheiros.
— lnsha'Allahhhh!
Passou a poucos centímetros da primeira árvore, mais perto ainda da seguinte, abriu os olhos bem a tempo de evitar por um centímetro uma colisão, arrancou uma dúzia de galhos ganhando velocidade, voou pelos ares ao passar por uma saliência, evitando milagrosamente uma árvore caída e voltou ao chão batendo com o peito com tal força que ficou sem fôlego. Mas se segurou, empinando, deslizou em direção a um dos competidores por um instante, depois recuperou o equilíbrio e voou para fora da floresta mais depressa do que os outros, numa linha mais reta do que os outros, dez metros na frente dos outros, com todos os aldeões berrando entusiasticamente.
Os quatro agora convergiam, agarrados nos tobogãs, procurando aumentar ao máximo a velocidade, Scot, Nasiri e Jean-Luc aproximando-se cada vez mais de Nitchak Khan. Ali, a neve não estava tão boa e algumas pequenas saliências os fizeram pular, obrigando-os a se segurarem com mais força. Mais duzentos metros, cem — os homens da base e os aldeões gritando e pedindo a Deus pela vitória — oitenta, setenta, sessenta, cinqüenta e então...
Havia uma pedra grande bem escondida. Estando na liderança, Nitchak Khan foi o primeiro a se descontrolar e cair, perdendo a respiração, depois Scot e Jean-Luc voaram e se esparramaram, com seus tobogãs lançando nuvens de flocos de neve. Nasiri tentou desesperadamente se desviar deles e da pedra, e inclinou o tobogã, derrapando violentamente e despencando pela encosta até parar um pouco à frente dos outros, também sem fôlego.
Nitchak Khan se ergueu e limpou a neve do rosto e da barba.
— Louvado seja Deus — murmurou, estarrecido por não estar com nenhum membro quebrado, e olhou em volta, à procura dos outros. Estes também estavam-se levantando, Scot morrendo de rir de Jean-Luc que também estava ileso mas que continuava deitado de costas, gritando palavrões em francês. Nasiri tinha entrado de cabeça num monte de neve e Scot, ainda rindo, foi ajudá-Io. Ele também estava só um pouco avariado, mas sem nada de grave.
— Ei, vocês aí em cima — alguém gritava lá de baixo. Era Effer Jordon.
— E essa maldita corrida? Ainda não terminou.
— Vamos, Scot. Vamos, Jean-Luc, pelo amor de Deus!
Scot esqueceu Nasiri e começou a correr em direção à chegada, uns cinqüenta metros adiante, mas escorregou e caiu na neve pesada, levantou-se e tornou a escorregar, os pés pesando como chumbo. Jean-Luc se ergueu e saiu correndo atrás dele, seguido de perto por Nasiri e Nitchak Khan. Os gritos da multidão redobraram à medida que os homens lutavam contra a neve, caindo, engatinhando, levantando e tornando a cair no terreno difícil, esquecidos das dores. Scot ainda estava um pouco à frente.
— Vamos Nitchak Khan, vamos, Jean-Luc, vamos Nasiri — o mecânico Fowler Joines, com a cara vermelha, os animava, acompanhado dos aldeões.
Mais dez metros. O velho Khan estava um metro na frente quando tropeçou e caiu de cara no chão. Scot passou à frente, com Nasiri quase do lado e Jean-Luc poucos centímetros atrás. Todos corriam com dificuldades, escorregando, tropeçando, arrancando com esforço suas botas da neve fofa. Então todo mundo começou a gritar quando Nitchak Khan se pôs a engatinhar pela neve nos últimos metros, e Jean-Luc e Scot deram um mergulho desesperado em direção à linha de chegada, e todos eles se estatelaram num monte de neve em meio a gritos e aplausos.
— Scot venceu...
— Não, foi Jean-Luc...
— Não, foi o velho Nitchak...
Depois de recuperar o fôlego, Jean-Luc disse:
— Já que não há nenhuma opinião definida e que até o nosso venerável mulá não tem certeza, eu, Jean-Luc, declaro Nitchak Khan o vencedor, por um nariz de vantagem. — Houve aplausos que aumentaram quando ele acrescentou: — E como os derrotados perderam bravamente, eu os recompensarei com outra das garrafas de uísque de Tom, que ordeno que seja dividida entre todos os estrangeiros ao cair da tarde.
Todo mundo apertou a mão de todo mundo. Nitchak Khan concordou com uma corrida no mês seguinte e, como ele obedecia à lei e não bebia, regateou avaramente mas vendeu o uísque que ganhara para Jean-Luc pela metade do seu valor. Todo mundo tornou a aplaudir e, de repente, alguém deu um grito de alerta.
Na direção norte, lá no alto das montanhas, um clarão vermelho caiu na direção do vale. O silêncio foi imediato. O clarão desapareceu. Depois um outro surgiu e tornou e cair: SOS urgente.
— Emergência — disse Jean-Luc, apertando os olhos para ver melhor.
— Deve ser na plataforma Rosa ou na plataforma Bellissima.
— Já vou indo — Scot Gavallan saiu apressado.
— Vou com você — disse Jean-Luc. — Vamos levar um 212 e acompanhá-lo num vôo de verificação.
Em poucos minutos já estavam no ar. A plataforma Rosa era uma das plataformas que eles tinham conseguido através do antigo contrato da Guerney, Bellissima era uma das regulares. Todas as onze plataformas daquela área tinham sido instaladas por uma companhia italiana para a IranOil, e embora todas fossem ligadas por rádio com Zagros Três, a conexão nem sempre era possível por causa das montanhas e da estática. Os foguetes de sinalização eram um substituto.
O 212 subiu com estabilidade, passando dos três mil e quinhentos metros, com os vales cobertos de neve brilhando à luz do sol. O teto operacional deles era seis mil metros, dependendo da carga. Agora a plataforma Rosa estava bem à frente, numa clareira sobre um pequeno platô a três mil e oitocentos metros. Havia apenas uns poucos trailers para moradia e galpões espalhados ao acaso em volta da torre. E um heliporto.
— Plataforma Rosa, aqui é Jean-Luc. Está me ouvindo? — Esperou pacientemente.
— Alto e claro, Jean-Luc! — Era a voz alegre de Mimmo Sera, o homem da companhia, o posto mais elevado no campo, um engenheiro encarregado de todas as operações. — O que vocês têm para nós, hein?
— Niente, Mimmo! Vimos um clarão vermelho e estamos verificando.
— Madonna, emergência? Não fomos nós. — Imediatamente, Scot interrompeu a aproximação, fez uma curva e dirigiu-se para o novo alvo, subindo mais. — Bellissima?
— Vamos checar.
— Mantenha-nos informados, hein? Não conseguimos contato com vocês desde a última tempestade. Quais são as últimas novidades?
— As últimas notícias que tivemos foram há dois dias atrás: A BBC noticiou que em Doshan Tappeh os Imortais tinham sufocado uma rebelião de cadetes da Força Aérea e de civis. Não temos notícias do nosso QG em Teerã nem de mais ninguém. Se tivermos notícias, passo um rádio para vocês.
— Eh, rádio! Jean-Luc, vamos precisar de mais 12 carregamentos de canos de seis polegadas e a quantidade normal de cimento a partir de amanhã, OK?
— Bien sür! — Jean-Luc ficou encantado com o serviço extra e com a oportunidade de provar que eles eram melhores do que a Guerney. — Como vão as coisas?
— Perfuramos até dois mil e quinhentos metros e tudo indica que vai ser outra mina. Quero correr o poço na próxima segunda-feira, se possível. Será que você podia chamar a Schlumberger para mim?
Schlumberger era uma firma de renome internacional, que fabricava e fornecia equipamentos para coletar amostras e medir eletronicamente, com enorme precisão, a quantidade de petróleo que o poço poderia fornecer e a qualidade das diversas camadas, instrumentos para guiar as brocas, instrumentos para retirar brocas quebradas, instrumentos para perfurar, por explosão, o revestimento de aço do buraco para que o petróleo pudesse fluir no interior do cano, além dos especialistas que os utilizam. Extremamente caro, mas absolutamente necessário. 'Correr um poço' era a última tarefa antes de cimentar o revestimento de aço no lugar e fazer o poço jorrar.
— Onde quer que eles estejam, Mimmo, nós os traremos na segunda-feira... se Khomeini quiser.
— Mamma mia, diga a Nasiri que precisamos deles. A transmissão estava ficando cada vez mais fraca.
— Não há problema. Chamo você quando estiver voltando. — Jean-Luc olhou para fora da cabine, Estavam voando sobre um dos picos, ainda subindo, com os motores começando a vibrar. — Merde, estou com fome — disse, e se espreguiçou no assento. — Eu me sinto como se tivesse sido massageado por uma perfuratriz, mas foi uma grande corrida.
— Você sabe, Jean-Luc, você chegou na linha um segundo antes de Nitchak Khan. Pelo menos.
— É claro, mas nós franceses somos magnânimos, diplomatique, e muito práticos. Eu sabia que ele nos revenderia o nosso uísque pela metade do preço; se ele fosse declarado perdedor, isso nos teria custado uma fortuna. — Jean-Luc riu. — Mas se não fosse por aquela pedra, eu não teria hesitado. Teria vencido facilmente.
Scot sorriu e não disse nada, respirando com facilidade, mas consciente da sua respiração. Acima de quatro mil metros, de acordo com o regulamento, os pilotos deveriam usar máscaras de oxigênio se fossem ficar lá em cima por mais de meia hora. Mas eles nunca carregavam nenhuma e, até agora, nenhum piloto tinha sentido qualquer outro desconforto além de uma dor de cabeça, embora levasse uma semana mais ou menos para a pessoa se acostumar a viver a dois mil e quinhentos metros de altura. Era mais duro para os trabalhadores de Bellissima.
As paradas deles em Bellissima costumavam ser muito curtas. Apenas se arrastavam até lá com uma carga de, no máximo, duas toneladas. Canos, bombas, diesel, guinchos, geradores, produtos químicos, comida, trailers, tanques, homens e lama — o nome genérico dado ao líquido que era bombeado para dentro do poço para remover resíduos, para manter a broca lubrificada, para controlar o óleo ou o gás, e sem o qual era impossível uma perfuração profunda. Depois saíam de lá, leves ou com uma carga completa de homens ou de equipamentos para serem reparados ou substituídos.
Nós não passamos de um caminhão de entregas, pensou Scot, seus olhos examinando o céu, os instrumentos e tudo em volta. Sim, mas que maravilha estar voando e não dirigindo. Embaixo, os penhascos estavam bem próximos, a linha das árvores ficara para trás há muito tempo. Eles ultrapassaram o último cume. Agora podiam ver o poço.
— Bellissima, aqui é Jean-Luc, estão me ouvindo?
A plataforma Bellissima era a mais alta da cordilheira, ficava exatamente 4.100 metros acima do nível do mar. A base estava encarapitada numa saliência, logo abaixo do topo. Do outro lado da saliência, a montanha descia dois mil metros, quase a prumo, até um vale de 16 mil quilômetros de largura por cinqüenta quilômetros de comprimento, um enorme talho na superfície da terra.
— Bellissima, aqui é Jean-Luc. Estão me ouvindo? Ainda nenhuma resposta. Jean-Luc mudou de canal.
— Zagros Três, está me ouvindo?
— Alto e claro, capitão — veio a resposta imediata do seu operador de rádio iraniano, Aliwari. — Excelência Nasiri está aqui ao meu lado.
— Espere nesta freqüência. A emergência é em Bellissima, mas não conseguimos nenhum contato pelo rádio. Vamos pousar.
— Roger. Esperando.
Como sempre acontecia em Bellissima, Scot ficou maravilhado com a monumental convulsão geológica que criara o vale. E, como todos que visitavam este poço, mais uma vez pensou na enormidade do risco, do esforço e do dinheiro necessários para encontrar o campo de petróleo, escolher o lugar, levantar a torre e perfurar milhares de metros para tornar os poços lucrativos. Mas eles o eram, extremamente lucrativos, assim como toda esta enorme área com seus vastos depósitos de óleo e gás, encurralados em cones de calcário, dois a três mil metros abaixo da superfície. E mais um enorme investimento e um enorme risco para ligar este campo ao oleoduto que cavalgava as montanhas Zagros, unindo as refinarias de Isfahan, no centro do Irã às de Abadan, no golfo — outro extraordinário feito de engenharia da velha Companhia de Petróleo Anglo-lraniana, agora nacionalizada e rebatizada de IranOil. "Roubada, Scot, meu rapaz, roubada é a palavra certa", seu pai dissera muitas vezes. Scot Gavallan sorriu consigo mesmo, pensando em seu pai, com um sentimento de afeto. Tenho muita sorte em tê-lo, pensou. Ainda sinto falta de mamãe, mas foi melhor que ela tivesse morrido. É terrível para uma mulher ativa e bonita se tornar um corpo impotente, paralítico, e com a mente intacta até o fim, e ela foi a melhor mãe que uma pessoa poderia desejar. Foi uma tragédia a morte dela, principalmente para papai. Mas estou feliz por ele ter se casado de novo, Maureen é um barato, papai é um barato, minha vida é ótima e o futuro cor-de-rosa. Ainda tenho muito tempo para voar, um bocado de garotas, e dentro de dois anos eu me caso: que tal Tess? Seu coração acelerou. É uma droga que Linbar seja tio dela e que ela seja a sua sobrinha favorita, mas por sorte não tenho nada a ver com ele, ela só tem dezoito anos, então ainda temos muito tempo..
— De que lado você vai pousar, mon vieux? — ouviu através dos fones
— Vou descer pelo lado oeste — disse, voltando à realidade.
— Ótimo. — Jean-Luc estava tentando ver alguma coisa. Não havia nenhum sinal de vida. O lugar estava todo coberto de neve, quase enterrado. Só o heliporto estava limpo. Rolos de fumaça saíam dos trailers. — Ah! Veja!
Viram a figura de um homem, todo agasalhado, em pé perto do heliporto e acenando para eles
— Quem é?
— Acho que é Pietro. — Scot concentrara-se no pouso. Naquela altitude e por causa da posição sobre a saliência, havia rajadas súbitas de vento, turbulências e redemoinhos, não se podia errar. Ele se aproximou por cima do abismo, com os redemoinhos fazendo-os balançar, depois corrigiu o aparelho com precisão e pousou.
— Ótimo. — Jean-Luc voltou sua atenção para o homem agasalhado que agora reconhecia como sendo Pietro Fieri, um dos chefes da plataforma, o segundo em importância depois do homem da companhia. Eles o viram fazer um gesto com a mão como se estivesse cortando a garganta, o sinal para desligar os motores, indicando que a emergência não exigia uma decolagem imediata. Jean-Luc fez sinal para o homem se aproximar da janela e a abriu. — Qual é o problema, Pietro? — gritou por sobre o barulho dos motores.
— Guineppa está doente — Pietro gritou em resposta. Mario Guineppa era o 'homem da companhia'. E Pietro bateu com a mão no lado esquerdo do peito. — Nós achamos que pode ser o coração. E isso não é tudo. Olhe lá! — Ele apontou para cima. Scot e Jean-Luc levantaram a cabeça para ver melhor mas não conseguiram ver o que o deixava tão agitado
Jean-Luc saltou. O frio o atingiu e ele apertou os olhos que se encheram de água por causa dos redemoinhos provocados pelos rotores, os óculos escuros não ajudando grande coisa. Então ele viu o problema e seu estômago deu um salto. A algumas centenas de metros próximo ao cume, e exatamente em cima do acampamento, havia um enorme bloco de neve e gelo.
— Madonna!
— Se isso se soltar, vai causar uma enorme avalanche por toda a encosta e talvez nos leve junto e a tudo o que existe no vale. — O rosto de Pietro estava azulado do frio. Ele era gordo e muito forte, tinha uma barba grisalha e seus olhos castanhos e perspicazes estavam apertados por causa do vento. — Guineppa quer conversar com você. Venha até o trailer dele, sim?
— E aquilo? — Jean-Luc fez sinal com o polegar para cima.
— Se descer, desceu — Pietro disse com uma risada, seus dentes muito brancos contrastando com a cor do seu casaco manchado de óleo. — Vamos!
— Afastou-se do helicóptero, agachado e saiu andando. — Vamos!
Jean-Luc analisou, inquieto, o bloco de gelo. Aquilo podia ficar lá por várias semanas ou cair a qualquer momento. Acima do cume o céu estava límpido, mas o calor que vinha do sol da tarde era muito fraco.
— Fique aqui, Scot, mantenha-o ligado — gritou, e então seguiu Pietro, com dificuldade, através da neve.
O trailer de dois cômodos de Mario Guineppa estava aquecido e desarrumado, havia mapas nas paredes, roupas manchadas de óleo, luvas e chapéus pendurados em cabides, além de toda a parafernália de quem trabalhava com petróleo espalhada pelo escritório/sala de estar. Ele estava no quarto, deitado na cama, completamente vestido a não ser pelas botas, um homem alto e grande de 45 anos, com um nariz imponente, geralmente corado e resistente, mas agora pálido, com os lábios estranhamente azulados. O chefe do outro turno, Enrico Banastasio, estava com ele — um homenzinho moreno, de olhos escuros e rosto fino.
— Ah, Jean-Luc! Que bom ver você — disse Guineppa, com uma voz cansada
— Eu digo o mesmo,,mon ami.
Muito preocupado, Jean-Luc abriu sua jaqueta de vôo e sentou-se ao lado da cama. Guineppa era o responsável por Bellissima há dois anos — doze horas de trabalho, doze de descanso, dois meses lá, dois de licença — conseguira três poços muito produtivos, com espaço para perfurar mais quatro. — Você vai para o hospital em Shiraz.
— Isso não é importante, primeiro temos que cuidar daquele bloco. Jean-Luc, eu estava..
— Evacuaremos o lugar e deixaremos aquele stronzo nas Mãos de Deus — disse Banastasio.
— Mamma mia, Enrico — retrucou Guineppa, irritado. — Torno a dizer que acho que podemos dar uma ajuda a Deus, com a ajuda de Jean-Luc. Pietro concorda. Hein, Pietro?
— Sim — disse Pietro da porta, com um palito na boca. — Jean-Luc, eu fur criado em Aosta, nos Alpes italianos, então eu entendo de montanhas e de avalanches eacho..
— Si, e seipazzo, sim, e você é maluco — disse rispidamente Banastasio.
— Nel tuo culo, no teu cú — Pietro fez um gesto obsceno. — Com a sua ajuda, Jean-Luc, é fácil deslocar aquele stronzo.
— O que você quer que eu faça? — perguntou Jean-Luc.
— Leve Pietro e sobrevoe o cume, até um lugar que ele vai-lhe mostrar, na face norte. Ele vai atirar uma banana de dinamite na neve, de lá, e isso afasta o perigo daqui — respondeu Guineppa.
— Basta isso e o bloco desaparece. — Pietro sorriu radiante.
— Pelo amor de Deus, vou tornar a repetir que é muito arriscado. Nós deveríamos evacuar primeiro. Depois, se você quiser, experimente a sua dinamite — disse Banastasio ainda com mais raiva, com seu inglês de sotaque americano.
O rosto de Guineppa crispou-se de dor. Ele levou uma das mãos ao peito.
— Se evacuarmos, teremos que fechar tudo e...
— E daí? Então fechamos. E daí? Se você não liga para sua própria vida, pense nos outros. Eu sou a favor da evacuação imediata. Depois dinamitar. Jean-Luc, não é mais seguro?
— É claro que é mais seguro — respondeu cautelosamente Jean-Luc, sem querer agitar ainda mais o doente. — Pietro, você diz que entende de avalanches. Quanto tempo esta vai agüentar?
— Meu nariz diz que vai acontecer logo. Há rachaduras por baixo. Talvez amanhã, talvez esta noite. Eu sei onde dinamitar. E é muito seguro. — Pietro olhou para Banastasio. — Posso fazê-lo, não importa o que esse stronzo ache.
— Jean-Luc, eu e o meu pessoal vamos sair. Imediatamente. O que quer que se decida. — Banastasio levantou-se e saiu.
— Jean-Luc, leve Pietro lá para cima. Agora. — Pediu Guineppa, virando-se na cama.
— Antes nós vamos levar todo mundo para a plataforma Rosa, e você vai ser o primeiro — disse rispidamente Jean-Luc —, e depois dinamitar. Se funcionar, você volta para cá, se não, há bastante espaço para você na plataforma Rosa, por algum tempo.
— O primeiro não, o último... não há necessidade de evacuar. Jean-Luc mal o escutou. Estava calculando o número de homens a retirar.
Cada um dos dois turnos tinha nove homens — o chefe, seu assistente, o químico que controlava a lama e decidia a respeito dos seus componentes e do seu peso, o perfurador, que cuidava da perfuratriz, o operador de motores, responsável por todos os guinchos, bombas e assim por diante, e quatro operários para fixar ou soltar os canos e sondas.
— Vocês não têm sete iranianos, cozinheiros e operários?
— Sim. Mas estou dizendo que não é necessário evacuar — disse Guineppa, exausto.
— É mais seguro, mon vieux. — Jean-Luc virou-se para Pietro. — Diga a todo mundo para levar pouca coisa e andar depressa.
— Sim ou não? — perguntou Pietro, olhando para Guineppa.
— Solicite um voluntário para ficar aqui. Se ninguém quiser, Mãe de Deus, feche — concordou Guineppa, cansado do esforço.
Pietro estava claramente desapontado. Ainda pautando os dentes, saiu. Guineppa tornou a virar-se na cama, tentando encontrar uma posição mais confortável, e começou a praguejar. Parecia mais fraco do que antes.
— É melhor evacuar, Mario — disse baixo Jean-Luc.
— Pietro tem juízo e é inteligente mas esse porco mísero do Banastasio não presta, só causa problemas, e foi por culpa dele que o rádio quebrou, eu sei!
— O quê?
— O rádio quebrou durante o turno dele. Agora nós precisamos de um novo, você tem um de reserva?
— Não, mas vou ver se posso lhe arranjar um. Pode ser consertado? Talvez um dos nossos mecânicos possa...
— Banastasio disse que escorregou e caiu em cima dele, mas eu o ouvi batendo no rádio com um martelo porque ele não queria funcionar... Mamma mia! — Guineppa fechou os olhos, apertou o peito e começou a praguejar de novo.
— Há quanto tempo você está sentindo dores?
— Há dois dias. Hoje está pior. Aquele stronzo do Banastasio! — Guineppa resmungou. — Mas o que se podia esperar? Está no sangue. A família dele é meio-americana, não? Dizem que o lado americano tem ligações com a Máfia.
Jean-Luc sorriu consigo mesmo, sem acreditar, não prestando muita atenção ao que ele dizia. Sabia que eles se odiavam. Guineppa, o nobre português-romano, e Banastasio, o camponês siciliano-americano. Mas isso não é tão surpreendente assim, pensou, ilhados aqui em cima, com doze horas de trabalho e doze de folga, dia após dia, mês após mês, por melhor que seja o salário.
Ah, o salário! Como eu gostaria de ter o salário deles! Até o operário mais humilde ganha em uma semana o que eu ganho em um mês — umas miseráveis 1.200 libras esterlinas por mês para mim, um capitão, e encarregado do treinamento, com quatro mil e oitocentas horas! Mesmo com as míseras 500 libras de bonificação mensais por estar no exterior, não é suficiente para sustentar minha mulher, meus filhos, pagar colégio, prestações e os maldidos impostos... quanto mais a melhor comida e o melhor vinho e a minha querida Sayada. Ah, Sayada, como eu senti saudades suas!
Se não fosse por causa de Lochart...
Que merda! Tom Lochart podia ter-me deixado ir com ele e eu poderia estar agora em Teerã nos braços dela! Meu Deus, como eu preciso dela. E de dinheiro. Dinheiro! Que os sacos de todos os cobradores de impostos se desfaçam em pó e seus perus desapareçam! Eu mal tenho com o que viver e se o Irã entrar pelo cano então, o que vai acontecer? Aposto que a S-G não vai sobreviver. Azar o deles; sempre haverá trabalho para um piloto de helicóptero bom como eu, em qualquer parte do mundo.
— Sim, mon vieux! — perguntou, ao ver que Guineppa o observava.
— Só vou embarcar na última viagem.
— É melhor ir na frente, há um médico na plataforma Rosa.
— Eu estou bem, honestamente.
Então Jean-Luc ouviu seu nome sendo chamado e vestiu o casaco.
— Posso fazer alguma coisa por você?
— Apenas levar Pietro lá para cima com a dinamite. — Sorriu cansado Guineppa.
— Farei isso, mas por último, e se tiver sorte, antes do anoitecer. Não se preocupe.
Lá fora, o frio tornou a atingi-lo. Pietro esperava por ele. Os homens já estavam reunidos perto do helicóptero, com sacolas e malas de vários tamanhos. Banastasio passou, levando um grande pastor alemão.
— O homem disse para só levar coisas leves — disse-lhe Pietro.
— É o que estou fazendo — respondeu Banastasio, com a mesma rispidez.
— Eu tenho os meus papéis, o meu cachorro e os meus homens. O resto pode ser substituído pela maldita companhia. — Depois, virando-se para Jean-Luc:
— Você tem uma carga grande, é melhor se apressar.
Jean-Luc checou os homens a bordo, e o cachorro, depois chamou Nasiri pelo rádio e disse-lhe o que iam fazer.
— OK, Scot, pode ir. Você pilota — disse Jean-Luc e saltou. Viu Scot arregalar os olhos.
— Sozinho?
— Por que não, mon bravei Você já completou as horas necessárias. Este é o seu terceiro vôo de treinamento. Você tem que começar em algum momento. Ande logo.
Observou Scot levantar vôo. Em menos de cinco segundos o helicóptero estava sobre o abismo, a dois mil e quinhentos metros de altura, e ele sabia o quanto esta primeira decolagem solitária de Bellissima seria impressionante e maravilhosa, invejando a sensação que o rapaz devia estar sentindo. O jovem Scot merece, pensou, observando-o criticamente.
— Jean-Luc!
Desviou os olhos do helicóptero que se afastava e procurou em volta, imaginando o que havia de diferente. Então percebeu que era o silêncio, tão grande que pensou estar surdo. Por um momento, sentiu-se estranhamente desequilibrado, até um pouco enjoado, depois o barulho do vento voltou e ele se sentiu bem de novo.
— Jean-Luc, aqui! — Pietro estava na sombra, com um grupo de homens, do outro lado do acampamento, fazendo sinal para ele. Caminhou com dificuldade até eles. Estavam estranhamente silenciosos.
— Olhe lá — disse nervosamente Pietro, e apontou para cima. — Bem embaixo do bloco. Lá! Uns dez ou vinte metros abaixo. Está vendo as rachaduras?
Jean-Luc viu-as. Seus testículos se encolheram. Enquanto eles olhavam houve um grande rugido. Toda aquela massa pareceu se mover um bocadinho. Um pequeno naco de gelo e neve despencou. Foi ganhando velocidade e aumentando de tamanho ao descer pela encosta íngreme. Eles ficaram paralisados de horror. A avalanche, agora uma massa com toneladas de neve e gelo, caiu a apenas uns cinqüenta metros deles.
Um dos homens quebrou o silêncio.
— Vamos torcer para que o helicóptero não volte rodopiando como um camicase. Isso poderia ser o detonador, amico. Mesmo um ligeiro ruído poderia fazer despencar aquele stronzo inteiro.
18
NOS CÉUS, PERTO DE QAZVIN: 15:17H. Desde que Charlie Pettikin saíra de Tabriz, há quase duas horas, com Rakoczy — o homem que ele conhecia como Smith — tinha mantido o 206 o mais estável possível, na esperança de embalar o homem da KGB, fazendo-o dormir ou, pelo menos, baixar a guarda. Pela mesma razão, evitara conversar, tirando os fones do ouvido e pendurando-os no pescoço. No fim, Rakoczy desistira, passando apenas a observar o ter reno lá embaixo. Mas permaneceu alerta, com a arma no colo e o polegar na trava de segurança. E Pettikin ficou imaginando quem seria ele, o que faria, a que grupo de revolucionários pertenceria — fedayim, mujhadin ou partidário de Khomeini — ou se pertenceria aos legalistas, à polícia, ao Exército ou à Savak, e, neste caso, por que era tão importante para ele chegar a Teerã. Nunca ocorreu a Pettikin que o homem era russo e não iraniano.
Em Bandar-e Pahlavi, onde o reabastecimento foi terrivelmente lento, ele não tinha feito nada para quebrar a monotonia, apenas gastara seus últimos dólares americanos, observara enquanto os tanques eram reabastecidos, e depois assinara a nota oficial da IranOil. Rakoczy tentara puxar conversa como empregado que estava reabastecendo o helicóptero, mas o homem foi hostil, estava visivelmente assustado de ser visto reabastecendo aquele helicóptero estrangeiro, e ainda mais assustado com a metralhadora que estava no assento dianteiro.
Durante todo o tempo em que estiveram no chão, Pettikin tinha pesado as chances de tentar agarrar a metralhadora. Mas não houve nenhuma chance. A metralhadora era tcheca. Na Coréia ele tinha visto muitas. E também no Vietnã. Meu Deus, pensou, parece ter sido há um milhão de anos.
Decolara de Bandar-e Pahlavi e agora se dirigia para o sul a uma altura de trezentos e cinqüenta metros, seguindo a estrada de Qazvin. A leste, podia ver a praia onde tinha deixado o capitão Ross e seus dois paraquedistas. Mais uma vez ficou imaginando como souberam que voaria para Tabriz e qual seria a missão deles. Espero que consigam — seja lá o que for que tenham que fazer. Deve ser alguma coisa urgente e importante. Espero tornar a ver Ross, isso me agradaria...
— Por que está sorrindo, capitão?
A voz veio através dos fones. Automaticamente, na hora de decolar, ele os tinha posto. Olhou para Rakoczy e deu de ombros, depois voltou a controlar seus instrumentos e o chão lá embaixo. Quando estava sobre Qazvin, inclinou-se para sudeste, seguindo a estrada de Teerã, novamente se retraindo. Seja paciente, disse a si mesmo, e aí viu Rakoczy ficar tenso e aproximar o rosto da janela, olhando para baixo.
— Incline-se para a esquerda... um pouco para a esquerda — ordenou Rakoczy, com urgência na voz, a atenção inteiramente concentrada no solo. Pettikin inclinou suavemente o helicóptero, com Rakoczy no lado baixo.
— Não, mais! Incline 180 graus.
— O que é? — perguntou Pettikin. Aumentou a inclinação, subitamente consciente de que o homem se esquecera da metralhadora que estava no seu colo. Seu coração disparou.
— Lá, na estrada. Aquele caminhão.
Pettikin não prestou nenhuma atenção ao que se passava lá embaixo. Manteve os olhos na metralhadora, calculando a distância cuidadosamente, com o coração batendo.
— Onde? Não estou vendo nada... — aumentou ainda mais a inclinação, para tomar um novo rumo. — Que caminhão? Você diz...
Com a mão esquerda ele agarrou a arma pelo cano e atirou-a, de qualquer jeito, para a parte de trás da cabine. Ao mesmo tempo, sua mão direita puxou o controle ainda mais para a esquerda, depois para a direita e de novo esquerda-direita, fazendo o helicóptero sacudir terrivelmente. Rakoczy foi apanhado totalmente de surpresa e sua cabeça bateu na lateral do aparelho, ficando momentaneamente tonto. Rápido, Pettikin fechou o punho esquerdo e lançou-o contra o queixo do homem para deixá-lo inconsciente. Mas Rakoczy, treinado em karatê, com reflexos rápidos, conseguiu deter o golpe com o antebraço. Ainda meio tonto, ele se agarrou no pulso de Pettikin, recuperando as forças a cada segundo. Enquanto os dois homens lutavam, o helicóptero continuava perigosamente inclinado, com Rakoczy ainda na parte de baixo. Eles se agarraram um ao outro, praguejando, atrapalhados pelos cintos de segurança. Os dois ficavam cada vez mais nervosos, e Rakoczy, que estava com as duas mãos livres, começou a dominar.
De repente, Pettikin segurou o controle com os joelhos, e com a mão direita tornou a golpear o rosto de Rakoczy. O golpe não pegou direito, mas o esforço o desequilibrou, empurrando a alavanca para a esquerda e prejudicando o delicado equilíbrio dos seus pés nos pedais de direção. Imediatamente, o helicóptero virou de lado, perdeu toda a sustentação — nenhum helicóptero pode voar sozinho nem mesmo por um segundo — com a força centrífuga puxando ainda mais o seu peso para um lado e, na confusão, a alavanca geral foi empurrada para baixo. O helicóptero despencou, descontrolado.
Em pânico, Pettikin abandonou a luta. Às cegas, lutou para recuperar o controle, com os motores roncando e os instrumentos enlouquecidos. Mãos, pés e treinamento lutando contra o pânico, tentando corrigir as manobras. Caíram trezentos metros antes que conseguisse endireitar e equilibrar o aparelho, com o coração na boca, e o chão coberto de neve a 15 metros.
Suas mãos tremiam. Era difícil respirar. Então sentiu alguma coisa dura enfiada no lado do corpo e ouviu Rakoczy praguejando. Embotadamente, percebeu que a língua não era iraniana, mas não a reconheceu. Olhou para ele e viu o rosto contorcido de ódio e o metal cinzento da arma e se xingou por não ter pensado nisso. Com raiva, tentou empurrar a arma, mas Rakoczy a apertou contra o seu pescoço.
— Pare ou vou explodir sua cabeça, seu matyeryebyets!
Rápido, Pettikin inclinou violentamente o aparelho, mas a arma foi pressionada com mais força, machucando-o. Sentiu a trava de segurança sendo solta.
— Sua última chance!
O chão estava muito próximo, passando por eles vertiginosamente. Pettikin viu que não conseguiria abalá-lo.
— Está bem. Está bem — disse, endireitando o aparelho e começando a subir. A pressão da arma aumentou e, com ela, a dor. — Pelo amor de Deus, você está me machucando e tirando meu equilíbrio! Como posso pilotar se...
Rakoczy simplesmente apertou a arma com mais força, gritando com ele, xingando-o, batendo com a cabeça dele contra as traves da porta.
— Pelo amor de Deus! — gritou desesperado Pettikin, tentando colocar os fones de ouvido que tinham sido arrancados durante a luta. — Como é que eu posso pilotar com uma arma no pescoço? — A pressão cedeu um pouco e ele endireitou o aparelho. — Quem é você, afinal?
— Smith! — Rakoczy também estava nervoso. Mais um segundo, pensou, e nos teríamos esparramado como um monte de merda. — Você pensa que está lidando com um matyeryebyets amador? — Antes que pudesse se controlar, seus reflexos o levaram a atingir Pettikin na boca.
Pettikin desequilibrou-se com o golpe e o helicóptero balançou mas foi controlado. Sentiu o calor se espalhando pelo rosto.
— Faça isso de novo e eu viro o aparelho de cabeça para baixo — disse com grande decisão.
— De acordo — disse imediatamente Rakoczy. — Peço desculpas por essa... por essa estupidez, capitão. — Cuidadosamente, voltou a se endireitar no assento mas manteve a arma pronta e apontada. — Sim, não havia necessidade disso. Sinto muito.
— Você está se desculpando? — Pettikin encarou-o confuso.
— Sim. Por favor, me desculpe. Eu não sou um bárbaro. — Rakoczy se recompôs. — Se você me der a sua palavra de que vai parar de tentar me atacar, eu largo a arma. Juro que você não corre nenhum perigo.
— Está bem — disse, depois de refletir por um momento. — Se me disser quem você é e o que faz.
— Você me dá a sua palavra?
— Sim.
— Muito bem, eu aceito a sua palavra, capitão. — Rakoczy tornou a travar a arma e guardou-a. — Meu nome é Ali bin Hassan Karakose e eu sou curdo. A minha casa, a minha aldeia, fica na encosta do monte Ararat, na fronteira entre o Irã e a União Soviética. Pela Graça de Deus, sou um Combatente pela Liberdade contra o xá e contra qualquer outra pessoa que queira nos escravizar. Isso o satisfaz?
— Sim. Sim, estou satisfeito. Então se...
— Por favor, mais tarde. Primeiro vá até lá. Depressa. — Rakoczy apontou para baixo. — Desça e chegue mais perto.
Estavam a duzentos e cinqüenta metros, à direita da estrada Qazvin— Teerã. Uma aldeia estendia-se pelos dois lados da estrada um quilômetro para trás e eles podiam ver a fumaça sendo espalhada pelo vento forte.
— Onde?
— Lá, ao lado da estrada.
A princípio, Pettikin não conseguiu ver o que o homem estava apontando, sua mente estava cheia de perguntas a respeito dos curdos e dos seus séculos de guerra contra os xás persas. Então, viu um monte de carros e caminhões parados de um dos lados da estrada, e homens cercando uma caminhonete moderna que tinha uma estrela azul sobre um fundo branco no teto, e o resto do tráfego se arrastando lentamente.
— Você quer dizer lá? Você quer se aproximar daqueles carros e daqueles caminhões? — perguntou, com o rosto ainda ardendo e o pescoço doendo. — Aquele grupo de caminhões perto da caminhonete com a cruz azul no teto?
— Sim.
Obedientemente, Pettikin iniciou a descida.
— O que há de tão importante neles? — perguntou, levantando os olhos. Viu o homem encará-lo com suspeita. — O que é agora?
— Você realmente não sabe o que significa uma cruz azul sobre um fundo branco?
— Não. O que é? — Pettikin olhava para a caminhonete que estava muito mais perto agora, perto o bastante para ver que se tratava de um Range Rover vermelho, cercado por uma multidão enfurecida, e que um dos homens estava arrebentando as janelas traseiras com a coronha de um rifle.
— É a bandeira da Finlândia — ouviu através dos fones e o nome 'Erikki' surgiu em sua mente.
— Erikki tinha um Range Rover — exclamou e viu a janela ser despedaçada. — Você acha que é Erikki?
— Sim... sim, é possível.
Imediatamente, ele desceu e aumentou a velocidade, esquecendo-se da dor, com a excitação sobrepujando todas as perguntas que lhe vieram à cabeça, de como e por que este Combatente pela Liberdade conhecia Erikki. Agora podia ver a multidão se virando para eles e pessoas se dispersando. Passou muito rápido e baixo, mas não conseguiu ver Erikki.
— Conseguiu vê-lo?
— Não. Não pude ver o interior do carro.
— Nem eu — disse ansiosamente Pettikin —, mas alguns daqueles bandidos estão armados e estão quebrando as janelas. Você os viu?
— Sim, devem ser fedayins. Um deles atirou em nós. Se você... Rakoczy parou, segurando-se firme, enquanto o helicóptero fazia uma curva de 180 graus, a cinco metros do chão, e tornava a voltar. Desta vez a multidão fugiu, com as pessoas tropeçando umas nas outras. Os veículos, que trafegavam nas duas direções, tentaram aumentar a velocidade ou pararam subitamente, com um caminhão carregado derrapando e batendo em outro. Vários carros e caminhões saíram da estrada e um deles quase virou dentro do fosso.
Quando estava bem emparelhado com o Range Rover, Pettikin fez uma volta de noventa graus para vê-lo de frente — levantando uma nuvem de neve — por tempo suficiente para reconhecer Erikki, depois fez outra volta de noventa graus para subir.
— É ele mesmo. Você viu os buracos de balas no pára-brisa? — perguntou, chocado. — Pegue a metralhadora aí atrás. Vou firmar o aparelho e depois vamos pegá-lo. Depressa, quero mantê-los atordoados.
Imediatamente, Rakoczy abriu o cinto de segurança, esticou a mão pela janela de comunicação mas não conseguiu apanhar a arma que estava no chão. Com grande dificuldade, ele se virou no assento e engatinhou pela abertura, tentando alcançá-la, e Pettikin viu que o homem estava nas suas mãos. Seria tão fácil abrir a porta e empurrá-lo para fora. Tão fácil. Mas impossível.
— Ande logo! — Gritou e ajudou-o a voltar ao assento. — Coloque o cinto.
Rakoczy obedeceu, tentando recuperar o fôlego, abençoando o fato de Pettikin ser amigo do finlandês, sabendo que se suas posições estivessem invertidas ele não hesitaria em abrir a porta.
— Estou pronto — disse levantando a metralhadora, estarrecido com a burrice de Pettikin. Os ingleses são tão burros que os filhos da mãe merecem perder. — O que...
— Aqui vamos nós! — Pettikin acelerou o aparelho, fazendo a curva e mergulhando. Ainda havia alguns homens armados perto da caminhonete, com as armas apontadas para eles. — Vou amaciá-los e quando eu disser 'fogo' dê uma rajada por cima da cabeça deles!
O Range Rover se aproximou rapidamente, hesitou e depois rodopiou como um bêbado — não havia nenhuma árvore perto — tornou a hesitar e partiu em direção ao helicóptero que dançava em volta deles. Pettikin freou subitamente, a uns vinte metros de distância, a trinta metros do chão.
— Fogo! — ordenou.
Imediatamente, Rakoczy lançou uma rajada de balas pela janela, mirando não acima das cabeças, mas bem no meio de um grupo de homens e mulheres que estavam agachados atrás da caminhonete de Erikki, fora da linha de visão de Pettikin, matando ou ferindo alguns deles. Todos os que estavam perto fugiram em pânico — os gritos dos feridos se misturando ao ronco dos motores.
Motoristas e passageiros saltaram dos carros e caminhões e foram engatinhando pela neve como podiam. Mais uma rajada e mais pânico, agora todo mundo corria para se proteger, e o tráfego estava todo parado. Na estrada, alguns rapazes saíram de trás de um caminhão carregando rifles. Rakoczy atirou neles e nos que estavam perto.
— Faça 360 graus — gritou.
Imediatamente, o helicóptero fez uma piraeta, mas não havia ninguém perto. Pettikin viu quatro corpos na neve.
— Eu disse sobre as cabeças, pelo amor de Deus! — gritou, mas nesse momento a porta do Range Rover se abriu e Erikki saltou, com a faca numa das mãos. Por um momento ficou sozinho, depois uma mulher coberta com o chador apareceu do lado dele. Na mesma hora Pettikin pousou o aparelho mantendo-o quase no ar.
— Venham! — Gritou, acenando para eles. Começaram a correr, com Erikki quase carregando Azadeh, a quem Pettikin ainda não reconhecera.
Ao lado dele, Rakoczy abriu a porta, saltou, abriu a porta de trás e se virou, pondo-se em guarda. Deu mais uma rajada em direção aos carros. Erikki parou, perplexo ao ver Rakoczy.
— Depressa! — gritou Pettikin, sem entender o motivo da hesitação de Erikki. — Erikki, venha! — Então reconheceu Azadeh. — Meu Deus... — murmurou, depois gritou: — Venha, Erikki!
— Rápido, eu não tenho mais muita munição! — gritou Rakoczy, em russo.
Erikki levantou Azadeh no colo e correu. Algumas balas passaram perto. Quando chegaram ao helicóptero, Rakoczy ajudou a colocar Azadeh na traseira do aparelho, depois empurrou Erikki com o cano da metralhadora.
— Largue sua faca e entre na frente! — Ordenou em russo.
Meio paralisado de susto, Pettikin viu Erikki hesitar, com o rosto contorcido de raiva.
— Por Deus, há munição mais do que suficiente para ela, para você e para este imbecil deste piloto. Suba!
De algum lugar no meio do tráfego, uma metralhadora começou a atirar. Erikki jogou a faca na neve e subiu no assento da frente, Rakoczy deslizou para o lado de Azadeh e Pettikin decolou e acelerou, ziguezagueando como uma perdiz assustada, e depois subiu para os céus.
— Que diabo está acontecendo? — perguntou, quando pôde falar. Erikki não respondeu. Virou a cabeça para se certificar de que Azadeh estava bem. Ela estava com os olhos fechados, encolhida num canto, ofegante, tentando recuperar o fôlego. Viu que Rakoczy tinha fechado o cinto de segurança dela, mas quando Erikki estendeu a mão para tocá-la, o russo fez sinal com a arma para ele parar.
— Ela ficará bem, eu prometo — ele continuou a falar em russo —, desde que você se comporte como o seu amigo foi ensinado a se comportar. — Manteve os olhos nele enquanto enfiava a mão na sua sacola e apanhava outro pente de balas. — Você já sabe. Agora faça o favor de virar para a frente.
Tentando controlar sua fúria, Erikki obedeceu. Colocou os fones no ouvido. Não havia meio de Rakoczy ouvir o que eles dissessem — não havia nenhum intercomunicador lá atrás — e pareceu-lhes estranho estarem tão livres e no entanto tão aprisionados.
— Como você nos encontrou, Charlie, quem mandou você? — perguntou, com a voz grave.
— Ninguém — disse Pettikin. — O que é que há com aquele filho da mãe? Fui para Tabriz para apanhar você e Azadeh, fui seqüestrado por aquele filho da puta lá atrás e ele me obrigou a ir para Teerã. Foi pura sorte, por Deus, o que foi que houve com vocês?
— Nós ficamos sem gasolina. — Erikki contou-lhe brevemente o que tinha acontecido. — Quando o motor parou, pensei que estava liquidado. Todo mundo parecia ter enlouquecido. Num momento estava tudo bem, depois estávamos outra vez cercados, como na barreira. Tranquei todas as portas, mas era só uma questão de tempo... — Ele se virou novamente. Azadeh estava com os olhos abertos e tinha tirado o chador do rosto. Sorriu para ele, cansada, esticou o braço para tocá-lo, mas Rakoczy impediu-a.
— Por favor, desculpe-me, Alteza — disse em farsi —, mas espere até pousarmos. Tudo ficará bem. — Repetiu isso em russo, acrescentando para Erikki: — Tenho um pouco d'água aqui. Você gostaria que eu desse para sua mulher?
— Sim, por favor. — E observou Azadeh bebendo, agradecida.
— Você quer um pouco?
— Não, obrigado — disse educadamente, embora estivesse sedento, não querendo receber nenhum favor. Sorriu para ela encorajadoramente. — Azadeh, foi como um maná dos céus, hein? Charlie foi como um anjo.
— Sim... sim. Foi a Vontade de Deus. Estou bem agora, Erikki, graças a Deus. Agradeça a Charlie por mim...
Ele escondeu sua preocupação. O segundo tumulto a aterrorizara. E ele, ele tinha jurado que se conseguisse escapar vivo daquela confusão, nunca mais viajaria sem um revólver e, de preferência, granadas de mão. Viu Rakoczy observando-o. Balançou a cabeça e tornou a virar para a frente.
— Matyerybyets — resmungou, automaticamente verificando os instrumentos.
— Esse sujeito é um lunático; não havia necessidade de matar ninguém, eu disse a ele para atirar por cima das cabeças. — Pettikin baixou ligeiramente a voz, inquieto por estar falando tão abertamente, embora não houvesse nenhum modo de Rakoczy escutar. — O filho da mãe quase me matou duas vezes. Como você o conhece, Erikki? Você ou Azadeh já estiveram metidos com os curdos?
— Curdos? Você está se referindo àquele matyerybye lá atrás? — Erikki olhou para ele espantado.
— É claro que sim, Ali bin Hassan Karakose. Ele vem do monte Ararat. Ele é curdo, faz parte dos Combatentes pela Liberdade.
— Ele não é nenhum curdo, é russo e trabalha para a KGB.
— Meu Deus! Você tem certeza? — Pettikin estava visivelmente chocado.
— Oh, sim. Ele afirma ser muçulmano, mas aposto que isso também é mentira. Ele me disse que o nome dele é Rakoczy, outra mentira. Todos eles são mentirosos, por que nos contariam alguma coisa, a seus inimigos?
— Mas ele jurou que era verdade e eu lhe dei a minha palavra. — Furioso, Pettikin contou-lhe a respeito da luta e do trato que tinham feito.
— Você é que é idiota, Charlie, não ele. Você nunca leu Lenin? Stalin? Marx? Ele só está fazendo o que todos os membros da KGB e todos os comunistas fazem: fazer qualquer coisa a favor da causa 'sagrada', poder total e absoluto para o partido comunista da União Soviética, e fazer com que nós nos enforquemos para poupar-lhes o trabalho. Meu Deus, eu gostaria de uma vodca.
— Um conhaque duplo seria melhor.
— Os dois juntos seria melhor ainda. — Erikki analisou o chão lá embaixo. Eles estavam voando bem, com os motores funcionando perfeitamente e com bastante combustível. Seus olhos examinaram o horizonte procurando Teerã. — Não falta muito agora. Ele já disse onde devemos pousar?
— Não.
— Então talvez a gente tenha uma chance.
— Sim. — A apreensão de Pettikin aumentou. — Você mencionou uma barreira na estrada. O que aconteceu lá?
— Fomos parados. Esquerdistas. Tivemos que fugir. Não temos mais documentos, nem Azadeh nem eu. Nada. Um filho da mãe gordo que estava na barreira ficou com eles e não houve tempo de recuperá-los. — Estremeceu. — Eu nunca senti tanto medo, Charlie. Nunca. Estava impotente no meio daquele tumulto e quase cagando de medo porque não podia protegê-la. Aquele gordo fedorento filho da mãe ficou com tudo, passaporte, identidade, licença para pilotar, tudo.
— Mac vai-lhe arranjar outros documentos, e sua embaixada lhes dará novos passaportes.
— Eu não estou preocupado comigo. E Azadeh?
— Ela também vai conseguir um passaporte finlandês. Como Xarazade conseguiu um canadense, não se preocupe.
— Ela ainda está em Teerã, não está?
— Com certeza. Tom também deve estar lá. Ele estava sendo esperado ontem, devia chegar de Zagros, trazendo correspondência de casa... — Que estranho, pensou Pettikin. Eu ainda me refiro à Inglaterra como 'casa', mesmo depois de ter perdido Claire, de ter perdido tudo. — Ele acabou de chegar de licença.
— Era isto o que eu queria, sair de licença. Estou com uma licença vencida. Talvez Mac possa mandar alguém me substituir. — Erikki deu um soco de leve em Pettikin. — O que tiver de ser, será, hein? Ei, Charlie, aquele foi um vôo e tanto. Quando eu o vi, pensei que estava sonhando ou então que já estava morto. Você viu a minha bandeira finlandesa?
— Não, foi o Ali... como foi que você o chamou? Rekowski?
— Rakoczy.
— Rakoczy a reconheceu. Se ele não a tivesse reconhecido eu não saberia. Sinto muito. — Pettikin olhou para ele. — O que ele quer com você?
— Não sei, mas seja o que for, é para atender a propósitos soviéticos. — Erikki praguejou. — Então nós devemos a vida a ele, hein?
— Sim, eu não poderia fazer aquilo tudo sozinho. — Olhou em torno. Rakoczy estava totalmente alerta. Azadeh cochilava, com o lindo rosto cheio de sombras. Balançou ligeiramente a cabeça e depois virou-se. — Azadeh parece estar bem.
— Não, Charlie, não está. — Disse Erikki, sentindo uma dor por dentro. — Hoje foi um dia terrível para ela. Ela disse que nunca tinha estado tão perto de camponeses antes... Quero dizer cercada, presa. Hoje eles a fizeram sentir-se desprotegida. Agora ela viu a verdadeira face do Irã, a realidade do seu povo. Isto e mais o fato de ter sido obrigada a usar o chador. — Mais uma vez um arrepio percorreu-o. — Foi um estupro. Eles estupraram a sua alma. Agora acho que tudo vai ser diferente para ela, para nós. Acho que ela vai ter que escolher. A família ou eu, o Irã ou o exílio. Eles não nos querem aqui, Charlie. A nenhum de nós.
— Não, você está errado. Talvez para você e Azadeh seja diferente, mas eles ainda vão precisar do petróleo e por isso precisarão de helicópteros. Nós ainda vamos servir por alguns anos, por uns bons anos. Com os contratos da Guerney e todo... — Pettikin parou, sentindo uma batida no ombro e virou a cabeça. Azadeh estava acordada agora. Ele não ouviu o que Rakoczy disse e então tirou um dos fones.
— O quê?
— Não use o rádio, capitão e prepare-se para pousar fora da cidade, onde eu disser.
— Eu... eu tenho que pedir permissão.
— Não seja idiota! Permissão de quem? Está todo mundo ocupado demais lá embaixo. O aeroporto de Teerã está sitiado, assim como Doshan Tappeh e Galeg Morghi. Aceite o meu conselho e desça no pequeno aeroporto de Rudrama, depois de me deixar.
— Eu tenho que me comunicar. Os militares insistem.
— Os militares? — E Rakoczy riu sardonicamente. — E o que você iria comunicar? Que pousou ilegalmente perto de Qazvin, ajudou a matar cinco ou seis civis e apanhou dois estrangeiros que estavam fugindo. Fugindo de quem? Do povo.
Pettikin virou para a frente com a cara fechada, disposto a se comunicar, mas Rakoczy inclinou-se e sacudiu-o rudemente.
— Acorde! Os militares não existem mais. Os generais aceitaram a vitória de Khomeini. Os militares não existem mais. Eles se renderam!
Todos olharam para ele estarrecidos. O helicóptero balançou. Apressadamente, Pettikin fez a correção.
— Do que é que você está falando?
— Na noite passada os generais ordenaram que todas as tropas voltassem aos seus quartéis. De todas as armas — todos os homens. Eles abandonaram o campo de batalha em favor de Khomeini e da sua revolução. Agora não há mais nem exército nem polícia entre Khomeini e o poder. O povo venceu!
— Não é possível — discordou Pettikin.
— Não — Azadeh disse assustada. — Meu pai teria sabido.
— Ah, Abdullah, o Grande? — Rakoczy retrucou com um sorriso de deboche. — Ele agora já deve saber, se ainda estiver vivo.
— Não é verdade.
— É... é possível que seja, Azadeh — disse Erikki, chocado. — Isto explicaria por que nós não vimos nem policiais nem soldados, e também por que a multidão estava tão hostil.
— Os generais nunca fariam isso — ela afirmou, abalada, depois virou-se para Rakoczy. — Seria suicídio, para eles e para milhares de pessoas. Dig; a verdade, por Alá!
O rosto de Rakoczy mostrou a sua satisfação, o seu prazer por distorcei as palavras e símear a dissensão para perturbá-los.
— Agora o Irã está nas mãos de Khomeini, dos seus mulás e da sua guarde revolucionária.
— É mentira.
— Se isto é verdade — disse Pettikin—, Bakhtiar está acabado. Elenun...
— Aquele fraco imbecil nem começou! — Rakoczy começou a rir. — O aiatolá Khomeini fez os generais se borrarem de medo e agora vai cortar as suas gargantas por medida de segurança.
— Então a guerra está terminada.
— Ah, a guerra — repetiu Rakoczy, sombriamente. — Está acabada. Para alguns.
— Sim — disse Erikki, preparando-lhe uma armadilha. — E se o que você diz é verdade, está tudo terminado para você também. Para todos os do Tudeh e para todos os marxistas. Khomeini vai massacrar vocês todos.
— Oh, não, capitão. O aiatolá foi a espada para destruir o xá, mas foi o povo quem empunhou a espada.
— Ele, os seus mulás e o povo vão destruir você. Ele é tão anticomunista quanto antiamericano.
— É melhor esperar para ver, em vez de se iludir, hein? Khomeini é um homem prático e adora o poder, não importa o que ele diga agora.
Pettikin viu Azadeh empalidecer e sentiu uma sensação igual.
— E os curdos? — perguntou asperamente. — O que você me diz deles? Rakoczy inclinou-se para a frente, com um estranho sorriso.
— Eu sou um curdo, não importa o que o finlandês tenha dito a você a respeito de Rússia e KGB. Ele pode provar o que diz? É claro que não. Quanto aos curdos, Khomeini vai tentar nos esmagar, se o deixarem, junto com todas as minorias tribais ou religiosas, os estrangeiros e a burguesia, os proprietários de terra, os agiotas, os partidários do xá e — ele acrescentou com um sorriso de deboche — e todas as pessoas que não aceitarem a sua interpretação do Corão. Ele vai derramar rios de sangue em nome do seu Alá, do seu, não do único e verdadeiro Deus. Se aquele filho da mãe puder. — Olhou para baixo, conferindo o rumo, depois acrescentou ainda mais sardonicamente. — Aquela Espada de Deus herética já cumpriu sua tarefa e agora vai ser transformada numa relha de arado... e enterrada.
— Você quer dizer assassinado? — perguntou Erikki.
— Enterrado — mais uma vez ele riu —, quando der na veneta do povo.
Azadeh tentou arranhar-lhe o rosto, amaldiçoando-o. Ele a dominou facilmente e segurou-a, enquanto ela se debatia. Erikki olhava, pálido de raiva. Não havia nada que ele pudesse fazer. Por enquanto.
— Pare! — disse rudemente Rakoczy. — Você mais do que ninguém deveria querer esse herege morto. Ele vai esmagar Abdullah Khan e todos os Gorgons e você junto com eles, se vencer. — Ele a empurrou. — Comporte-se ou vou ser obrigado a machucá-la. É verdade, você, mais do que ninguém, deveria querer vê-lo morto. — Levantou a metralhadora. — Virem-se, vocês dois.
Eles obedeceram, com ódio do homem e da arma. Lá na frente, surgiam os arredores de Teerã, a uns quinze quilômetros de distância. Seguiam a estrada e a ferrovia, com as montanhas Elburz à esquerda, aproximando-se da cidade pelo lado oeste. O céu estava carregado de nuvens pesadas, e não havia sol.
— Capitão, está vendo o rio, lá, onde a ferrovia o atravessa? E a ponte?
— Sim, estou vendo — disse Pettikin, tentando fazer um plano para dominá-lo, assim como Erikki também estava fazendo, imaginando se poderia virar e agarrá-lo, mas estava do outro lado.
— Pouse um quilômetro ao sul, atrás daqueles arbustos. Está vendo? Não muito longe dos arbustos havia uma estrada secundária que ia para
Teerã. Com pouco tráfego.
— Sim, e depois?
— E depois você está dispensado. Por enquanto. — Rakoczy riu e esfregou a nuca de Pettikin com o cano da arma. — Com os meus agradecimentos. Mas não se vire mais. Mantenham-se virados para a frente, vocês dois, fiquem com os cintos amarrados e saibam que estou vigiando atentamente. Quando aterrissar, faça-o com segurança e habilidade e quando eu estiver livre, decole. Mas não se virem ou eu posso me assustar. Homens assustados puxam o gatilho. Entendido?
— Sim. — Pettikin estudou o local de pouso. Ajustou os fones. — Parece bem para você, Erikki?
— Sim. Cuidado com os montes de neve. — Erikki tentou manter o nervosismo fora da sua voz.
— Deveríamos ter um plano.
— Acho que ele... que ele é esperto demais, Charlie.
— Talvez ele cometa algum erro.
— Eu só preciso de um.
O pouso foi simples e fácil. A neve, levantada pelas hélices, formava ondas ao lado das janelas.
— Não se virem!
Os nervos dos dois homens estavam em pandarecos. Ouviram a porta se abrir e sentiram o ar gelado. Então Azadeh gritou:
— Erikkiiii!
Apesar das ordens, os dois homens se viraram. Rakoczy já estava do lado de fora, arrastando Azadeh com ele, resistindo, lutando e tentando se agarrar na porta, mas ele a dominou facilmente. A arma já estava pendurada no ombro dele. Imediatamente, Erikki abriu a porta e saltou, deslizou sob a fuselagem e atacou. Mas chegou tarde. Uma rajada de balas o fez parar. A dez metros de distância, livre das hélices, Rakoczy apontava a arma para eles com uma das mãos e com a outra agarrava com firmeza a gola do chador de Azadeh. Por um instante, ela também ficou parada, depois redobrou os esforços, gritando e chorando, batendo nele, pegando-o desprevenido. Erikki atacou.
Rakoczy agarrou-a com as duas mãos e empurrou-a violentamente na direção de Erikki, interrompendo o ataque e fazendo os dois caírem no chão. No mesmo instante, deu um pulo para trás, virou-se e saiu correndo, tornou a virar, com a arma apontada, o dedo no gatilho. Mas não houve necessidade de atirar, pois o finlandês e a mulher ainda estavam de joelhos, meio aturdidos. Ele viu Erikki recuperar o controle e empurrá-la protetoramente para trás dele, preparando-se para tornar a atacar.
— Pare — ordenou —, ou desta vez eu vou matar todos vocês. PARE! — Deu uma rajada de metralhadora na neve. — Voltem para o helicóptero. Vocês dois! — Agora totalmente alerta, Erikki olhou-o com suspeita. — Andem! Vocês estão livres. Vão!
Terrivelmente assustada, Azadeh subiu no banco de trás. Erikki foi recuando devagar, protegendo-a com o seu corpo. Rakoczy manteve a arma apontada. Viu o finlandês se sentar atrás, com a porta ainda aberta, os pés escorados no esqui. Imediatamente os motores aceleraram. O helicóptero subiu meio metro do chão, girou devagar ficando de frente para ele, com a porta de trás sendo fechada. Seu coração bateu ainda mais depressa. Agora, pensou, mato vocês todos ou nós vivemos para lutar ainda uma outra vez?
O momento pareceu-lhe durar uma eternidade. O helicóptero recuou, aos poucos, ainda um alvo muito tentador. Apertou de leve o dedo no gatilho. Mas não o suficiente. Alguns metros mais adiante o aparelho balançou, se afastou rapidamente sobre os campos cobertos de neve e se dirigiu para o céu.
Ótimo, pensou, quase vencido pelo cansaço. Teria sido melhor se eu tivesse conseguido levar a mulher como refém, mas não importa. Nós poderemos agarrar a filha do velho Abdullah Khan amanhã ou depois. Ela pode esperar e Yokkonen também. Enquanto isso há um país a ser dominado, há generais, mulás e aiatolás para matar... e outros inimigos.
19
NO AEROPORTO DE TEERÃ: 17:05H. McIver guiava cuidadosamente pela estrada que acompanhava a cerca de arame farpado, dirigindo-se para o portão que levava à área de carga. A estrada cobrira-se de uma neve escorregadia. A temperatura estava muito baixa, o céu carregado, e faltava menos de uma hora para anoitecer. Mais uma vez ele olhou para o relógio. Não há muito tempo, pensou, ainda aborrecido com o fechamento do seu escritório pelo komiteh, na noite anterior. De manhã bem cedo tentara entrar no edifício, mas ainda estava guardado e todas as suas tentativas de obter permissão para verificar o telex mostraram-se infrutíferas.
— Maldita gente — dissera Genny quando ele regressou ao apartamento, furioso, — Deve haver alguma coisa que possamos fazer. Que tal George Talbot? Ele não pode ajudar?
— Duvido, mas vale a pena tentar. Se Valik estivesse... — McIver parou. — Tom já deve ter reabastecido nesta altura e já deve estar chegando. Onde quer que seja.
— Tomara que sim — disse ela, fazendo uma prece silenciosa. — Vamos torcer pelo melhor. Viu alguma loja aberta?
— Nenhuma, Gen. O almoço vai ser sopa em lata e uma cerveja.
— Sinto muito, mas a cerveja acabou.
Ele tentara se comunicar com Kowiss e com as outras bases no seu HF, mas não obteve resposta de nenhuma delas. Também não conseguiu pegar nem a BBC nem a AFN. Ele tinha ouvido por algum tempo os inevitáveis comentários antiamericanos da Rádio Livre do Irã em Tbilisi e desligara com raiva. O telefone estava mudo. Tentara ler, mas não conseguira, com a mente cheia de preocupações a respeito de Lochart, Pettikin, Starke e todos os outros, detestando estar proibido de usar seu escritório e o telex e, no momento, sem controle da situação. Isso nunca acontecera antes, nunca. Maldito xá por ter partido e deixado tudo desmoronar. Antigamente era tudo maravilhoso. Qualquer problema era só ir até o aeroporto, pegar um avião para Isfahan, Tabriz, Abadan, Ormuz, Al Shargaz ou qualquer outro lugar, depois fazer o resto do percurso de helicóptero, sempre que se tivesse vontade. As vezes Genny ia junto, para passear — faziam piqueniques e tomavam uma cerveja bem gelada.
— Que droga!
Logo depois do almoço, o HF se manifestara. Era Freddy Ayre, de Kowiss, para comunicar que o 212 estaria no aeroporto de Teerã por volta das 17 horas, vindo de Al Shargaz, um pequeno território independente que ficava a mil e trezentos quilômetros ao sul de Teerã, do outro lado do golfo, e onde a S-G tinha um escritório.
— Ele disse se tinha uma licença, Freddy? — perguntara McIver, nervosamente.
— Não sei. A única coisa que o nosso QG em Al Shargaz disse foi: "ETA Teerã 1700, avise a McIver. Não consigo me comunicar com ele", e repetiu isso várias vezes.
— Como estão as coisas por aí?
— Tudo bem — respondera Ayre. — Starke ainda está em Bandar Delam e não conseguimos nenhum contato com eles exceto por um snafu* há meia hora atrás.
*Snafu — Situation normal, ail fucked-up. (Situação normal, merda geral.)
— Rudi enviou isso? — McIver tentara manter a voz calma.
— Sim.
— Mantenha-se em contato com eles e conosco. O que foi que aconteceu com seu operador de rádio hoje de manhã? Tentei me comunicar durante umas duas horas e não consegui.
Houve uma longa pausa.
— Ele foi detido.
— Mas por quê?
— Não sei, Mac... capitão McIver. Assim que souber eu comunicarei. Também assim que puder vou mandar Marc Dubois de volta para Bandar Delam, mas, bem, as coisas estão um pouco confusas por aqui. Estamos limitados ao território da base, há... há uma amável e encantadora patrulha armada na torre, todos os vôos estão cancelados exceto as emergências e mesmo assim temos que ir acompanhados por guardas. E nenhum vôo fora da nossa área está autorizado.
— Por que tudo isso?
— Não sei. O nosso adorado comandante, coronel Peshadi, me assegurou que era uma coisa temporária, só por hoje e talvez amanhã. Aliás, às 15:16h, nós recebemos um breve chamado do capitão Scragger, em Charlie Eco Zulu Zulu, a caminho de Bandar Delam, num vôo especial.
— Por que diabo ele está indo para lá?
— Não sei, senhor. O velho Ser... o capitão Scragger disse que foi requisitado por de Plessey, em Siri. Eu, ahn, eu acho que não tenho mais muito tempo. O nosso amável guarda está ficando nervoso, mas se o senhor conseguir mandar o 125 para cá, Peshadi disse que dará permissão para ele pousar. Vou tentar tirar Manuela daqui, mas não tenha muita esperança, ela está mais nervosa que um coelho dentro de um canil, sem notícias de Starke.
— Posso imaginar. Diga-lhe que estou mandando Gen. Vou desligar agora, Deus sabe quanto tempo vou levar até o aeroporto. — E dirigiu sua atenção para Genny. — Gen, faça a mala...
— O que você quer levar, Duncan? — ela perguntou com uma voz doce.
— Não sou eu que vou, é você.
— Não seja bobo, querido. Se você quer esperar o 125, é melhor se apressar, mas tenha cuidado e não se esqueça dos retratos! Ah, por falar nisso, esqueci de dizer que, enquanto você estava tentando entrar no escritório, Xarazade mandou um dos empregados dela até aqui nos convidar para jantar.
— Gen, você vai partir com o 125 e está decidido!
A discussão não tinha durado muito. Ele saíra e usara estradas secundárias, quase todos os principais cruzamentos estavam bloqueados pela multidão. Todas as vezes que o pararam, mostrou o retrato de Khomeini com a frase VIDA LONGA PARA O AIATOLÁ escrita em farsi e o deixaram passar. Não viu nem soldados nem policiais, então não precisou do retrato do xá com a frase LONGA VIDA PARA O GLORIOSO IRÃ escrita embaixo. Ainda assim, levou duas horas e meia para fazer um percurso que levava, normalmente, uma hora, a ansiedade por chegar atrasado crescendo a cada minuto.
Mas o 125 não estava em nenhuma das pistas, nem na área de carga, nem perto do terminal que ficava do outro lado do campo. Olhou outra vez para o relógio: 17:17h. Só mais uma hora de claridade. Ele vai chegar por pouco, se é que vai chegar, pensou. Só Deus sabe, eles podem ter voltado.
Perto do terminal, vários jatos civis ainda estavam presos no chão. Um deles, um 747 da Royal Iranian Air era uma ruína retorcida, destruído pelo fogo. Os outros pareciam em boas condições — estava longe demais para enxergar os emblemas, mas entre eles devia estar o avião da Alitalia. Paula Giancani ainda estava hospedada com eles, com Nogger Lane de plantão. Ela é uma garota simpática, pensou distraidamente.
Na frente dele, agora, erguia-se o portão da área de carga e depósito. O depósito estava fechado desde a última quarta-feira. E automaticamente, ficara fechado também na quinta e na sexta — o dia sagrado dos muçulmanos — era este o fim-de-semana iraniano, e nem ele, nem ninguém da sua equipe tinha conseguido chegar lá no sábado ou no domingo. O portão estava aberto e desguarnecido. Passou por ele e se dirigiu para o pátio dianteiro. Na sua frente estava o galpão de carga da alfândega e cercas com avisos em inglês e em farsi: PROIBIDA A ENTRADA, CHEGADA, PARTIDA, MANTENHA DISTÂNCIA, além das tabuletas com os nomes das diversas companhias internacionais de aviões e de helicópteros que tinham escritórios permanentes ali. Normalmente, era quase impossível entrar com o carro no pátio. Havia mil homens trabalhando vinte e quatro horas, descarregando a enorme quantidade de produtos, civis e militares, que entravam no Irã em troca de parte dos noventa milhões de dólares diários de petróleo que eram exportados. Mas agora a área estava deserta. Centenas de caixotes de madeira e caixas de papelão de todos os tamanhos estavam espalhados na neve — muitos abertos e saqueados, a maioria encharcada. Havia alguns carros e caminhões abandonados, e um caminhão queimado. Os galpões estavam cheios de buracos de balas.
O portão da alfândega, que impedia a entrada no pátio de manobras, estava fechado, preso apenas por um ferrolho. O aviso, em inglês e em farsi, dizia: PROIBIDA A ENTRADA SEM APROVAÇÃO DA ALFÂNDEGA. Ele esperou, depois buzinou e tornou a esperar. Ninguém atendeu, então saltou, abriu o portão e voltou para o carro. Poucos metros depois parou, tornou a fechar o portão e se dirigiu para o complexo da S-G: escritório, depósitos, hangares e oficina com espaço para quatro 212 e cinco 206, contendo agora três 206 e um 212.
Para seu alívio, as portas ainda estavam trancadas. Estava com medo que os depósitos e o hangar tivessem sido arrombados e saqueados ou destruídos. Aquele era o depósito principal da companhia, no Irã, para peças de reposição e consertos. Mais de dois milhões de dólares em peças de reposição e ferramentas especializadas estavam guardadas lá, além das bombas de reabastecer e os tanques subterrâneos contendo uma carga secreta de duzentos mil litros de combustível para helicóptero que McIver tinha 'perdido' quando começaram as agitações.
Examinou o céu. O vento indicava que o 212 pousaria pelo lado oeste, na pista 29 da esquerda, mas não havia nenhum sinal dele. Destrancou a porta, fechando-a de novo, e caminhou rapidamente pelo saguão gelado até o escritório principal onde ficava o telex. Estava desligado.
— Malditos idiotas — murmurou em voz alta. As ordens eram para que ficasse ligado o tempo todo. Quando o ligou, nada aconteceu. Experimentou as luzes, mas elas também não acenderam. — Maldito país. — Irritado, foi até os receptores-transmissores em HF e UHF e ligou-os. Ambos funcionavam à bateria, para o caso de emergências. O zumbido deles o reconfortou.
— Eco Tango Lima Lima — disse alto no microfone, fornecendo as letras de matrícula do 125: ETLL. — Aqui é McIver, estão me ouvindo?
— Eco Tango Lima Lima. Se estamos, meu velho — a resposta lacônica chegou imediatamente. — Aqui em cima está um bocado solitário. Nós estamos chamando há meia hora. Onde você está?
— No escritório de carga. Sinto muito, Johnny — disse, reconhecendo a voz do seu principal comandante. — Foi difícil como o diabo chegar até aqui. Acabei de chegar. Onde você está?
— Trinta quilômetros rumo sul, a três mil metros de altitude e descendo em aproximação de rotina, esperando pousar na pista 29 esquerda. O que está havendo, Mac? Não conseguimos falar com a torre de Teerã. De fato, não recebemos nenhum chamado desde que entramos no espaço aéreo do Irã.
— Meu Deus! Nem do radar de Kish?
— Nem deles, meu velho. O que está havendo?
— Não sei. A torre estava operando ontem... até a meia-noite de ontem. Os militares nos deram licença para um vôo para o sul. — McIver estava perplexo, sabendo que o radar de Kish era muito meticuloso com relação a todo o tráfego que entrava e saía, principalmente através do golfo. — O aeroporto está deserto, o que é muito esquisito. No caminho havia uma multidão de gente nas ruas, algumas barricadas, mas nada fora do comum, nenhum tumulto nem nada.
— Algum problema para pousar?
— Duvido que algum dos aparelhos auxiliares de pouso esteja funcionando, mas o lençol de nuvens está a uns mil e quinhentos metros, e a visibilidade é de quinze quilômetros. A pista parece boa.
— O que você acha?
McIver pesou os prós e os contras de uma aterrissagem sem assistência ou licença da torre.
— Você tem combustível suficiente para uma viagem de volta?
— Oh, sim. Você está sem combustível?
— No momento, só para uma emergência.
— Estou atravessando a camada de nuvens a mil e quinhentos metros e já estou vendo vocês.
— OK, Eco Tango Lima Lima. O vento está soprando do leste a uma velocidade aproximada de dez nós. Normalmente você pousaria na 29 esquerda. A base militar parece estar fechada e deserta, portanto não deve haver nenhum outro tráfego. Todos os vôos civis, entrando ou saindo, foram cancelados. Sugiro que você sobrevoe o aeroporto e se estiver tudo bem desça imediatamente. Não fique aí por cima, há muitos brincalhões pregando peças por aqui. Assim que pousar, posicione o aparelho de modo a poder decolar rapidamente, só por precaução. Eu vou me encontrar com você.
— Eco Tango Lima Lima.
McIver tirou um lenço e enxugou as mãos e a testa. Mas quando se levantou, o seu coração deu um salto no peito.
Havia um guarda da alfândega na porta, com a mão displicentemente pousada no coldre do revólver. Seu uniforme estava sujo e amarrotado, o rosto arredondado mostrava uma barba de três ou quatro dias.
— Oh — disse McIver, lutando para aparentar calma. — Salaam, aga. — Não o reconheceu como sendo um dos guardas habituais.
O homem trocou ostensivamente a mão que segurava o revólver, com os olhos indo de McIver para os aparelhos de rádio e de volta para McIver. Hesitantemente, pois McIver falava muito pouco farsi, ele disse:
— Inglissi me danid, Agha? Be bahk shid man zaban-e shoma ra khoob nami danam. O senhor fala inglês? Desculpe-me por favor, mas eu não falo a sua língua.
— O que está fazendo aqui? — resmungou o guarda, num inglês hesitante, com os dentes manchados de fumo.
— Eu... eu sou o capitão McIver, chefe da S-G Helicópteros — respondeu, devagar e com cuidado. — Eu só estou... só estou checando o meu telex e estou aqui para esperar um dos meus aviões.
— Avião? Que avião? O que...
Neste momento, o 125 passou diretamente sobre o aeroporto, a trezentos metros de altura. O guarda saiu correndo do escritório, seguido de perto por McIver. Eles viram as belas linhas do jato de dois motores contra um céu escuro e pesado, e ficaram olhando por um momento enquanto ele fazia uma curva pronunciada para pegar a pista.
— Que avião, hein?
— E o nosso vôo regular... o nosso vôo regular de Al Shargaz.
Este nome fez com que o homem despejasse uma torrente de palavras.
— Be bahk shid nana dhan konan. Sinto muito, não compreendo.
— Não pousar... não pousar, compreende? — O homem apontou furioso em direção ao avião e ao escritório onde estava o HF. — Avise avião!
McIver concordou calmamente, não se sentindo nada calmo, e fez sinal para que ele tornasse a entrar no escritório. Contou dez mil riais, cerca de 110 dólares, e ofereceu ao homem.
— Por favor, aceite a taxa de pouso; o dinheiro do pouso.
O homem soltou mais uma torrente de farsi. McIver pôs o dinheiro sobre a mesa e depois se dirigiu para o depósito. Destrancou uma porta. No pequeno cômodo, construído ali exatamente com este objetivo, havia vários tipos de peças e três latões de vinte litros, cheios de gasolina. Pegou um latão e o colocou do lado de fora, lembrando-se do que o general Valik dissera: um pishkesh não era um suborno, mas um presente e um ótimo costume iraniano. Depois de pensar um segundo, McIver decidiu sair e deixar a porta aberta — três latões eram mais do que suficientes para garantir que não houvesse problemas.
— Be bahk shid, Agha. Por favor, com licença Excelência. — Depois acrescentou em inglês: — Eu preciso encontrar com meus patrões.
O homem saiu do edifício e entrou no carro, sem olhar para trás.
— Maldito filho da mãe, quase me causou um ataque do coração! — murmurou McIver, depois tirou o homem da cabeça e se dirigiu para a pista. A neve tinha só uns poucos centímetros de profundidade e não estava muito ruim. As marcas que seu carro tinha deixado eram as únicas, e as outras pistas estavam igualmente intactas. O vento aumentara, piorando o frio, mas ele não notou, concentrado no avião.
O 125 surgiu, fazendo uma curva pronunciada, com o trem e os flaps abaixados, deslizando de lado habilmente para perder altura e diminuir a distância de aproximação. John Hogg freou e pousou, deixando o avião rodar até estar em segurança e mesmo então usando os freios com muito cuidado. Entrou na pista de taxiar, acelerou para se encontrar com McIver e parou perto do primeiro caminho de acesso de volta à pista.
Quando McIver se aproximou, a porta estava aberta e John Hogg esperava, enrolado num casaco, batendo com os pés no chão por causa do frio.
— Oi, Mac — exclamou, um homem esbelto e elegante de rosto fino e bigode. — Que ótimo ver você. Venha aqui para dentro, está mais quente.
— Boa idéia. — McIver desligou o carro e seguiu-o, subindo os degraus e entrando no avião. Lá dentro estava aconchegante, as luzes acesas, o café pronto, jornais de Londres nas prateleiras. McIver sabia que havia vinho e cerveja na geladeira, um toalete com vaso sanitário e papel macio lá atrás. Era a civilização outra vez. Trocou um aperto de mão caloroso com Hogg e acenou para o co-piloto.
— Prazer em vê-lo, Johnny. — E abriu a boca de espanto. Sentado em uma das poltronas do avião de oito lugares, sorrindo para ele, estava Andy Gavallan.
— Olá, Mac!
— Meu Deus! Meu Deus, Chinês, que bom ver você — disse McIver, apertando-lhe a mão. — Que diabo você está fazendo aqui? Por que não me avisou que vinha? Que foi...
— Devagar, rapaz. Café?
— Meu Deus, sim. — McIver sentou-se em frente a ele. — Como vai Maureen? E a pequena Electra?
— Estão ótimas. Maravilhosas! Ela ainda vai fazer dois anos e já é um terror! Achei que precisávamos conversar, então entrei neste pássaro e aqui estou.
— Você nem sabe o quanto estou contente. Você está com uma aparência ótima — disse McIver.
— Obrigado, rapaz, você também não está mal. Como é que você está passando, de verdade, Mac? — perguntou Gavallan, mais atentamente.
— Muito bem. — Hogg colocou o café na frente de McIver. Com uma pequena dose de uísque para ele e outra para Gavallan.
— Ah, obrigado, Johnny — disse McIver, animando-se. — Saúde! — Brindou com Gavallan e engoliu a bebida satisfeito. — Estou mais gelado que um cadáver. Acabei de ter um pega com um maldito guarda da alfândega! Por que você está aqui? Algum problema, Andy? Oh, e quanto ao 125? Tanto os revolucionários quanto os legalistas andam muito exaltados. Qualquer um deles pode chegar aqui e apreendê-lo à força.
— Johnny Hogg está vigiando. Vamos conversar a respeito dos meus problemas num instante, mas achei que era melhor vir até aqui e ver com os meus próprios olhos. Temos muita coisa em jogo agora, aqui e fora daqui, com os novos contratos e os aparelhos que estão para chegar. O X63 é um espetáculo, Mac, é o que pode haver de melhor.
— Ótimo, formidável. Quando vamos tê-lo?
— No ano que vem, depois conversamos mais sobre ele. Agora, o Irã é o problema prioritário. Temos que fazer alguns planos de emergência, como manter contato e assim por diante. Ontem eu levei horas em Al Shargaz tentando conseguir uma licença iraniana para vir a Teerã, mas não consegui. Até a embaixada estava fechada; fui pessoalmente ao prédio, em Al Mullah, mas estava fechada. Pedi ao nosso representante para ligar para a casa do embaixador, mas ele tinha saído para almoçar... o dia inteiro. No fim, fui até o controle de tráfego aéreo de Al Shargaz e bati um papo com eles. Eles sugeriram que nós esperássemos, mas eu os convenci a nos dar uma licença e deixar-nos tentar e aqui estamos. Em primeiro lugar, em que estado estão as nossas operações?
McIver relatou o que sabia.
Grande parte do bom humor de Gavallan desapareceu.
— Então Charlie sumiu, Tom Lochart está arriscando o pescoço e todos os nosso negócios no Irã, estúpida ou corajosamente, dependendo do ponto de vista. Duke Starke está passando dificuldades em Bandar Delam com Rudi, Kowiss está sitiada e nós fomos expulsos dos nossos escritórios.
— Sim — acrescentou sombriamente McIver —, eu autorizei o vôo de Tom.
— Provavelmente eu teria feito o mesmo se estivesse aqui, embora isso não justifique o perigo para ele, para nós ou para aquele pobre infeliz do Valik e sua família. Mas eu concordo, a Savak não é prato para ninguém. — Gavallan estava inteiramente desconcertado, embora seu rosto não o demonstrasse. — Ian estava certo de novo.
— Ian? Dunross? Você o viu? Como está aquele doido?
— Ele me ligou de Shangai. — Gavallan contou-lhe o que ele dissera. — Quais são as últimas novidades na situação política por aqui?
— Você deve saber mais do que nós. Nós só conseguimos notícias através da BBC ou da Voz da América. Os jornais ainda não estão circulando e só há boatos — disse McIver, mas ele estava se lembrando dos bons tempos que tinha passado com Dunross em Hong Kong. Ele o ensinara a pilotar um pequeno helicóptero, um ano antes de se juntar a Gavallan em Aberdeen, e embora não tivessem feito uma grande amizade, McIver tinha gostado muito da sua companhia. — Bakhtiar ainda está no poder, com as Forças Armadas por trás dele, mas Bazargan e Khomeini estão lhe mordendo os calcanhares... Oh, maldição, eu esqueci de contar, o chefe Kyabi foi assassinado.
— Meu Deus, que coisa horrível! Mas por quê?
— Nós não sabemos por que nem como nem por quem. Freddy Ayre contou-nos velada...
— Desculpe interromper, senhor — ouviu-se pelo alto-falante, e havia uma nota de urgência na voz plácida de Hogg. — Três carros cheios de homens e de armas estão vindo nesta direção, vindos da área do terminal.
Os dois homens espiaram pelas janelinhas redondas. Conseguiram ver os carros. Gavallan apanhou o binóculo e o ajustou.
— Há cinco ou seis homens em cada carro. Há um mulá no banco da frente do primeiro carro. É gente de Khomeini. — Pendurou o binóculo no pescoço e saiu rapidamente do assento. — Johnny!
— Sim, senhor? — respondeu Hogg, já na porta.
— Plano B! — Imediatamente, Hogg fez um sinal com os polegares para cima para o co-piloto que, na mesma hora, começou a abrir os manetes enquanto Gavallan se enfiava num casaco e apanhava uma sacola de viagem. — Vamos, Mac! — Desceu os degraus de dois em dois, com McIver atrás dele. Assim que eles saíram os degraus foram puxados, a porta fechada, os motores ligados e o 125 taxiou, ganhando velocidade. — Fique de costas para os carros, Mac, não olhe para eles, olhe o avião decolando!
Tudo aconteceu tão depressa que McIver mal teve tempo de puxar o fecho ecler do casaco. Um dos carros avançou para interceptar o avião mas, nessa altura, o 125 já corria pela pista. Em segundos ele decolou e se afastou. Então eles se viraram para enfrentar os carros que chegavam.
— E agora, Andy?
— Isso depende do comitê de recepção.
— Que diabo era o Plano B?
— Melhor que o Plano C, cara — disse Gavallan, rindo. — Este era uma merda. Plano B: Eu salto, Johnny decola imediatamente e não diz a ninguém que teve que sair correndo, amanhã ele volta para me apanhar no mesmo horário; se não houver nenhum contato, visual ou pelo rádio, então Johnny pula um dia e vem uma hora mais cedo. E assim por diante durante quatro dias. Então ele fica estacionado em Al Shargaz e aguarda novas instruções.
— Plano A?
— Esse era se nós pudéssemos ter passado a noite aqui. Eles montando guarda e eu com você.
Os carros pararam, o mulá e os Faixas Verdes os cercaram, apontando as armas para eles, todo mundo gritando. De repente, Gavallan berrou:
— Allah-u Akbar — e todo mundo parou, estatelado. Com um floreio, levantou o chapéu para o mulá, que também estava armado, tirou um documento de aparência oficial do bolso, escrito em farsi, que estava selado com lacre vermelho na ponta. Entregou-o ao mulá. — É uma licença para pousar em Teerã concedida pelo 'novo' embaixador em Londres — disse a McIver enquanto os homens se juntavam em volta do mulá espiando para o papel. — Eu parei em Londres para apanhá-lo. Ele diz que eu sou um VIP, em missão oficial e que posso entrar e sair do país sem ser incomodado.
— Como você conseguiu isso? — perguntou McIver, com admiração.
— Influência, meu rapaz, influência e um grande heung yau. — E cuidadosamente usou o equivalente cantonês a pishkesh.
— Vocês vêm conosco — disse um jovem de barba que estava perto do mulá, com um sotaque americano. — Vocês estão presos!
— Sob que acusação, meu caro senhor?
— Pouso ilegal sem permis...
— Isto aqui é uma licença concedida pelo seu próprio embaixador em Londres! Viva a Revolução! Vida longa para o aiatolá Khomeini!
O jovem hesitou, depois traduziu para o mulá. Houve uma troca furiosa de palavras entre eles.
— Vocês vêm conosco!
— Nós os seguiremos no nosso carro! Vamos, Mac — disse Gavallan, com firmeza e entrou no carro. McIver ligou o motor. Por alguns instantes os homens ficaram sem ação, depois o homem que sabia falar inglês e mais um outro entraram atrás. Ambos carregavam uma AK47
— Vá para o terminal! Vocês estão presos!
No terminal, perto da seção de Imigração, havia mais homens hostis e um funcionário da Imigração muito nervoso. Imediatamente, McIver mostrou o seu passe para o aeroporto, sua carteira de trabalho, explicou quem eles eram e que trabalhavam para a IranOil e tentou convencê-los a deixá-los passar, mas o mandaram calar a boca. O funcionário examinou meticulosamente o papel e o passaporte de Gavallan — com os rapazes o tempo todo em volta deles, com seus corpos fedorentos. Depois abriu a valise de Gavallan e a revistou grosseiramente, mas ela continha apenas um aparelho de barbear, uma camisa, roupa de baixo e roupa de dormir. E um quarto de litro de uísque. Imediatamente a garrafa foi confiscada por um dos rapazes, aberta e despejada no chão.
— Dew neh loh moh — Gavallan disse docemente em cantonês, e McIver quase caiu na gargalhada. — Viva a revolução.
O mulá interrogou o funcionário, e eles puderam ver o medo e o suor dele. No fim, o rapaz que sabia falar inglês disse:
— As autoridades vão ficar com o papel e o passaporte e vocês vão ter que dar mais explicações mais tarde.
— Eu vou ficar com o meu passaporte — disse Gavallan, tranqüilamente.
— O passaporte vai ficar com as autoridades. Os inimigos vão sofrer. Aqueles que desrespeitarem as leis... pousos ilegais e entradas no país. Sofrerão castigos islâmicos. Sua Excelência quer saber quem estava no avião com você.
— Só a minha tripulação, de duas pessoas. Estão no registro anexo à permissão para pousar. Agora, o meu passaporte, por favor, e este documento.
— Vão ficar com as autoridades. Onde você vai ficar? — McIver deu o endereço dele.
O homem traduziu. Mais uma vez houve uma discussão acalorada.
— Informo-lhes que agora seus aviões não podem voar nem pousar sem antes pedir permissão. Todos os aviões são do Irã. Todos os aviões que estão no Irã agora pertencem ao Estado e..
— Os aviões pertencem aos seus donos legais — disse McIver.
— Sim — disse o homem com um riso de deboche —, o nosso Estado islâmico é o dono. Se não gostarem das leis, saiam. Saiam do Irã. Nós não os convidamos para virem aqui.
— Ah, mas você se engana. Nós, da S-G Helicópteros, fomos convidados para vir para cá. Nós trabalhamos para o seu governo e temos servido à IranOil há anos.
— A IranOil é uma companhia do xá. — E o homem cuspiu no chão. — O Estado islâmico é o dono do petróleo, e não os estrangeiros. Vocês logo serão presos junto com todos os outros por um grande crime: roubar o petróleo do Irã.
— Bobagem! Nós não roubamos nada. — disse McIver —Nós ajudamos o Irã a entrar no século vinte! Nós.
— Saiam do Irã, se quiserem — tornou a dizer o porta--voz, sem prestar atenção nele. — Agora todas as ordem vêm do imã Khomeini, que Alá o proteja! Ele diz: nenhum pouso ou decolagem sem permissão. E sempre um dos guardas de Khomeini acompanhará cada avião. Entendido?
— Compreendemos o que você diz — respondeu educadamente Gavallan. — Posso pedir-lhe para nos dar isso por escrito, já que o governo de Bakhtiar pode não concordar.
O homem traduziu e houve muitas gargalhadas.
— Bakhtiar partiu — disse rindo o homem. — Aquele cão do xá está escondido. Escondido, vocês compreendem? O imã é o governo. Só ele!
— Sim, é claro — disse Gavallan, sem acreditar nele. — Nós podemos ir, então?
— Vão. Amanhã apresentem-se às autoridades.
— Onde, e a que autoridades?
— Às autoridades de Teerã.
O homem traduziu para os outros e mais uma vez todo mundo riu. O mulá pôs o passaporte e o papel no bolso e saiu andando com imponência. Alguns guardas foram com ele, levando junto o suado funcionário da Imigração. Os outros ficaram andando por ali, aparentemente a esmo. Alguns ficaram vigiando-os, encostados na parede, fumando, com seus rifles do exército americano pendurados de qualquer jeito.
Estava muito frio no terminal. E muito vazio.
— Ele está com toda a razão, sabe? — disse uma voz. Gavallan e McIver olharam para trás. Era George Talbot, da embaixada britânica, um homem baixo e seco de 55 anos, vestindo uma capa de chuva grossa e um chapéu de pele, de estilo russo. Estava na porta de um escritório da alfândega, acompanhado por um homem alto, de ombros largos, de uns sessenta anos, de olhos azuis, cabelos e bigode grisalhos, vestido displicentemente, usando um cachecol, um chapéu mole e uma capa de chuva velha. Ambos estavam fumando.
— Oh, olá, George, prazer em vê-lo. — Gavallan foi até ele e estendeu a mão. Ele o vinha encontrando através dos anos, tanto no Irã quanto na Malásia, o antigo posto de Talbot, onde a S-G também operava em grande escala. — Há quanto tempo você está aqui?
— Há poucos minutos apenas. — Talbot apagou o cigarro e tossiu distraidamente. — Alô, Duncan! Bem, isto aqui está uma confusão, hein?
— Se está. — Gavallan olhou para o outro homem.
— Ah, posso lhe apresentar o sr. Armstrong?
— Olá — cumprimentou-o Gavallan, imaginando onde o vira antes e quem era ele, notando a dureza do olhar e o rosto forte. Aposto cinqüenta libras como ele é da CIA, se for americano, pensou. — O senhor também é da embaixada? — perguntou como quem não quer nada.
— Não, senhor — respondeu o homem, sorrindo.
Gavallan tinha preparado os ouvidos, mas não detectou um sotaque nem genuinamente inglês nem americano. Pode ser uma coisa ou outra, ou canadense, pensou, é difícil dizer com duas palavras.
— Você está aqui em missão oficial, George? — perguntou McIver.
— Sim e não. — Talbot foi andando para a porta que levava ao pátio do aeroporto, onde o carro de McIver estava estacionado, afastando-os dos ouvidos indiscretos. — Na verdade, assim que ouvimos o barulho do jato de vocês, nós, ahn, nós corremos para cá na esperança de que vocês pudessem levar, ahn, alguns despachos para o governo de Sua Majestade. O embaixador ficaria imensamente grato, mas, bem, nós chegamos bem na hora em que o avião estava decolando. Uma pena!
— Gostaria de ajudar no que for possível — disse Gavallan, também em voz baixa. — Talvez amanhã? — Viu o olhar trocado entre os dois homens e ficou imaginando o que mais estaria errado.
— Será possível, sr. Gavallan? — Perguntou Armstrong.
— É possível. — Gavallan chegou à conclusão que ele era inglês, embora sem muita certeza.
— Você vai partir com ou sem permissão do Irã, uma permissão oficial, nem passaporte? — Talbot sorriu e tossiu sem notar.
— Eu, ahn, tenho uma cópia da permissão. E outro passaporte. Eu pedi um de reserva, oficialmente, no caso de alguma eventualidade
— Irregular, mas prudente — suspirou Talbot. — Sim. Oh, aliás, eu gostaria muito de ter uma cópia da sua permissão para pousar.
— Talvez não seja uma idéia muito boa... oficialmente. Você nunca sabe o tipo de roubo que algumas pessoas andam fazendo hoje em dia.
— Se você, ahn, partir amanhã, nós ficaríamos gratos se tivesse a gentileza de levar o sr. Armstrong. Suponho que Al Shargaz será a sua primeira parada — disse Talbot.
— Isto é um pedido formal? — perguntou Gavallan, hesitante.
— Formalmente informal. — E Talbot sorriu.
— Com ou sem permissão do Irã, visto e passaporte?
— Você tem toda a razão em perguntar. — Disse Talbot dando uma risada. — Eu garanto que os papéis do sr. Armstrong estarão perfeitamente em ordem. — E acrescentou incisivamente para terminar a conversa: — Como você salientou, não há limites para os furtos que estão ocorrendo hoje em dia.
— Muito bem, sr. Armstrong, eu estarei na casa do capitão McIver. O senhor decide se quer entrar em contato comigo. O primeiro ETD será por volta das 17 horas, mas eu não vou ficar esperando. Está bem?
— Obrigado, senhor.
Mais uma vez, Gavallan prestou atenção no sotaque do homem, mas não conseguiu ter certeza.
— George, quando nós começamos a conversar, você disse, referindo-se àquele filho da mãe arrogante: "Ele está com toda a razão, sabe." Está com a razão a respeito de quê? Que agora eu vou ter que procurar ou me apresentar a alguma nebulosa autoridade em Teerã?
— Não. Que Bakhtiar renunciou e está escondido.
— Meu Deus, você tem certeza? — E os dois homens o olharam de boca aberta.
— Bakhtiar renunciou formalmente há umas duas horas atrás e, sabiamente, desapareceu. — A voz de Talbot era suave e calma, a fumaça do cigarro pontuava suas palavras. — Na verdade, a situação se tornou subitamene muito arriscada, daí a nossa, ahn, ansiedade em, bem, não importa. Ontem à noite, o chefe do Estado-Maior, general Ghara-Baghi, apoiado pelos generais, ordenou a todas as tropas que voltassem aos quartéis, declarando que as Forças Armadas, de agora em diante, eram 'neutras', deixando assim o primeiro-ministro totalmente indefeso e entregando o Estado a Khomeini.
— Neutras? — repetiu Gavallan, sem acreditar. — Isso não é possível. Não é possível. Eles estariam cometendo suicídio.
— Concordo, mas é verdade.
— Cristo!
— Evidentemente, apenas algumas unidades vão obedecer, outras vão lutar — disse Talbot. — Certamente a polícia e a Savak não foram afetadas por essa ordem; eles não vão desistir, embora a batalha agora esteja perdida. Insha'Allah, meu velho. Enquanto isso, muito sangue vai correr pelos esgotos, isto eu lhe garanto.
— Mas... se Bakhtiar... isso não significa que tudo terminou? — disse McIver, animando-se. — A guerra civil está terminada, graças a Deus. Os generais impediram um verdadeiro banho de sangue... um banho de sangue completo. Agora voltaremos à normalidade. Os problemas terminaram.
— Oh, não, meu caro — disse Talbot, com mais calma ainda. — Os problemas estão só começando.
20
NA PLATAFORMA BELLISSIMA: 18:35H. O pôr-do-sol foi glorioso, com nuvens colorindo o horizonte de vermelho, um céu límpido e claro, a estrela vésper brilhando, uma lua quase cheia. Mas fazia muito frio, a quatro mil metros de altitude, e como já estava escuro a leste, Jean-Luc teve dificuldade em enxegar o 212 que se aproximava.
— Lá vem ele, Gianni — Jean-Luc gritou para o perfurador.
Era a terceira viagem de Scot Gavallan. Todo mundo — operários, cozinheiros, três gatos, quatro cachorros e um canário que pertencia a Gianni Salubrio — já tinha sido transportado em segurança para a plataforma Rosa, com exceção de Mario Guineppa, que teimara em esperar até o fim, apesar da insistência de Jean-Luc, e de Gianni, Pietro e mais dois, que estavam ainda fechando a plataforma.
Jean-Luc ficou de olho no bloco que se mexia de vez em quando, dando-lhe arrepios na espinha. Quando o helicóptero voltou da primeira viagem, todo mundo tinha prendido a respiração por causa do barulho, embora Pietro lhes tivesse assegurado que aquilo não passava de lenda — só dinamite começaria uma avalanche, ou um Ato de Deus. E então, como que para desmenti-lo, o bloco tornou a se mover, só um bocadinho, mas o suficiente para fazer os que ainda estavam na plataforma se sentirem mal.
Pietro desligou o último interruptor e as turbinas dos geradores a diesel pararam. Cansado, enxugou o rosto, deixando uma mancha de óleo. Suas costas doíam, e suas mãos também, por causa do frio, mas o poço estava selado e tão seguro quanto possível. Lá adiante, sobre o abismo, viu o helicóptero se aproximando cautelosamente.
— Vamos embora — disse para os outros, em italiano. — Não há mais nada para fazer aqui. Mais nada, a não ser explodir aquele bloco de merda lá em cima.
Os outros se benzeram com irritação e foram andando para o helicóptero, deixando-o sozinho. Ele olhou para o cume.
— Você parece que está vivo — resmungou. — Um monte de merda monstruoso esperando para apanhar a mim e aos meus lindos poços. Mas você não vai conseguir, seu desgraçado!
Foi até o pequeno depósito de dinamite e apanhou os dois explosivos que tinha fabricado — seis bananas de dinamite em cada um, amarradas em volta de um pavio de trinta segundos. Cuidadosamente, colocou-os numa pequena sacola, com um isqueiro e fósforos.
— Mãe de Deus — rezou com simplicidade — faça com que estes desgraçados funcionem.
— Pietro! Ei, Pietro!
— Estou indo, estou indo, ainda temos muito tempo! — Lá fora, ele viu o rosto branco e assustado de Gianni. — O que foi?
— É Guineppa. É melhor dar uma olhada nele.
Mario Guineppa estava deitado de costas, com a respiração difícil e as pálpebras tremendo. Jean-Luc estava ao lado da cama, com a mão no pulso do homem.
— Uma hora está muito rápido... depois eu não consigo pegá-lo — disse, nervoso.
— Mario fez um exame médico rigoroso há quatro semanas, o que ele faz todo ano... cardiograma, tudo. Muito rigoroso. Ele estava perfeito! — Pietro cuspiu no chão. — Médicos!
— Ele foi louco de insistir em ficar — disse Gianni.
— Ele é o chefe, ele faz o que achar melhor. Vamos colocá-lo na maca e sair — Pietro estava com a fisionomia séria. — Não há nada que possamos fazer por ele aqui. Para o inferno com a dinamite, podemos tratar disso mais tarde ou amanhã.
Cuidadosamente, eles o levantaram, o enrolaram em cobertores e o levaram para fora do trailer, debaixo da neve, em direção ao helicóptero. Assim que chegaram lá, a montanha rugiu. Eles olharam para cima. Neve e gelo começaram a cair, ganhando peso. Em segundos, a avalanche avançava com toda a força. Não havia tempo para correr, a única coisa a fazer era esperar. O rugido aumentou. A neve rolou pela montanha, arrastando para o abismo um trailer e um dos enormes tanques de aço que continham lama. Depois terminou.
— Mamma mia — murmurou Gianni, benzendo-se. — Pensei que dessa vez estivéssemos perdidos.
Jean-Luc também se benzera. Agora o bloco estava ainda mais ameaçador, milhares de toneladas pousadas sobre o campo, com parte da rocha exposta. Neve esfarelada continuava a cair sem parar.
— Jean-Luc! — Era Guineppa. Seus olhos estavam abertos. — Não.. Não espere... dinamite agora... é preciso...
— Ele tem razão, é agora ou nunca — disse Pietro.
— Por favor, estou bem... Mamma mia, faça isto agora! Estou bem! Eles correram para o helicóptero. A maca foi colocada na primeira fila de cadeiras e amarrada no lugar. Os outros colocaram os cintos de segurança. Jean-Luc entrou na cabine e sentou-se no assento da esquerda, colocando os fones no ouvido.
— OK, Scot?
— Fantástico, cara — disse Scot Gavallan. — Como está Guineppa?
— Nada bem. — Jean-Luc checou os instrumentos. Estavam todos no verde e havia bastante combustível. — Merdel Aquele bloco vai cair a qualquer momento; vamos prestar atenção nos deslocamentos de ar, vão ser muito fortes. Allonsyl
— Tome. Eu consegui isso para o Pietro enquanto estava esperando na plataforma Rosa. — Scot entregou a Jean-Luc os fones extras, que agora estavam ligados aos deles.
— Darei a ele quando estivermos no ar. Não me sinto seguro aqui. Suba! Imediatamente, Scot abriu os manetes e tirou o 212 do chão, recuou um pouco, virou o aparelho e ergueu-se sobre o abismo. Quando começaram a subir, Jean-Luc virou-se e se arrastou até a cabine.
— Tome, coloque isto, Pietro, agora você está ligado conosco lá na frente.
— Bom, muito bom. — Pietro estava sentado perto da porta.
— Quando começarmos, pelo amor de Deus, pela minha saúde, e pela sua mãe, não vá cair.
Pietro riu nervosamente. Jean-Luc verificou como estava Guineppa, que parecia um pouco melhor agora, tornou a ir para a frente e colocou os fones.
— Está me ouvindo, Pietro?
— Si. Si, a mico.
O helicóptero foi subindo em círculos. Agora eles estavam no mesmo nível do cume. Daquele ângulo, o bloco não parecia tão perigoso. Estavam começando a sacudir um pouco.
— Suba mais uns trinta metros, amico — ouviram através dos fones —, e rume para o norte.
— Roger, Pietro. Você é o navegador agora — disse Scot.
Os dois pilotos se concentraram. Pietro mostrou-lhes o lugar na face norte onde a dinamite poderia soltar o bloco provocando uma avalanche que não atingisse a plataforma.
— Pode funcionar — murmurou Scot. Fizeram uma volta para se certificarem.
— Amico, quando estivermos sobre aquele ponto, a trinta metros, fique planando; eu vou acender o pavio e jogar os explosivos. Buonol — Eles notaram o tremor na voz de Pietro.
— Não se esqueça de abrir a porta, meu velho — disse Scot, secamente. Houve uma torrente de xingamentos em italiano, em resposta. Scot sorriu.
Então, uma corrente de ar os fez cair vinte metros antes que ele pudesse controlar o aparelho. Um minuto depois estavam na altitude e na posição certas.
— Ótimo, amico. Fique aí.
Jean-Luc virou-se para observar. Atrás, na cabine, os outros olhavam para Pietro, fascinados. Ele apanhou a primeira carga e esticou o pavio, cantarolando Aida.
— Mãe de Deus, Pietro — disse Gianni. — Você tem certeza que sabe o que está fazendo?
Pietro fechou o punho esquerdo, pôs o direito, que segurava a dinamite, no antebraço esquerdo e fez um gesto significativo.
— Preparem-se aí na frente — falou ao microfone, e abriu o cinto de segurança. Checou a posição lá embaixo e balançou a cabeça. — Ótimo, mantenha-o firme. Gianni, cuide da porta. Abra-a só um pouquinho que eu faço o resto.
O aparelho balançava, por causa das correntes de ar giratórias, quando Gianni soltou o cinto e foi para a porta.
— Rápido — disse, sentindo-se muito desprotegido, depois falou com o homem que estava mais perto: — Segure o meu cinto! Abra a porta, Gianni!
Gianni conseguiu abrir uns trinta centímetros e a manteve assim, esquecido do doente na maca. O ar rugiu dentro da cabine. O aparelho girou, com a sucção da porta aberta tornando ainda mais difícil para Scot controlá-lo. Pietro segurou o pavio e tentou acender o isqueiro. Falhou. Uma vez, e mais outra, cada vez mais nervoso.
— Mãe de Deus, ande! — O suor caía da testa de Pietro quando o isqueiro finalmente acendeu. O pavio faiscou. Segurando-se com uma das mãos, ele se inclinou para a porta, açoitado pelo vento. O aparelho deu um pinote e os dois homens desejaram ter tomado a precaução de trazer uma corda para se amarrarem. Cuidadosamente, Pietro jogou o explosivo pela abertura. No mesmo instante, Gianni fechou a porta e trancou-a. E então começou a suar.
— Bomba atirada, vamos embora! — ordenou Pietro, com os dentes batendo por causa do frio, e tornou a colocar o cinto. Na mesma hora, o helicóptero se afastou e ele ficou tão aliviado por ter terminado que começou a rir. Histericamente, os outros o imitaram e todos começaram a contagem regressiva: —... seis... cinco... quatro... três... dois... um! — Nada aconteceu. As risadas terminaram tão depressa quanto tinham começado.
— Você o viu cair, Jean-Luc?
— Não. Nós não vimos nada — respondeu sombriamente o francês, sem querer repetir a manobra. — Talvez tenha batido numa pedra e o pavio tenha se soltado. — Mas por dentro ele estava dizendo: Italiano estúpido, não consegue nem prender umas poucas bananas de dinamite num maldito pavio. — Vamos tentar de novo, está bem?
— Por que não? — disse Pietro, Confiantemente. — O detonador estava perfeito. O fato dele não explodir foi um Ato do Demônio. Sim, sem dúvida. Isso acontece muito na neve. Muito mesmo. A neve é uma vagabunda e você nunca...
— Não culpe a neve, Pietro, e foi um Ato de Deus, e não do Demônio — disse supersticiosamente Gianni, benzendo-se. — Por favor, chega de Demônio enquanto estamos no ar.
Pietro apanhou a segunda carga e a examinou cuidadosamente. O arame que amarrava as bananas de dinamite estava firme e o pavio também.
— Olha aí, está vendo, perfeito, como o outro. — Ele o atirou de uma mão para a outra e depois sacudiu-o com força para ver se o pavio se soltava.
— Mama mia — disse um dos homens, com o estômago revirado. — Você está louco?
— Isto aqui não é como nitroglicerina, amico — Pietro disse a ele e bateu no explosivo com mais força ainda. — Olha aí, você está vendo que está bem apertado.
— Não tanto quanto o meu cú — disse Gianni, zangado, em italiano. Quer fazer o favor de parar com isso?
Pietro deu de ombros e olhou pela janela. O cume estava se aproximando. Ele podia ver o lugar exato
— Prepare-se, Gianni. — E então falou no microfone: — Só um pouco mais para leste, signor piloto. Mantenha-o aí... firme... não pode mantê-lo mais firme? Prepare-se Gianni. — Levantou o pavio, com o isqueiro perto da ponta. — Abra esta maldita porta!
Irritado, Gianni soltou o cinto e obedeceu, o helicóptero balançou e ele gritou, perdeu o equilíbrio, caindo sobre a porta, e seu peso fez com que a porta se abrisse mais e ele foi projetado para fora. Mas o homem que estava segurando seu cinto agüentou firme, com Gianni com metade do corpo para dentro e metade para fora e a sucção puxando-os violentamente. No instante em que Gianni abriu a porta, Pietro tinha acendido o isqueiro e o fogo já tinha incendiado o pavio, mas no meio do pânico por causa de Gianni, Pietro tinha se distraído. Instintivamente, ele também tentou agarrar Gianni e a dinamite caiu da sua mão. Todos ficaram olhando estatelados, enquanto ele engatinhava pelo chão, enfiando a mão debaixo das poltronas, enquanto a dinamite rolava de um lado para o outro, com o pavio queimando alegremente — e os fones arrancados do ouvido. Quase desmaiando de medo, Gianni agarrou-se na porta com uma das mãos e começou a se arrastar para dentro, apavorado que o seu cinto arrebentasse e se xingando por ter usado aquele cinto fino ao invés daquele que a mulher tinha-lhe dado de Natal...
Os dedos de Pietro tocaram a dinamite. O pavio encostou nele, queimando-o, mas ele não sentiu dor. Agarrou a dinamite, ainda no chão, virou-se, se apoiou numa cadeira e atirou a dinamite e o que restava do pavio para fora, depois esticou a mão que estava livre e agarrou uma das pernas do amigo, ajudando a puxá-lo para dentro. O outro homem bateu a porta e os dois, Pietro e Gianni, caíram no chão.
— Afaste-se daqui, Scot — disse Jean-Luc, com uma voz fraca.
O helicóptero se inclinou e afastou-se da face norte, sessenta metros abaixo deles. Por um momento, o cume continuou puro, desolado e imóvel. Então houve uma grande explosão, que ninguém no helicóptero ouviu nem sentiu. A neve subiu em espiral e depois começou a assentar. Depois, com um rugido poderoso, toda a face norte desmoronou, a avalanche desceu pelo vale, cortando a encosta da montanha, deixando uma trilha de meio quilômetro de largura até parar.
— Meu Deus, oine! — disse Scot, apontando para a frente. O bloco unha desaparecido Sobre a plataforma Bellissima havia apenas uma ligeira inclinação, o lugar estava intacto exceto onde o trailer e o tanque tinham sido carregados pela primeira avalanche.
— Pietro! — exclamou excitadamente Jean-Luc — Você... — Ele parou. Pietro e Gianni ainda estavam caídos no chão, se recuperando. Os fones de Pietro tinham desaparecido. — Scot, eles não vão conseguir ver pelas janelas. Chegue mais perto e faça a volta para eles poderem ver!
Animadamente, Jean-Luc engatinhou novamente para a cabine e começou a dar tapas em Pietro, cumprimentando-o. Todo mundo olhou para ele com cara de idiota, e quando entenderam o que ele estava gritando por sobre o barulho dos motores, esqueceram o medo e espiaram pelas janelas. E quando viram como a explosão afastara completamente o perigo, deram gritos de alegria. Gianni abraçou Pietro, emocionado, jurando amizade eterna, abençoando-o por salvá-lo, por salvar-lhes as vidas e o emprego.
— Niente, caro — disse Pietro, expansivamente. — Eu não sou um homem de Aosta?
Jean-Luc se debruçou sobre a maca e sacudiu delicadamente Mario Guineppa.
— Mario! Pietro conseguiu! Com perfeição. Bellissima está salva... Guineppa não respondeu. Ele já estava morto.
TERÇA-FEIRA
13 de fevereiro21
NA FACE NORTE DO MONTE SABALAN: 22H. A noite estava terrivelmente fria sob um céu sem nuvens, coberto de estrelas e com uma lua brilhante, e o capitão Ross e seus dois gurkhas avançavam cautelosamente pelo alto da montanha, seguindo o guia e o homem da CIA. Os soldados usavam macacões brancos, com capuz, por cima do uniforme de batalha, além de luvas e roupas de baixo térmicas, e ainda assim o frio os incomodava. Estavam a cerca de dois mil e quinhentos metros, caminhando a favor do vento em direção ao seu objetivo, que estava a um quilômetro de distância, do outro lado do topo. Sobre eles, o vasto cone do vulcão extinto se erguia a cinco mil metros de altura.
— Meshgi, vamos parar para descansar — disse o homem da CIA, em turco, para o guia. Ambos vestiam roupas grossas, usadas pelos homens das tribos.
— Se é isso o que o senhor deseja, aga, então que seja.
O guia indicou o caminho, deixando a trilha e caminhando através da neve até uma pequena caverna que nenhum deles tinha notado. Ele era velho e retorcido como uma oliveira velha, magro e cabeludo, com uma roupa em farrapos, e, no entanto, ainda era o mais forte deles depois de quase dois dias de escalada.
— Ótimo — disse o homem da CIA. Depois, virando-se para Ross: — Vamos ficar escondidos aqui até estarmos prontos.
Ross tirou a carabina do ombro, sentou-se e arriou com satisfação a mochila, com as batatas da perna, as coxas e as costas doendo.
— Meu corpo está todo doído — disse aborrecido —, e eu pensei que estivesse em forma.
— O senhor está em forma, sahib — o sargento gurkha, chamado Tenzing, disse com um sorriso. — Na nossa próxima licença vamos escalar o Everest, hein?
— Nem que você me pague — retrucou Ross, em inglês e os três soldados riram juntos.
— Deve ser fantástico ir até o topo dessa montanha — disse pensativo o homem da CIA.
Ross viu-o olhar para a noite lá fora e para os milhares de metros de montanha lá embaixo. Quando eles tinham se encontrado pela primeira vez perto de Bandar-e Pahlavi, há dois dias, se não soubesse quem ele era, teria pensado que fosse meio-mongol, nepalês ou tibetano, pois o homem da CIA tinha cabelos escuros, uma pele amarelada, olhos asiáticos e se vestia como um nômade.
— O seu contato da CIA é Rosemont, Vien Rosemont, ele é meio-vietnamita, meio-americano — dissera o coronel da CIA. — Ele tem 26 anos, está aqui há um ano, fala farsi e turco, faz parte da segunda geração da CIA e você pode confiar sua vida a ele.
— Parece que vou ter que fazê-lo de qualquer maneira, o senhor não acha?
— Hein? Oh, é claro. Sim, acho que sim. Encontre-se com ele ao sul de Bandar-e Pahlavi, nestas coordenadas, e ele estará lá com o barco. Mantenham-se perto da costa até chegarem ao sul da fronteira soviética, e então voltem para terra.
— Ele é o guia?
— Não. Ele apenas, ahn, sabe a respeito de Meca... este é o nosso código para o posto de radar. Arranjar o guia é problema dele, mas ele vai conseguir. Se ele não estiver no local combinado, espere até sábado à noite. Se ele não chegar até o amanhecer é porque foi apanhado e você desiste. OK?
— Sim. E quanto aos boatos de insurreição no Azerbeijão?
— Pelo que eu sei, está havendo luta em Tabriz e na parte ocidental, nada na região de Ardabil. Rosemont deve saber mais sobre isso. Nós, ahn, nós sabemos que os soviéticos estão de prontidão e prontos para invadir se os habitantes do Azerbeijão expulsarem os partidários de Bakhtiar. Depende dos líderes deles. Um deles é Abdullah Khan. Se você tiver problemas, vá procurá-lo. Ele é um dos nossos. É leal.
— Está bem. E esse piloto, Charles Pettikin. Digamos que ele não queira levar-nos?
— Obrigue-o. De um jeito ou de outro. Esta operação tem a aprovação dos chefões, tanto do seu lado quanto do meu, mas não podemos ter nada por escrito. Certo, Bob?
O outro homem presente ao encontro, um tal de Robert Armstrong que ele também nunca tinha visto antes, balançara a cabeça, concordando.
— Sim.
— E os iranianos? Eles também aprovaram?
— Isso é uma questão de, ahn, de segurança nacional, sua e nossa. Deles também, mas eles... eles estão ocupados. Bakhtiar, bem, pode ser que ele não dure.
— Então é verdade. Os Estados Unidos estão puxando o tapete?
— Não sei dizer, capitão.
— Uma última pergunta: por que não estão mandando o seu próprio pessoal?
— Eles estão todos ocupados. Nós não podemos trazer mais gente para cá com rapidez. Não gente treinada como vocês. — Robert Armstrong respondera pelo coronel.
Não há dúvida que nós somos bem treinados, pensou Ross, relaxando os ombros em carne viva por causa das alças da mochila — escalar, saltar, esquiar, mergulhar, matar silenciosamente ou fazendo barulho, mover-se com a rapidez do vento contra terroristas ou inimigos públicos, e explodir qualquer coisa, em cima ou debaixo d'água, se for preciso. Mas eu tenho muita sorte, tenho tudo o que quero: saúde, diploma universitário, Sandhurst, paraquedistas, Serviços Aéreos Especiais e até os meus bem-amados gurkhas. Sorriu para os dois e disse uma obscenidade em gurkhali, um dialeto vulgar, que os fez rir às gargalhadas. Então viu Vien Rosemont e o guia olhando para ele.
— Perdão, Excelências — disse em farsi —, eu só estava dizendo aos meus irmãos para se comportarem.
Meshgi não disse nada, apenas tornou a prestar atenção na noite. Rosemont tinha tirado as botas e estava massageando os pés por causa do frio.
— Os caras que eu tenho visto, oficiais britânicos, eles não fazem amizade com os seus soldados, não como você.
— Talvez eu tenha mais sorte que os outros. — Com o canto dos olhos, Ross vigiava o guia que tinha se levantado e estava agora em pé na entrada da caverna, escutando. O velho vinha ficando cada vez mais inquieto nas últimas horas. Até onde eu posso confiar nele?, pensou, e então olhou para Gueng que estava mais perto. Na mesma hora, o homenzinho entendeu a mensagem e concordou com a cabeça, imperceptivelmente.
— O capitão é um dos nossos, senhor — dizia Tenzing para Rosemont, orgulhosamente. — Como seu pai e seu avô. E todos dois eram Sheng'khan.
— O que é isso?
— É um título gurkhali — disse Ross, disfarçando o orgulho. — Significa Senhor da Montanha. Não tem muito sentido fora do regimento.
— Três gerações na mesma unidade. Isso é comum?
É claro que não, Ross teve vontade de dizer, incomodado com as perguntas pessoais, embora estivesse gostando de Vien Rosemont. O barco chegara na hora, a viagem pela costa fora rápida e segura, com eles escondidos debaixo da carga. Ao anoitecer, desembarcaram com facilidade e se dirigiram para o próximo ponto de encontro, onde o guia esperava. Depois caminharam depressa para as montanhas, sem que Rosemont reclamasse nenhuma vez, apenas mantendo uma marcha puxada, com pouca conversa e sem fazer muitas perguntas.
Rosemont esperou com paciência, notando que Ross estava distraído. Então viu o guia sair da caverna, hesitar, depois voltar e se agachar na entrada da caverna com o rifle no colo.
— O que é, Meshgi? — perguntou Rosemont.
— Nada, aga. Há rebanhos no vale, de cabras e ovelhas.
— Ótimo. — Rosemont encostou-se na parede, confortavelmente. Foi sorte encontrar esta caverna, pensou, é um bom lugar para se esconder. Tornou a olhar para Ross e viu que este o observava. Depois de um intervalo, acrescentou: É ótimo fazer parte de uma equipe.
— Qual é o plano de agora em diante? — perguntou Ross.
— Quando sairmos daqui, eu vou na frente. Você e os seus homens esperem atrás, até eu me certificar de que está tudo bem, certo?
— Como quiser, mas leve o sargento Tenzing com você. Ele pode proteger sua retaguarda. Eu e Gueng cobriremos vocês dois.
— Claro, parece uma boa idéia. Está bem, sargento? — perguntou Rosemont, depois de uma pausa.
— Sim, sahib. Por favor, diga-me o que quer com palavras simples. Meu inglês não é bom.
— Tudo bem — disse Rosemont, disfarçando o nervosismo. Sabia que estava sendo avaliado por Ross do mesmo modo como o avaliava. Havia muito em jogo.
— Faça Meca ir pelos ares — dissera-lhe o seu diretor. — Temos uma equipe de especialistas para ajudá-lo; não sabemos o quanto eles são bons, mas foi o melhor que pudemos conseguir. O líder é um capitão, John Ross, aqui está o retrato dele e está acompanhado por dois gurkhas, não sei se falam inglês, mas vêm muito bem recomendados. Ross é um oficial de carreira. Ouça, como você nunca trabalhou com ingleses antes, vou-lhe dar um aviso. Não tente fazer amizade nem o chame logo pelo primeiro nome... eles são sensíveis como o diabo no que diz respeito a perguntas pessoais, então vá com calma, OK?
— É claro.
— Pelo que sabemos, vocês vão encontrar Meca vazia. Nossos outros postos, mais próximos da Turquia, ainda estão operando. Estamos querendo agüentar o máximo que pudermos; até lá os chefões já terão feito um acordo com os novos mandachuvas, Bakhtiar ou Khomeini. Mas Meca... malditos sejam os filhos da mãe que nos causaram tanto risco.
— Quanto risco?
— Achamos que eles simplesmente partiram com muita pressa e não destruíram nada. Você já esteve lá, pelo amor de Deus! Meca está cheia de instrumentos altamente secretos, aparelhagem de escuta, de espia, radares de longo alcance, lá estão guardados códigos cifrados de satélites, códigos e computadores em quantidade suficiente para fazer com que o nosso antipático chefe da KGB, Andropov, seja eleito o Homem do Ano, se ele os pegar. Pode acreditar nisso: aqueles filhos da mãe simplesmente deixaram tudo para trás!
— Traição?
— Duvido. Apenas estupidez, burrice. Não havia nem mesmo um plano de emergência em Sabalan, pelo amor de Deus. Nem em nenhum outro lugar. Acho que a culpa não é inteiramente deles. Nenhum de nós calculou que o xá fosse se entregar tão depressa, nem que Khomeini acabasse com Bakhtiar tão depressa. Não tivemos nenhum aviso. Nem mesmo da Savak...
E agora temos que catar os pedaços, pensou Vien. Ou, mais corretamente, mandá-los pelos ares. Olhou para o relógio, sentindo-se muito cansado. Examinou a noite e a lua. É melhor esperar mais uma meia hora. Suas pernas doíam, e também a cabeça. Viu Ross observando-o e sorriu por dentro: Eu não vou falhar, inglês. Mas, e você?
— Mais uma hora e partimos — disse Vien.
— Por que esperar?
— A lua estará mais favorável. Aqui é seguro e temos tempo. Você sabe tudo o que temos que fazer?
— A minha parte é explodir a entrada da caverna e tudo o mais que você mandar em Meca, depois sair correndo até chegar em casa.
— Em casa, para você, é onde? — perguntou Rosemont sorrindo e sentindo-se melhor.
— Não sei realmente — disse Ross, apanhado desprevenido. Nunca fizera esta pergunta a si mesmo. Alguns instantes depois, mais para ele mesmo do que para o americano, acrescentou: — Talvez a Escócia, talvez o Nepal. Minha mãe e meu pai estão em Katmandu, são escoceses como eu, mas estão morando lá desde 1951, quando ele se aposentou. Eu até nasci lá, embora tenha feito quase todos os meus estudos na Escócia. — Os dois lugares são a minha casa, pensou. — E você?
— Washington D.C., na verdade, Falls Church, Virgínia, que quase faz parte de Washington. Eu nasci lá. — Rosemont queria um cigarro mas sabia que podia ser perigoso. — Papai era da CIA. Ele já está morto, mas passou os seus últimos anos em Langley, que fica perto... o QG da CIA é em Langley. — Estava satisfeito em conversar. — Mamãe ainda está em Falls Church, há uns dois anos que eu não vou lá. Você já esteve nos Estados Unidos?
— Não, ainda não. — O vento tinha aumentado um pouco e, por alguns instantes, eles observaram a noite.
— Vai diminuir depois da meia-noite — disse Rosemont, confiante. Ross viu o guia mudar de posição outra vez. Será que ele vai fugir?
— Você já trabalhou com o guia antes?
— Claro. Andei por todas estas montanhas com ele no ano passado; passei um mês aqui. Rotina. Tem um bocado de gente da oposição infiltrada por esta área e nós tentamos vigiá-los. Como eles fazem conosco. — Rosemont observou o guia. — Meshgi é um cara legal. Os curdos não gostam dos iranianos, nem dos iraquianos ou dos nossos amigos do outro lado da fronteira. Mas você tem razão em perguntar.
— Tenzing, vigie tudo aqui por perto, você come depois — falou Ross em gurkhali. Imediatamente, Tenzing se levantou de onde estava e saiu. — Eu o mandei ficar de guarda.
— Ótimo — concordou Rosemont. Ele os observara cuidadosamente na subida e ficara muito impressionado com o modo como eles trabalhavam em equipe, trocando de posições, sempre com um deles cobrindo a retaguarda, sempre parecendo saber o que fazer, sem precisar de ordens, sempre com as armas destravadas. — Isto não é um tanto perigoso? — perguntara.
— Sim, sr. Rosemont, se a pessoa não sabe o que está fazendo — dissera o inglês sem nenhuma arrogância aparente. — Mas quando qualquer árvore, esquina ou pedra pode esconder inimigos, a diferença entre uma arma travada e outra destravada pode significar matar ou morrer.
Vien Rosemont recordou como o outro acrescentara francamente: "Faremos tudo o que for possível para ajudá-lo e tirá-lo de lá" — e ele se perguntou mais uma vez se conseguiriam entrar, quanto mais sair. Fazia quase uma semana que Meca fora abandonada. Ninguém sabia o que esperar quando chegassem lá. Poderia estar intacta, já saqueada ou até ocupada.
— Você sabe que toda esta operação é loucura?
— Não nos cabe questionar isso.
— Nosso papel é obedecer ou morrer? Acho que é uma sacanagem.
— Também acho que é uma sacanagem, se isso ajuda alguma coisa. Foi a primeira vez que eles riram juntos. Rosemont se sentiu muito melhor.
— Ouça, não tive ainda oportunidade de dizer, mas estou contente por ter vocês três a bordo.
— Bem, ahn, prazer em estar aqui. — Ross disfarçou seu embaraço pelo cumprimento. — Aga — disse para o guia —, por favor, coma conosco.
— Obrigado, aga, mas não estou com fome — respondeu o velho, sem se mexer da entrada da caverna.
— Vocês têm muitas unidades especiais no Irã? — perguntou Rosemont, enquanto calçava as botas.
— Não, uma meia dúzia. Nós estamos aqui para treinar os iranianos. Você acha que Bakhtiar vai durar? — Abriu a mochila e distribuiu as latas de carne enlatada.
— Não. O que dizem nas montanhas, ente as tribos, é que ele vai ser deposto, provavelmente morto, até o fim da semana.
— As coisas estão tão ruins assim?
— Piores. Dizem que dentro de um ano o Azerbeijão será um protetorado soviético.
— Que merda!
— Sim. Mas nunca se sabe — Vien sorriu. — É isso que torna a vida interessante.
— Tome — disse Ross, oferecendo-lhe o cantil —, é a melhor pinga iraniana que se pode comprar.
Rosemont fez uma careta e provou um pouco, então sorriu.
— Cristo, é uísque escocês legítimo! — Preparou-se para dar um gole de verdade, mas Ross estava atento e puxou o cantil.
— Vá com calma. É só o que temos, aga.
Rosemont sorriu. Eles comeram rapidamente. A caverna era aconchegante e segura.
— Você esteve no Vietnã? — perguntou Rosemont, com vontade de conversar, achando que o momento era propício.
— Não, nunca estive. Quase fui lá uma vez, quando meu pai e eu estávamos indo para Hong Kong, mas de Saigon fomos desviados para Bangkok.
— Com os gurkhas!
— Não, isso foi há muitos anos, mas agora, de fato, nós temos um batalhão lá.
Ross pensou por um momento: eu tinha sete ou oito anos, meu pai tinha uns parentes em Hong Kong, Dunross, sim, este era o nome deles, e havia uma espécie de reunião de clã. Não me lembro muito de Hong Kong, exceto de um leproso deitado no chão ao lado da estação das barcas. Tinha que passar por ele todo dia. Quase todo dia.
— Meu pai esteve em Hong Kong em 1963 — Vien falou com orgulho. — Ele era o diretor adjunto local da CIA. — Pegou uma pedra e ficou brincando com ela. — Você sabe que eu sou meio-vietnamita?
— Sim, eles me disseram.
— O que mais lhe contaram?
— Só que eu podia confiar minha vida a você.
— Esperemos que eles tenham razão. — E Rosemont sorriu, encabulado. Pensativamente, começou a checar a mira do seu Ml6. — Eu sempre quis visitar o Vietnã. Meu pai, meu verdadeiro pai, era vietnamita, um agricultor, mas ele foi morto pouco antes de eu nascer; isto foi quando os franceses eram os donos da Indochina. Ele foi apanhado pelos vietcongues perto de Dien Bien Phu. Mamãe.. — A tristeza foi embora e ele sorriu. — Mamãe é tão americana quanto um Big Mac e quando ela tornou a casar, escolheu o que havia de melhor. Nenhum pai de verdade teria me amado mais...
— Sahibl — gritou Gueng, de repente, levantando a carabina. Ross e Rosemont agarraram suas armas, então ouviu-se um som agudo, trazido pelo vento, e Ross e Gueng relaxaram.
— É Tenzing.
O sargento apareceu tão silenciosamente quanto saíra. Mas agora seu rosto estava sério.
— Sahib, há muitos caminhões na estrada lá embaixo.
— Em inglês, Tenzing.
— Sim, sahib. Muitos caminhões, eu contei onze, em comboio, na estrada que fica no fundo do vale...
— Aquela estrada leva a Meca. A que distância estavam? — praguejou Rosemont.
— No fundo do vale. Eu fui até o outro lado do cume e há um... — Ele disse uma palavra em gurkhali e Ross lhe deu a tradução em inglês. — Um pro-montório. A estrada contorna o vale e depois começa a subir como uma cobra. Se o rabo da cobra está no vale e a cabeça onde quer que a estrada termine, então os quatro caminhões já estavam bem depois do rabo.
— Uma hora no máximo. — Rosemont tornou a praguejar. — É melhor... Neste momento, houve um pequeno tumulto e eles olharam para a entrada da caverna. Ainda tiveram tempo de ver o guia fugir correndo, com Gueng atrás dele.
— Que diabo...
— Por algum motivo, ele está abandonando o navio — disse Ross. — Esqueça-o. Uma hora nos dá uma chance?
— Claro. Uma boa chance. — Colocaram rapidamente as mochilas e Rosemont armou sua metralhadora. — E quanto a Gueng?
— Ele vai nos alcançar.
— Nós vamos direto. Eu vou primeiro. Se me acontecer alguma coisa, você desiste. Certo?
O frio era quase uma barreira física que eles tinham que vencer, mas Rosemont conduziu-os bem, a neve não estava muito ruim, a lua ajudava, e as botas de alpinismo davam-lhes uma boa tração. Rapidamente alcançaram o topo e começaram a descer do outro lado. Estava mais escorregadio, a encosta coberta de neve, com uns poucos brotos lutando para crescer acima da neve. Na frente estava a boca da caverna, a estrada entrava por ela, com muitas marcas de veículos na neve.
— Podem ter sido feitas pelos nossos caminhões — disse Rosemont, disfarçando a inquietação. — Há umas duas semanas que não neva. — Fez sinal para os outros esperarem e prosseguiu, saindo da estrada e correndo para a entrada da caverna. Tensing seguiu-o, usando o chão como cobertura, movendo-se também rapidamente.
Ross viu Rosemont desaparecer na escuridão. Em seguida Tensing. Sua ansiedade aumentou. De onde estava, não podia enxergar muito além, pois a estrada fazia uma curva, descendo íngreme. O luar tornava os rochedos e o enorme vale ainda mais ameaçadores, e ele se sentiu desprotegido e solitário, odiando a espera. Mas estava confiante. "Se os gurkhas estiverem com você, sempre terá uma chance, meu filho", dissera seu pai. "Proteja-os, e eles sempre o protegerão. E nunca se esqueça, com um pouco de sorte, um dia você será Sheng'Khan." Ross sorrira interiormente, orgulhoso, pois o título era dado muito raramente: só para uma pessoa que tivesse trazido alguma glória para o regimento, que tivesse escalado sozinho um pico bem difícil do Nepal, que tivesse usado o kookri e salvo a vida de um gurkha a serviço do Grande Raj. Seu avô, o capitão Kirk Ross, condecorado com a Cruz de Combate, morto em 1915 na batalha de Somme, recebera-o postumamente; seu pai, o tenente-coronel Gavin Ross, Medalha de Serviços de Guerra, recebeu-o em Burma, em 1943. E eu? Bem, eu escalei um pico difícil, o K4, e isso é tudo até agora, mas ainda tenho muito tempo...
Seus sentidos bem treinados mandaram-lhe um aviso e ele empunhou o kookri, mas era apenas Gueng. O homenzinho estava em pé ao lado dele, respirando com dificuldade.
— Não fui bastante rápido, sahib — murmurou, satisfeito, em gurkhali. — Poderia tê-lo apanhado antes. — Levantou a cabeça decepada e sorriu radiante. — Trago-lhe um presente.
Era a primeira que Ross via. Os olhos estavam abertos. O terror ainda contorcia o rosto do velho. Gueng matou-o, mas fui eu que dei a ordem, pensou, desgostoso. Será que ele era apenas um velho apavorado que queria escapar enquanto havia tempo? Ou seria um espião ou um traidor correndo para entregar-nos ao inimigo?
— O que foi, sahib! — murmurou Gueng, com a testa franzida.
— Nada. Ponha a cabeça no chão.
Gueng atirou-a para o lado. A cabeça rolou um pouco pela ladeira e depois parou.
— Eu o revistei, sahib, e encontrei isto. — Entregou-lhe um amuleto. — Estava em volta do pescoço dele, e isto — entregou-lhe uma pequena bolsa de couro —, isto estava pendurado no saco dele.
O amuleto era apenas uma pedra azul barata, usada contra o mau-olhado. Dentro do pequeno saco havia um cartão plastificado. Ross examinou-o e seu coração quase parou. Neste momento ouviram outro som agudo, numa nota diferente. Imediatamente, apanharam as armas e correram para a boca da caverna, sabendo que Tenzing lhes enviava o sinal de que estava tudo bem e que deviam apressar-se. Dentro da caverna a escuridão pareceu ainda maior mas quando seus olhos se acostumaram, viram uma réstia de luz. Era uma lanterna, com o foco parcialmente coberto.
— Aqui, capitão. — Embora isso fosse dito baixinho, a voz de Rosemont ecoou alto. — Por aqui. — Ele os conduziu para o interior da caverna e quando teve certeza de que era seguro, acendeu a lanterna, iluminando as paredes de pedra e tudo em volta, para tomar conhecimento do terreno. — Vocês podem usar as lanternas. — A caverna era imensa, com muitos túneis e passagens que davam para o exterior, alguns naturais, alguns construídos, e o teto de pedra ficava a uns 15 metros de altura. — Esta é a área de descarga — disse. Quando encontrou o túnel que estava procurando, iluminou-o com a lanterna. No final do túnel, havia uma pesada porta de aço, entreaberta. — Deveria estar trancada — cochichou, com a voz rouca. — Não sei se a deixaram assim ou não, mas é por ali que nós temos que passar.
Ross fez um sinal para Tenzing. No mesmo instante, ele empunhou o kookri e avançou, desaparecendo lá dentro. Automaticamente, Ross e Gueng assumiram posições defensivas. Contra quem? Ross perguntou a si mesmo, sentindo-se desamparado e preso numa armadilha. Poderia haver cinqüenta homens escondidos num desses túneis.
Os segundos se arrastavam. Mais uma vez eles ouviram aquele som agudo. Ross avançou na frente e passou pela porta, seguido por Gueng e depois por Rosemont. Quando Rosemont transpôs a porta, viu que Tenzing tomara posição ali perto e cobria o avanço deles. Fechou a porta e acendeu as luzes. A súbita claridade fez os outros perderem o fôlego.
— Aleluia! — exclamou Rosemont, visivelmente aliviado. — Os chefões calcularam que se os geradores ainda estivessem funcionando, nós teríamos uma boa chance. Esta porta é à prova de luz. — Correu os pesados ferrolhos e pendurou a lanterna no cinto.
Estavam em outra caverna, muito menor, que fora adaptada, o chão tinha sido nivelado e atapetado, as paredes eram mais lisas. Era uma espécie de ante-sala, com mesas, telefones e lixo por toda parte.
— Os caras não perderam mesmo tempo em dar o fora, hein? — disse com amargura, dirigindo-se rapidamente para um outro túnel, atravessando-o e entrando em outra caverna com mais mesas, algumas telas de radar e mais telefones, cinzentos e verdes.
— Os cinzentos são internos, os verdes estão ligados com a torre e com os mastros que ficam no topo, e de lá, por satélite, com Teerã; a mesa telefônica principal fica na embaixada e há outras em vários locais altamente secretos. Eles têm dispositivos automáticos que impedem que as ligações sejam ouvidas sem aparelhos especiais. — Rosemont levantou um aparelho. Estava mudo. — Talvez os caras da Comunicação tenham feito o seu trabalho, afinal de contas. — No extremo oposto da sala havia um túnel. — Aquele túnel conduz à sala do gerador e à seção onde está todo o equipamento que temos que explodir. Quartos, cozinhas, refeitórios, oficinas, tudo isso fica em outras cavernas fora da área de descarga. Cerca de oitenta homens trabalhavam aqui, 24 horas por dia.
— Existe alguma outra saída? — perguntou Ross. Sua sensação de estar enclausurado era mais intensa do que nunca.
— Claro, lá em cima, onde vamos agora.
Os degraus irregulares subiam em direção ao teto abobadado. Rosemont começou a subir. No patamar havia uma porta: ÁREA DE SEGURANÇA MÁXIMA — PROIBIDA A ENTRADA SEM AUTORIZAÇÃO ESPECIAL. Também estava aberta.
— Merda — murmurou.
Esta caverna estava bem equipada, o chão era mais liso, as paredes brancas. Dezenas de computadores, telas de radar e equipamentos eletrônicos estavam espalhados pela sala. Havia mais mesas e cadeiras e telefones, cinzentos e verdes. E dois telefones vermelhos numa mesa central.
— Para que servem estes?
— Estão ligados diretamente com Langley, por satélite militar. — Rosemont levantou um deles. Estava mudo. Puxou um pedaço de papel e verificou-o, depois foi até um painel de interruptores e ligou alguns. Soltou outro palavrão quando se ouviu um chiado baixinho, os computadores começaram a vibrar, esquentando, e três telas de radar ganharam vida, com o traço central se movendo, deixando um desenho difuso na tela. — Malditos filhos da mãe! Deixar tudo assim! — Apontou para quatro computadores que ficavam nos cantos. — Exploda aqueles desgraçados; são os núcleos.
— Gueng!
— Sim, sahib. — O gurkha tirou a mochila e começou a preparar os explosivos plásticos e os detonadores.
— Pavios de meia hora? — perguntou Rosemont.
— Isso mesmo. — Ross olhava fixamente para uma das telas, fascinado. Para o norte ele podia ver grande parte do Cáucaso, todo o mar Cáspio, e para leste até uma parte do mar Negro, tudo com uma clareza extraordinária. — Há um bocado de espaço para vigiar.
Rosemont foi até o painel e ligou um interruptor.
Por alguns instantes, Ross ficou paralisado. Tirou os olhos da tela.
— Agora eu compreendo por que estamos aqui.
— Isto é só uma parte.
— Cristo! Então é melhor andarmos depressa. E quanto à entrada da caverna?
— Não há tempo para fazermos um trabalho decente; e do outro lado desta porta só há mesmo material de rotina, que eles roubaram por aí. Vamos explodir os túneis atrás de nós e usar a saída de emergência.
— E onde é isso?
O americano foi até uma porta. Estava trancada. Apanhou um molho de chaves e encontrou a que queria. A porta se abriu. Atrás dela, havia um lance de escadas que subia em espiral.
— Dá para uma saída na montanha.
— Tenzing, certifique-se de que o caminho está livre. — Tenzing subiu as escadas de dois em dois. — E depois?
— A sala de código e os cofres, vamos explodi-los. Depois as comunicações. Por último a sala do gerador, certo?
— Sim. — Ross apreciava cada vez mais a força e a decisão do americano.
— Antes de começarmos, é melhor você ver isto. — E estendeu o pequeno cartão plastificado. — Gueng alcançou o nosso guia. Isso estava com ele.
O rosto de Rosemont perdeu toda a cor. No cartão havia uma impressão digital, algumas coisas escritas em russo e uma assinatura.
— Uma carteira de identidade! Uma carteira de identidade comunista!
— Atrás deles, Gueng parou um momento.
— Era isso que eu achava. O que diz exatamente?
— Não sei, também não sei ler russo, mas aposto a minha vida como isto é um salvo-conduto. — Sentiu uma onda de frio quando se lembrou de todos os dias e noites que passara na companhia do velho, vagando pelas montanhas, dormindo ao lado dele ao ar livre, sentindo-se muito seguro. E todo aquele tempo estava sendo enganado. Sacudiu a cabeça, atordoado. — Meshgi estava conosco há anos. Ele pertencia ao bando de Ali bin Hassan Karakose. Ali é um líder da resistência e um dos nosso melhores contatos nas montanhas. Um grande cara que opera até em Baku, lá no extremo norte. Jesus, talvez ele tenha sido traído. — Tornou a olhar para o cartão. — Não consigo entender.
— Acho que isso mostra que nós podemos ter sido deliberadamente plantados aqui, alvos fáceis — disse Ross. — Talvez o comboio esteja associado a isso, cheio de tropas para nos pegar. É melhor andarmos depressa, não acha?
Rosemont balançou a cabeça, concordando, tentando dominar o medo que o invadiu, ajudado pela calma do outro homem.
— Sim, sim, você tem razão. — Ainda abalado, atravessou um pequeno corredor, em direção a outra porta. Trancada. Enquanto procurava pela chave no molho, disse: — Eu devo uma desculpa a você e a seus homens. Não sei como fomos enganados nem como esse filho da mãe escapou do controle da segurança, mas ele o fez e você provavelmente está certo: nós fomos plantados aqui. Sinto muito, merda, mas isso não resolve nada.
— Mas ajuda. — Ross sorriu e o medo abandonou-o. — Isso ajuda.
— Obrigado, sim, obrigado. Gueng matou-o?
— Bem — disse Ross, secamente —, Gueng me entregou a cabeça dele. Geralmente eles trazem de volta as orelhas.
— Jesus! Você está com eles há muito tempo?
— Com os gurkhas! Há quatro anos.
Enfiou a chave na fechadura e a porta se abriu. A sala de código estava cuidadosamente arrumada. Telex, impressora e máquinas de copiar. Uma estranha impressora de computador, com um teclado, tinha uma mesa própria.
— Este é o decodificador... Vale o que que você quiser pedir, para a oposição. — Sobre as mesas, havia lápis alinhados. E meia dúzia de manuais. Ross apanhou-os.
— Jesus Cristo... — eram todos livros de código marcados MECA, APENAS UMA CÓPIA. — Bem, pelo menos o código-mestre está trancado.
— Foi até o cofre moderno, com fechadura eletrônica, digital, de zero a nove, que estava encaixado numa parede, leu a combinação no seu pedaço de papel e tocou nos números. Mas a luz que indicava Aberto não acendeu. — Talvez eu tenha pulado um número. Leia para mim, sim?
— Claro. — Ross começou a ler a longa série de números. Atrás deles, Tenzing entrou sem fazer barulho. Nenhum dos dois escutou. —... 125... 721...
— Então eles sentiram, ao mesmo tempo, que havia alguém lá e se viraram, momentaneamente em pânico.
Tenzing disfarçou a satisfação e se fez de surdo aos palavrões. O Sheng'-Khan não dissera a ele para treinar seu filho e fazê-lo conhecer os meios de ataque e assassinato? Não tinha jurado protegê-lo e ser, secretamente, seu professor? "Mas, Tenzing, pelo amor de Deus, não deixe meu filho saber que eu lhe disse isso. Mantenha isso como um segredo entre nós..." Há semanas que tem sido difícil pegar o sahib desprevenido, pensou, satisfeito. Mas Gueng pegou-o hoje e eu também. Melhor sermos nós do que um inimigo; e eles agora estão nos cercando que nem abelhas.
— A escada tem 75 degraus que levam até uma porta de ferro — disse Tenzing, no seu melhor tom de relatório. — A porta está enferrujada, mas eu a forcei. Lá fora há uma caverna, fora da caverna está a noite; é uma boa rota de fuga, sahib. O que não é bom é que de lá eu enxerguei o primeiro caminhão do comboio. — Fez uma pausa, não querendo se enganar. — Talvez ainda reste uma meia hora.
— Volte para a primeira porta, Tenzing, a que nós trancamos. Mine o túnel até a nossa porta de modo que ela não seja atingida. Vinte minutos de pavio a contar de agora. Diga a Gueng para pôr os pavios exatamente com o mesmo tempo a partir de agora
— Sim, sahib.
Ross virou-se. Notou o suor na testa de Rosemont.
— OK?
Claro. Chegamos até 103.
— Os dois últimos números são 660 e 31. — Viu o americano tocar nos números. A luz começou a piscar. Rosemont estendeu a mão para a alavanca.
— Pare! — Ross enxugou o suor do seu próprio queixo, sentindo a barba espetar. — Isto não estará preparado para explodir?
— É possível. Claro. É possível — disse Rosemont, olhando para o cofre
— Então vamos apenas explodir o desgraçado, sem nos arriscar.
— Eu, eu tenho que checar. Tenho que checar se o código-mestre está lá dentro ou não. Ele e o decodificador são as minhas prioridades. — Tornou a olhar para a luz que piscava. — Volte para a outra sala, proteja-se junto com Gueng, grite quando estiverem prontos. Eu... essa tarefa é minha.
Ross hesitou. Então concordou, apanhou as duas mochilas que continham explosivos e detonadores.
— Onde fica a sala de comunicações? Aí ao lado.
— A sala do gerador é importante?
— Não. Só este cofre, o decodificador e aqueles quatro computadores lá atrás, embora fosse melhor que todo este andar fosse pelos ares. — Rosemont observou Ross se afastar e então virou de costas e tornou a olhar para a alavanca. Sentia um aperto no peito. Aquele filho da puta do Meshgi! Teria apostado minha vida; aliás eu o fiz, todos nós o fizemos, até Ali Karakose. — Está pronto? — gritou impaciente
— Espere! — Mais uma vez seu estômago revirou. Ross estava de volta, atrás dele, sem que tivesse percebido, em suas mãos havia uma corda fina e comprida de náilon que, rapidamente, ele amarrou na alavanca
— Puxe a alavanca quando eu disser, mas não abra a porta. Vamos abri-la lá de fora. — Ross correu para fora. — Agora!
Rosemont respirou fundo para acalmar o coração e colocou a alavanca na posição Abrir, depois correu para a outra caverna. Ross fez sinal para que ele se abaixasse perto da parede.
— Mandei Gueng avisar Tenzing. Pronto?
— Claro.
Ross esticou a corda e depois puxou com força. A corda permaneceu esticada. Puxou com mais força ainda, então ela cedeu um pouco mas depois não veio mais. Silêncio. Nada. Os dois homens suavam.
— Bem — disse Ross, bastante aliviado, e se levantou. — É melhor prevenir do que re... — A explosão abafou suas palavras, uma grande nuvem de fumaça e pedaços de metal voaram para dentro da caverna em que eles estavam, arrancando o ar dos seus pulmões, espalhando mesas e cadeiras. Todas as telas de radar explodiram, as luzes desapareceram, um dos telefones vermelhos soltou-se e voou pela sala, arrebentando-se de encontro à cobertura de aço de um computador. Aos poucos, a poeira assentou, com os dois homens tossindo desesperadamente na escuridão.
Rosemont foi o primeiro a se recuperar. A sua lanterna ainda estava pendurada no cinto. Ele a agarrou.
— Sahib! — Tenzing chamou ansiosamente, correndo para dentro da sala, com a lanterna acesa, e com Gueng ao lado dele.
— Eu... eu estou bem. — Disse Ross, ainda tossindo muito. Tenzing encontrou-o deitado no meio do entulho. Havia um pouco de sangue escorrendo pelo seu rosto, mas era apenas uma ferida superficial causada pelos vidros que tinham voado.
— Graças a todos os deuses — murmurou Tenzing, e ajudou-o a levantar-se.
— Jesus Cristo! — Olhou abobalhado para toda aquela destruição e depois foi tropeçando atrás de Rosemont pela passagem até a sala de código. O cofre desaparecera, e com ele o decodificador, os manuais, os telefones, deixando um enorme buraco na rocha. Todo o equipamento eletrônico tinha virado um monte de metal e fios retorcidos. Pequenos incêndios já começavam a arder.
— Jesus — foi tudo o que Rosemont conseguiu dizer, sua voz pouco mais que um murmúrio, a mente tumultuada pela proximidade da morte, gritando: corra, fuja deste lugar mortal...
— Deus Todo-Poderoso!
Rosemont tentou dizer alguma coisa, não conseguiu, foi até um canto e vomitou.
— É melhor nós... — Ross achou difícil falar, seus ouvidos ainda ecoavam, a cabeça doía violentamente, a adrenalina bombeava-lhe o sangue, e ele tentou dominar a vontade de fugir. — Tenzing, você já terminou?
— Em dois minutos, sahib. — O homem correu para fora.
— Gueng?
— Sim, sahib. Mais dois minutos também. — E também saiu rapidamente.
Ross foi até o outro canto e vomitou. Então se sentiu melhor. Encontrou o cantil e tomou um longo gole, enxugou a boca na manga da sua roupa de combate e foi até onde estava Rosemont, encostado numa parede, e sacudiu-o.
— Você está bem?
— Sim, claro. — Rosemont ainda estava tonto, mas agora sua mente trabalhava. Sentiu um gosto horrível na boca e cuspiu no meio do entulho. Havia pequenos incêndios na sala, lançando sombras estranhas nas paredes e no telhado. Tomou um gole, devagar. Depois de alguns instantes disse: — Não existe nada no mundo que se compare a um uísque escocês. — Tomou mais um gole e devolveu o cantil. — Acho melhor nós darmos o fora daqui.
Com a lanterna, deu uma rápida busca no meio dos destroços, encontrou os restos retorcidos do importantíssimo decodificador e andou com cuidado até a caverna seguinte, colocando os restos perto da carga que estava na base dos computadores.
— O que eu não entendo, é como tudo isso não explodiu e nos mandou para o inferno, com os nosso explosivos todos espalhados por aí.
— Eu... Antes de voltar com a corda e mandar Gueng atrás de Tenzing, eu disse a Gueng para remover os explosivos e os detonadores por medida de segurança.
— Você sempre pensa em tudo?
— Tudo isso faz parte do serviço — disse sorrindo. — Sala de comunicações?
O local foi minado rapidamente. Rosemont olhou para o relógio.
— Oito minutos para a explosão. Vamos esquecer da sala do gerador.
— Ótimo. Tenzing, você vai na frente.
Subiram a escada de emergência. A porta de ferro rangeu quando eles abriram. Uma vez na caverna, Ross tomou a dianteira. Espiou, cautelosamente, para fora, observando tudo em volta. A lua ainda estava alta. A trezentos ou quatrocentos metros de distância, o caminhão da frente subia a última encosta.
— Para que lado, Vien? — perguntou e Rosemont se sentiu animado.
— Para cima — disse, sem demonstrá-lo. — Vamos subir. Se houver soldados atrás de nós, esquecemos a costa e rumamos para Tabriz. Se não houver nenhum soldado, fazemos a volta e regressamos pelo caminho por onde viemos.
Tenzing ia na frente. Ele era como uma cabra das montanhas, mas escolhia o caminho mais fácil, sabendo que os dois homens ainda estavam muito abalados. Aqui a encosta era bem íngreme, mas não muito difícil, e havia pouca neve para atrapalhar. Mal tinham começado a caminhada quando o chão estremeceu, e o som da primeira explosão chegou até eles totalmente abafado. Em rápida sucessão, houve outros pequenos tremores.
Só falta uma, pensou Rosemont, satisfeito com o frio que clareava sua cabeça. A última explosão, na sala de comunicações, onde tinham usado todo o resto dos explosivos, foi muito mais forte e sacudiu realmente a terra. Abaixo deles e à direita, parte da montanha cedeu, com a fumaça saindo da cratera resultante.
— Cristo — murmurou Ross.
— Provavelmente um respiradouro.
— Sahibl Olhe lá!
O caminhão que liderava o comboio tinha parado na entrada da caverna Havia homens pulando para fora, outros olhando para a encosta, iluminada pelos faróis dos outros caminhões. Todos os homens tinham rifles. Ross e os outros se embrenharam ainda mais nas sombras.
— Vamos subir até aquele cume — disse baixinho Rosemont, apontando para cima e para a esquerda. — Ficaremos fora do ângulo de visão deles e bem protegidos. Depois seguimos em direção a Tabriz, quase no rumo leste. Certo?
— Tenzing, adiante!
— Sim, sahib.
Atingiram o cume e o atravessaram, rumando para leste, sem conversar, guardando as energias pois ainda teriam muitos e muitos quilômetros para caminhar. O terreno era acidentado e a neve os atrapalhava. Em pouco tempo, as luvas estavam rasgadas, as mãos e os pés feridos, as pernas doíam mas, não tendo mais as pesadas mochilas para atrapalhar, progrediam bem e o moral estava alto.
Chegaram a um dos caminhos que ziguezagueava pelas montanhas. Sempre que o caminho se bifurcava, eles escolhiam o que fosse mais alto. Havia aldeias no vale, mas muito poucas naquela altura.
— É melhor ficarmos aqui por cima — disse Rosemont —, e... e torcer para não dar de cara com ninguém.
— Você acha que todos são hostis?
— Claro. Esta região não é só antixá, mas também anti-Khomeini, anti todo mundo. — Rosemont estava ofegando. — É aldeia contra aldeia o tempo todo e é uma região de bandidos. — Fez sinal para Tenzing avançar, grato pelo luar e pelo fato de estar com os três.
Tenzing manteve o passo, mas era um passo de montanhista, uniforme, sem pressa, constante e puxado. Depois de uma hora, Gueng tomou a liderança, depois Ross, Rosemont e depois Tenzing de novo. Três minutos de descanso para cada hora, depois recomeçando.
A lua desceu mais no céu. Eles agora já estavam bem longe, o caminho mais fácil, menos íngreme. Este ainda contornava a montanha, mas conduzia para leste, em direção a uma fenda de formato curioso na encosta. Rosemont a reconhecera.
— Lá naquele vale há uma estrada secundária que vai para Tabriz. No inverno, é pouco mais do que uma trilha, mas consegue-se passar com relativa facilidade. Vamos continuar até amanhecer, depois paramos para descansar e fazer um plano. Certo?
Estavam agora bem abaixo da linha das árvores, no início da floresta de pinheiros, andando bem mais devagar e sentindo o cansaço.
Tenzing ainda ia na frente. A neve abafava o barulho dos seus passos e o ar puro o fazia sentir-se muito bem. De repente, pressentiu o perigo e parou. Ross estava bem atrás dele e parou também. Todo mundo ficou esperando, imóvel. Então Ross avançou cautelosamente. Tenzing examinava a escuridão à sua frente, com o luar lançando estranhas sombras. Vagarosamente, os dois homens olharam para os lados. Nada. Nenhum sinal nem cheiro. Esperaram. Um pouco de neve caiu de uma das árvores. Ninguém se moveu. Então uma ave noturna saiu de um galho na frente à direita e voou ruidosamente. Tenzing apontou naquele direção, fazendo sinal a Ross para esperar, tirou o seu kookri e avançou sozinho, sumindo na noite.
Poucos metros depois, Tenzing viu um homem agachado atrás de uma árvore, a uns cinqüenta metros de distância e sua excitação aumentou. Chegando mais perto, percebeu que o homem não o vira. Aproximou-se mais. Então, com o canto dos olhos, viu uma sombra mover-se à esquerda, outra à direita e compreendeu.
— Emboscada! — gritou com toda a força dos pulmões e mergulhou no chão para se proteger.
A primeira rajada de balas passou perto mas não o atingiu. A segunda rajada perfurou seu pulmão esquerdo, abriu um buraco nas suas costas e lançou-o de encontro a uma árvore caída. Mais armas começaram a atirar no lado oposto do caminho, com o fogo cruzado castigando Ross e os outros, que tinham se arrastado para baixo de troncos de árvores e se enfiado nas valas.
Por um momento, Tenzing ficou deitado lá, impotente. Podia ouvir o tiroteio, mas este parecia muito distante, embora soubesse que devia ser bem próximo. Com um tremendo esforço, conseguiu se levantar e atirou na direção das armas que o haviam matado. Viu alguns dos seus atacantes virarem-se para ele e ouviu balas passando, algumas raspando o seu capuz. Uma delas entrou no seu ombro, mas ele nem sentiu, satisfeito por estar morrendo como os homens do regimento deviam morrer. Avançando. Sem medo. Eu não sinto realmente nenhum medo. Eu sou hindu e vou me encontrar com Shiva alegremente, e quando nascer de novo, peço a Brahma, a Vishnu e a Shiva que torne a nascer um gurkha.
Quando ele alcançou a emboscada, seu kookri arrancou o braço de alguém, suas pernas cederam e uma luz monstruosa, incomparável, explodiu em sua cabeça e ele se entregou à morte sem dor.
— Cessem o fogo — ordenou Ross, examinando o terreno, recuperando o controle da luta. Concluiu que havia dois grupos de atiradores contra eles, mas não havia nenhum jeito de alcançar nenhum deles. A emboscada fora bem planejada e o fogo cruzado era mortal. Tinha visto Tenzing ser ferido. Precisou de toda a sua força de vontade para não correr em sua ajuda, mas primeiro tinha que vencer esta batalha e proteger os outros. Os tiros ecoavam pela montanha. Tirou a mochila, encontrou as granadas, certificando-se de que sua arma era totalmente automática, sem saber como sair daquela armadilha. Então vira Tenzing levantar-se com um grito de guerra e avançar pela encosta, criando a distração que Ross precisava. Imediatamente, ordenou a Rosemont:
— Proteja-me — e a Gueng: — Vá! — apontando na direção do mesmo grupo que Tenzing estava atacando.
No mesmo instante, Gueng saiu da sua vala e correu para eles, que estavam distraídos pela ação de Tenzing. Quando viu seu camarada tombar, sua raiva explodiu, soltou o pino da granada e atirou-a no meio deles, jogando-se na neve. Assim que a granada explodiu, ele se levantou, atirando na direção dos gritos, fazendo calar a maioria deles. Viu um homem fugindo, e outro se arrastando, desesperado, para o meio dos arbustos. Um golpe do kookri arrancou parte da cabeça do homem que se arrastava. Uma curta rajada cortou o outro em pedaços e mais uma vez Gueng desviou-se para se proteger, sem saber de onde viria o perigo. Outra granada explodindo desviou sua atenção para o outro lado do caminho.
Ross arrastara-se para a frente. As balas choveram sobre ele, mas Rosemont deu várias rajadas de metralhadora, desviando o fogo, dando a Ross a ajuda que ele precisava, e este alcançou a árvore seguinte, em segurança, encontrou uma vala funda na neve e se atirou lá dentro. Por um segundo esperou, recuperando o fôlego, depois arrastou-se pela neve dura e gelada em direção ao fogo. Agora estava fora da vista dos atacantes e avançou com facilidade. Então ouviu a granada explodir e os gritos e rezou para que Gueng e Tenzing estivessem bem.
O fogo inimigo se aproximava, e quando achou que estava em posição, tirou o pino da primeira granada, com a carabina na mão esquerda e se levantou. Assim que saiu da vala, viu os homens, mas não onde tinha esperado que estivessem. Eram cinco, a uns vinte metros de distância. Eles viraram os rifles em sua direção, mas suas reações foram um pouco mais rápidas e ele já estava no chão, atrás de uma árvore, com a granada preparada e contando antes que dessem os primeiros tiros. Ao contar quatro, saiu de trás da árvore e atirou a granada na direção deles, protegendo a cabeça com os braços. A explosão levantou-o do chão, arrebentou o tronco de uma árvore próxima, enterrando-o sob um monte de galhos e neve.
Mais abaixo, Rosemont esvaziara a arma na direção em que supunha estarem os atacantes. Praguejando em sua ansiedade, enfiou outro pente na arma e tornou a atirar.
Na colina do outro lado do caminho, Gueng agachara-se atrás de uma rocha, esperando que alguém se movesse. Então, perto da árvore que explodira, viu um homem fugindo, abaixado. Atirou e o homem caiu, com o tiro ecoando. Depois, silêncio.
Rosemont sentiu o coração acelerar. Não podia esperar mais.
— Cubra-me, Gueng — gritou, e dando um salto, correu em direção à árvore. Um brilho de fogo à sua direita, as balas assoviando muito próximo, então Gueng começou a atirar lá do outro lado. Houve um grito e o fogo cessou. Rosemont correu para a frente até chegar ao lugar da emboscada, com a carabina pronta. Os três homens estavam inteiramente destroçados, o último ainda morrendo, seus rifles totalmente retorcidos. Todos usavam roupas tribais. Enquanto olhava, o último homem engasgou e morreu. Ele se virou e correu para a outra árvore, arrancando galhos, abrindo caminho na neve para chegar até Ross.
Do outro lado, Gueng esperava e vigiava, para matar qualquer coisa que se movesse. Houve um ligeiro movimento atrás das pedras, onde sua granada explodira os três homens. Ele esperou, mal respirando, mas era apenas um roedor mastigando. Em pouco tempo eles vão limpar o terreno, deixando-o intacto de novo, pensou, maravilhado pelo ciclo dos deuses. Seus olhos examinaram tudo vagarosamente. Viu Tenzing caído de um lado da rocha, com o kookri ainda apertado nas mãos. Antes de partir, vou pegar o kookri, pensou; a família dele vai gostar e seu filho vai usá-lo com a mesma honra. Tenzing Sheng'Khan viveu e morreu como um homem e renascerá da forma que os deuses decidirem. Carma.
Outro movimento. Lá na frente, na floresta. Ele se concentrou.
Do outro lado da trilha, Rosemont puxava os galhos, lutando para arrancá-los, com os braços doendo. Finalmente, alcançou Ross e seu coração quase parou. Ross estava caído no chão, com os braços sobre a cabeça, a carabina perto dele. O sangue manchava a neve e as costas do macacão branco. Rosemont se ajoelhou e virou-o e quase chorou de alívio quando viu que Ross estava respirando. Por um momento, seus olhos olharam sem entender, depois entraram em foco. Ele se ergueu e piscou.
— Tenzing? E Gueng?
— Tenzing foi atingido. Gueng está do outro lado, protegendo-nos. Ele está bem.
— Graças a Deus. Pobre Tenzing.
— Experimente os seus braços e as suas pernas. — Desajeitadamente, Ross moveu os membros. Estava tudo em ordem.
— Minha cabeça está explodindo, mas estou bem. — Olhou em volta e viu os atacantes mortos. — Quem são eles?
— Homens de tribos, bandidos, talvez. — Rosemont examinou o caminho. Nada se mexia. A noite estava bonita. — É melhor darmos o fora daqui antes que surjam mais desses filhos da mãe. Você acha que pode continuar?
— Sim. Dê-me alguns segundos. — Ross limpou a neve do rosto. O frio estava ajudando. — Obrigado, hein?
— É tudo parte do serviço — disse sorrindo, sem jeito. Seus olhos desviaram-se para os assaltantes. Mantendo-se bem abaixado, foi até eles e revistou-os como pôde. Não encontrou nada. — Provavelmente gente daqui ou bandidos. Esses filhos da mãe podem ser bem cruéis quando nos pegam vivos.
Ross concordou com a cabeça e sentiu outro espasmo de dor.
— Estou bem agora, eu acho. É melhor dar o fora. O tiroteio deve ter sido ouvido a quilômetros de distância, e não convém ficarmos por aqui.
— Espere mais um pouco — disse Rosemont que percebera o sofrimento dele.
— Não, eu me sinto melhor andando. — Ross juntou as forças, depois gritou em gurkhali: — Gueng, vamos prosseguir. — Começou a se levantar, mas parou quando ouviu um assovio agudo indicando perigo. — Abaixe-se! — E puxou Rosemont com ele.
Uma única bala de rifle surgiu no meio da noite, escolhendo Rosemont e se alojando em seu peito, ferindo-o mortalmente. Então houve tiros do outro lado da encosta e um grito, e depois silêncio de novo.
Em seguida, Gueng juntou-se a Ross.
— Sahib, acho que este era o último. Por enquanto.
— Sim. — Esperaram com Vien Rosemont até que ele morresse, depois fizeram o que tinham que fazer por ele e por Tenzing. E depois foram embora.
22
BASE AÉREA MILITAR DE ISFAHAN: 5:40H. A leste, o dia começava a clarear. A base estava calma, não havia ninguém por lá exceto os guardas islâmicos armados que, junto com a população de Isfahan, aos milhares e liderada por mulás, tinham invadido a base ontem e agora a controlavam, com todos os oficiais e soldados do Exército e da Força Aérea confinados aos seus alojamentos, sob escolta ou livres — tendo-se declarado a favor de Khomeini e da revolução.
O sentinela Relazi tinha 18 anos e sentia muito orgulho da sua faixa verde e de estar de guarda do lado de fora do barracão onde estavam o traidor general Valik e sua família, que tinham sido apanhados na véspera, se esgueirando pelo refeitório dos oficiais com o seu piloto estrangeiro da CIA. Deus é grande, pensou. Amanhã eles serão mandados para o inferno junto com todo o infame povo da Mão Esquerda.
Há anos que os Relazi eram sapateiros numa pequena barraca do velho bazar de Isfahan. Sim, pensou, eu fui um bazaari até uma semana atrás, quando o nosso mulá chamou a mim e a todos os fiéis para a batalha de Deus, deu-me a braçadeira de Deus e esta arma e me ensinou como usá-la. Como são maravilhosos os desígnios de Deus.
Ele estava abrigado da neve sob uma saliência da cabana, mas a umidade e o frio o atravessavam apesar de estar usando todas as roupas que possuía no mundo — camiseta, uma camisa grossa por cima, um casaco e uma calça comprados de segunda mão, um velho suéter e um antigo casacão do exército que pertencera a seu pai. Seus pés estavam dormentes.
— Seja como Deus quiser — disse em voz alta e se sentiu melhor. — Vou ser substituído logo e então vou comer. Meu Deus, os soldados vivem como verdadeiros paxás, fazem pelo menos duas refeições por dia, uma com arroz, imagine só, e são pagos toda semana... dinheiro de Satã, mas mesmo assim dinheiro. — Teve um acesso de tosse, com o peito chiando, trocou a carabina do exército americano para o outro ombro, encontrou a guimba de cigarro que estava guardando e acendeu-a.
Pelo Profeta, pensou, satisfeito, quem poderia imaginar que tomaríamos a base tão facilmente, com tão poucos dos nossos mortos e mandados para o paraíso antes que dominássemos os soldados no portão e entrássemos no campo — nossos irmãos na base bloqueando o caminho com caminhões, e outros ocupando os aviões e helicópteros para evitar a fuga dos traidores do xá. Fugindo das balas do inimigo, com o Nome de Deus nos lábios. "Juntem-se a nós, irmãos", nós gritamos, "juntem-se à revolução de Deus, ajudem-nos a fazer o trabalho de Deus! Venham para o paraíso... não vão para o inferno..."
O rapaz tremeu e começou a pronunciar as palavras impressas nele por uma dúzia de mulás, tirados do Corão e interpretadas: "... para viver lá para sempre com todos os pecadores e o povo amaldiçoado da Mão Esquerda, sem provar de nenhuma outra bebida a não ser água fervendo ou metal derretido e matéria em decomposição. E quando o fogo do inferno lhes tiver arrancado toda a pele, eles criarão peles novas de modo que seu sofrimento não cesse nunca..."
Fechou os olhos com a intensidade das suas orações: "Deixe-me morrer com um dos nomes de Deus nos meus lábios, para que eu possa ir diretamente para o jardim do paraíso com todo o povo da Mão Direita, para ficar lá para sempre, para nunca mais sentir fome, para nunca mais ver os irmãos e as irmãs das aldeias com suas barrigas inchadas, lamuriando-se até morrer, para não gritar mais no meio da noite por causa do horror da vida, mas viver no paraíso: para me deitar em almofadas de seda, vestido com roupas de seda verde, servido por jovens rosadas, carregando taças e copos transbordantes de vinho, e provando das frutas mais deliciosas e da carne das aves mais tenras. E a nós pertencerá a rapariga de olhos grandes e escuros, como pérolas escondidas na sua concha, sempre jovem, sempre virgem, no meio de árvores carregadas de frutos, repousando na sombra perto de um riacho, sem nunca envelhecer, sem..."
O golpe de rifle esmagou-lhe o nariz e amassou-lhe o crânio, cegando-o e privando-o para sempre da sua normalidade, mas sem matá-lo, antes que ele caísse no chão, inconsciente. Seu atacante era um soldado, da mesma idade que ele, e este homem apanhou rapidamente a carabina e usou-a para arrebentar a fechadura da porta e abri-la.
— Rápido — murmurou o soldado, suando de medo. Um instante depois, o general Valik pôs a cabeça para fora, cautelosamente. O homem agarrou-lhe o braço. — Vamos, depressa, pelo amor de Deus — sussurrou.
— Que Deus o abençoe... — disse Valik, com os dentes batendo, depois tornou a entrar e saiu com dois embrulhos grandes de dinheiro que o homem enfiou no uniforme de campanha, desaparecendo tão silenciosamente quanto tinha chegado. Valik hesitou um momento, com o coração disparado. Viu a carabina na neve e apanhou-a, carregou-a e pendurou-a no ombro, depois agarrou a maleta, agradecendo a Deus pelo fato dos revolucionários terem sido apressados demais na sua revista para descobrir o fundo falso da maleta antes de os terem enfiado ali para esperar a sentença dos tribunais.
— Sigam-me — sussurrou para sua família. — Mas em nome de Deus, não façam barulho. Sigam-me com cuidado. — Fechou bem o casaco e foi mostrando o caminho no meio da neve. Sua esposa, Annoush, seu filho de oito anos, Jalal, e sua filha Setarem, de seis, hesitavam na porta. Todos estavam usando roupas de esqui. Annoush tinha um casaco de vison por cima, e os guardas islâmicos tinham-na ridicularizado por causa disso, como sendo uma exibição pública de pecado. "Guarde-o com você", tinham dito com desprezo, "só isso já basta para condená-la!" Durante a noite ela tinha ficado satisfeita pelo seu calor, .encolhida no chão de terra da cabana sem aquecimento, enrolando as crianças com ele.
— Venham, meu queridos — murmurou, tentando disfarçar o próprio medo.
O corpo do sentinela bloqueava o caminho, ali deitado na neve, gemendo baixinho.
— Mamãe, por que ele dorme na neve? — cochichou a garotinha.
— Não ligue para isso, minha querida. Vamos depressa. Não façam nenhum barulho agora.
Silenciosamente, ela pulou por cima do corpo. A garotinha não conseguiu e teve que pisar nele, tropeçando e caindo na neve. Mas ela não gritou, apenas se levantou, ajudada pelo irmão. Juntos, de mãos dadas, foram avançando rapidamente.
Valik conduziu-os cautelosamente. Quando chegaram ao hangar onde o 212 ainda estava parado, ele respirou com mais facilidade.
Esta área ficava bem longe do campo principal, do outro lado da enorme pista. Depois de se certificar de que não havia nenhum guarda por perto, ele correu até o helicóptero e espiou o interior da cabine. Para seu grande alívio, não havia guardas dormindo lá dentro. Esperimentou a porta. Não estava trancada. Ele a abriu o mais silenciosamente possível e fez sinal para os outros. Também em silêncio, eles se juntaram a Valik. Ele os ajudou a subir e entrou em seguida, trancando a porta por dentro. Rapidamente, acomodou as crianças com alguns cobertores sob os assentos, recomendando-lhes que não deixassem ninguém perceber sua presença ali, o que quer que acontecesse. Então sentou-se ao lado da mulher, pôs um cobertor em volta dos ombros, pois estava com muito frio, e deu-lhe a mão. As lágrimas desciam pelo rosto dela.
— Tenha paciência, não chore. Não vai demorar muito — cochichou, confortando-a. — Não vamos ter que esperar muito. Insha'Allah.
— Insha'Allah — ela repetiu com a voz entrecortada —, mas o mundo inteiro enlouqueceu... fomos atirados numa cabana imunda como se fôssemos criminosos... o que vai acontecer conosco...
— Com a ajuda de Deus nós conseguiremos chegar até aqui, então por que não conseguimos chegar até o Kuwait?
Eles tinham chegado lá na véspera, pouco antes do meio-dia. Fora um vôo sem incidentes, com todas as estações de rádio silenciosas. Ele confiava no seu motorista, que estava com ele há 15 anos, e que tinha levado o carro de volta para Teerã, com ordens de não dizer a ninguém que eles "tinham ido para a casa deles no mar Cáspio".
— Nesta fuga, não podemos confiar em ninguém — dissera Valik para a esposa enquanto estavam esperando a chegada do helicóptero.
— É claro, mas deveríamos ter trazido Xarazade, isso teria ajudado a ela e a Tom Lochart e teria sido uma garantia de que ele nos levaria até o fim.
— Não, ela nunca teria partido, por que o faria? — respondera-lhe Valik. — Com ou sem Xarazade, não se pode confiar nele; ele é estrangeiro, não é um de nós.
— Teria sido mais sábio trazê-la.
— Não — dissera, sabendo o que teria que ser feito com Lochart.
Durante a viagem de Teerã para Isfahan ele se sentara na frente com Lochart. Tinham voado baixo, evitando cidades e aeroportos. Quando Lochart chamou a base militar de Isfahan, já eram esperados. A torre dera-lhes instruções de onde pousar, com ordens para não tornar a chamar e manter o rádio silencioso. O brigadeiro-do-ar Muhammad Seladi, tio de Valik, que tinha conseguido licença para que eles pousassem e reabastecessem o helicóptero, encontrou-os na pista. O brigadeiro cumprimentara-os sombriamente. Como estava quase na hora do almoço, dissera que eles deveriam comer na base antes de continuar.
— Mas Muhammad, Excelência, temos bastante comida no aparelho — retrucara Valik.
— Eu insisto — respondera nervosamente Seladi. — Eu insisto, Excelência. Você deve apresentar seus cumprimentos ao comandante. É necessário e nós, ahn, precisamos conversar.
Foi nesse intervalo que os Faixas Verdes e a multidão invadiram a base, prenderam todos eles e levaram Lochart para uma outra parte da base. Filhos de cães, Valik pensou zangado, que todos eles queimem no inferno! Eu sabia que nós deveríamos ter reabastecido e partido imediatamente. Seladi é um idiota. É tudo culpa dele...
No andar de cima de um quartel, a meio quilômetro de distância, Tom Lochart dormia. Subitamente, foi despertado por uma agitação no corredor, a porta foi aberta e ele se viu meio cego pela luz de uma lanterna.
— Rápido — disse uma voz, em inglês com sotaque americano e dois homens o ajudaram a se levantar. Em seguida, as duas figuras que ele mal distinguira se viraram e saíram correndo.
Ele levou um segundo para se refazer e depois correu atrás deles pelo corredor, desceu três lances de escada e saiu para o ar livre. Aí ele parou junto com os outros, respirando ofegante. Mal tivera tempo de ver que os dois eram oficiais, um capitão e um major, antes que saíssem correndo de novo no meio da escuridão. O dia começava a clarear. A neve caía levemente, ajudando a ocultá-los e abafando os seus passos.
À frente estava a casa da guarda, com uma fogueira do lado de fora e alguns revolucionários sonolentos amontoados em volta. Os três homens desviaram e correram pelo meio de uma fileira de barracas, tornaram a desviar-se para uma travessa quando um caminhão cheio de guardas entoando cânticos apareceu numa esquina, depois correram pela estrada em direção ao hangar onde estava o 212. Quando chegaram ao hangar, pararam para recuperar o fôlego.
— Ouça, piloto — disse o major, ofegante —, quando eu der o sinal, nós corremos para o helicóptero e decolamos. Pronto?
— E os outros? — perguntou Lochart, sentindo uma pontada do lado e quase sem poder falar. — E o general Valik e a família dele?
— Esqueça-se deles. AH — o major fez um sinal para o outro homem —, Ali vai na frente com você e eu vou atrás. Quanto tempo vai demorar para subir depois que você der a partida?
— Quase nada.
— Faça ainda por menos — disse o major. — Vamos!
Eles correram para o 212, Lochart e Ali, o capitão, em direção à cabine do piloto. Neste momento, Lochart viu um carro sem faróis vindo pela estrada na direção deles e seu coração quase parou.
— Olhe!
— Em Nome de Deus, rápido, piloto!
Lochart redobrou seus esforços, pulou para o assento do piloto, empurrou os interruptores, ligou os motores e começou a aquecer o aparelho. Neste mesmo instante, o major alcançou a porta de correr e abriu-a. Quase desmaiou quando Valik empurrou a carabina na sua cara.
— Oh, é você, major! Deus seja louvado..
— Deus seja louvado pelo senhor ter conseguido escapar, Excelência — o major gaguejou, conseguiu dominar o pânico e subiu no aparelho, que já estava com as hélices girando, mas ainda não estava em condições de voar. — Louvado seja Deus pelo senhor ter escapado... mas onde está o soldado?
— Ele apanhou o dinheiro e fugiu.
— Ele trouxe as armas?
— Não, isto é tudo...
— Filho de um cão! — disse furioso o major, depois gritou para Lochart: — Em nome de Deus, depreeeeessa! — Ele se virou e olhou para o carro que se aproximava. E que se aproximava depressa.
Arrancou a carabina da mão de Valik, ajoelhou-se na porta, mirou o motorista e puxou o gatilho. O tiro foi alto — enquanto atrás dele Annoush e as crianças gritavam de terror — o carro saiu da estrada e passou por trás de uma fileira de cabanas, tornando a aparecer por um instante antes de dar a volta no hangar e desaparecer.
Lochart estava com os fones no ouvido e observava os mostradores subirem, louco para apressá-los.
— Vamos, droga — resmungou, com as mãos e os pés preparados nos controles, o barulho dos jatos aumentando e o capitão ao lado dele rezando alto. Não podia ouvir Annoush soluçando lá atrás nem as crianças apavoradas que tinham engatinhado para fora do esconderijo para enfiar o rosto no colo da mãe, nem Valik e o major gritando para ele andar depressa.
Agulhas subindo. Ainda subindo. Ainda subindo. Quase no verde. Agora! Sua mão esquerda começou a levantar a alavanca de comando, mas o carro saiu de trás do hangar e veio de frente na direção deles, parando a 15 metros de distância. Cinco homens saltaram. Um deles correu diretamente para a cabine do piloto e apontou um rifle automático para ele, os outros se dirigiram para a porta de trás. Tom já estava quase no ar, mas sabia que seria um homem morto se continuasse e viu o homem fazer sinal para ele parar. Obedeceu, depois virou-se para olhar para trás. Os outros homens estavam subindo no aparelho. Eram todos oficiais, Valik e o major os abraçavam, então ele ouviu:
— Decole, pelo amor de Deus! — E sentiu uma cotovelada nos quadris. Era Ali, o capitão, do lado dele.
— Decole! — repetiu Ali, com seu inglês de sotaque americano, e fez um sinal com os polegares para cima para o homem que estava lá fora, ainda com o rifle apontado para eles. O homem correu, entrou e fechou a porta. — Depressa, droga, olhe para lá! — Apontou para o outro lado da pista. Havia mais carros vindo naquela direção. Alguém atirava com uma metralhadora pela janela. Em segundos, Lochart decolou, com todos os sentidos concentrados na fuga.
Atrás dele, alguns oficiais aplaudiram, se seguraram quando o helicóptero se inclinou para escapar, e se espalharam pelos assentos. Muitos eram coronéis. Alguns estavam abalados, particularmente o brigadeiro Seladi, que se sentou entre Valik e o major.
— Não sabia ao certo se era o senhor, brigadeiro Excelência — o major estava dizendo —, então atirei para o alto como um aviso. Deus seja louvado pelo plano ter funcionado tão bem.
— Mas vocês iam decolar. Vocês iam nos deixar! Vocês...
— Oh, não, tio Excelência — Valik interrompeu delicadamente —, foi o piloto inglês, ele estava entrando em pânico e não queria esperar! Eles não têm colhões, os ingleses! Mas não se preocupe — acrescentou —, nós estamos armados, temos comida e estamos salvos! Louvado seja Deus! E mais louvado ainda por eu ter tido tempo para planejar. — Sim, pensou, se não fosse por mim e pelo meu dinheiro, estaríamos todos mortos. Dinheiro para subornar o homem que soltou a nós e a você, e para subornar o major e o capitão para que soltassem Lochart, de quem eu ainda preciso mais um pouco.
— Se tivéssemos ficado, teríamos sido mortos! — O brigadeiro Seladi estava furioso, seu rosto estava roxo de raiva. — Maldito seja esse piloto! Por que você perdeu tempo em soltá-lo? Ali sabe pilotar um 212.
— Sim, mas Lochart tem mais experiência e nós precisamos dele para atravessar este labirinto.
Valik sorriu encorajadoramente para Annoush, que estava sentada do outro lado do corredor, de frente para ele, com a garotinha tremendo nos braços e o filho sentado no chão, cochilando com a cabeça em seu colo. Ela sorriu de volta, debilmente, mudando a criança de posição para aliviar a dor que sentia no corpo inteiro. Ele esticou o braço e tocou nela, depois acomodou-se mais confortavelmente no assento e fechou os olhos, muito cansado, mas muito satisfeito. Você é um homem muito esperto, disse a si mesmo. No fundo do coração ele sabia que sem o estratagema de fingir para McIver que a Savak ia prendê-lo — e principalmente a sua família — nem McIver nem Lochart os teriam ajudado a fugir. Você os avaliou perfeitamente, como fez com Gavallan.
Idiotas!, pensou com desprezo.
Quanto a você, Seladi, meu estúpido e ganancioso tio, que trocou um reabastecimento seguro em Isfahan, que falhou em nos abastecer, para conseguir uma saída segura para você e para 11 dos seus amigos, você é pior. Você é um traidor. Se eu não tivesse um informante antigo no Estado-Maior do QG, eu nunca teria sabido da grande traição dos generais a tempo de fugir. Teríamos sido capturados como moscas num pote de mel em Teerã. Os legalistas ainda podem vencer, a batalha ainda não está perdida, mas enquanto isso eu e minha família vamos observar os acontecimentos da Inglaterra, de St. Moritz ou de Nova York.
Ele se deixou embalar pela força maravilhosa dos jatos que os estavam levando para a segurança, para uma casa em Londres, uma casa de campo em Surrey, outra na Califórnia, e para as contas bancárias que tinha na Suíça e nas Bahamas. Ah, sim, disse a si mesmo com satisfação, e isso me faz lembrar da nossa conta conjunta com a S-G bloqueada nas Bahamas, mais quatro milhões de dólares para nos enriquecer — e fáceis de arrancar das patas de Gavallan. Mais do que suficiente para manter a mim e à minha família em segurança o que quer que aconteça aqui — até que possamos voltar. Mesmo que vença, Khomeini não vai viver para sempre — que Deus o amaldiçoe! Logo nós poderemos voltar para casa, logo o Irã voltará ao normal, enquanto isso, temos tudo que precisamos.
Ele ouviu Seladi ainda resmungando a respeito de Lochart e do fato de quase ter sido deixado para trás.
— Acalme-se, Excelência — disse, e deu-lhe o braço, apaziguando-o, e pensou: Você e os seus cães fujões ainda têm um valor temporário. Talvez como reféns, talvez como iscas, quem sabe? Nenhum pertence à família exceto você, e você nos traiu. — Acalme-se meu querido tio, com a ajuda de Deus, o piloto vai ter o que merece.
Sim. Lochart não devia ter entrado em pânico. Ele devia ter esperado pela minha ordem. É revoltante entrar em pânico.
Valik fechou os olhos e dormiu, muito satisfeito consigo mesmo.
23
NA REFINARIA IRA-TODA, BANDAR DELAM: 12:04H. Scragger assoviava enquanto bombeava manualmente combustível para o interior dos seus tanques principais, tirando-o de grandes tambores alinhados ao lado do recém-lavado 206, que brilhava ao sol. Ali perto, estava um jovem Faixa Verde acocorado na sombra, apoiado no seu M16 e meio adormecido.
O sol do meio-dia estava quente e uma leve brisa tornava o dia agradável, diminuindo a constante umidade que havia ali na costa. Scragger vestia roupas leves, camisa branca com as insígnias de capitão, calças e sapatos pretos além dos inevitáveis óculos escuros e boné.
Agora os tanques estavam transbordando.
— É isso aí, meu filho — disse para o japonês designado para ajudá-lo.
— Hai, Anjin-san. Sim, sr. piloto — disse o homem. Como todos os empregados da refinaria, ele usava um macacão branco, imaculado, e luvas, com o emblema das Indústrias Irã-Toda nas costas, e com o mesmo escrito em farsi mais acima, e o equivalente em caracteres japoneses embaixo.
— Hai, é isso — disse Scragger, usando uma das palavras que aprendera com Kasigi na véspera, ao voltar de Lengeh. E apontou. — Agora os nossos tanques de longo percurso, e depois vamos encher os de reserva. — Para a viagem que de Plessey tinha generosamente autorizado no domingo à noite, para comemorar a vitória sobre os sabotadores, Scragger retirara o banco de trás e amarrara no lugar dois tambores de duzentos litros.
— Só por precaução, sr. Kasigi. Eu os liguei aos tanques principais. Podemos usar uma bomba manual e até mesmo reabastecer no ar, se formos obrigados, se o senhor concordar em bombear. Então não precisaremos mais pousar para reabastecer. Nunca se sabe como vai estar o tempo no golfo, há sempre tempestades repentinas, nevoeiro, ventos que podem nos pregar peças. Nossa melhor opção é ficarmos um pouco afastados, na direção do mar.
— E o tubarão?
— Aquele velho tubarão-martelo de Kharg? Com um pouco de sorte poderemos vê-lo; se chegarmos tão longe e não formos desviados.
— Não há ainda nenhuma resposta do radar de Kish?
— Não, mas isso não importa. Eles nos deram permissão para ir até Bandar Delam. O senhor tem certeza que pode me reabastecer na sua fábrica?
— Sim, nós temos estoques de tanques, capitão. Campo de pouso, hangar e oficina. Foram as primeiras coisas que construímos; nós tínhamos um contrato com a Guerney.
— Sim, sim, eu sabia disso, mas eles desistiram, não?
— Sim, há cerca de uma semana mais ou menos. Talvez a sua companhia possa assumir o contrato? Talvez eles possam encarregá-lo disso; há trabalho para três 212 e talvez dois 206 constantemente, enquanto estamos em construção.
— Isso faria o velho Andy e Gav ficarem tão felizes quanto um gato num barril de peixe e faria o Dirty Dunc soltar puns! — E Scragger rira.
— O quê?
Scragger tentou explicar a piada a respeito de McIver. Mas quando terminou, Kasigi não tinha rido, dizendo apenas:
— Oh, agora eu compreendo.
Eles são esquisitos, pensou Scragger.
Quando terminou de reabastecer, fez uma nova verificação: motor, rotores, sistema de vôo — embora não esperasse partir hoje. De Plessey pedira-lhe para esperar por Kasigi, para levá-lo para onde ele precisasse, e trazê-lo de volta a Lengeh na quinta-feira. O 206 estava perfeito. Satisfeito, deu uma olhada no relógio, depois apontou para o estômago e esfregou-o.
— Hora do grude, hai?
— Hai! — Seu ajudante sorriu e fez um sinal em direção ao pequeno caminhão que estava ali perto, depois apontou para o prédio de quatro andares que ficava a uns duzentos metros dali, onde ficavam os escritórios dos executivos.
— Prefiro andar — disse, sacudindo a cabeça e fez um gesto com dois dedos para explicar o que era andar, então o jovem se inclinou cumprimentando-o e foi embora no caminhão. Ele ficou parado lá por um momento, observando e sendo observado pelo guarda. Agora que o caminhão tinha partido e que os tanques estavam fechados, podia sentir o cheiro do mar e dos entulhos ali perto, na praia. Estava quase na hora da maré baixa — só havia uma maré por dia no golfo, assim como no mar Vermelho, porque ele era raso e sem acesso ao mar, a não ser através do estreito de Ormuz.