— O Eufrates é tão grande assim? — Dubois perguntou, ficando mais preocupado.
— Sim. Ele nasce na Turquia. O senhor já esteve no Iraque antes?
— Não, m'sieur, infelizmente. Talvez na minha próxima viagem.
— Bagdá é uma maravilha, antiga e moderna, e o resto do Iraque também, merece uma visita. Nós temos nove bilhões de toneladas de reserva de petróleo e duas vezes isto esperando para ser descoberto. Valemos muito mais do que o Irã. A França deveria apoiar a nós, não a Israel.
— Eu, m'sieur, sou só um piloto — disse Dubois. — Nada de política para mim.
— Para nós isto é impossível. Política é vida. Nós descobrimos isto do modo mais difícil. Mesmo no jardim do Éden... o senhor sabia que há pessoas vivendo aqui há mais de sessenta mil anos? O jardim do Éden ficava a menos de cem quilômetros de distância; onde o Tigre e o Eufrates se encontram. O nosso povo descobriu o fogo, inventou a roda, a matemática, a escrita, o vinho, a jardinagem, a agricultura... os jardins suspensos da Babilônia eram aqui, Xarazade inventou suas histórias para o califa Harum al-Rashid, só igualadas pelas do seu Carlos Magno, e aqui viviam os povos mais poderosos das antigas civilizações: babilônios e assírios. Até o Dilúvio começou aqui. Nós sobrevivemos aos sumérios, gregos, romanos, árabes, turcos, ingleses e persas. — Ele quase cuspiu estas palavras. — E vamos continuar a sobreviver a eles.
Dubois balançou a cabeça, concordando. O comandante Tavistock o havia alertado:
— Nós estamos em águas iraquianas, a plataforma é território iraquiano, meu rapaz. Assim que você sair do navio, estará por sua conta. Eu não tenho nenhuma jurisdição. Compreende?
— Eu só quero dar um telefonema. Tenho que dar.
— Que tal desembarcar quando passarmos por Al Shargaz na volta?
— Não haverá nenhum problema — Dubois tinha dito a ele, perfeitamente confiante. — Por que haveria? Eu sou francês. — Ao fazer a aterrissagem forçada no navio, ele tivera que contar ao comandante a respeito do Turbilhão e dos motivos que levaram a ele. O velho tinha apenas resmungado.
— Eu não sei nada sobre isso, meu rapaz, você não me contou nada. Primeiro é melhor você passar uma tinta sobre esses números iranianos e colocar um G na frente de qualquer coisa que quiser. Eu vou pedir ao meu pintor para ajudá-lo. Quanto a mim, se alguém me perguntar alguma coisa, você é uma experiência que os proprietários me impingiram, você embarcou em Cape Town e eu não gosto nem um pouco de você e quase nunca conversamos. Certo? — O capitão tinha sorrido. — Estou feliz por tê-lo a bordo. Eu estive em barcos que operavam no Canal durante a guerra, a minha mulher é de íle d'Ouessant, perto de Brest. Nós costumávamos ir até lá de vez em quando atrás de vinho e conhaque, como os meus ancestrais piratas costumavam fazer. Tire a pele de um inglês e encontrará um pirata. Seja bem-vindo a bordo. Dubois esperou e olhou para o gerente iraquiano.
— Talvez eu possa tornar a usar o telefone amanhã, antes de partirmos?
— É claro. Não se esqueça de nós. Tudo começou aqui, e terminará aqui. Salaaml — O gerente deu um sorriso estranho e estendeu a mão. — Boa sorte.
— Obrigado. Até breve.
Dubois saiu, desceu as escadas e foi para fora, ansioso por voltar ao Oceanrider. A algumas centenas de metros de distância, ele viu o barco patrulha iraniano, uma pequena fragata jogando no meio das ondas.
— Espèce de con — ele resmungou e se afastou, com a cabeça confusa. Dubois levou cerca de 15 minutos para caminhar de volta até o navio. Ele viu Fowler esperando e contou-lhe as novidades.
— Que bom saber notícias dos rapazes, que maravilha, mas ir até Amsterdã nesta banheira velha? — Fowler começou a praguejar, mas Dubois foi até a proa e se encostou na amurada.
Todo mundo salvo! Nunca pensei que fôssemos conseguir, pensou, feliz. Que sorte fantástica! Andy e Rudi vão achar que foi planejamento, mas não foi. Foi sorte. Ou Deus. Deus programou o Oceanrider para passar na hora certa. Merde, foi outra vez por pouco, mas está terminado, então não há necessidade de lembrar. E agora? Contanto que não tenhamos mau tempo e que eu não fique com enjôo, ou que esta banheira velha afunde, será ótimo não ter nada para fazer por duas ou três semanas, só pensar, esperar, dormir, jogar um pouco de bridge, e dormir e pensar e planejar. Depois Aberdeen e o mar do Norte e rir com Jean-Luc, Tom Lochart e Duke e os outros rapazes, depois ir para... para onde? Está na hora de me casar. Merda, eu não quero casar ainda. Só tenho trinta anos e até agora consegui evitar isso. Seria um azar encontrar uma feiticeira parisiense com cara de anjo, capaz de usar os seus feitiços para destruir as minhas defesas e me fazer mudar de idéia. A vida é divertida demais, e a caçada mais ainda!
Ele se virou e olhou para o poente. O sol, enevoado por causa da enorme poluição, estava se pondo no horizonte plano e sem graça. Eu gostaria de estar em Al Shargaz com os rapazes.
AL SHARGAZ — HOSPITAL INTERNACIONAL: 18:01H. Starke estava sentado na varanda do segundo andar, também olhando o sol se pôr, mas aqui ele estava lindo, sobre um mar calmo e um céu sem nuvens, com a luminosidade obrigando-o a apertar os olhos, mesmo por trás dos óculos escuros. Ele estava usando calças de pijama e o seu peito estava envolto em ataduras e cicatrizando rapidamente e embora ainda estivesse fraco, tentava refletir e fazer planos. Havia tanto o que pensar — caso consigamos retirar os aparelhos ou não.
No quarto, atrás dele, podia ouvir Manuela conversando numa mistura de espanhol e texano com seu pai e sua mãe lá em Lubbock. Ele já tinha falado com eles, e falado também com os seus próprios pais e os seus filhos, Billyjoe, Little Conroe e Sarita:
— Puxa, papai, quando é que você vem para casa? Eu ganhei um cavalo novo e o colégio está ótimo e hoje está mais quente do que uma tigela de chili apimentado de Chiquita.
Starke sorriu ligeiramente mas não conseguiu livrar-se do seu mar de preocupações. Há uma distância tão grande entre aqui e lá. Tudo é tão diferente mesmo na Inglaterra. Depois Aberdeen, e o mar do Norte? Eu não me importo de ir por um mês ou dois, mas isto não é para mim, nem para as crianças e Manuela. É óbvio que as crianças querem ficar no Texas, em casa, e Manuela também. Aconteceu muita coisa para assustá-la, coisa demais e muito de repente. E ela tem razão, mas que diabo, eu não sei para onde quero ir nem o que quero fazer. Tenho que continuar voando, é só isso que sei fazer, quero continuar voando. Onde? Não no mar do Norte nem na Nigéria, que são as regiões mais importantes de Andy agora. Talvez uma das áreas menores na América do Sul, Indonésia, Malásia ou Bornéus? Eu gostaria de continuar com ele, se pudesse, mas e as crianças, o colégio e Manuela?
Talvez esquecer o estrangeiro e ir para casa? Não. Muito tempo fora. Muito tempo aqui.
Seus olhos contemplaram o deserto, lá longe, para além da velha cidade. Ele estava recordando as vezes que tinha ido para o deserto à noite, às vezes com Manuela, outras vezes sozinho, indo até lá só para escutar. Escutar o quê? O silêncio, a noite, as estrelas chamando umas às outras? Nada?
— Você escuta Deus — dissera o mulá Hussein. — Como pode um infiel fazer isso? Você escuta Deus.
— Essas palavras são suas, mulá, não minhas.
Homem estranho, salvou a minha vida, eu salvei a dele, quase morri por causa dele e depois fui salvo de novo, depois todos nós de Kowiss tivemos liberdade para partir — que diabo, ele sabia que estávamos deixando Kowiss para sempre, tenho certeza disso. Por que ele nos deixou partir, nós, o Grande Satã? E por que ele vivia me dizendo para ir falar com Khomeini? O imã não está certo, não está nada certo.
O que existe em tudo isso que me atrai?
Está lá longe, alguma coisa no deserto que existe só para mim. Uma completa paz. O absoluto. É só para mim. Não é para Manuela nem para as crianças nem para os meus pais nem para mais ninguém, só para mim... Não posso explicar isto para ninguém, muito menos para Manuela, da mesma forma como não poderia explicar o que aconteceu na mesquita em Kowiss e durante o interrogatório.
E melhor dar o fora daqui ou estou perdido. A simplicidade do Islã parece tornar tudo tão simples e claro e melhor e no entanto...
Eu sou Conroe Starke, texano, piloto de helicópteros, com uma mulher maravilhosa e isto deveria ser o suficiente, não deveria?
Perturbado, ele tornou a olhar para a velha cidade, seus minaretes, e muros avermelhados pelo sol que descia no horizonte. Além da cidade estava o deserto e além do deserto, Meca. Ele sabia que aquele era o caminho para Meca porque tinha visto a equipe do hospital, médicos, enfermeiros, e outros, ajoelharem-se para rezar, virados naquela direção. Manuela entrou na varanda, distraindo-o e sentou-se ao lado dele e o trouxe parcialmente de volta à reali dade.
— Eles mandaram lembranças e perguntaram quando voltamos para casa. Seria bom visitá-los, não acha, Conroe? — Ela o viu balançar a cabeça, distraidamente, com o pensamento longe, então olhou na direção dos olhos dele e não viu nada de especial. Apenas o sol se pondo. Droga! Ela disfarçou sua preocupação. Ele estava melhorando, mas não era o mesmo. "Não se preocupe, Manuela", tinha dito o dr. Nutt, "é provavelmente o choque de ter sido baleado, a primeira vez é sempre um tanto traumática." É isto e Dubois, Tom, Erikki, toda esta espera e preocupação e não saber, nós todos estamos na expectativa, você, eu, todo mundo, mas não sabemos bem de quê. Todos nós fomos afetados de maneiras diferentes.
A preocupação a estava deprimindo. Para disfarçar, ela se debruçou na grade, olhando para o mar e para os barcos.
— Enquanto você dormia, eu procurei o dr. Nutt. Ele disse que você pode sair dentro de poucos dias, até amanhã, se for muito importante, mas vai ter que ir devagar por um mês ou dois. No café, Nogger me disse que há um boato de que todos nós teremos pelo menos um mês de férias pagas, não é ótimo? Com isso e mais a licença médica, temos muito tempo para ir para casa, hein?
— Claro. Boa idéia.
Ela hesitou, depois se virou e olhou para ele.
— O que o está perturbando, Conroe?
— Não sei ao certo, querida. Estou me sentindo bem, não é o meu peito. Não sei.
— O dr. Nutt disse que seria assim mesmo por algum tempo, querido, e Andy disse que há uma boa chance de que não haja nenhuma inspeção e que os aviões de carga vão chegar mesmo amanhã ao meio-dia, não há nada que se possa fazer, você não pode fazer mais nada... — O telefone tocou no quarto e ela foi atender, ainda falando — ...não podemos fazer mais nada do que já estamos fazendo. Se pudermos partir, nós e os nossos helicópteros, sei que Andy vai conseguir o pessoal para Kasigi e então... Alô, oh, olá, querido...
Starke viu-a arregalar os olhos e emudecer e seu coração quase parou e então a sua explosão de alegria, gritando para ele:
— É Andy, Conroe, ele recebeu um telefonema de Marc Dubois, ele está no Iraque num navio, ele e Fowler, fizeram uma aterrissagem forçada num petroleiro e estão sãos e salvos no Iraque... Oh, Andy, que ótimo! O quê? Oh, sim, ele está bem e eu... mas e quanto a Kasigi? ...Espere um instante — sim, mas... claro, — ela desligou e voltou para a varanda. — Nenhuma notícia de Kasigi ainda. Andy disse que estava com pressa e que tornaria a ligar. Oh, Conroe... — Agora ela estava ajoelhada ao lado dele, com os braços rodeando-lhe o pescoço, abraçando-o com cuidado, derramando lágrimas de felicidade. — Eu estava tão preocupada com Marc e com o velho Fowler, estava com tanto medo de que eles estivessem perdidos.
— Eu também, eu também — ele podia sentir o coração dela batendo e o seu também e seu espírito ficou um pouco mais leve. Ele a abraçou com o braço bom. — Droga — murmurou, também quase sem poder falar — Vamos, Kasigi, vamos..
NO QG EM AL SHARGAZ: 18:18H. Gavallan estava na janela do escritório, vendo o carro oficial de Newbury, com a bandeira da Inglaterra tremulando, atravessar o portão. O carro parou em frente ao prédio, com um motorista uniformizado e duas pessoas atrás. Ele sacudiu a cabeça e jogou um pouco d'água no rosto, secando-o depois.
A porta se abriu. Scot entrou, com Charlie Pettikin ao seu lado Os dois estava pálidos.
— Não se preocupem — disse Gavallan —, entrem. — Ele voltou para a janela, tentando aparentar calma e ficou lá, enxugando as mãos. O sol estava perto do horizonte. — Não precisamos ficar esperando aqui; vamos encontrá-los. — Firmemente, ele foi andando na frente, em direção ao corredor. — Que bom termos tido notícias de Marc e Fowler, não?
— Foi ótimo — disse Scot, com a voz desanimada, apesar do esforço. -Dez em dez, não podia ser melhor, papai.
Eles atravessaram o corredor e saíram para o saguão
— Como vai Paula, Charlie?
— Oh, ela está bem, Andy. — Pettikin estava espantado com o sangue frio de Gavallan e sem nenhuma vontade de estar no lugar dele. — Ela... ela partiu para Teerã há uma hora e não acho que volte antes de segunda-feira, embora ela ache que talvez possa voltar amanhã. — Maldito Turbilhão, pensou, infeliz, estragou tudo. Eu sei que um coração fraco não conquista uma mulher bonita, mas que diabo eu posso fazer? Se eles tomarem os nossos helicópteros, a S-G está falida, não tenho mais emprego, não tenho quase nenhuma reserva. Sou muito mais velho do que ela... droga! De uma certa forma, estou contente. Agora não posso mais estragar a vida dela e de qualquer maneira ela não seria louca de dizer sim. — Paula está bem, Andy.
— Ela é uma boa moça.
O saguão estava lotado. Eles o atravessaram e saíram do frescor do ar refrigerado para o calor do sol. Gavallan parou, estarrecido. Todo o contingente da S-G estava lá, Scragger, Vossi, Willi, Rudi, Pop Kelly, Sandor, Freddy Ayre e todos os mecânicos. Estavam todos imóveis, observando o carro que se aproximava. O carro parou na frente deles.
Newbury saltou.
— Olá, Andrew — ele disse, mas agora todos estavam paralisados porque era Kasigi quem estava diante deles, não o iraniano, e Kasigi estava sorrindo alegremente, enquanto Newbury dizia numa voz perplexa:
— Realmente, eu não sei o que está acontecendo, mas o embaixador iraniano cancelou a inspeção no último minuto e o xeque também e o sr. Kasigi me telefonou, convidando-me para ir à recepção japonesa, de modo que não haverá inspeção esta noite.
Gavallan deu um grito de alegria e todos começaram a cumprimentar Kasigi, agradecendo-lhe, falando, rindo, uns tropeçando nos outros e Kasigi disse:
— ...e também não haverá inspeção amanhã, nem que tenhamos que raptar o embaixador... — e mais risadas e vivas e Scragger gritando:
— Hurra para Kasigi.
Gavallan abriu caminho até Kasigi e deu-lhe um abraço apertado, gritando no meio do tumulto:
— Obrigado, obrigado. Você terá uma parte dos seus helicópteros dentro de três dias, o resto no fim de semana... — depois acrescentou incoerentemente. — Cristo, dê-me um segundo, Cristo, tenho que contar a Mac, Duke e aos outros... a comemoração é por minha conta... Kasigi viu-o afastar-se apressado e sorriu
NO HOSPITAL: 18:32H. Tremendo, Starke desligou o telefone, exultante e voltou para a varanda.
— Puxa, Manuela, nós conseguimos, não vai haver inspeção! O Turbilhão deu certo; Andy não sabe como Kasigi conseguiu, mas ele conseguiu e... Puxa! — Ele a abraçou e debruçou-se na amurada. — O Turbilhão deu certo, agora estamos seguros, agora vamos poder sair e agora podemos fazer planos. Puxa! Kasigi, o filho da puta, ele conseguiu! Allah-u Akbar ele acrescentou triunfantemente, sem pensar.
O sol tocou o horizonte. Da cidade, um muezin, um só, começou a chamar. E o som encheu os seus ouvidos e o seu ser e ele escutou, esquecido de tudo, seu alívio e sua alegria se misturando com as palavras, o chamado e o infinito — e ele se afastou dela. Impotente, ela esperou, sozinha. Ali enquanto o sol se punha, ela esperou, com medo por ele, triste por ele, sentindo que o futuro estava em jogo. Ela esperou como só uma mulher sabe esperar.
O chamado cessou. Agora estava tudo muito quieto, muito silencioso. Os olhos dele viram a velha cidade com todo o seu antigo esplendor, o deserto mais além, o infinito além do horizonte. E então ele viu as coisas como elas eram. O som de um jato decolando e de gaivotas chamando. Depois o ruído de um helicóptero em algum lugar e ele decidiu.
— Tu — ele disse para ela em farsi — tu, eu te amo para sempre.
— Tu, eu te amo para sempre — ela murmurou, quase chorando. Então ela o viu suspirar e soube que estavam juntos outra vez.
— Hora de ir para casa, minha querida. — Ele tomou-a nos braços. — Hora de nós todos irmos para casa.
— A minha casa é onde você está — ela disse, agora sem nenhum temor.
NO HOTEL OÁSIS: 23:52H. Na escuridão, o telefone tocou, despertando Gavallan de um sono profundo. Ele deu um salto, acendendo a luz da mesinha-de-cabeceira.
— Alô?
— Alô, Andrew, aqui é Roger Newbury, desculpe ligar tão tarde, mas...
— Oh, não faz mal, eu disse que você podia ligar até meia-noite, como foram as coisas? — Newbury tinha prometido telefonar contando o que acontecera na recepção. Normalmente Gavallan estaria acordado, mas hoje ele pedira licença para se ausentar da comemoração pouco depois das dez e adormecera imediatamente.
— E quanto a amanhã?
— Fico encantado em dizer que Sua Excelência Abadani aceitou o convite do xeque para passar o dia caçando no oásis Al Sal, então é provável que fique fora o dia todo. Pessoalmente eu não confio nele, Andrew, e o aconselho a retirar os seus helicópteros e o seu pessoal o mais rápida e discretamente possível, e também para fechar o escritório aqui por um mês ou dois até receber uma comunicação nossa. Está bem?
— Sim, ótimo, obrigado. — Gavallan tornou a deitar-se sentindo-se um novo homem. — Eu já tinha planejado fechar o escritório — ele disse com um bocejo. — Todo mundo vai partir antes do pôr-do-sol. — Ele tinha percebido o nervosismo na voz de Newbury, mas atribuíra a toda aquela excitação. Abafou outro bocejo e acrescentou: — Scragger e eu seremos os últimos; estamos com reservas no vôo para Bahrain, junto com Kasigi, para visitar McIver.
— Ótimo. Como você conseguiu dobrar Abadani eu não sei, mas nós todos tiramos o chapéu para você. Agora, ahn, eu detesto trazer más notícias junto com as boas, mas acabamos de receber um telex de Henley, de Tabriz.
Gavallan perdeu o sono imediatamente.
— Problemas?
— Acho que sim. Parece estranho, mas diz o seguinte: — houve um ruído de papéis: — "Soubemos que houve uma espécie de atentado ontem à noite contra a vida de Hakim Khan e parece que o capitão Yokkonen está envolvido. Na noite passada ele fugiu para a fronteira da Turquia no seu helicóptero, levando a mulher, Azadeh, com ele, contra a vontade dela. Hakim Khan mandou expedir uma ordem de prisão contra ele por tentativa de homicídio e rapto. No momento, estão ocorrendo muitas lutas entre facções rivais em Tabriz, o que está dificultando a obtenção de notícias mais exatas. Assim que conseguirmos informações mais detalhadas, tornaremos a nos comunicar." É só isso. Espantoso, não? — Silêncio. — Andrew, você está ouvindo?
— Sim, sim, estou. Estou só... estou só tentando me refazer do choque. Não há nenhuma chance de ter havido um engano?
— Eu duvido. Enviei um telex urgente pedindo mais detalhes; talvez recebamos mais notícias amanhã. Sugiro que você entre em contato com o embaixador da Finlândia em Londres e o avise. O telefone da embaixada é 01-7668888. Sinto muito por tudo isso.
Gavallan agradeceu, tonto, e desligou o telefone.
DOMINGO
4 de marco72
NA ALDEIA TURCA: 10:20H. Azadeh acordou assustada. Por um momento ela não conseguiu reconhecer onde estava, então o quarto entrou em foco — pequeno, triste, com duas janelas, o colchão de palha sobre a cama dura, lençóis e cobertores grosseiros mas limpos — e se lembrou que aquele era o hotel da aldeia e que na véspera, ao anoitecer, apesar dos seus protestos e de não querer deixar Erikki, ela fora escoltada até lá pelo major e por um policial. O major ignorara suas desculpas e insistira em jantar com ela no pequeno restaurante que tinha ficado vazio assim que eles chegaram.
— É claro que a senhora tem que comer alguma coisa para manter as forças. Sente-se, por favor. Eu vou mandar levar para o seu marido a mesma coisa que a senhora pedir. Está bem assim?
— Sim, por favor — ela disse, também em turco, percebendo a ameaça implícita. — Eu posso pagar por isso.
Um ligeiro sorriso aflorou-lhe aos lábios grossos.
— Como quiser.
— Obrigada, major. Quando eu e meu marido poderemos partir?
— Discutirei isso com a senhora amanhã, não esta noite. — Ele fez um sinal ao policial para ficar de guarda na porta. — Agora falaremos em inglês — disse, estendendo-lhe sua cigarreira de prata.
— Não, obrigada, eu não fumo. Quando poderei ter as minhas jóias de volta, major?
Ele escolheu um cigarro e começou a bater com uma das pontas na cigarreira, observando-a.
— Assim que for seguro. O meu nome é Abdul Ikail. Minha base é em Van e sou responsável por toda esta região, até a fronteira. — Ele usou o isqueiro, tragou a fumaça, sem tirar os olhos dela. — A senhora já esteve em Van?
— Não, nunca.
— É um lugarzinho tranqüilo. Era — ele corrigiu — antes da sua revolução, embora a fronteira tenha sido sempre problemática. — Tornou a tragar a fumaça. — Indesejáveis de ambos os lados querendo atravessar ou fugir. Contrabandistas, traficantes de drogas, comerciantes de armas, ladrões, tudo o que a senhora possa imaginar. — Ele disse isto naturalmente, pontilhando as palavras com baforadas de fumaça. O ar estava pesado na pequena sala e cheirava a comida velha, gente e fumo. Azadeh estava cheia de pressentimentos Seus dedos brincavam com a alça da bolsa.
— A senhora já esteve em Istambul? — perguntou.
— Sim. Uma vez. Passei uns dias lá quando era pequena. Fui com o meu pai, ele tinha negócios lá e eu fui mandada de avião para um colégio na Suíça
Eu nunca estive na Suíça. Fui a Roma uma vez, de férias. E a Bonn, fazer um curso na polícia, e outro em Londres, mas nunca estive na Suíça. — Ele fumou por alguns instantes, pensativo, depois apagou o cigarro num cinzeiro lascado e fez um sinal ao gerente do hotel, que estava parado, servilmente, na porta, esperando para servir. A comida era primitiva mas saborosa e servida com uma humildade nervosa que a deixou ainda mais perturbada. Era óbvio que a aldeia não estava acostumada a tão augusta presença.
— Não precisa ter medo, Lady Azadeh, a senhora não corre nenhum perigo — ele disse, como se pudesse ler-lhe os pensamentos. — Pelo contrário, estou contente pela oportunidade de conversar com a senhora, é muito raro uma pessoa da sua... da sua posição passar por aqui. — Durante todo o jantar, com paciência e educação, ele a interrogou acerca do Azerbeijão e de Hakim Khan, falando muito pouco, recusando-se a falar sobre Erikki ou sobre o que iria acontecer. — O que tiver que ser, será. Por favor, torne a contar-me a sua história.
— Eu... eu já contei tudo, major. É a verdade, não uma história. Eu contei a verdade e meu marido também.
— É claro — ele disse, comendo com apetite. — Por favor, conte outra vez.
Ela contou tudo novamente, assustada, vendo o desejo em seus olhos, embora ele fosse sempre respeitoso e sério.
— É a verdade — disse, mal tocando na comida à sua frente, sem apetite algum. — Nós não cometemos nenhum crime, meu marido simplesmente defendeu a si próprio e a mim, juro por Deus.
— Infelizmente Deus não pode testemunhar a seu favor. Evidentemente, no seu caso, eu aceito o que a senhora diz como sendo o que acredita ser verdade. Felizmente, aqui, nós somos mais avançados, não somos fundamentalistas, existe uma separação entre o Islã e o Estado, ninguém se mete entre nós e Deus, e o nosso único fanatismo é manter a nossa maneira de viver da forma que queremos, e impedir que as crenças e leis de outros povos nos sejam impingidas. — Ele parou, escutando atentamente. Ao ir para o hotel, com a noite caindo, eles tinham ouvido tiros a distância e algumas explosões. Agora, no silêncio do restaurante, ouviram mais tiros. — Provavelmente curdos defendendo as suas casas nas montanhas. — Ele fez um ar de desprezo. — Ouvimos dizer que Khomeini está enviando o exército e os Faixas-Verdes para atacá-los.
— Então está cometendo outro erro — ela disse — É o que o meu irmão diz.
— Eu concordo. A minha família é curda. — Ele se levantou. — Haverá um policial do lado de fora do seu quarto esta noite. Para a sua proteção — ele disse, com o mesmo sorriso estranho que a perturbava. — Para a sua proteção. Por favor, fique no seu quarto até que eu... que eu a venha buscar ou mande chamá-la. A sua obediência favorece ao seu marido. Durma bem.
Então ela tinha ido para o quarto e, vendo que não havia nem fechadura nem tranca na porta, tinha colocado uma cadeira prendendo a maçaneta. O quarto era frio, a água da jarra estava gelada. Ela tinha se lavado, depois rezado, acrescentando uma prece especial para Erikki, e tinha se sentado na cama.
Com muito cuidado, ela tirou o alfinete de chapéu, de aço, de seis polegadas, que havia escondido no forro da bolsa, estudando-o por alguns instantes
A ponta era fina como a de uma agulha, a cabeça pequena mas de tamanho suficiente para permitir que ela a segurasse no momento de golpear. Ela o enfiou num dos lados do travesseiro como Ross lhe havia ensinado:
— Assim não há perigo para você — ele dissera com um sorriso — um inimigo não o notaria e você pode tirá-lo facilmente. Uma garota linda como você deve estar sempre armada, por precaução.
— Oh, Johnny, mas eu nunca seria capaz de matar, nunca.
— Você será capaz, se houver necessidade, e deve estar preparada para isto. Desde que você esteja armada, saiba como usar a arma e aceite o fato de que pode ser obrigada a matar para se proteger, nunca precisará ter medo. — Naqueles dias maravilhosos passados nas montanhas, ele tinha mostrado a ela como usá-lo.
— Uma polegada enfiada no lugar certo é mais do que suficiente, é mortal. — Ela o havia carregado desde então, mas nunca o havia usado, nem mesmo na aldeia. A aldeia. Deixe a aldeia para a noite, não para o dia.
Seus dedos tocaram a cabeça do alfinete. Talvez esta noite, ela pensou. Insha'Allah! E quanto a Erikki? Insha'Allah! Então ela se lembrou de Erikki dizendo: "Insha'Allah é ótimo, Azadeh, e uma boa desculpa, mas Deus, qualquer que seja o seu nome, precisa de uma ajuda terrena de vez em quando".
Sim, eu juro que estou preparada, Erikki. Amanhã é outro dia e eu vou ajudar meu querido. Vou dar um jeito de tirar você desta encrenca.
Mais confiante, ela soprou a vela e enfiou-se debaixo das cobertas, ainda vestida com a roupa de esqui. O luar entrava pelas janelas. Em pouco tempo, ela ficou aquecida. O calor, o cansaço, a juventude fizeram com que ela caísse num sono sem sonhos.
Durante a noite, ela acordou de repente. Alguém estava girando silenciosamente a maçaneta. Ela segurou o estilete, vigiando a porta. Esta se moveu ligeiramente mas não abriu, presa pela cadeira que rangeu sob a tensão. Logo em seguida a maçaneta voltou à posição anterior. De novo o silêncio. Nem passos nem barulho de respiração. E a maçaneta não tornou a se mexer. Ela sorriu consigo mesma. Johnny também lhe havia ensinado como colocar a cadeira na posição certa. Ah, meu querido, eu espero que você encontre a felicidade que procura, ela pensou e tornou a dormir, de frente para a porta.
Agora ela estava acordada e descansada e sabia que estava muito mais forte do que na véspera, mais preparada para a batalha que iria começar em breve. Sim, por Deus, disse a si mesma, imaginando o que a teria acordado. Ruídos de trânsito e de vendedores de rua. Não, não foi isto. Então ouviu uma batida na porta.
— Quem é, por favor?
— Major Ikail.
— Um momento, por favor. — Ela calçou as botas, endireitou o suéter e o cabelo. Depois retirou a cadeira. — Bom dia, major.
Ele olhou para a cadeira, achando graça.
— A senhora foi esperta em prender a porta. Não faça isso de novo sem permissão. — Então ele a examinou. — A senhora parece descansada. Ótimo. Já pedi café e pão fresco. O que mais a senhora gostaria?
— Apenas de poder partir junto com meu marido.
— Sim? — Ele entrou no quarto, fechou a porta e sentou-se, de costas para o sol que entrava pelas janelas. — Com a sua cooperação, isto poderia ser arranjado.
Quando ele entrou no quarto, ela recuou disfarçadamente e se sentou na beira da cama, com a mão perto do travesseiro.
— Que tipo de cooperação, major?
— Seria prudente não haver um confronto — ele disse estranhamente. — Se a senhora cooperar... e voltar para Tabriz por sua livre vontade esta noite, o seu marido permanecerá sob custódia esta noite e será mandado para Istambul amanhã
— Para que lugar em Istambul?
— Primeiro para a prisão, por medida de segurança, onde o embaixador da Finlândia poderá vê-lo e, se Deus assim o quiser, em seguida será libertado.
— Por que ele deveria ir para a prisão, ele não fez nad...
— Há uma recompensa por ele. Vivo ou morto. — O major sorriu. — Ele precisa de proteção, há dezenas de iranianos aqui na aldeia e nos arredores, todos à beira da inanição. A senhora também não precisa de proteção?
Não seria uma vítima perfeita para um rapto?, o khan não pagaria um enorme resgate pela sua única irmã? Não?
— Eu voltarei de boa vontade se isto ajudar o meu marido — ela disse imediatamente. — Mas se eu voltar, que garantia vou ter de que o meu marido será protegido e enviado Dará Istambul, major?
— Nenhuma. — Ele ficou em pé diante dela. — A alternativa, se a senhora não cooperar espontaneamente, é enviá-la hoje para a fronteira e ele. ele terá que correr os riscos.
Ela não se levantou e nem afastou a mão do travesseiro. Eu faria isso de boa vontade, mas assim que partir Erikki estará indefeso. Cooperar? Será que isto significa ir para a cama com este homem por minha livre e espontânea vontade?
— Como é que eu devo cooperar? O que é que o senhor quer que eu faça? — Ela perguntou, furiosa por sentir que sua voz estava menos segura do que antes.
Ele riu e disse sarcasticamente:
— O que todas as mulheres têm dificuldade de fazer: obedecer, sem discussão, e parar de bancar a esperta. — Ele virou as costas. — A senhora vai ficar aqui no hotel. Eu voltarei mais tarde. Espero que então a senhora esteja preparada... para dar uma resposta correta. — Ele saiu e fechou a porta.
Se ele tentar forçar-me, eu o matarei, ela pensou. Não posso ir para a cama com ele para comprá-lo, meu marido jamais me perdoaria e nem eu perdoaria a mim mesma, pois nós dois sabemos que isso não garantiria nem a liberdade dele nem a minha e mesmo que o fizesse, ele não poderia viver com isso e iria procurar vingar-se. E nem eu poderia viver com isso.
Ela se levantou, foi até a janela e olhou para a aldeia movimentada, para as montanhas cobertas de neve que a cercavam, com a fronteira logo adiante.
— A única chance que Erikki tem é se eu voltar — ela murmurou. — Mas não posso voltar, a não ser com a aprovação do major. E mesmo assim...
NO POSTO POLICIAL: 11:58H. Com um puxão das mãos possantes de Erikki, a parte de baixo da barra de ferro central da janela soltou-se com uma chuva de cimento. Rapidamente, ele tornou a enfiá-la no buraco e foi olhar pelas grades para o corredor. Não apareceu nenhum carcereiro. Rapidamente, ele juntou os pequenos pedaços de cimento e os arrumou em volta da base para disfarçar. Ele tinha passado a maior parte da noite trabalhando naquela barra, com o mesmo cuidado de um cachorro roendo um osso. Agora ele tinha uma arma e uma alavanca para entortar as outras barras.
Isto vai me tomar uma meia hora, não mais, pensou, e sentou-se na cama, satisfeito. Depois de trazer a comida na noite anterior, os policiais o haviam deixado sozinho, confiando na segurança da cela. Esta manhã, eles lhe deram um café horroroso e um pedaço de pão duro e tinham ficado olhando para ele, sem entender quando ele pediu para ver o major e a esposa. Ele não sabia como era 'major' em turco e nem o nome do oficial, mas quando apontou para a lapela, imitando o posto do homem, eles tinham entendido e simplesmente erguido os ombros, falando várias coisas em turco que ele não tinha entendido e depois tinham tornado a sair. O sargento não tornou a aparecer.
Nós sabemos o que fazer, ele pensou, Azadeh e eu, nós dois estamos em perigo, cada um de nós fará o melhor que puder. Mas se tocarem nela ou a machucarem, nenhum deus poderá ajudar aquele que a tiver tocado enquanto eu viver. Eu juro.
A porta do final do corredor foi aberta. O major aproximou-se.
— Bom dia — disse, franzindo o nariz com o fedor.
— Bom dia, major. Onde está minha mulher e quando é que o senhor vai nos deixar partir?
— A sua mulher está na aldeia, em segurança e descansada. Acabei de vê-la. — O major olhou-o, pensativo, notou as mãos dele cheias de poeira, estudou cuidadosamente a fechadura da cela, as barras da janela, o chão, o teto...
— A segurança dela e o tratamento que vai receber dependem do senhor. Está entendendo?
— Sim, sim, estou. E como o policial mais graduado daqui, eu o considero responsável por ela.
— Ótimo — disse sorrindo sarcasticamente, e então o sorriso desapareceu.
— Acho melhor evitar um confronto. Se o senhor cooperar, ficará aqui esta noite e amanhã eu o enviarei sob escolta para Istambul, onde o seu embaixador poderá vê-lo se quiser, para ser julgado pelos crimes de que é acusado ou para ser extraditado.
Erikki tirou da cabeça os seus próprios problemas.
— Eu trouxe a minha esposa para cá contra a vontade dela. Ela não fez nada de errado, devia voltar para casa. Ela pode ser levada de volta?
O major observou-o.
— Isto depende da sua cooperação.
— Vou pedir a ela para voltar. Vou insistir, se é isto o que o senhor quer dizer.
— Ela poderia ser mandada de volta — o major disse, experimentando-o.
— Oh, sim. Mas é claro que é possível que no caminho até a fronteira ou ao sair do hotel ela seja 'raptada' novamente, desta vez por bandidos, bandidos iranianos, muito perigosos, e levada para as montanhas para ser devolvida daqui a um mês ou dois em troca de um resgate substancial a ser pago pelo khan Erikki ficou pálido.
— O que o senhor quer que eu faça?
— A estrada de ferro não fica muito longe daqui. Esta noite o senhor poderia ser retirado daqui em segredo e levado para Istambul. As acusações contra o senhor poderiam ser anuladas. O senhor poderia ganhar um bom emprego, voando, treinando os nossos pilotos por dois anos. Em troca, o senhor concordaria em se tornar um agente secreto, fornecendo-nos informações sobre o Azerbeijão, especialmente sobre o soviético que mencionou, Mzytryk, informações sobre Hakim Khan, onde ele vive e como, como entrar no palácio, e qualquer outra coisa que quisermos saber.
— E quanto à minha esposa?
— Ela fica em Van, por livre e espontânea vontade, como refém, para garantir que o senhor se comporte... por um mês ou dois. Depois ela pode ir ao seu encontro, onde quer que o senhor esteja.
— Se ela for levada de volta para Hakim Khan hoje, em segurança, ilesa, e se eu tiver provas de que ela está em segurança, farei o que o senhor quer.
— Ou o senhor concorda ou não — o major disse impacientemente. — Não estou aqui para negociar com o senhor!
— Por favor, ela não tem nada a ver com os meus crimes. Por favor, deixe-a partir. Por favor.
— O senhor acha que somos idiotas? O senhor concorda ou não?
— Sim! Mas primeiro quero vê-la em segurança. Primeiro!
— Talvez primeiro o senhor queira vê-la ser violentada. Primeiro! Erikki atirou-se para cima dele por entre as grades e a porta da cela foi sacudida pelo impacto. Mas o major estava fora de alcance e riu das mãos enormes que tentavam agarrá-lo sem conseguir. Ele tinha calculado a distância com precisão, era experiente demais para se deixar apanhar desprevenido, um investigador experiente demais para ignorar como provocar, ameaçar e experimentar, como debochar e exagerar para tirar proveito do próprio terror do prisioneiro, como torcer os fatos para penetrar a cortina de mentiras e meias-verdades até chegar à verdade.
Os seus superiores tinham deixado a seu critério o que fazer com os prisioneiros. Agora ele tinha decidido. Sem se apressar, ele tirou o revólver e apontou para o rosto de Erikki. Este não recuou mas continuou agarrado nas grades com as duas mãos, ofegante.
— Ótimo — o major disse calmamente, guardando o revólver. — O senhor foi avisado de que o seu comportamento é que determinaria a forma como ela seria tratada. Ele se afastou. Quando Erikki ficou sozinho, tentou arrancar a porta da cela Esta rangeu mas não se soltou.
NO AEROPORTO INTERNACIONAL DE AL SHARGAZ: 16:39H. Sentado na direção do seu carro, Gavallan observou as portas do 747 de carga fecharem-se sobre a metade dos 212, caixotes de peças e rotores. Pilotos e mecânicos carregavam febrilmente o segundo jumbo, faltando carregar apenas uma carcaça de 212, uma dúzia de caixotes e uma pilha de malas.
— Estamos dentro do horário, Andy. — Rudi disse, fingindo não notar a palidez do amigo. — Meia hora.
— Ótimo. — Gavallan entregou-lhe alguns papéis. — Aqui estão as licenças para os mecânicos partirem com eles
— Nenhum piloto?
— Não. Todos os pilotos têm reservas no vôo da BA. Mas certifique-se de que estejam na Imigração às seis e dez; a BA não pode atrasar o vôo. Certifique-se de que todos estejam lá, Rudi. Eles têm que partir neste vôo. E,u dei minha palavra.
— Não se preocupe. E quanto a Duke e Manuela?
— Eles já partiram. O doutor Nutt foi com eles. Eué só isso — Ga vallan não estava conseguindo raciocinar direito.
— Você e Scrag ainda estão no vôo de seis e trinta e cinco para Bahrain?
— Sim. Jean-Luc vai nos esperar. Estamos levando Kasigi para organizar a sua operação e se preparar para receber os helicópteros da Irã-Toda. Eu vou ao embarque de vocês.
— Vejo-o em Aberdeen. — Rudi apertou-lhe a mão com firmeza e se afastou rapidamente, Gavallan engrenou, arranhou a marcha e praguejou, depois voltou para o escritório.
— Alguma notícia, Scrag?
— Ainda não, meu velho. Kasigi ligou. Eu disse a ele que está tudo certo, dei-lhe os números de registro dos helicópteros e os nomes dos pilotos e mecânicos. Ele disse que tem reservas no nosso vôo para o Kuwait esta noite, depois pode pegar uma carona até Abadan e depois para a Irã-Toda. — Scragger estava tão perturbado quanto os outros com a cara de Gavallan — Andy, você cobriu todas as possibilidades.
— Será? Eu duvido, Scrag. Não consegui retirar Erikki e Azadeh. Durante toda noite, até bem tarde no horário de Londres, Gavallan tinha entrado em contato com todas as pessoas importantes que tinha conseguido lembrar. O embaixador da Finlândia tinha ficado chocado:
— Mas não é possível! Um compatriota nosso não poderia estar envolvido numa coisa dessas. Impossível! Onde o senhor vai estar amanhã a esta hora? — Gavallan tinha dito a ele e tinha visto o dia amanhecer. Não havia nenhuma maneira de entrar em contato com Hakim Khan, a não ser através de Newbury, e Newbury estava tratando disto.
— É uma droga, Scrag, mas é verdade. — Ele agarrou o telefone e tornou a largá-lo. — Vocês todos já fecharam as contas no hotel?
— Sim, Kasigi vai nos encontrar no aeroporto, no portão de embarque. Mandei a nossa bagagem para o terminal e despachei tudo. Podemos ficar aqui até o último momento.
Gavallan ficou olhando para o aeroporto. O movimento era normal.
— Eu não sei o que fazer, Scrag. Não sei mais o que fazer
NO POSTO POLICIAL DA ALDEIA TURCA: 17:18H. — ...como o senhor quiser, effendi. O senhor vai tomar as providências necessárias? — O major disse respeitosamente no telefone. Ele estava sentado na única escrivaninha do pequeno escritório, o sargento em pé ali perto, a faca e o kookri de Erikki em cima da escrivaninha. — ...Ótimo. Sim... sim, eu concordo. Salaam. — Ele desligou, acendeu um cigarro e se levantou. — Eu estarei no hotel.
— Sim, effendi. — Os olhos do sargento brilharam, divertidos, mas ele disfarçou cuidadosamente. Observou o major endireitar a jaqueta e o cabelo e colocar o fez, invejando-lhe o posto e o poder. O telefone tocou.
— Sim, é da polícia. Oh, alô, sargento. — Ele ouviu, cada vez mais espantado. — Mas... sim, muito bem. — Desligou, perplexo. — Era... era o sargento Urbil, da fronteira, major. Há um caminhão da Força Aérea Iraniana com Faixas Verdes e um mulá a caminho para levar o prisioneiro e a moça de volta para o Irã.
O major explodiu.
— Em nome de Deus, quem foi que permitiu que inimigos passassem pela fronteira sem autorização? Há ordens expressas a respeito de mulás e revolucionários.
— Eu não sei, effendi—disse o sargento, assustado com o acesso de raiva do major. — Urbil disse apenas que eles tinham papéis oficiais e que insistiram. Todo mundo sabe do helicóptero iraniano e ele os deixou passar.
— Eles estão armados?
— Ele não disse, effendi.
— Pegue os seus homens, todos eles, armados de metralhadoras
— Mas... e quanto ao prisioneiro?
— Esqueça-o! — O major disse e saiu xingando.
NOS ARREDORES DA ALDEIA: 17:32H. O caminhão da Força Aérea Iraniana era um veículo de tração nas quatro rodas, parte tanque e parte carroceria, e entrou na estrada lateral que era pouco mais que uma trilha na neve, trocou de marcha e se dirigiu para o 212. O sentinela que estava perto foi ao encontro deles.
Meia dúzia de jovens armados, usando braçadeiras verdes, saltaram, seguidos de três oficiais uniformizados da Força Aérea e de um mulá. O mulá pendurou o seu Kalashnikov no ombro.
— Salaam. Estamos aqui para tomar posse da nossa propriedade em nome do imã e do povo — o mulá disse, cheio de importância. — Onde estão o raptor e a mulher?
— Eu... eu não sei de nada. — O policial estava assustado. Suas ordens eram claras: montar guarda e manter todo mundo a distância até ordem em contrário. — É melhor irem primeiro ao posto policial para se informarem. — Ele viu um dos aviadores abrir a porta da cabine de comando e olhar para dentro, enquanto os outros dois desenrolavam as mangueiras para reabastecei o helicóptero. — Ei, vocês três, ninguém pode se aproximar do helicóptero sem permissão!
O mulá ficou na frente dele.
— Aqui está a nossa permissão! — Ele sacudiu os papéis na cai a ao poli ciai e isto o abalou ainda mais, pois não sabia ler.
— É melhor irem primeiro ao posto policial — ele gaguejou, depois, com imenso alívio, viu o carro da polícia se aproximando, vindo da aldeia. O carro derrapou na neve, deslizou alguns metros e parou. O major, o sargento e dois policiais saltaram, com as armas na mão. Cercado pelos seus Faixas Verdes, o mulá aproximou-se deles, sem medo.
— Quem é você? — O major perguntou asperamente.
— Mulá Ali Miandiry do komiteh de Khoi. Nós viemos buscar a nossa propriedade, o raptor e a mulher, em nome do imã e do povo.
— Mulher? Você se refere a Sua Alteza, a irmã de Hakim Khan?
— Sim. Ela
— Imã? Que imã?
— O imã Khomeini, que a paz esteja com ele
— Ah, o aiatolá Khomeini — o major disse, ofendido pelo título. — Que 'povo'?
O mulá estendeu-lhe os papéis com a mesma agressividade
— O povo do Irã. Aqui está a nossa autorização.
O major apanhou os papéis e leu-os rapidamente. Havia dois, escritos em farsi. O sargento e seus dois homens haviam-se espalhado, cercando o caminhão, com as metralhadoras na mão. O mulá e os Faixas Verdes olharam desdenhosamente para eles.
— Por que eles não estão escritos na forma correta, legal? — O major perguntou. — Onde está o carimbo da polícia e a assinatura do chefe de polícia de Khoi?
— Nós não precisamos disso. Estão assinados pelo komiteh.
— Que komiteh! Eu não sei de nada a respeito de komitehs.
— O Komiteh Revoluncionario de Khoi tem autoridade sobre esta área e sobre a polícia.
— Esta área? Esta área é a Turquia.
— Eu me refiro à área próxima à fronteira.
— Com que autoridade? Onde está a sua autoridade? Mostre-me Os rapazes ficaram irritados.
— O mulá já mostrou isso — um deles disse agressivamente. — O komiteh assinou o papel.
— Quem o assinou? Você?
— Fui eu — disse o mulá. — É legal. Perfeitamente legal. O komiteh é a autoridade. — Viu o pessoal da Força Aérea olhando para ele. — O que vocês estão esperando? Reabasteçam o helicóptero!
Antes que o major pudesse dizer alguma coisa, um deles falou respeitosamente:
— Desculpe-me, Excelência, o painel está todo quebrado, alguns dos instrumentos não estão funcionando. Não podemos voar com ele até que tenhamos feito uma revisão. Seria mais seguro..
— O infiel pilotou de Tabriz até aqui, viajando de dia e de noite, pousou em segurança, então por que vocês não podem pilotá-lo de dia?
— É só que seria mais seguro fazer uma revisão antes de levantar vôo, Excelência.
— Mais seguro? Por que mais seguro? — Um dos Faixas Verdes perguntou asperamente, aproximando-se dele — Nós estamos nas mãos de Deus, fazendo o trabalho de Deus. Você quer atrasar o trabalho de Deus e deixar o helicóptero aqui?
— É claro que não, é cl...
— Então obedeça ao nosso mulá e reabasteça-o! Agora!
— Sim, sim, é claro — disse o piloto, humildemente. — Como quiser.
— Rapidamente, os três obedeceram. O major ficou chocado ao ver que o piloto, um capitão, deixava-se mandar tão facilmente pelo jovem arruaceiro que agora olhava para ele desafiadoramente.
— O komiteh tem jurisdição sobre a polícia, aga — o mulá estava dizendo.
— A polícia serviu ao Satã xá e é suspeita. Onde está o raptor e a... a irmã do khan?
— Que autoridade você tem para atravessar a fronteira e fazer exigências? — O major estava furioso.
— Em nome de Deus e do imã Khomeini, isto é autoridade suficiente! — O mulá apontou para os papéis. Um dos rapazes empunhou a arma.
— Não faça isso — o major avisou. — Se você disparar um único tiro no nosso solo, as nossa forças invadirão a fronteira e queimarão tudo o que houver daqui a Tabriz!
— Se for a vontade de Deus! — O mulá encarou-o, com seus olhos escuros e cheios de determinação, desprezando o major e aquele regime decadente que ele e seu uniforme representavam para ele. Guerra agora ou mais tarde era a mesma coisa para ele, ele estava nas mãos de Deus e fazendo o trabalho de Deus e a Palavra do imã os levaria à vitória sobre todas as fronteiras. Mas agora não era hora de começar uma guerra, havia muito o que fazer em Khoi, esquerdistas para derrotar, revoltas para sufocar, os inimigos do Irã para destruir e, para isso, nessas montanhas, cada helicóptero era inestimável.
— Eu... peço permissão para tomar posse da nossa propriedade — prosseguiu mostrando-se mais razoável. Ele apontou para as letras. — Este registro é nosso, isto prova que ele nos pertence. Foi roubado do Irã. O senhor deve saber que ele não tinha permissão para sair do Irã, portanto, legalmente, ainda é nosso. A ordem de prisão — ele apontou para os papéis na mão do major — a ordem de prisão é legal, o piloto raptou a mulher, então nós tomaremos posse deles também. Por favor.
O major estava numa posição insustentável. Ele não podia de forma alguma entregar o finlandês e a mulher para um bando de foras-da-lei por causa de um pedaço de papel ilegal, isto seria uma grave negligência e custar-lhe-ia a cabeça. Se o mulá insistisse, ele seria obrigado a resistir e a defender o posto policial mas, obviamente, não tinha homens suficientes para isso e fatalmente cairia no confronto armado. Ele também estava convencido de que o mulá e os Faixas Verdes estavam preparados para morrer ali mesmo, o que não era o seu caso.
Então, resolveu arriscar:
— O raptor e Lady Azadeh foram levados para Van esta manhã. Para extraditá-los, vocês terão que se dirigir ao QG do Exército, não a mim. A... a importância da irmã do khan fez com que o Exército tomasse conta deles.
O mulá ficou pensativo. Um dos Faixas Verdes disse grosseiramente:
— Como vamos saber que isto não é mentira? - O major avançou para ele, o rapaz recuou um passo, os Faixas Verdes apontaram as armas de trás do caminhão, os pilotos, desarmados, atiraram-se no chão, apavorados e o major levou a mão ao revólver.
— Parem! — O mulá exclamou. Foi imediatamente obedecido, até mesmo pelo major, que ficou furioso consigo mesmo por ter permitido que o orgulho e que os seus reflexos sobrepujassem a sua autodisciplina. O mulá pensou por um momento, considerando as possibilidades. Então disse: — Nós vamos enviar uma solicitação a Van. Sim, vamos fazer isso. Mas não hoje. Hoje nós vamos apanhar o que nos pertence e partir. — E ficou lá, com os pés ligeiramente afastados, o rifle pendurado no ombro, extremamente confiante.
O major fez força para disfarçar o alívio. O helicóptero não tinha nenhum valor nem para ele nem para os seus superiores e era um enorme embaraço.
— Eu concordo que este registro seja iraniano — disse secamente. — Quanto a ser propriedade de vocês, eu não sei. Se você assinar um recibo, deixando em aberto a questão da propriedade, pode levá-lo e partir.
— Eu assinarei um recibo pelo nosso helicóptero.
Nas costas do mandado de prisão, o major escreveu um texto que o satisfazia e que talvez satisfizesse ao mulá. Este se virou e gritou para os aviadores que, apressadamente, começaram a enrolar as mangueiras, e o piloto ficou em pé ao lado da cabine, tirando a neve da roupa.
— Você está pronto, piloto?
— Agora mesmo, Excelência.
— Aqui está — disse o major, estendendo o papel para o mulá. Com mal disfarçado desprezo, este assinou sem ler.
— Você está pronto agora, piloto? — perguntou.
— Sim, Excelência. — O jovem piloto olhou para o major e o major viu ou achou que viu a infelicidade nos olhos dele e um pedido mudo por um asilo impossível de ser concedido. — posso ligar os motores?
— Ligue — o mulá disse rapidamente — é claro. — Em segundos, os motores pegaram e os rotores começaram a ganhar velocidade. — Ali e Abrim, vocês vão voltar para a base no caminhão.
Obedientemente, os dois rapazes entraram no caminhão junto com o motorista da Força Aérea. O mulá fez sinal para eles partirem e para os outros entrarem no helicóptero. Os rotores estavam girando velozmente e ele esperou até que todo mundo estivesse instalado na cabine, depois empunhou a arma, sentou-se ao lado do piloto e fechou a porta.
O 212 começou a se afastar. Zangado, o sargento apontou a metralhadora.
— Eu posso acabar com aqueles malditos bastardos, major.
— Sim, sim, nós poderíamos fazer isso — o major pegou a cigarreira. — Mas vamos deixar para Deus. Talvez Deus faça isso para nós. — Ele acendeu o isqueiro com as mãos trêmulas, tragou a fumaça e observou o caminhão e o helicóptero se afastarem. — Aqueles cães terão que aprender boas maneiras e levar uma lição. — Ele foi até o carro e entrou. — Deixem-me no hotel.
NO HOTEL: Azadeh estava debruçada na janela, examinando o céu. Ela tinha ouvido o 212 decolar, enchendo-se de esperança de que Erikki tivesse conseguido escapar.
— Oh, Deus permita que seja verdade..
Os aldeões também estavam olhando para o céu e agora ela também viu o helicóptero voando em direção à fronteira. Suas entranhas se reviraram. Será que ele trocou a liberdade dele pela minha? Oh, Erikki...
Então ela viu o carro da polícia entrar na praça e parar na frente do hotel. O major saltou, endireitando o uniforme. Seu rosto perdeu a cor. Resolutamente, ela fechou a janela e se sentou na cadeira, de frente para a porta, perto do travesseiro. Esperando. Esperando. Novos passos. A porta imediatamente se abriu.
— Siga-me — ele disse. — Por favor. Por um momento, ela não entendeu.
— O quê?
— Siga-me, por favor.
— Por quê? — Ela perguntou, desconfiada, suspeitando de uma armadilha e não querendo deixar a segurança do estilete escondido. — O que está acontecendo? O meu marido está pilotando o helicóptero? Ele está voltando? O senhor o mandou de volta? — Ela perdeu a coragem, com medo que Erikki tivesse se entregado em troca da segurança dela. — É ele que está pilotando?
— Não, o seu marido está na delegacia. Os iranianos vieram buscar o helicóptero e também vocês dois. — Agora que a crise tinha passado, o major estava se sentindo muito bem. — O helicóptero tinha registro iraniano e não tinha autorização para sair do Irã, portanto eles tinham direito a ele. Agora siga-me.
— Para onde, por favor?
— Eu achei que a senhora gostaria de ver o seu marido. — O major estava se divertindo em olhar para ela, se divertindo com o perigo, imaginando onde estaria escondida a arma. Essas mulheres têm sempre uma arma ou algum tipo de veneno, alguma espécie de morte espreitando pelo estuprador desavisado. É fácil escapar se você estiver preparado, se vigiar-lhes as mãos e não dormir. — Bem?
— Há... há iranianos na delegacia?
— Não. Isto aqui é a Turquia, não o Irã, não há nenhum estrangeiro esperando pela senhora. Vamos, não precisa ter medo.
— Eu... eu desço logo. Imediatamente.
— Sim, imediatamente. A senhora não precisa de bolsa, só sua jaqueta. Ande logo antes que eu mude de idéia. — Ele viu o lampejo de ódio nos olhos dela e se divertiu mais ainda. Mas desta vez ela obedeceu, com ódio, vestiu a jaqueta e desceu, odiando a sua impotência. Atravessou a praça ao lado dele, com vários olhos seguindo-os. Entrou na delegacia e foi levada para a mesma sala da véspera.
— Por favor, espere aqui.
Então ele fechou a porta e entrou no escritório. O sargento estendeu-lhe o telefone.
— É o capitão Tanazak, o oficial de serviço na fronteira, major.
— Capitão? Major Ikail. A fronteira está fechada para todos os mulás e Faixas Verdes até ordem em contrário. Prenda o sargento que deixou alguns deles passarem há duas horas e mande-o para Van. Há um caminhão iraniano voltando. Detenha-o por vinte horas, Dem como os homens que estão lá dentro. Quanto a você, está sujeito à corte marcial por ter deixado de cumprir instruções sobre homens armados! — Ele desligou e olhou para o relógio. — O carro está pronto, sargento?
— Sim, effendi.
— Ótimo. — O major saiu e foi até a cela, seguido pelo sargento. Erikki não se levantou. Só os seus olhos se mexeram. — Agora, sr. piloto, se estiver preparado para ficar calmo, controlado e não mais estúpido, vou trazer a sua mulher para vê-lo.
A voz de Erikki estava rouca.
— Se algum de vocês tocar nela, eu juro que os matarei.
— Eu concordo que deve ser difícil ter uma esposa assim. É melhor ter uma feia, a menos que ela seja mantida num purdah. Agora, o senhor quer vê-la ou não?
— O que tenho que fazer? Irritado, o major disse:
— Ficar calmo e controlado e não ser mais estúpido. — Para o sargento, ele disse em turco: — Vá buscá-la.
Erikki estava esperando por algum truque. Então ele a viu no final do corredor, inteira, e quase chorou de alívio, e ela também.
— Oh, Erikki...
— Vocês dois, ouçam — o major disse secamente. — Muito embora vocês dois tenha-nos causado um bocado de inconvenientes, eu decidi que ambos estão dizendo a verdade, então serão mandados imediatamente, sob escolta, para Istambul, discretamente, e entregues ao seu embaixador, discretamente, para serem expulsos, discretamente.
Eles ficaram olhando para ele, boquiabertos.
— Nós vamos ser libertados? — ela disse, segurando-se nas grades.
— Imediatamente. Nós contamos com a discrição de vocês, e isto faz parte do acordo. Vocês terão de concordar formalmente, por escrito. Discrição. Isto significa que não vão dar nenhuma informação, nem em público nem em particular, sobre a fuga de vocês. Vocês concordam?
— Oh, sim, sim, é claro — disse Azadeh. — Mas não há, não há nenhum truque?
— Não.
— Mas... mas por quê? Por que depois... por que o senhor nos está deixando ir? — Erikki gaguejou, ainda sem acreditar.
— Porque eu testei vocês dois e vocês passaram no teste, vocês não cometeram nenhum crime dentro do que nós consideramos como crime, os seus juramentos são entre vocês e Deus e não estão sujeitos a nenhum tribunal e, felizmente para vocês, o mandado de prisão era ilegal e portanto inaceitável. Komiteh! — ele murmurou aborrecido, então notou o modo como eles estavam olhando um para o outro. Por um momento ele ficou enlevado e com inveja.
Curioso que Hakim Khan tenha permitido que um komiteh expedisse o mandado, não a polícia, o que teria tornado a extradição legal. Ele fez um sinal para o sargento.
— Deixe-o sair. Eu vou esperar pelos dois no escritório. Não se esqueçam que eu ainda tenho algumas jóias para devolver-lhes. E as duas facas — ele se afastou.
A cela foi aberta ruidosamente. O sargento hesitou e depois saiu. Nem Erikki nem Azadeh o viram sair e nem notaram a sujeira da cela, só tinham olhos um para o outro, ela do lado de fora, ainda segurando nas grades, ele do lado de dentro, segurando nas grades da porta. Eles não se moveram, apenas sorriram.
— Insha'Allah? — ela perguntou.
— Por que não? — E então, ainda desorientado por terem sido soltos por um homem honesto a quem Erikki teria matado como a essência da maldade há um instante atrás, Erikki se lembrou do que o major tinha dito sobre o purdah, e o quanto ela era atraente. Apesar do seu desejo de não estragar o milagre do que havia acontecido, ele exclamou:
— Azadeh, eu gostaria de deixar todo o mal aqui. Seria possível? E quanto a John Ross?
O sorriso dela não se alterou e ela sabia que eles estavam à beira do abismo. Com toda a confiança, ela pulou para dentro dele, satisfeita pela oportunidade.
— Há muito tempo, quando começamos, eu disse a você que o havia conhecido quando era muito jovem — ela disse, com uma voz terna, disfarçando a sua ansiedade. — Na aldeia e na base ele salvou a minha vida. Quando eu tornar a vê-lo, se isto acontecer, eu sorrirei para ele e ficarei feliz. Peço a você para fazer o mesmo. O passado é o passado e deve continuar a ser passado.
Aceite isto, Erikki, agora e para sempre, ela pensou, ou o nosso casamento terminará rapidamente, não por minha vontade, mas porque você irá se castrar, irá tornar a sua vida intolerável e não vai me querer perto de você. Então eu voltarei para Tabriz e começarei uma outra vida, é triste mas é verdade, e foi isto o que decidi fazer. Eu não vou lembrar a você a promessa que me fez antes de nos casarmos, não quero humilhá-lo, mas como é vergonhoso da sua parte esquecê-la. Eu só o perdôo porque o amo. Oh, Deus, os homens são tão estranhos, tão difíceis de entender, por favor, faça-o lembrar-se do seu juramento imediatamente.
— Erikki — ela murmurou — deixe o passado em paz. Por favor. — Com os olhos, ela implorou como só uma mulher pode implorar.
Mas ele evitou-lhe o olhar, devastado pela sua própria estupidez e ciúme. Azadeh tem razão, ele estava gritando para si mesmo. Isto é passado. Azadeh me contou honestamente sobre ele e eu prometi livremente que poderia viver com isso e ele realmente salvou-lhe a vida. Ela tem razão, mas mesmo assim eu tenho certeza de que ela o ama.
Atormentado, ele olhou dentro dos olhos dela, uma porta fechou-se no seu cérebro, ele trancou-a e jogou fora a chave. A velha ternura invadiu-o, purificando-o.
— Você tem razão e eu concordo! Você tem razão! Eu te amo, e Finlândia para sempre! — Ele a ergueu nos braços e beijou-a e ela também o beijou, depois abraçou-o enquanto, mais feliz do que nunca, ele a carregou pelo corredor. — Será que eles têm sauna em Istambul? Você acha que nos deixarão dar um telefonema, só um, você acha...
Mas ela não estava ouvindo. Estava feliz.
BAHRAIN — O HOSPITAL INTERNACIONAL: 18:03H. O telefone tocou no quarto de Mac e Genny despertou do seu agradável devaneio na varanda, enquanto Mac cochilava numa poltrona ao lado dela, na sombra. Ela se levantou sem fazer barulho para não acordá-lo e foi atender.
— Quarto do capitão McIver — ela disse baixinho.
— Oh, sinto muito incomodá-la, poderia falar com o capitão McIver? Aqui é o assistente do sr. Newbury em Al Shargaz.
— Sinto muito, ele está dormindo, aqui é a sra. McIver, o senhor pode deixar o recado?
A voz hesitou.
— Talvez a senhora possa pedir a ele para ligar para mim. Bertram Jones.
— Se for importante, é melhor falar comigo. Outra vez a voz hesitou. Depois:
— Muito bem, obrigado. Há um telex do nosso QG em Teerã para ele. Diz: "Por favor, informe ao capitão McIver, diretor executivo da CHI, que um dos seus pilotos, Thomas Lochart, e sua mulher foram mortos acidentalmente durante uma manifestação." Sinto muito pelas más notícias, sra. McIver.
— Es-tá tudo bem. Obrigada. Eu vou informar ao meu marido. Obrigada. — Silenciosamente, ela desligou o telefone. Olhou para o espelho e viu que o seu rosto estava pálido, refletindo a sua tristeza.
Oh, meu Deus, eu não posso deixar que Duncan me veja nem que saiba, se não ele...
— Quem era, Gen? — McIver perguntou da varanda, ainda meio dormindo.
— Nada... nada de importante, querido. Torne a dormir.
— Que bom, sobre os testes, hein? — Os resultados tinham sido excelentes.
— Maravilhoso... eu voltarei num segundo. — Ela foi até o banheiro e fechou a porta e derramou um pouco d'água no rosto. Não posso contar a ele, simplesmente não posso... tenho que protegê-lo. Será que devo ligar para Andy? Ela deu uma olhada no relógio. Não posso, Andy já deve estar no aeroporto. Vou... vou esperar até ele chegar, é isto o que vou fazer... vou esperá-lo junto com Jean-Luc e... não posso fazer nada até lá... Oh, Deus, oh, Deus, pobre Tommy, pobre Xarazade... meus pobres amores...
As lágrimas escorreram-lhe pelo rosto e ela abriu as torneiras para disfarçar o barulho. Quando voltou para a varanda, McIver estava dormindo satisfeito. Ela se sentou e ficou olhando para o pôr-do-sol, sem enxergá-lo.
AEROPORTO INTERNACIONAL DE AL SHARGAZ: PÔR-DO SOL. Rudi Lutz, Scragger, e todos os outros estavam esperando no portão de embarque, olhando ansiosamente para o saguão lotado, cheio de passageiros embarcando e desembarcando.
— Chamada final para o vôo da BA para Roma e Londres. Todos a bordo, por favor.
Pelas enormes janelas de vidro, eles podiam ver que o sol estava quase descendo no horizonte. Todos estavam nervosos.
— Andy devia ter mantido Johnny e o 125 aqui, pelo amor de Deus — Rudi murmurou, nervoso.
— Ele teve que ser mandado para a Nigéria — Scot disse defensivamente.
— O Velho não teve escolha, Rudi. — Mas ele viu que Rudi não estava ouvindo, então deu de ombros e disse distraidamente para Scragger: — Você vai mesmo deixar de voar, Scrag?
O rosto enrugado se contorceu.
— Por um ano, só por um ano... Bahrain vai ser ótimo para mim, Kasigi é uma beleza e eu não vou deixar de voar completamente, é claro que não. Não posso, meu filho, só de pensar nisso tenho arrepios.
— Eu também. Scrag, se você tivesse a minha idade... — Ele parou quando um funcionário da BA, muito irritado, atravessou a segurança e falou para Rudi:
— Capitão Lutz, esta foi a última chamada! — O avião já está cinco minutos atrasado. Não podemos segurá-lo por mais tempo! O senhor tem que embarcar o resto do seu grupo imediatamente ou partiremos sem vocês!
— Está bem — Rudi disse. — Scrag, diga a Andy que esperamos o máximo possível. Se Charlie não conseguir chegar a tempo, atire-o no Gottver-dammstechen, calabouço! Maldita Alitalia por ter chegado tão cedo. Todos a bordo. — Ele entregou o seu cartão de embarque a uma aeromoça atraente e passou pelo portão, ficando do outro lado, checando se todos estavam lá, Freddy Ayre, Pop Kelly, Willi, Ed Vossi, Sandor, Nogger Lane, Scot ficando por último e fazendo cera até que não pôde mais esperar.
— Ei, Scrag, diga ao Velho que eu concordo.
— Claro, meu chapa. — Scragger acenou enquanto ele desaparecia na Segurança, depois virou-se e foi para o seu portão, do outro lado do terminal, onde Kasigi já estava esperando, então ele viu Pettikin correndo no meio da multidão, de mãos dadas com Paula e Gavallan um pouco atrás. Pettikin abraçou-a rapidamente e correu para o portão.
— Pelo amor de Deus, Charlie...
— Não brigue comigo, Scrag, tive que esperar por Andy. — Charlie disse, sem fôlego. Ele entregou o seu cartão de embarque, jogou um beijo para Paula e desapareceu.
— Oi, Paula, o que está havendo?
Paula também estava sem fôlego, mas radiante. Ela deu-lhe o braço, dando-lhe um apertão:
— Charlie me convidou para passar a sua licença com ele, caro, na África do Sul; eu tenho parentes perto de Cape Town, uma irmã e a família dela, então eu disse que sim.
— Claro! Isto quer dizer que...
— Desculpe, Scrag! — Gavallan gritou, juntando-se a eles. Ele estava ofegante, mas vinte anos mais jovem. — Desculpe, fiquei meia hora no telefone, parece que perdemos o maldito contrato com a ExTex na Arábia Saudita e parte do mar do Norte, mas que se dane. Tenho grandes notícias! — Ele sorriu radiante e ficou dez anos mais moço ainda, atrás dele, o sol tocou o horizonte.
— Erikki ligou quando eu já estava na porta, ele está bem, e Azadeh também, eles estão a salvo na Turquia e...
— Aleluia! — Scragger explodiu de alegria e lá de dentro da sala de espera, depois da Segurança, houve uma explosão de alegria dos outros, ao receberem a notícia de Pettikin.
— ...e depois recebi um telefonema de um amigo do Japão. Quanto tempo nós temos ainda?
— Bastante tempo, vinte minutos, por quê? Você deixou de ver Scot por pouco, ele me pediu para dar-lhe um recado: "Diga ao Velho que sim."
Gavallan sorriu.
— Ótimo. Obrigado. — Agora ele já tinha recuperado o fôlego. — Eu me encontro com você, Scrag. Espere por mim, Paula, volto já. — Ele foi até o balcão de informações da JAL. — Boa noite, poderia informar-me, por gentileza, a que horas sai o próximo vôo de vocês de Bahrain para Hong Kong?
A recepcionista consultou o computador.
— Às onze e quarenta e dois desta noite, Sayyid.
— Excelente. — Gavallan pegou os seus bilhetes. — Cancele a minha reserva no vôo da BA para Londres esta noite e faça uma reserva para mim no... — Os alto-falantes ganharam vida e abafaram a voz dele com o chamado para as orações. Um silêncio imediato tomou conta do aeroporto.
E lá no alto das montanhas Zagros, a oitocentos quilômetros de distância ao norte, Hussein Kowissi saltou do cavalo e depois ajudou o seu filho a fazer o camelo ajoelhar-se. Ele usava um casaco de pele de cabra kash'kai por cima das vestes negras, um turbante branco e o seu Kalashnikov estava pendurado nas costas. Ambos estavam solenes, o rosto do garotinho inchado de tanto chorar. Juntos, eles amarraram os animais, apanharam os seus tapetes de rezar, viraram-se de frente para Meca e começaram. Um vento gelado soprava à volta deles, levantando a neve que cobria os altos cumes. O pôr-do-sol aparecia numa nesga de céu, no meio das grossas camadas de nuvens, cheias de neve e de tempestade. As preces foram rezadas rapidamente.
— Vamos acampar aqui esta noite, meu filho.
— Sim, pai. — Obedientemente, o garotinho ajudou-o a descarregar, com as lágrimas outra vez escorrendo-lhe pelo rosto. Na véspera a mãe dele tinha morrido. — Pai, a mamãe estará no paraíso quando chegarmos lá?
— Não sei, meu filho. Sim, acho que sim. — Hussein disfarçou a tristeza. O parto tinha sido longo e cruel, não pôde fazer nada para ajudá-la a não ser segurar-lhe com carinho as mãos e rezar para que ela e a criança fossem poupadas e que a parteira fosse habilidosa. A parteira era habilidosa, mas a criança nasceu morta, a hemorragia não parou e aconteceu o que tinha que acontecer.
Seja como Deus quiser, ele tinha dito. Mas pela primeira vez isto não o ajudou. Ele a havia enterrado junto com a criança. Com grande tristeza, tinha ido até a casa do seu primo, também um mulá, e tinha dado os seus filhos pequenos para eles criarem, e o seu lugar na mesquita até que a congregação escolhesse o seu sucessor. Depois, com o outro filho, ele tinha dado as costas a Kowiss.
— Amanhã nós estaremos nas planícies, meu filho. Lá vai estar mais quente.
— Eu estou com muita fome, pai — disse o garotinho.
— Eu também, meu filho — ele disse gentilmente. — Alguma vez foi diferente?
— Nós seremos martirizados logo?
— Quando Deus quiser.
O garotinho tinha seis anos e achava difícil entender muitas coisas, mas isto não. Quando Deus quiser, nós iremos para o paraíso, que é quente e verde e há mais comida do que se pode comer e água fresca para beber. Mas e quanto...
— Há valas no paraíso? — Ele perguntou com a sua vozinha fina, encostando-se no pai para se esquentar.
Hussein abraçou-o.
— Não, meu filho, acho que não. Não há necessidade delas. — Ele continuou a limpar a sua arma com um pedaço de pano embebido em óleo. — Não há necessidade de valas.
— Isto será muito estranho, pai, muito estranho. Por que nós saímos de casa? Para onde estamos indo?
— Primeiro para nordeste, muito longe daqui, meu filho. O imã salvou o Irã, mas os muçulmanos do norte, sul, leste e oeste estão cercados por inimigos. Eles precisam de ajuda e orientação e da Palavra de Deus.
— O imã, que a paz esteja com ele, foi ele quem o mandou?
— Não, meu filho. Ele não manda, só orienta. Eu vou fazer o trabalho de Deus por livre e espontânea vontade, por minha própria escolha, um homem está livre para escolher o que deve fazer. — Ele viu o garotinho franzir a testa e deu-lhe um abraço, cheio de amor. — Agora nós somos soldados de Deus.
— Oh, que bom. Eu vou ser um bom soldado. O senhor quer me contar de novo por que deixou aqueles satanistas partirem, aqueles da base, e por que os deixou levarem as nossas máquinas?
— Por causa do líder, do capitão — Hussein disse pacientemente. — Eu acho que ele era um instrumento de Deus, ele abriu os meus olhos para a mensagem de Deus de que eu deveria buscar a vida e não o martírio, de que deveria deixar que Deus decidisse a hora do martírio. E também porque ele me deu uma arma invencível contra os inimigos do Islã, os cristãos e judeus: o conhecimento de que eles consideram a vida humana como sendo sacrossanta.
O garotinho abafou um bocejo.
— O que significa sacrossanta?
— Eles acreditam que a vida de uma pessoa não tem preço, de qualquer pessoa. Nós sabemos que a vida é dada por Deus, pertence a Deus, volta para Deus, e que qualquer vida só tem valor se estiver a serviço de Deus. Você compreende, meu filho?
— Acho que sim — disse o garotinho, muito cansado. — Desde que estejamos fazendo o trabalho de Deus, nós vamos para o paraíso e o paraíso é eterno.
— Sim, meu filho. Usando o que o piloto me ensinou, um único crente pode convencer milhões. Nós vamos espalhar isto, você e eu... — Hussein estava muito contente de que o seu propósito estivesse claro. É curioso, ele pensou, que aquele homem, Starke, tenha-me mostrado o caminho. — Nós não somos nem orientais nem ocidentais, só islâmicos. Você compreende, meu filho?
Mas não houve nenhuma resposta. O garotinho estava profundamente adormecido. Hussein deitou-o no seu colo, observando o sol que se punha. O último pontinho de sol desapareceu.
— Deus é Grande — disse para as montanhas, para o céu e para a noite. — Não há nenhum outro Deus além de Deus...
FIM