— É claro que eu vou viver — ele disse, aparentemente calmo. Uma brasa caiu e ele se inclinou para a frente e atirou-a no fogo. Ele viu que Azadeh não tinha tirado os olhos de Hakim, nem ele dela. A mesma calma, o mesmo sorriso educado, a mesma inflexibilidade.
— Sim, Azadeh? — disse Hakim.
— Um mulá poderia liberar-me do meu juramento.
— Isso não é possível. Nem um mulá nem eu faríamos isso, nem mesmo o imã concordaria em fazê-lo.
— Eu posso absolver a mim mesma. Isto é entre mim e Deus, eu posso absol...
— Você não pode, Azadeh. Você não pode fazer isto e viver em paz com você mesma.
— Eu posso. E posso viver em paz.
— Não pode fazer isso e continuar sendo muçulmana.
— Sim — ela disse com simplicidade. — Eu concordo. Hakim ficou boquiaberto.
— Você não sabe o que está dizendo.
— Oh, eu sei sim. Eu já considerei até mesmo esta possibilidade. — A voz dela era neutra. — Eu já considerei esta solução e achei-a suportável. Eu não vou agüentar dois anos de separação, nem vou aturar nenhum atentado contra a vida de meu marido, nem perdoá-lo. — Ela se encostou na cadeira e abandonou a luta momentaneamente, aflita mas contente por ter aberto o jogo e ao mesmo tempo assustada. Mais uma vez ela abençoou Aysha por tê-la alertado.
— Eu não vou permitir que você renuncie ao Islã sob hipótese alguma — disse Hakim.
Ela simplesmente ficou olhando para o fogo.
O campo minado estava em toda a volta deles, todas as minas estavam armadas e embora Hakim estivesse concentrado nela, os seus sentidos estavam ligados em Erikki. Ele, o da Faca, sabendo que o homem estava esperando também, jogando um jogo diferente agora que o problema estava diante deles. Será que eu fiz bem em mandar o guarda sair?, perguntou a si mesmo, ofendido com a ameaça dela, com o cheiro de perigo enchendo as suas narinas.
— Não importa o que você diga, Azadeh, não importa o que você tente fazer, pelo bem da sua alma eu seria forçado a evitar uma apostasia. De todas as maneiras que estivessem ao meu alcance. Isto é inimaginável.
— Então, por favor, me ajude. Você é muito sábio. Você é o khan e nós passamos por muita coisa juntos. Eu lhe imploro, retire a ameaça que pesa sobre a minha alma e a do meu marido.
— Eu não estou ameaçando nem a sua alma nem a do seu marido.
— Hakim olhou diretamente para Erikki. — Não estou.
Erikki disse:
— Quais são esses perigos que você mencionou?
— Não posso dizer-lhe, Erikki — respondeu Hakim.
— O senhor poderia dar-nos licença, Alteza? Nós precisamos nos preparar para partir.
Azadeh levantou-se. Erikki fez o mesmo.
— Fiquem onde estão! — Hakim estava furioso. — Erikki, você permitiria que ela renunciasse ao Islã, à toda a sua herança e à sua chance de uma vida eterna?
— Não, isto não está nos meus planos. — Os dois olharam para ele, intrigados. — Por favor, diga-me quais são os perigos, Hakim.
— Que planos? Você tem um plano? De fazer o quê?
— Os perigos. Primeiro conte-me a respeito dos perigos. O islamismo de Azadeh está seguro comigo, eu juro pelos meus próprios deuses. Que perigos?
Nunca tinha feito parte da estratégia de Hakim revelar-lhe os perigos, mas agora que ele estava abalado pela teimosia dela, horrorizado por ela ter pensado em cometer a suprema heresia, e mais desorientado ainda pela sinceridade deste estranho homem. Então ele contou sobre o telex e sobre a fuga dos pilotos com os helicópteros, e a sua conversa com Hashemi, notando que Azadeh estava tão horrorizada quanto Erikki, mas que a surpresa dela não parecia verdadeira. É como se ela já soubesse, como se tivesse estado presente, das duas vezes, mas como ela poderia saber? Ele continuou:
— Eu disse a ele que você não poderia ser preso nem na minha casa, nem nos meus domínios, nem em Tabriz, que eu lhe daria um carro e que esperava que você escapasse de ser preso e que você partiria antes do amanhecer.
Erikki ficou abalado. O telex muda tudo, ele pensou.
— Então eles estão esperando por mim.
— Sim. Mas eu não contei a Hashemi que eu tinha um outro plano, que já tinha enviado um carro para Tabriz, que assim que Azadeh estivesse dormindo eu...
— Você me teria deixado aqui, Erikki? — Azadeh estava estarrecida.
— Você me teria deixado sem me contar, sem me consultar?
— Talvez. O que você estava dizendo, Hakim? Por favor, termine o que ia dizer.
— Assim que Azadeh estivesse dormindo, eu planejava retirá-lo do palácio e levá-lo para Tabriz, onde está o carro e enviá-lo para a fronteira, a fronteira turca. Eu tenho amigos em Khoi e eles o ajudariam a atravessar a fronteira, com a ajuda de Deus — Hakim acrescentou automaticamente, grandemente aliviado por ter tido a precaução de elaborar este plano alternativo — só para o caso de sei necessário. E agora foi o caso, ele pensou.
— Você tem um plano?
— Sim.
— Qual é?
— Se você não gostar dele, Hakim Khan, o que vai fazer?
— Neste caso, eu me recusaria a consentir nele e tentaria impedi-lo.
— Eu preferiria não me arriscar a desagradá-lo.
— Sem a minha ajuda, você não pode partir.
— Eu gostaria de ter a sua ajuda, isto é verdade. — Erikki não estava mais confiante. Uma vez que Mac, Charlie e os outros já tinham partido. Como é que eles conseguiram fazer isto tão depressa? Por que isto não aconteceu enquanto nós estávamos em Teerã, mas graças a todos os deuses Hakim é o khan agora e pode proteger Azadeh. E óbvio o que a Savak vai fazer comigo se conseguirem me pegar, quando me pegarem.
— Você estava certo sobre o perigo. Você acha que eu poderia fugir conforme você sugeriu?
— Hashemi deixou policiais no portão. Eu acho que você podia ser retirado, seria possível distraí-los. E não sei se há outros na estrada, mas pode haver, é mais do que provável que haja. Se eles estiverem atentos e você for interceptado... foi a vontade de Deus.
Azadeh disse:
— Erikki, eles estão esperando que você vá sozinho e o coronel concordou em não tocar em você dentro de Tabriz. Se nós estivéssemos escondidos na traseira de um velho caminhão, precisaríamos apenas de um pouco de sorte para evitá-los.
— Você não pode partir — Hakim disse impacientemente, mas ela não ouviu. A sua mente tinha se voltado para Ross e Gueng e a fuga anterior, e como os dois tinham tido dificuldade em escapar, mesmo sendo sabota-dores e combatentes treinados. Pobre Gueng. Um arrepio percorreu-a. A estrada para o norte é tão difícil quanto a que vai para o sul, é muito fácil eles armarem uma emboscada, é muito fácil bloquearem as estradas. Não é tão distante assim daqui até Khoi e de Khoi até a fronteira, mas em termos de tempo, é como se fossem milhões de quilômetros e com o meu problema nas costas... eu duvido que conseguisse andar até mesmo um único quilômetro.
— Não faz mal — ela murmurou. — Nós chegaremos lá. Com a ajuda de Deus nós conseguiremos escapar.
Hakim exclamou:
— Por Deus e pelo Profeta, e quanto ao seu juramento, Azadeh? O rosto dela estava muito pálido agora e ela apertou os dedos para parar de tremer.
— Por favor, perdoe-me, Hakim, mas eu já lhe disse. E se me impedirem de partir com Erikki agora, ou se Erikki não quiser me levar, eu vou dar um jeito de fugir, eu juro. — Ela olhou para Erikki. — Se Mac e os outros foram embora, você pode ser usado como refém.
— Eu sei. Eu tenho que sair daqui o mais rápido que puder. Mas você tem que ficar. Você não pode desistir da sua religião só por causa dos dois anos, por mais que eu odeie ter que deixá-la.
— Será que Tom Lochart deixaria Xarazade por dois anos?
— Este não é o ponto — Erikki disse cautelosamente. — Você não é Xarazade, você é a irmã de um khan e jurou que ficaria aqui.
— Isto é entre mim e Deus, Tommy nunca deixaria Xarazade — Azadeh repetiu teimosamente — Xarazade não deixaria o seu Tommy, ela o ama...
— Eu preciso conhecer o seu plano — Hakim interrompeu friamente.
— Sinto muito, mas não posso confiá-lo a ninguém.
O khan apertou os olhos, e precisou de toda a sua força de vontade para não chamar o guarda. — Então nós estamos num impasse. Azadeh, dê-me um pouco mais de café, por favor. — Ela obedeceu imediatamente. Ele olhou para o homem enorme que estava em pé de costas para o fogo, — Não estamos?
— Por favor, resolva este impasse, Hakim Khan — disse Erikki. — Eu sei que você é um homem inteligente e eu não lhe faria nenhum mal, nem faria nenhum mal a Azadeh.
Hakim aceitou o café e agradeceu a ela, ficou olhando para o fogo, pesando os prós e os contras, precisando saber o que Erikki tinha em mente, querendo pôr um fim em tudo aquilo, querendo que Erikki fosse embora e Azadeh ficasse e voltasse a ser como era, sábia, gentil, amorosa e obediente — e muçulmana. Mas ele a conhecia bem demais para ter certeza de que ela faria o que havia ameaçado fazer e a amava demais para permitir que ela cumprisse a ameaça.
— Talvez isto pudesse satisfazê-lo, Erikki: eu juro por Deus que vou ajudá-lo, desde que o seu plano não despreze o juramento da minha irmã, não a force a se tornar uma apóstata, não a coloque nem em perigo espiritual nem político... — ele pensou por um momento — não traga nenhum mal nem para ela nem para mim, e tenha alguma chance de sucesso.
Azadeh interrompeu com raiva:
— Isto não é nenhuma ajuda, como Erikki poderia ser ca...
— Azadeh! — Erikki disse asperamente. — Onde estão os seus modos? Fique quieta. O khan estava falando comigo, não com você. É o meu plano que ele quer conhecer, não o seu.
— Sinto muito, desculpem-me, por favor — ela disse imediatamente, com sinceridade. — Sim, você tem razão. Eu peço desculpas a vocês dois.
— Quando nós nos casamos, você jurou obedecer-me. Isto ainda está valendo? — ele perguntou asperamente, furioso porque ela tinha quase arruinado o seu plano, pois ele vira os olhos de Hakim encherem-se de ódio e ele precisava dele calmo, não agitado.
— Sim, Erikki — ela respondeu imediatamente, ainda chocada com o que Hakim dissera, pois isto fechava todas as saídas, menos a que ela havia escolhido, e essa escolha a aterrorizava. — Sim, sem reservas, desde que você não me abandone.
— Sem reservas. Sim ou não?
Imagens de Erriki atravessaram a sua mente, a sua doçura e o seu amor e a sua alegria e todas as boas coisas, junto com a violência que nunca a havia atingido mas que atingiria a qualquer um que a ameaçasse ou que ficasse no caminho dele, Abdullah, Johnny, até mesmo Hakim, especialmente Hakim.
Sem reservas, sim, ela teve vontade de dizer, exceto contra Hakim, exceto se você me abandonar. Os olhos dele estavam mergulhados nos dela. Pela primeira vez ela estava com medo dele. Ela murmurou:
— Sem reservas. Eu imploro a você para que não me abandone. Erikki voltou a sua atenção para Hakim.
— Eu aceito o que você propôs, obrigado. — E tornou a se sentar. Azadeh hesitou, depois se ajoelhou ao lado dele, pondo o braço no seu joelho, precisando daquele contato, com esperança de que ele ajudasse a afastar o medo que sentia e a raiva que sentia de si mesma por ter perdido a calma. Eu devo estar ficando louca, pensou. Que deus me ajude...
— Eu aceito as regras que você impôs, Hakim Khan — Erikki estava dizendo calmamente. — Mesmo assim, não vou revelar-lhe o meu plan... Espere, espere! Você jurou que iria me ajudar se eu não o pusesse em perigo e eu não o farei. Em vez disso — ele disse cautelosamente — em vez disso, eu vou expor um plano hipotético que poderia satisfazer todas as suas condições. — Inconscientemente, a mão dele começou a acariciar-lhe os cabelos e o pescoço. Ela sentiu a tensão aliviar. Erikki observava Hakim, os dois homens prestes a explodir. — Assim está bem?
— Continue.
— Digamos, hipoteticamente, que o meu helicóptero estivesse em perfeitas condições, que eu estivesse fingindo que não conseguia fazê-lo funcionar para enganar a todo mundo, e para que todo mundo se acostumasse com o fato de que a toda hora eu estou ligando o motor e desligando. Digamos que eu tivesse mentido sobre o combustível e que houvesse o bastante para uma hora de vôo, podendo facilmente chegar até a fronteira e..
— Você tem combustível! — Hakim perguntou involuntariamente, com esta idéia abrindo outras possibilidades.
— Nesta história hipotética, sim. — Erikki sentiu a mão de Azadeh apertar-lhe o joelho mas fingiu não notar. — Digamos que dentro de um ou dois minutos, antes de nós irmos para a cama, eu dissesse a você que gostaria de experimentar os motores novamente. Digamos que eu fizesse isso, que os motores pegassem e funcionassem o bastante para esquentar e depois morressem, ninguém se preocuparia com isso, foi a vontade de Deus. Todo mundo pensaria: o louco não deixa aquele helicóptero em paz, por que ele não desiste e nos deixa dormir sossegados? Então digamos que eu o ligasse, acelerasse ao máximo e subisse. Hipoteticamente, eu poderia me afastar daqui em segundos, desde que os guardas não atirassem em mim, e desde que não houvesse nenhum inimigo, nem Faixas Verdes nem policiais com armas no portão ou do outro lado dos muros.
Hakim suspirou. Azadeh se mexeu um pouco. A seda do seu vestido farfalhou.
— Eu gostaria muito que esta história pudesse acontecer de verdade — disse ela.
— Isto seria mil vezes melhor que um carro, dez mil vezes melhor — disse Hakim. — Você poderia voar tudo isso durante a noite?
— Poderia, desde que tivesse um mapa. A maioria dos pilotos que passam muito tempo numa mesma região tem um mapa na cabeça. É claro que tudo isto é ficção.
— Sim, sim, é. Bem, até agora tudo bem com o seu plano hipotético. Você poderia fugir dessa maneira, se conseguisse neutralizar os inimigos que estão no pátio. Agora, hipoteticamente, e quanto à minha irmã?
— A minha esposa não entra em nenhuma fuga, nem real nem hipotética. Azadeh não tem escolha: ela precisa ficar por sua livre e espontânea vontade e esperar os dois anos. — Erikki viu o espanto de Hakim e sentiu a revolta imediata de Azadeh. Mas não deixou que os seus dedos cessassem de acariciar-lhe os cabelos e o pescoço no mesmo ritmo, acalmando-a, convencendo-a, e continuou mansamente: — Ela deve ficar em obediência ao seu juramento. Ela não pode partir. Ninguém que a ame, principalmente eu, poderia permitir que ela desistisse do islamismo por causa de dois anos. Aliás, Azadeh, hipoteticamente ou não, isto está proibido, entendeu?
— Estou ouvindo o que você diz, marido — disse entre dentes, tão zangada que mal podia falar e xingando a si mesma por ter caído na armadilha dele.
— Você está presa ao seu juramento por dois anos, depois você pode partir livremente. Isto é uma ordem!
Ela levantou os olhos para ele e disse sombriamente:
— Talvez daqui a dois anos eu não queira partir.
Erikki colocou a sua mão enorme no ombro dela, com os dedos rodeando-lhe de leve o pescoço.
— Neste caso, mulher, eu voltarei e a arrastarei pelos cabelos. — Ele disse isto com tanta calma e com tanta fúria que ela ficou paralisada. Logo em seguida ela baixou os olhos e olhou para o fogo, ainda encostada na perna dele. Ele continuou com a mão no seu ombro. Ela não fez nenhum movimento para tirá-la dali. Mas ele sabia que ela estava com ódio dele. No entanto, ele sabia que era necessário dizer o que tinha dito.
— Por favor, desculpem-me por um momento — ela disse, com a voz fria como gelo.
Os dois homens ficaram olhando-a se afastar Quando estavam sozinhos, Hakim disse:
— Ela vai obedecer?
— Não — disse Erikki. — Não, a menos que você a mantenha trancada, e mesmo assim... Não, ela está decidida.
— Eu nunca, nunca permitirei que ela quebre o juramento e renuncie ao islamismo, você precisa entender isto, mesmo... mesmo que eu tenha que matá-la.
Erikki olhou para ele.
— Se você fizer algum mal a ela, você é um homem morto, caso eu esteja vivo.
NAS FAVELAS AO NORTE DA CIDADE DE TABRIZ: 22:36H. No meio da escuridão, a primeira leva de Faixas Verdes correu para a porta que ficava no muro alto, explodiu as fechaduras e entrou no pátio interno atirando. Hashemi e Robert Armstrong estavam do outro lado da praça, razoavelmente protegidos por um caminhão estacionado. Outros homens se esgueiraram pelo beco para impedir qualquer retirada.
— Agora! — Hashemi disse no walkie-talkie. Imediatamente o lado oposto da praça onde estava o inimigo foi iluminado pelos holofotes montados em caminhões camuflados. Homens começaram a sair correndo de outras portas, mas a polícia e os Faixas Verdes abriram fogo e a batalha começou. — Vamos, Robert — disse Hashemi e se aproximou cautelosamente.
Os informantes tinham dito que naquela noite haveria uma reunião de líderes marxistas-islâmicos ali e que aquele edifício estava ligado a outros por todos os lados por portas e passagens secretas. Com a assistência de Hakim Khan, Hashemi tinha iniciado o primeiro de uma série de ataques para desativar a extensa oposição esquerdista ao governo, para agarrar os líderes e fazer deles um exemplo público — para os seus próprios propósitos.
O primeiro grupo de Faixas Verdes tinha limpado a área e estava avançando pelas escadas, sem se preocupar com a própria segurança. Os adversários, que agora já tinham se recuperado da surpresa, estavam resistindo com a mesma ferocidade, bem armados e bem treinados.
Lá fora na praça houve uma trégua, nenhum adversário queria se arriscar nem se juntar àqueles que estavam presos, indefesos, no meio dos carros, alguns dos quais já estavam pegando fogo. O beco atrás do edifício estava ameaçadoramente quieto, com a polícia e os Faixas Verdes bloqueando as duas saídas, bem entrincheirados atrás dos seus veículos.
— Por que estamos esperando aqui como se fôssemos uns iraquianos covardes e fedorentos? — Um dos Faixas Verdes perguntou agressivamente.
— Por que não levamos a batalha até eles?
— Vocês estão esperando porque foi isto que o coronel mandou — disse o sargento de polícia — vocês estão esperando porque nós podemos matar todos aqueles cães sem nos arriscarmos e...
— Eu não estou subordinado a nenhum coronel, só a Deus! Deus é Grannnnde! — Com isto, o rapaz empunhou o rifle e saiu correndo em direção à porta dos fundos do edifício. Outros o seguiram. O sargento xingou-os e mandou que eles voltassem, mas suas palavras foram abafadas pela fuzilaria que desceu sobre os rapazes das janelas que ficavam no alto do muro e que matou a todos.
Hashemi e os outros tinham ouvido os tiros no beco e presumiram que tinha havido uma tentativa de fuga.
— Os cães não podem escapar por aquele lado, Robert — Hashemi gritou animadamente —, eles estão cercados! — De onde ele estava, podia ver que o ataque ao edifício principal tinha sido interrompido. Ele ligou o transmissor: — Segunda leva para dentro do QG.
Imediatamente, um mulá e outro grupo de rapazes soltaram o seu grito de guerra e atravessaram a praça correndo. Robert Armstrong ficou perplexo por Hashemi mandá-los atacar assim, com a praça toda iluminada, o que fazia deles alvos fáceis.
— Não se meta, Robert! Pelo amor de Deus, eu já estou cansado das suas interferências. — Hashemi tinha dito friamente quando ele fizera algumas sugestões sobre como organizar o ataque antes da luta ter começado.
— Guarde o seu conselho para si mesmo, isto é uma questão interna, não tem nada a ver com você!
— Mas, Hashemi, nem todos os prédios são inimigos ou marxistas, deve haver famílias lá, talvez centenas de inocen...
— Cale a boca ou eu juro que vou considerá-lo traidor!
— Então eu vou ficar para trás. Vou voltar e vigiar o palácio.
— Eu disse que você viria nesta operação. Você acha que vocês, britânicos, são os únicos que podem lidar com uns poucos revolucionários?
— Você vai ficar perto de mim, num lugar onde eu possa vê-lo, mas primeiro entregue-me o seu revólver.
— Mas Hashemi...
— O seu revólver! Pelo Profeta, eu não confio mais em você. O seu revólver!
Então ele lhe havia entregue o revólver e Hashemi tinha se acalmado, parecendo relaxar, dando uma gargalhada. Mas não tinha devolvido o revólver e Armstrong se sentiu nu no meio da noite, com medo de que tivesse sido traído. Olhou para ele, tornou a ver uma certa estranheza nos olhos de Fazir e no jeito como ele mexia com a boca, com um pouco de saliva escorrendo pelos cantos.
Uma rajada de tiros atraiu a sua atenção outra vez para o prédio. Os tiros estavam vindo das janelas superiores, em resposta àquele novo ataque. Muitos jovens foram detidos, mas alguns conseguiram entrar, o mulá entre eles, para reforçar os que ainda estavam vivos. Juntos eles abriram caminho no meio dos corpos que estavam bloqueando a escada e conseguiram chegar até o andar seguinte.
Na praça, Hashemi estava agachado atrás de um carro, cheio de excitação e invadido pelo sentimento de poder.
— Mais homens para dentro do prédio!
Ele nunca tinha comandado um ataque antes, nunca havia tomado parte em nenhum. Todo o seu trabalho anterior tinha sido secreto, encoberto, com apenas uns poucos homens envolvidos em cada operação — mesmo com os seus assassinos do Grupo Quatro, tudo o que ele tinha feito era dar as ordens e esperar em segurança. Exceto a vez em que ele próprio tinha detonado o carro-bomba que destruíra o seu inimigo na Savama, o general Janan. Por Deus e pelo Profeta, a sua mente estava gritando, foi para isto que eu nasci: batalhas e guerra!
— Todos ao ataque! — ele gritou no walkie-talkie e depois ficou em pé e berrou o mais alto que pôde: — Todos ao ataque!
Os homens começaram a atacar de todos os lados. Atirando granadas por cima dos muros, para dentro dos pátios e pelas janelas, indiscriminadamente. Explosões e fumaça, tiros, de rifles e metralhadoras, e mais explosões e então uma explosão gigantesca no QG dos esquerdistas quando o depósito de gasolina e munição explodiu, destruindo o último andar e a maior parte da fachada. A onda de calor arrancou as roupas de Hashemi e derrubou Armstrong. Mzytryk, que tinha estado observando tudo de binóculo de uma das janelas de cima, do outro lado da praça, pôde vê-los claramente e decidiu que o momento era perfeito.
— Agora — ele disse em russo.
O atirador que estava ao lado dele já estava com a mira telescópica apontada para o alvo, com o cano do rifle pousado no parapeito da janela. Imediatamente ele colocou o indicador no gatilho, sentiu o dedo de Mzytryk sobre o gatilho e começou a contagem regressiva como este havia ordenado:
— Três... dois... um... fogo! — Mzytryk apertou o gatilho. Os dois homens viram a bala dundum entrar nas costas de Hashemi, atirá-lo de encontro ao carro e depois lançá-lo no chão. — Ótimo — Mzytryk murmurou sombriamente, lamentando apenas que os seus olhos e as suas mãos não pudessem lidar sozinhos com os assassinos do seu filho. — Três... dois., um...
O alvo se mexeu. Os dois homens praguejaram, pois tinham visto Armstrong virar-se, olhar em sua direção por um instante e então se atirar no meio dos carros e desaparecer atrás de um deles.
— Ele está perto da roda da frente. Ele não pode escapar. Tenha paciência. Só atire quando puder. — Mzytryk deixou apressadamente a sala, foi até o alto da escada e gritou em turco para os homens que estavam esperando lá embaixo. — Podem ir! — depois tornou a voltar para a sala. Ao entrar, viu o atirador atirar.
— Peguei-o — disse o homem com um palavrão. Mzytryk olhou pelo binóculo mas não conseguiu ver Armstrong. — Onde está ele?
— Atrás do carro preto — ele esticou a cabeça por um segundo e eu o peguei.
— Você o matou?
— Não, camarada general. Fui muito cuidadoso, exatamente como o senhor mandou.
— Tem certeza?
— Sim, camarada general. Eu o atingi no ombro, talvez no peito. O prédio onde ficava o QG estava queimando furiosamente agora, os tiros disparados dos outros prédios eram esporádicos, apenas focos de resistência, com os atacantes em número muito maior, todos tomados por um frenesi de brutalidade. Bárbaros, Mzytryk pensou com desprezo, depois tornou a olhar para o corpo de Hashemi, contorcendo-se no chão. Não morra muito depressa, matyeryebyets.
— Você está vendo o inglês?
— Não, camarada general, mas ele está coberto pelos dois lados. Então Mzytryk viu a ambulância chegando e homens com a braçadeira da Cruz Vermelha saltarem com maças e começarem a recolher os feridos, com a luta já quase terminada. Estou contente por ter vindo aqui esta noite, pensou, ainda cheio de ódio. Ele decidira comandar pessoalmente a vingança assim que a mensagem de Hakim tinha sido entregue na noite anterior. A 'intimação' mal disfarçada, junto com o relatório secreto enviado por Pahmudi relatando a maneira pela qual o seu filho tinha morrido nas mãos de Hashemi e de Armstrong, haviam provocado nele um acesso de raiva.
Tinha sido simples conseguir um helicóptero e pousar nos arredores de Tabriz na noite anterior, tinha sido simples organizar um contra-ataque para pegar os dois assassinos. Tinha sido simples planejar a sua vingança, que consolidaria as suas relações com Pahmudi, removendo do caminho dele o seu inimigo Hashemi Fazir e ao mesmo tempo evitar muitos problemas futuros para os seus mujhadins e para o Tudeh. E Armstrong, o ardiloso agente M16, outro que já deveria ter sido eliminado há muito tempo — maldito seja este filho da mãe por ter aparecido como um fantasma depois de todos aqueles anos.
— Camarada general!
— Sim, eu os estou vendo. — Mzytryk ficou olhando os homens da
Cruz Vermelha colocarem Hashemi numa maca e carregá-lo em direção à ambulância. Outros se dirigiram para trás do carro. A mira telescópica os seguiu. A excitação de Mzytryk aumentou.
O atirador esperou pacientemente. Quando os homens tornaram a aparecer, eles estavam carregando Armstrong.
— Eu sabia que tinha acertado naquele filho da mãe — o atirador disse.
NO PALÁCIO: 23:04H. Silenciosamente, as luzes vermelhas fosforescentes do painel de instrumentos ganharam vida. Os dedos de Erikki apertaram o botão de partida. Os jatos tossiram, pegaram, hesitaram quando ele acelerou e desacelerou cuidadosamente. Então ele ligou os disjuntores e os motores começaram a esquentar.
Os holofotes estavam acesos no pátio. Azadeh e Hakim Khan, bem agasalhados contra o frio da noite, estavam parados ali perto, observando-o. No portão da frente, a uns cem metros de distância, dois guardas e a polícia de Hashemi também observavam, mas preguiçosamente. Os seus cigarros brilhavam. Os dois policiais puseram os seus Kalashinikovs no ombro e se aproximaram.
Mais uma vez os motores engasgaram e Hakim Khan gritou por sobre o barulho:
— Erikki, deixe isso por hoje! — Mas Erikki não escutou. Hakim se afastou do barulho, chegando mais perto do portão, com Azadeh seguindo-o de má vontade. O seu andar era penoso e ele praguejou, desabituado com as muletas.
— Saudações, Alteza — o policial disse educadamente.
— Saudações, Azadeh — Hakim disse, irritado —, o seu marido não tem paciência, está perdendo o juízo. O que há com ele? É ridículo ficar tentando ligar os motores. O que adiantaria mesmo que ele conseguisse ligá-los?
— Eu não sei, Alteza — o rosto de Azadeh estava branco sob a luz fraca e ela estava muito nervosa. — Ele... desde o ataque ele tem estado muito esquisito, muito difícil, difícil de entender, ele me assusta.
— Isto não é de espantar! Ele é capaz de assustar o próprio demônio!
— Por favor, perdoe-me, Alteza — disse Azadeh — mas em épocas normais ele... ele não é assustador.
Educadamente, os dois policiais se afastaram, mas Hakim os fez parar.
— Vocês notaram alguma diferença no piloto?
— Ele está muito zangado, Alteza. Ele está zangado há horas. Uma vez eu o vi dar um chute na máquina, mas se ele está diferente ou não é difícil dizer. Eu nunca tinha estado perto dele antes.
O cabo tinha cerca de quarenta anos e não queria encrenca. O outro homem era mais moço e estava ainda mais assustado. As ordens deles eram para vigiar até que o piloto partisse de carro, ou até que qualquer pessoa saísse de lá de carro, para não impedir a saída mas comunicar imediatamente ao QG pelo rádio do carro. Todos dois compreendiam o perigo da situação em que se encontravam. O braço do Gorgon Khan tinha um longo alcance. Ambos sabiam dos criados e guardas do falecido khan que tinham sido acusados por ele de traição e que ainda estavam apodrecendo nos subterrâneos da polícia. Mas os dois também sabiam que os braços do Serviço Secreto eram ainda mais certeiros.
— Diga-lhe para parar com isso, Azadeh. Para parar os motores.
— Ele nunca esteve tão zangado comigo antes... e esta noite... — Ela estava vesga de raiva. — Eu não acho que posso obedecê-lo.
— Você vai obedecer.
Depois de uma pausa, ela murmurou:
— Quando ele está zangado, eu não consigo nada com ele.
Os policiais viram a palidez dela e sentiram pena, mas sentiram ainda mais pena deles mesmos, pois tinham ouvido contar o que acontecera na encosta da montanha. Que Deus nos proteja dele, o da Faca! Como deve ser estar casada com um bárbaro desses que todo mundo sabe que bebeu o sangue dos nativos que matou, que adora espíritos da floresta contra a lei de Deus, e que rola nu na neve, forçando-a a fazer o mesmo.
Os motores tornaram a engasgar e começaram a morrer e eles viram Erikki berrar de raiva e dar um soco no aparelho, fazendo uma mossa no alumínio com a força do seu golpe.
— Alteza, com a sua permissão, eu vou me deitar. Acho que vou tomar um comprimido para dormir e espero que amanhã seja um dia melhor...
— Sim, um comprimido para dormir é uma boa idéia. Muito boa. Acho que vou tomar dois, as minhas costas estão doendo horrivelmente e agora sem eles eu não consigo dormir. — Hakim acrescentou zangado: — A culpa é dele! Se não fosse por causa dele eu não estaria sentindo dor. — Ele se virou para o seu guarda-costas. — Chame os guardas que estão no portão. Quero dar-lhes algumas instruções. Vamos, Azadeh.
Ele saiu andando com dificuldade, seguido obedientemente por Azadeh. Os motores começaram a gemer de novo. Irritado, Hakim Khan virou-se e disse para o policial.
— Se ele não parar dentro de cinco minutos, mande que ele pare em meu nome. Cinco minutos, por Deus!
Inquietos, os dois homens ficaram olhando ele se afastar, com o guarda-costas e os dois guardas do portão andando apressadamente atrás dele.
— Se sua Alteza não consegue lidar com ele, o que nós podemos fazer? — disse o policial mais velho.
— Com a ajuda de Deus, os motores vão continuar até que o bárbaro esteja satisfeito ou que ele mesmo resolva parar.
As luzes do pátio foram apagadas. Depois de seis minutos os motores ainda estavam sendo ligados e desligados.
— É melhor nós obedecermos. — O policial mais moço estava muito nervoso. — O khan disse cinco minutos. Nós estamos atrasados.
— Esteja preparado para correr e não o irrite mais do que o necessário. Fique com a arma preparada. — Nervosamente, eles se aproximaram. — Piloto! — Mas o piloto ainda estava de costas para eles e com metade do corpo para dentro da cabine. Filho de um cão! Mais perto, agora quase debaixo da hélice. — Piloto! — O cabo disse alto.
— Ele não pode ouvi-lo, quem poderia ouvir com este barulho? Vá na frente, eu fico cobrindo você.
O cabo concordou, encomendou a alma a Deus e se abaixou para se proteger do deslocamento de ar.
— Piloto! — Ele teve que chegar bem perto e tocar nele. — Piloto! — Agora o piloto se virou, com o rosto zangado, disse alguma coisa em bárbaro que ele não entendeu. Com um sorriso forçado e uma polidez forçada, ele disse:
— Por favor, Excelência piloto, nós ficaríamos honrados se o senhor desligasse os motores, Sua Alteza, o khan mandou. — Ele viu o olhar vago, lembrou-se que Ele, o da Faca, não sabia falar nenhuma língua civilizada, então repetiu o que tinha dito, falando mais alto e usando mímica. Para seu imenso alívio, o piloto balançou a cabeça concordando, desligou alguns botões e agora os motores estavam parando e as hélices diminuindo de velocidade.
Graças a Deus! Bom trabalho, como você é esperto, o cabo pensou, gratificado.
— Obrigado, Excelência piloto, obrigado. — Muito satisfeito consigo mesmo, ele espiou para dentro da cabine. Agora ele viu o piloto fazendo sinais para ele, claramente tentando agradá-lo, e com toda a razão, por Deus, convidando-o para se sentar no assento do piloto. Cheio de orgulho, ele viu o bárbaro inclinar-se educadamente para dentro da cabine, mover os controles e apontar para os instrumentos.
Sem conseguir conter a sua curiosidade, o policial mais jovem se aproximou por baixo das hélices que estavam girando bem devagar agora, e foi até a porta da cabine. Ele se inclinou para ver melhor, fascinado pelas fileiras de botões e mostradores que brilhavam na escuridão.
— Por Deus, cabo, você já tinha visto tantos botões e mostradores? Você parece que foi feito para este assento.
— Eu gostaria de ser um piloto — disse o cabo. — Eu... — Ele parou, estarrecido, enquanto suas palavras eram engolidas por uma fumaça vermelha que tirou o ar de seus pulmões e tornou a escuridão completa.
Erikki tinha batido com a cabeça do policial mais moço na do cabo, deixando os dois sem sentidos. Os rotores tinham parado. Ele olhou em volta Nenhum movimento na escuridão, só algumas luzes no palácio. Nenhuma presença estranha que ele pudesse perceber. Rapidamente, ele guardou as armas dos dois atrás do assento do piloto. Levou apenas alguns segundos para carregar os dois homens até a cabine e deitá-los lá dentro, abrir suas bocas e enfiar as pílulas para dormir que tinha roubado do armário de Azadeh e depois amordaçá-los. Levou um momento para recobrar o fôlego antes de ir até a frente e checar se estava tudo pronto para uma partida imediata. Depois ele voltou para a cabine. Os dois homens não se haviam movido. Ele se encostou na porta, pronto para tornar a silenciá-los se fosse preciso. Sua garganta estava seca. Ele estava banhado de suor. Ficou esperando. Então ouviu os cachorros e o barulho das correntes. Silenciosamente, ele preparou a arma. A patrulha composta de dois guardas armados fez a volta no palácio mas não se aproximou dele. Ele observou o palácio, com o braço já fora da tipóia.
NAS FAVELAS AO NORTE: A ambulância decrépita, de cor parda, corria pelas ruas esburacadas. Atrás havia dois enfermeiros e três maças e numa delas estava Hashemi, urrando, perdendo sangue, com os intestinos para fora.
— Em nome de Deus, dêem-lhe morfina — falou Armstrong, também cheio de dor. Estava afundado na maca, segurando um curativo bem apertado de encontro ao buraco de bala na parte superior do seu peito, sem perceber o sangue que jorrava da ferida nas suas costas e que estava ensopando o curativo que um dos enfermeiros tinha enfiado pelo rasgão do seu casaco. — Dêem-lhe morfina. Depressa! — Ele tornou a dizer, em farsi e em inglês, odiando-os pela sua estupidez e grosseria, ainda em choque pela surpresa da bala e do ataque que tinha vindo ele não sabia de onde. Por quê por quê por quê?
— O que eu posso fazer, Excelência? — Alguém respondeu. — Nós não temos morfina. É a vontade de Deus. — O homem acendeu uma lanterna que quase o cegou, focalizou-a em Hashemi e depois na terceira maca. O rapaz que estava lá já estava morto. Armstrong viu que eles não tinham se dado ao trabalho de fechar-lhe os olhos. Hashemi tornou a gritar.
— Apague a lanterna, Ismael — disse o outro enfermeiro. — Você quer que atirem em nós?
Ismael obedeceu. Mais uma vez no escuro, ele acendeu um cigarro, tossiu e Pigarreou, afastou a cobertura da janela por um momento para ver onde estavam.
— Só mais alguns minutos, com a ajuda de Deus. — Ele se inclinou e sacudiu Hashemi, tirando-o da paz da inconsciência para o inferno da dor. — Só mais alguns minutos, Excelência coronel. Não morra ainda — ele disse animadoramente. — Só mais alguns minutos e o senhor será tratado.
Todos eles foram sacudidos quando uma das rodas caiu num buraco. Armstrong ficou tonto de dor. Quando ele sentiu a ambulância parar, quase chorou de alívio. Outros homens abriram a porta traseira e entraram. Mãos rudes agarraram-lhe os pés e o deitaram na maca, amarrando-o. Através da névoa de dor, ele viu a maca de Hashemi sendo carregada para fora, depois os homens o levantaram de qualquer jeito, a dor foi demais e ele desmaiou.
Os homens que estavam carregando a maca saltaram a vala e entraram por uma porta que ficava num muro alto, atravessaram um corredor, desceram um lance de escadas e chegaram num porão amplo iluminado com lamparinas a óleo. Mzytryk disse:
— Coloquem-no ali! — Apontou para a segunda mesa, Hashemi já estava na primeira, também amarrado na maca. Sem nenhuma pressa, Mzytryk examinou os ferimentos de Armstrong, depois os de Hashemi, com os dois homens ainda inconscientes.
— Ótimo — ele disse. — Espere por mim lá em cima Ismael.
Ismael tirou a braçadeira da Cruz Vermelha e atirou-a num canto junto com as outras.
— Muitos dos nossos foram martirizados no edifício. Eu duvido que alguém tenha escapado.
— Então você foi esperto de não ir à reunião.
Ismael subiu as escadas para se juntar aos amigos que estavam se congratulando pelo sucesso em ter conseguido agarrar o líder inimigo e o seu cão de fila, o estrangeiro. Todos eram combatentes marxistas islâmicos, de confiança, e não havia nenhum enfermeiro entre eles.
Mzytryk esperou até estar sozinho, depois apanhou um pequeno canivete e enfiou em Hashemi. O berro que este soltou o agradou muito. Quando ele parou de berrar, Mzytryk apanhou um balde de água gelada e despejou na cara do coronel. Os olhos deste se abriram e o terror e a dor que viu lá agradaram-lhe mais ainda.
— Você queria ver-me, coronel? Você assassinou o meu filho, Fedor. Eu sou o general Petr Oleg Mzytryk. — Ele tornou a usar o canivete. O rosto de Hashemi tornou-se grotesco quando ele urrou, gritando e gaguejando de forma incoerente, tentando soltar-se das correias.
— Isto é pelo meu filho... e isto é pelo meu filho... e isto é pelo meu filho... O coração de Hashemi era forte e ele durou vários minutos, implorando piedade, implorando pela morte, implorando ao Único Deus pela morte e por vingança. Ele teve uma morte horrível.
Por um momento, Mzytryk ficou inclinado sobre ele, sentindo o mau cheiro. Mas ele não precisou se forçar a lembrar o que aqueles dois tinham feito com o seu filho para arrastá-lo até o terceiro nível. O relatório de Pahmudi tinha sido explícito.
— Hashemi Fazir, você pagou, seu comedor de merda — ele disse e cuspiu-lhe no rosto. Então ele se virou e parou. Armstrong estava acordado e olhando para ele da maca, do outro lado do porão. Frios olhos azuis. Rosto sem sangue. A falta de medo o espantou. Vou mudar isto logo, ele pensou e apanhou o canivete. Então ele notou que o braço direito de Armstrong estava fora das correias, mas antes que pudesse fazer qualquer coisa, Armstrong tinha enfiado a mão na lapela do casaco e estava com a ponta da cápsula de cianureto perto da boca.
— Não se mexa! — Armstrong avisou.
Mzytryk era experiente demais para pensar em apressá-lo e a distância era muito grande. No seu bolso havia uma automática mas antes que ele pudesse empunhá-la ele tinha certeza que os dentes de Armstrong quebrariam a cápsula e três segundos não seriam tempo suficiente para uma vingança. A sua única esperança era que a dor de Armstrong o fizesse desmaiar ou perder a concentração. Ele se encostou na outra mesa e xingou-o.
Quando os homens da maca tinham amarrado as correias, na escuridão da ambulância, Armstrong tinha instintivamente feito força contra as correias para ter espaço suficiente para tirar o braço caso a dor se tornasse insuportável. Havia outra cápsula escondida no colarinho da sua camisa. Ele tinha assistido, tremendo, a agonia de Hashemi, agradecendo a Deus por ter conseguido soltar o braço, apesar do esforço ter sido terrível. Mas assim que ele tocou na cápsula, o terror foi embora e a dor diminuiu. Ele estava em paz consigo mesmo na beira da morte, onde a vida é tão sublime...
— Nós... nós somos profissionais — ele disse. — Nós não assassinamos o seu... o seu filho. Ele estava vivo quando... quando o general Janan foi buscá-lo para entregá-lo a Pahmudi.
— Mentiroso! — Mzytryk sentiu a fraqueza da voz dele e viu que não teria que esperar muito tempo. E se preparou.
— Leia os documentos... os documentos oficiais... a Savama deve ter preparado alguns... e também os da sua maldita KGB
— Você acha que eu sou algum idiota que você possa jogar contra Pahmudi antes de morrer?
— Leia os relatórios, faça perguntas, você poderia chegar à verdade. Mas vocês da KGB não gostam da verdade. Eu estou dizendo que ele estava vivo quando a Savama o levou.
Mzytryk ficou inseguro. Não seria normal para um profissional como Armstrong, tão perto da morte, perder tempo sugerindo uma tal investigação sem estar certo do resultado.
— Onde estão as fitas? — Ele disse, vigiando-o cuidadosamente, vendo os olhos começando a pestanejar, por causa do grande cansaço pela perda do sangue. A qualquer momento agora. — Onde estão as fitas?
— Não havia nenhuma fita. Não... não do terceiro nível. — As forças de Armstrong estavam no fim. A dor tinha passado agora, junto com o tempo. Era preciso um esforço cada vez maior para se concentrar. Mas as fitas precisavam ser protegidas, uma cópia já estava a caminho de Londres junto com um relatório especial. — O seu filho era forte e corajoso e não nos revelou nada.
— O que... o que Pahmudi arrancou dele eu não sei... Os capangas de Pahmudi... foram eles ou a sua própria escória. Ele estava... vivo quando o seu bando o levou. Pahmudi contou a Hashemi.
Isto é possível, pensou Mzytryk, inquieto. Aqueles filhos da mãe em Teerã fizeram esta confusão toda no Irã, interpretaram mal o xá durante anos e estragaram o nosso trabalho de gerações.
— Eu vou descobrir. Pela alma do meu filho eu vou descobrir mas isto não vai ajudá-lo, camarada!
— Um favor merece outro. Você matou Roger, Roger Crosse, não foi? Mzytryk riu, feliz em atormentá-lo e aproveitar a espera.
— Fui eu que planejei isto sim. E AMG, lembra-se dele? E Talbot, mas eu disse a Pahmudi para usar o seu comedor de merda, Fazir, para este 16/a.
— Ele viu os olhos azuis estreitarem e imaginou o que estaria por trás deles.
Armstrong estava vasculhando a memória. AMG? Ah, sim, Alan Medford Grant, nascido em 1905, chefe dos agentes da contra-inteligência. Em 1963, como informante secreto de Ian Dunross, ele tinha apontado uma infiltração na Casa Nobre. E outra no meu Setor Especial, e que por acaso era o meu melhor amigo.
— Mentiroso! AMG foi morto num acidente de motocicleta em 1963!
— Foi ajudado. Nós tínhamos um 16/a naquele traidor havia mais de um ano, e na sua esposa japonesa.
— Ele não era casado.
— Vocês não sabem de nada. Setor Especial? Cabeças de Bagre. Ela era do serviço secreto japonês. Ela sofreu um acidente em Sydney naquele mesmo ano.
Armstrong permitiu-se um pequeno sorriso. O 'acidente' de motocicleta de AMG tinha sido planejado pela KGB mas tinha sido encenado pelo M16. O atestado de óbito era genuíno, mas era de outra pessoa, e Alan Medford Grant ainda está operando, embora com um rosto diferente e com outro nome que nem mesmo eu conheço. Mas uma esposa? Japonesa? Seria isto outra cortina de fumaça, ou outro segredo? Engrenagens dentro de engrenagens...
O passado acenava para Armstrong. Com esforço, ele concentrou a mente naquilo que queria realmente saber, para verificar se estava certo ou errado, não havia mais nenhum tempo a perder.
— Quem é o quarto homem? O arquitraidor?
A pergunta ficou suspensa no porão. Mzytryk ficou perplexo e depois sorriu, pois Armstrong tinha-lhe dado a chave para se vingar psicologicamente Ele contou e viu o seu choque. E contou o nome do quinto e do sexto.
— O M16 está cheio de agentes nossos, bem como o Ml5, e a maioria dos seus sindicatos. Ted Everley é um dos nossos, Broadhurst e Lord Grey. Você se lembra dele de Hong Kong? E não só no Partido Trabalhista, embora eles sejam os nossos melhores aliados. Nomes? — Ele disse exultante, sabendo que estava seguro. — Procure no Who's Who! Nos bancos, na City, no Ministério do Exterior. Henley é outro dos nossos e eu já recebi uma cópia do seu relatório, procure no Gabinete, talvez até mesmo em Downing Street. Nós temos uns quinhentos profissionais na Inglaterra, sem contar com os seus próprios traidores. — O seu riso era cruel.
— E Smedley-Taylor?
— Oh, sim, ele também e... — Repentinamente, Mzytryk parou de se gabar, em guarda. — Como você sabe sobre ele? Se você sabe sobre ele... Hein?
Armstrong estava satisfeito. Fedor Rakoczy não tinha mentido. Todos aqueles nomes estavam nas fitas que já tinham seguido, que estavam em segurança, Henley não tinha merecido confiança nunca, nem Talbot. Ele estava contente mas triste, com pena por não poder estar por perto para agarrá-los. Alguém o fará. AMG o fará.
Seus olhos pestanejaram, sua mão escorregou da lapela do casaco. Na mesma hora, Mzytryk atravessou o espaço que os separava, movendo-se com muita rapidez para um homem tão grande, prendendo-lhe o braço com a perna, rasgando a lapela, e agora Armstrong estava à sua mercê.
— Acorde, seu matyeryebyets. — disse exultante, empunhando o canivete. — Como você soube de Smedley-Taylor?
Mas Armstrong não respondeu. A morte tinha vindo silenciosamente. Mzytryk estava com raiva, com a cabeça estalando.
— Não faz mal, ele se foi, não preciso perder meu tempo. — Ele resmungou alto. O filho da mãe foi para o inferno sem saber que era um instrumento de traidores, de alguns deles. Mas como foi que ele soube a respeito de Smedley? Ele que vá para o inferno. E se ele tiver dito a verdade a respeito do meu filho?
Num canto do porão havia uma lata de querosene. Ele começou a derramá-lo sobre os corpos, sua raiva se dissipando.
— Ismael! — Ele chamou da escada. Quando terminou o querosene, atirou a lata num canto. Ismael e outro homem desceram até o porão. — Vocês estão prontos para partir? — perguntou Mzytryk.
— Sim, com a ajuda de Deus.
— E com a ajuda de nós mesmos também — Mzytryk falou suavemente. Ele enxugou as mãos, cansado mas satisfeito com o resultado do dia e da noite. Agora era só ir até os arredores de Tabriz onde estava o seu helicóptero. Uma hora — menos — até a fazenda em Tbilisi e Vertinskya. Dentro de poucas semanas o jovem Hakim vai chegar, com ou sem o meu pishkesh, Azadeh. Se for sem, isto vai lhe custar caro. — Acenda o fogo — ele disse secamente — e então iremos embora.
— Tome aqui, camarada general! — Alegremente, Ismael atirou-lhe alguns fósforos. — E um direito seu terminar o que começou.
Mzytryk tinha apanhado os fósforos.
— Ótimo — disse. O primeiro não acendeu. Nem o segundo. Mas o terceiro sim. Ele recuou até a escada e atirou-o com cuidado. As chamas subiram até o teto e pegaram nas estacas de madeira. Então o pé de Ismael acertou-lhe as costas e o fez cair esparramado perto do fogo. Em pânico, Mzytryk gritou e tentou afastar as chamas, e se virou e começou a engatinhar em direção à escada, parou por um instante para bater na lapela de pele do casaco, tossindo e engasgando com a fumaça e com o cheiro de carne queimada. Conseguiu ficar em pé. A primeira bala estraçalhou a sua rótula, ele urrou e recuou na direção do fogo, a segunda quebrou a sua outra perna e atirou-o no chão. Ele lutou, impotente, contra as chamas, seus gritos abafados pelo barulho do incêndio. E ele se transformou numa tocha.
Ismael e o outro homem subiram as escadas até o primeiro andar, quase colidindo com outros que tinham corrido para baixo. Eles olharam boquiabertos o corpo em chamas de Mzytryk, as chamas agora consumindo as suas botas.
— Por que você fez isso? — Um deles perguntou, horrorizado.
— O meu irmão morreu naquela casa, e o seu primo também.
— Seja como Deus quiser. Mas, Ismael, o camarada general? Que Deus nos proteja, ele nos fornecia dinheiro, armas e explosivos, por que matá-lo?
— Por que não? Aquele filho de um cão não era um satanista arrogante e mal-educado? Ele nem mesmo era um seguidor do Livro. — Ismael disse com desprezo. — Há dezenas de outros no lugar de onde ele veio, milhares. Eles precisam de nós, nós não precisamos deles. Ele merecia morrer. Ele não veio sozinho, para tentar-me? — E cuspiu na direção do corpo. — Pessoas importantes têm guarda-costas.
Uma labareda de fogo lançou-se na direção deles. Eles recuaram rapidamente. O fogo pegou na escada de madeira e se espalhou rapidamente. Na rua, todos eles se amontoaram num caminhão, não mais uma ambulância. Ismael olhou para trás em direção às chamas que consumiam a casa e riu às gargalhadas.
— Agora aquele cão virou cinza! Que todos os infiéis possam morrer assim tão depressa.
NO PÁTIO DO PALÁCIO: Erikki estava encostado no 212 quando viu as luzes se apagarem nos aposentos do khan no segundo andar. Uma checada rápida nos dois policiais drogados que dormiam profundamente na cabine tranqüilizou-o. Silenciosamente, ele fechou a porta da cabine, enfiou a faca no cinto e apanhou a metralhadora. Com a habilidade de um caçador noturno, ele se moveu silenciosamente em direção ao palácio. Os guardas do khan no portão não o viram se afastar — por que eles iriam se incomodar em vigiá-lo? O khan tinha dado ordens bem claras para eles deixarem o piloto em paz e não agitá-lo, pois com certeza ele logo se cansaria de brincar com o aparelho.
— Se ele tomar um carro, não se metam. Se a polícia quiser barulho, Isto é um problema deles.
— Sim, alteza — tinham respondido, contentes por não serem responsais por Ele, o da Faca.
Erikki esgueirou-se pela porta da frente e atravessou o corredor fracamente iluminado até a escada que conduzia à ala norte, bem longe dos aposentos do khan. Silenciosamente, ele subiu as escadas e atravessou outro corredor. Viu uma réstia de luz debaixo da porta dos seus aposentos. Sem hesitar, entrou na ante-sala, fechando a porta sem fazer barulho. Atravessou a sala e abriu a porta do quarto. Levou um choque ao ver que Mina, a criada de Azadeh, estava lá. Ela estava ajoelhada na cama, onde tinha estado massageando Azadeh, que dormia profundamente.
— Oh, perdão — ela gaguejou, morta de medo dele como todos os outros criados. — Eu não vi Vossa Excelência chegar. Sua alteza me pediu... me pediu para continuar com a massagem e depois dormir aqui.
O rosto de Erikki era uma máscara, as manchas de óleo no seu rosto e no .curativo sobre a orelha o faziam parecer mais perigoso ainda.
— Azadeh!
— Oh, não a acorde, Excelência... ela tomou... ela tomou dois comprimidos para dormir e me disse para pedir desculpas ao senhor em nome dela caso...
— Vista-a — ele sibilou. Mina empalideceu.
— Mas Excelência! — O coração dela quase parou quando ela viu uma faca aparecer na mão dele.
— Vista-a rapidamente e se você fizer um som eu corto a sua garganta. Ande logol — Ele a viu pegar a camisola. — Isto não, Mina! Roupas quentes, roupas de esquiar, por todos os deuses, não importa qual, mas que seja depressa. — E ficou vigiando, colocando-se entre ela e a porta para que ela não pudesse fugir. Na mesinha-de-cabeceira estava o kookri guardado na bainha. Um arrepio o percorreu e ele desviou os olhos, e quando teve certeza de que Mina obedecia, apanhou a bolsa de Azadeh que estava sobre a penteadeira. Todos os documentos dela estavam lá, identidade, passaporte, carteira de motorista, certidão de nascimento, tudo. Ótimo, pensou, e abençoou Aysha por esta dádiva, que Azadeh tinha-lhe contado antes do jantar, e agradeceu aos seus deuses por terem inspirado o seu plano naquela manhã. Ah, minha querida, você pensou que eu fosse mesmo deixá-la?
Dentro da bolsa estava também o seu saco de jóias que parecia mais pesado do que o normal. Seus olhos se arregalaram com as esmeraldas e os diamantes e os colares de pérolas e os broches que agora ele continha. O resto das jóias de Najoud, pensou, as mesmas que Hakim usou para barganhar com os nativos e que eu tirei de Bayazid. Pelo espelho, ele viu Mina olhando de boca aberta para aquele tesouro que ele tinha nas mãos, com Azadeh inerte e quase vestida.
— Ande depressa! — falou pelo espelho.
NA EMBOSCADA PERTO DO PALÁCIO: Tanto o sargento de polícia quanto o motorista do carro que estava parado ao lado da estrada estavam olhando para o palácio, a quatrocentos metros de distância; o sargento usava um binóculo. Estava vendo apenas a luz fraca do lado de fora da portaria, nenhum sinal dos guardas nem dos dois homens deles.
— Vá até lá — disse o sargento, inquieto. — Há algo errado, por Deus! Ou eles estão dormindo ou estão mortos. Vá devagar e sem fazer barulho. — E colocou uma cápsula no Ml6.0 motorista ligou o motor e entrou na estrada vazia.
NO PORTÃO PRINCIPAL: Babak, o guarda, estava encostado num pilar, do lado de dentro do enorme portão de ferro fechado e trancado. O outro guarda estava enroscado num saco de dormir, profundamente adormecido. Através das barras do portão, podia-se ver a estrada sinuosa e cheia de neve que conduzia à cidade. A cem metros da fonte vazia do pátio estava o helicóptero. O vento gelado movia ligeiramente as hélices.
Babak bocejou e bateu com os pés por causa do frio, depois começou a urinar pelas barras, movendo distraidamente o jato para um lado e para o outro. Mais cedo, quando eles foram dispensados pelo khan e voltaram para o seu posto, tinham visto que os dois policiais não estavam lá.
— Eles foram comer alguma coisa ou então dormir um pouco — tinha dito. — Que Deus amaldiçoe toda a polícia.
Ele bocejou, louco para amanhecer, quando teria algumas horas de folga. Só faltava deixar sair o carro do piloto antes do amanhecer, depois tornar a trancar o portão e logo ele estaria na cama com um outro corpo quente. Automaticamente, ele coçou os órgãos genitais, sentindo o pênis endurecer. Ele se recostou no portão, brincando com o pênis, seus olhos conferindo se a tranca do portão estava no lugar e se o pequeno portão lateral também estava trancado. Então ele percebeu um movimento com o canto dos olhos. Prestou atenção. O piloto estava saindo por uma porta lateral do palácio com um embrulho grande sobre os ombros; seu braço não estava mais na tipóia e ele carregava um revólver. Babak se abotoou depressa, tirou o rifle do ombro e se colocou fora do campo de visão. Cautelosamente, chutou o outro guarda que acordou sem fazer barulho.
— Olhe — murmurou — eu pensei que o piloto ainda estivesse na cabine do helicóptero.
Com os olhos arregalados, eles observaram Erikki se esgueirar pelas sombras e depois percorrer correndo o espaço até o outro lado do helicóptero.
— O que é que ele está carregando? Que pacote é aquele?
— Parece um tapete, um tapete enrolado — o outro cochichou. Ouviram o barulho da porta da cabine de comando sendo aberta.
— Mas por quê? Em nome de Deus, o que ele está fazendo?
Não havia quase nenhuma luz, mas a visão deles era boa e a audição também. Eles ouviram um carro se aproximando mas foram imediatamente distraídos pelo som da porta da cabine sendo aberta. Eles esperaram, mal respirando, e o viram descarregar dois pacotes semelhantes e depois passar por baixo do rabo do helicóptero e reaparecer do outro lado. Por um momento ele ficou lá, olhando na direção deles, mas sem os ver, depois abriu a porta da cabine de comando e entrou com o revólver. O tapete agora estava encostado no assento do lado.
Repentinamente os jatos foram ligados e os dois guardas deram um salto.
— Que Deus nos proteja, o que vamos fazer?
— Nada — disse Babak, nervosamente. — O khan nos disse exatamente: "Deixem o piloto em paz, não importa o que faça, ele é perigoso" — foi isto o que ele nos disse, não foi? "Quando o piloto pegar o carro perto do amanhecer, deixem-no partir." — Agora ele estava sendo obrigado a falar alto por causa do barulho. — Nós não vamos fazer nada.
— Mas ninguém nos disse que ele ia tornar a ligar os motores, o khan não disse isso, nem que ia se esgueirar com rolos de tapetes.
— Você tem razão. Seja como Deus quiser, mas você tem razão. — O nervosismo deles aumentou. Eles não tinham esquecido os guardas presos e açoitados pelo velho khan por causa de desobediência ou fracasso, nem daqueles que tinham sido banidos pelo novo khan. — Os motores estão funcionando bem agora, você não acha? — Os dois olharam para cima quando as luzes se acenderam no segundo andar, o andar do khan, então eles se viraram quando o carro da polícia chegou correndo e parou diante do portão. O sargento saltou, com uma lanterna na mão.
— O que está acontecendo, por Deus? — gritou o sargento. — Abra o portão! Onde estão os meus homens?
Babak correu até o portão lateral e tirou a tranca.
Na cabine de comando, as mãos de Erikki moviam-se o mais rápido possível, mas o ferimento do braço o atrapalhava. O suor escorria pelo seu rosto, misturado com um filete de sangue da orelha, cujo curativo saíra do lugar. Ele estava ofegante por causa da longa corrida desde a ala norte com Azadeh enrolada no tapete, drogada e indefesa, e xingava os mostradores para chegarem ao verde mais depressa. Ele tinha visto as luzes se acenderem no apartamento de Hakim e agora havia cabeças espiando para fora. Antes de sair do quarto, ele tinha deixado Mina inconsciente, torcendo para não tê-la machucado muito, para proteger tanto ela como a ele próprio — para que ela não pudesse dar o alarme ou ser acusada de cumplicidade — tinha enrolado Azadeh no tapete e colocara o kookri na cintura.
— Vamos — sibilou para os mostradores, depois viu dois homens no portão com uniformes da polícia. De repente, o helicóptero foi iluminado pela luz da lanterna e o seu estômago revirou. Sem pensar, ele agarrou a metralhadora, enfiou o cano pela janela do piloto e puxou o gatilho, mirando para cima.
Os quatro homens se espalharam para se proteger das balas que rico-chetearam no portão. No seu pânico, o sargento deixou cair a lanterna, mas antes pôde ver os dois corpos inertes do cabo e do outro policial esparramados no chão e presumiu que eles estivessem mortos. Quando os tiros pararam, o sargento se arrastou até o portão lateral em direção ao carro e ao seu Ml6.
— Atire, por Deus — gritou o motorista da polícia. Nervoso, Babak apertou o gatilho, atirando de qualquer jeito. Imprudentemente, o motorista tentou apanhar a lanterna. Outra rajada do helicóptero e ele deu um pulo para trás. — Filho de um cão... — Os três correram para se abrigar Outra rajada e a lanterna foi destruída.
Erikki viu seu plano de fuga arruinado, o 212 um alvo indefeso no chão. Não havia mais tempo. Por um segundo ele pensou em desligar os motores. Os ponteiros estavam muito baixos. Então ele despejou toda a munição da metralhadora no portão com um urro de guerra, acelerou ao máximo e deu outro grito selvagem que gelou a todos que o escutaram. Os jatos alcançaram a força máxima, gemeram com a tensão quando ele pôs o comando para frente e o helicóptero subiu alguns centímetros, com o rabo para cima, deu um salto, com os esquis se arrastando pelo pátio enquanto o aparelho sacudia e subia e descia e tornava a subir, balançando muito. No portão principal, o motorista arrancou a arma do guarda e foi para o pilar, procurou mirar o helicóptero que estava fugindo e puxou o gatilho.
No segundo andar do palácio, Hakim estava debruçado na janela do quarto, ainda tonto com o sono e com barulho. O seu guarda-costas, Margol, estava ao lado dele. Eles viram o 212 quase colidir com uma pequena cabana de madeira, seus esquis arrancando parte do telhado, depois tentar subir jogando muito. Fora dos muros do palácio, estava o carro da polícia, a figura do sargento delineada pela luz dos holofotes. Hakim o viu mirar e desejou que as balas não atingissem o aparelho.
Erikki ouviu as balas arrancando pedaços de metal, rezou para que elas não tivessem atingido nenhuma parte vital e se afastou perigosamente do muro em direção a algum espaço onde ele pudesse ficar sob a proteção do palácio. Ao fazer a manobra repentina, o tapete que continha Azadeh caiu sobre os controles. Por um momento, ele ficou perdido, então usou toda a sua força para empurrá-la. A ferida do seu braço tornou a abrir.
Ele foi para trás da ala norte, com o helicóptero a apenas um metro do chão e se dirigiu para o outro muro perto da cabana onde Ross e Gueng tinham ficado escondidos. Uma rajada de balas atingiu a porta e perfurou o painel, estilhaçando o vidro.
Quando o helicóptero desapareceu das vistas de Hakim, ele atravessou o imenso quarto e saiu para o corredor, para as janelas de lá.
— Você o está vendo? — perguntou, ofegante do esforço
— Sim, Alteza — disse Margol e apontou excitadamente. — Ali! O 212 era apenas uma sombra escura na escuridão, então os holofotes do muro foram acesos e Hakim o viu passar a poucos centímetros do muro e mergulhar atrás dele. Alguns segundos depois ele reapareceu, ganhando velocidade e altura. Neste momento Aysha veio correndo pelo corredor, gritando histericamente.
— Alteza, Alteza... Azadeh desapareceu, ela desapareceu., aquele demônio a raptou e Mina está inconsciente.
Foi difícil para Hakim concentrar-se por causa do remédio para dormir, suas pálpebras estavam pesadas
— O que é que você está dizendo?
— Azadeh sumiu, sua irmã sumiu, ele a enrolou num tapete e a raptou, levou-a com ele.— Ela parou, com medo, ao ver o olhar de Hakim, o seu rosto lívido, os olhos se fechando, sem saber que ele tinha tomado o remédio para dormir.
— Ele a raptou! Mas isto não é possível... não é poss...
— Oh, é sim, ela foi raptada, e Mina está inconsciente.
Hakim piscou os olhos e depois gaguejou:
— Faça soar o alarme, Aysha! Se ela foi raptada, por Deus, faça soar o alarme. Eu tomei comprimidos para dormir e... Eu vou lidar com aquele demônio amanhã de manhã. Agora eu não posso, mas mande alguém... a polícia... os Faixas Verdes... dê o alarme, diga que há um resgate oferecido pelo khan pela cabeça dele. Margol, ajude-me a voltar para o meu quarto.
Criados e guardas amedrontados estavam reunidos no final do corredor e Aysha correu, chorando, em direção a eles, contando o que tinha acontecido e o que o khan tinha ordenado.
Hakim caiu na cama, exausto.
— Margol, diga aos... aos guardas para prenderem aqueles idiotas que estão no portão. Como eles puderam deixar que isto acontecesse?
— Eles podem não ter estado vigilantes, Alteza. — Margol tinha certeza de que eles receberiam a culpa, alguém tinha que arcar com a culpa, muito embora ele estivesse presente quando khan dissera a eles para não se meterem com o piloto. Ele deu as ordens e voltou. — O senhor está bem, Alteza?
— Sim, obrigado. Não saia do quarto... acorde-me ao amanhecer. Mantenha o fogo aceso e acorde-me ao amanhecer.
Exausto, Hakim entregou-se ao sono que acenava para ele com tanta sedução, sem dor nas costas, sua mente concentrada em Azadeh e Erikki. Quando ela saiu da sala e o deixou sozinho com Erikki, ele tinha demonstrado a sua tristeza:
— Não há nenhuma maneira de escapar da armadilha, Erikki. Nós estamos presos nela, todos nós, você, Azadeh e eu. Eu ainda não posso acreditar que ela fosse capaz de renunciar ao islamismo, mas ao mesmo tempo estou convencido de que ela não vai obedecer nem a mim nem a você. Eu não quero feri-la, mas não tenho outra alternativa, a alma imortal de Azadeh é mais importante do que a sua vida passageira.
— Eu poderia salvar a sua alma, Hakim. Com a sua ajuda.
— Como? — Ele tinha percebido a tensão de Erikki, seu rosto tenso, seus olhos estranhos.
— Retire o motivo que tem para destruí-la.
— Como?
— Digamos, hipoteticamente, que este piloto louco não fosse um muçulmano, mas um bárbaro e que estivesse tão apaixonado pela sua esposa que em vez de fugir sozinho, de repente ele a deixasse inconsciente, a seqüestrasse e retirasse do seu país contra a sua vontade e se recusasse a permitir que ela voltasse. Em muitos países um marido pode... pode tomar medidas extremas para conservar a sua mulher, até mesmo forçá-la a obedecê-lo. Assim ela não teria quebrado o seu juramento, ela nunca teria que desistir do islamismo, você nunca seria obrigado a fazer-lhe mal e eu ficaria com a minha mulher
— Isto é um embuste — Hakim tinha dito espantado —, é um embuste.
— Não é não, é uma ficção, é uma coisa hipotética, tudo isto é só ficção, mas, hipoteticamente, está de acordo com as regras que você jurou cumprir e ninguém nunca acreditaria que a irmã do Gorgon Khan quebraria por livre espontânea vontade o seu juramento e renunciaria ao islamismo por causa de um bárbaro. Ninguém. Mesmo agora você não tem certeza de que ela faria, tem?
Hakim tentara encontrar as falhas. Não há nenhuma, tinha pensado, estarrecido, e isto resolveria a maior parte dos... isto não resolveria tudo se acontecesse? Se Erikki conseguisse fazer isso sem o seu conhecimento nem a sua ajuda... Raptá-la! É verdade, ninguém jamais acreditaria que ela tivesse quebrado o seu juramento por livre e espontânea vontade. Raptada! Eu poderia deplorar isto publicamente e me regozijar por ela em segredo, se eu quiser que ela viva e que ele viva. Mas eu tenho que querer, é a única maneira: para salvar a alma dela, eu tenho que salvá-lo.
Na paz do quarto, ele abriu os olhos por um instante. As sombras das chamas dançavam no teto. Erikki e Azadeh estavam lá. Deus me perdoará, pensou, mergulhando no sono. Será que eu tornarei a vê-la de novo?
69
TEERÃ — PERTO DA UNIVERSIDADE: 23:58H. Xarazade estava junto dos Faixas Verdes, em pé no frio e na escuridão, protegendo a frente dos islâmicos que entoavam em uníssono: Allah-uuu Akbarrr — uma barreira viva contra os dois ou três mil estudantes esquerdistas e agitadores que avançavam pela estrada. Lanternas e tochas, alguns carros pegando fogo, revólveres, paus, cacetetes. Seus dedos apertaram a automática que estava no bolso; e granada estava preparada no outro.
— Deus é Grande — ela gritou.
O inimigo aproximava-se depressa e Xarazade viu os punhos levantados, o tumulto aumentando de ambos os lados, os gritos mais enraivecidos, os nervos mais tensos, antecipando a luta.
— Não há outro Deus além de Deus...
Agora os inimigos estavam tão perto que ela podia ver alguns rostos. De repente, ela percebeu que eles não eram uma massa de revolucionários satânicos, nem todos eles, mas que a grande maioria era de estudantes, homens e mulheres da sua própria idade, as mulheres corajosamente sem o chador e gritando pelos direitos das mulheres, pelo voto, e por todas as coisas sensatas, dadas por Deus, conquistadas a duras penas, coisas que não podiam voltar atrás.
Ela foi transportada de volta para a excitação embriagadora da marcha das mulheres, todas elas usando as suas melhores roupas, os cabelos soltos, e elas tão livres quanto os cabelos, a favor da liberdade e da justiça para todos na nova república islâmica onde ela e o seu filho e Tommy poderiam viver felizes para sempre. Mas surgiu outra vez diante dela o fanático com a faca na mão despedaçando o futuro, mas isto não tinha importância porque Ibrahim o havia detido, Ibrahim, o líder estudantil, ele estava lá para salvá-la. Oh, Ibrahim, você está aqui esta noite, liderando-os agora como fez conosco? Você está aqui mais uma vez lutando pela liberdade e pela justiça e pelos direitos das mulheres ou foi martirizado em Kowiss como você queria, matando o mulá malvado que assassinou seu pai da mesma maneira como o meu também foi assassinado?
Mas... mas papai foi morto pelos islâmicos, não pelos esquerdistas, pensou, confusa. E o imã ainda defende implacavelmente a idéia de que tudo seja como era nos tempos do Profeta... e Meshang... e Tommy obrigado a partir. E ela obrigada a se divorciar e a se casar com aquele homem horroroso e sem nenhum direito.
— O que eu estou fazendo aqui? — pensou no meio do pandemônio. Eu deveria estar lá com eles, eu deveria estar lá com eles e não aqui... não, não, nem lá também! E quanto ao meu filho, é perigoso para ele e...
Um revólver disparou em algum lugar, depois outros e a confusão se generalizou, os que estavam na frente tentando recuar e os que estavam atrás tentando avançar. Atrás de Xarazade houve um enorme tumulto. Ela foi arrastada para a frente, com os pés mal tocando o chão. Um velho tropeçou e caiu, murmurando o Shahada e quase a arrastou junto. Alguém lhe deu uma cotovelada no estômago e ela gritou de dor, seu medo transformando-se em pânico.
— Tommyyyy! — Ajude-me — ela gritou.
Uns cem metros à frente, Tom Lochart estava imprensado de encontro a uma vitrine, com o casaco rasgado, sem o quepe, cheio de desespero. Há horas ele estava procurando por ela no meio dos estudantes, certo de que ela estaria no meio deles. Onde mais poderia estar? Não no apartamento daquele estudante, aquele que Jari tinha conhecido, aquele Ibrahim ou seja lá que nome for, que não era nada importante. É melhor que ela esteja lá do que aqui, pensou desesperado. Oh, Deus, permita que eu a encontre.
Mulheres passavam entoando cânticos, a maioria com roupas ocidentais, jeans, jaquetas e então ele a viu. Começou a abrir caminho, mas viu que tinha se enganado mais uma vez, pediu desculpas e tornou a se afastar, ouvindo alguns xingamentos. Então achou que a tinha visto do outro lado da rua, mas mais uma vez estava enganado. A moça usava roupas de esquiar parecidas com as dela, tinha o mesmo estilo de cabelo e era quase da mesma idade. Mas carregava um cartaz marxista-islâmico e ele, desapontado, xingou-a, odiando-a por sua estupidez. Os gritos o estavam perturbando também e ele teve vontade de pegar um pau e destruir o demônio que havia neles.
Oh, Deus, ajude-me a encontrá-la.
— Deus é Grande — ele murmurou e embora estivesse louco de preocupação por causa dela, ao mesmo tempo o seu coração estava exultante.
Tornar-me muçulmano vai fazer toda a diferença do mundo. Agora eles vão aceitar-me, eu sou um deles, posso ir à Meca no Hajj, posso rezar em qualquer mesquita, cor e raça não significam nada para Deus. Só a fé. Eu acredito em Deus e acredito que Maomé foi o profeta de Deus, não vou ser fundamentalista nem xiita. Vou ser um ortodoxo sunita. Vou procurar um professor e aprender árabe. Vou pilotar para a IranOil e para o novo regime e seremos felizes, Xarazade e eu..
Uma arma disparou ah perto, uma barricada feita de pneus pegou fogo e as chamas se elevaram no ar enquanto pequenos grupos de estudantes atiravam-se aos gritos, sobre as fileiras de Faixas Verdes. Ouviram-se mais tiros e agora a rua inteira explodiu em gritos e confusão, com os mais fracos sendo pisoteados. Um grupo de estudantes frenéticos arrastou-o em direção ao centro do combate.
A oitenta metros de distância, Xarazade estava gritando, lutando pela vida, tentando afastar-se para um dos lados para conseguir uma certa segurança O seu chador foi arrancado, seu lenço desapareceu. Ela estava machucada, com dor no estômago. Havia uma multidão em volta dela agora, atacando os que estavam contra eles, cada um por si, mas envolvidos pela selvageria da mui tidão. A batalha continuou, sem que ninguém soubesse quem era amigo ou inimigo, exceto os mulás e os Faixas Verdes que gritavam, tentando controlar o tumulto. Com um urro ensurdecedor, a multidão islâmica hesitou por um momento e depois avançou. Os fracos caíram e foram esmagados. Homens, mulheres. Gritos, berros, pandemônio, todos invocando a sua própria versão de Deus.
Os estudantes resistiram desesperadamente, mas foram esmagados. Sem piedade. Muitos caíram. Foram pisoteados. Então o resto dispersou-se, a debandada começou e os lados se confudiram.
Lochart usou a sua altura e a sua força para se afastar para o lado e estava agora entre dois carros, momentaneamente protegido por eles. A poucos metros de distância, ele viu um beco, meio escondido, que levava a uma mesquita onde ele poderia abrigar-se. À sua frente houve uma terrível explosão quando um tanque explodiu e as chamas se espalharam. Os que tiveram sorte morreram na hora, os feridos começaram a gritar. À luz das chamas, ele pensou tê-la visto, então um grupo de estudantes em fuga veio correndo na direção dele, um punho atingiu-lhe as costas, outros o empurraram e ele caiu no chão, sob as botas deles.
Xarazade estava apenas a trinta metros de distância, com os cabelos desgrenhados, as roupas rasgadas, ainda presa no meio da multidão, ainda arrastada pelo tumulto, ainda gritando por socorro, sem que ninguém ouvisse ou se importasse.
— Tommyyyy, ajude-me...
A multidão se separou momentaneamente. Ela correu para a brecha, abrindo caminho em direção às lojas fechadas e aos carros estacionados. O tumulto estava diminuindo. Braços tentavam abrir espaço para respirar, mãos enxugavam o suor e limpavam a sujeira e as pessoas viam quem estava do lado. — Sua comunista filha da puta — o homem que estava na sua frente gritou, com os olhos saltando das órbitas de raiva.
— Não é verdade, eu sou muçulmana — ela gaguejou, mas as mãos dele tinham agarrado a sua jaqueta — o zíper quebrou e ele agarrou-lhe os seios.
— Rameira! Mulheres muçulmanas não se exibem, mulheres muçulmanas usam o chador...
— Eu o perdi. Ele foi arrancado de mim — ela gritou.
— Meretriz! Que Deus a amaldiçoe! As nossas mulheres usam o chador.
— Eu o perdi, ele foi arrancado — ela tornou a gritar e tentou soltar-se. Não há nenhum outro..
— Rameira! Meretriz! Satanista! — ele gritou, sem escutar o que ela dizia, tomado pela fúria e inflamado pelo contato com os seios dela sob a blusa de seda. Ele rasgou o tecido e agarrou-os, com a outra mão tentando estrangulá-la, enquanto ela gritava e chutava. Os que estavam em volta esbarravam neles ou tentavam se afastar, sem conseguir enxergar na escuridão, sem saber o que estava acontecendo, exceto que alguém tinha agarrado uma esquerdista nas fileiras dos crentes.
— Por Deus, ela não é uma esquerdista, eu a ouvi gritando a favor do ímã... — Alguém exclamou, mas sua voz foi abafada pelos gritos, a luta recomeçou e os homens ou avançavam para ajudar ou abriam espaço para recuar e ela ficou a mercê dele.
Ela lutou com unhas, pés e voz, sufocada pelo hálito dele e pelas obscenidades que dizia. Com um último esforço, ela pediu ajuda a Deus e deu um golpe para cima, errou e se lembrou do revólver. Conseguiu agarrá-lo, apontou-o para ele e puxou o gatilho. O homem gritou, com os órgãos genitais esfacelados e caiu no chão, urrando de dor. Houve um silêncio súbito em volta dela. E espaço. Ela tirou a mão do bolso ainda segurando o revólver. Um homem que estava perto dela agarrou-o.
Ela olhou para o seu agressor que gemia e contorcia-se no chão.
— Deus é Grande — ela gaguejou, então notou o estado das suas roupas e fechou a jaqueta, levantou os olhos e viu o ódio em volta dela. — Ele estava me atacando... Deus é Grande, Deus é Grande...
— Ela está dizendo isso da boca para fora, ela é uma esquerdista — gritou uma mulher. — Olhem para as roupas dela, ela não é uma de nós...
A poucos metros de distância, Lochart estava tentando levantar-se, com a cabeça doendo, os ouvidos zumbindo, quase sem poder ver nem ouvir. Com grande esforço, ele ficou em pé, então abriu caminho em direção à escuridão do beco e à sua segurança. Outros tinham tido a mesma idéia e a entrada já estava obstruída. Então a voz dela alcançou-o no meio dos gritos e ele se virou.
Ele a viu acuada, encostada numa parede, cercada por uma multidão, com as roupas rasgadas, a manga da jaqueta arrancada, os olhos arregalados, uma granada na mão. Neste instante, um homem se adiantou, ela tirou o pino da granada, o homem parou, todo mundo começou a recuar, Lochart correu até ela e agarrou a granada, mantendo a alavanca para baixo.
— Afastem-se dela — berrou em farsi e ficou na frente dela, protegendo-a. — Ela é muçulmana, seus filhos de um cão. Ela é muçulmana e é minha esposa e eu sou muçulmano!
— Você é estrangeiro e ela é uma esquerdista.
Lochart deu um soco no homem com o punho protegido pela granada e arrebentou-lhe a boca, quebrando-lhe o maxilar.
— Deus é Grande — Lochart berrou. Outros o acompanharam e aqueles que não acreditaram nele ficaram quietos, com medo dele mas com mais medo ainda da granada. Segurando-a firmemente com o braço livre, quase carregando-a, Lochart foi abrindo caminho, com a granada preparada. — Deixem-nos passar, por favor, Deus é Grande, que a paz esteja com vocês. — Os que estavam na primeira fileira se afastaram, depois os de trás e assim por diante, enquanto ele ia murmurando: — Deus é Grande, que a paz esteja com vocês, até conseguir chegar no beco apinhado de gente, tropeçando no lixo e nos buracos, esbarrando nas pessoas na escuridão. Algumas luzes estavam acesas do lado de fora da mesquita. Na fonte ele parou, quebrou o gelo e com uma das mãos jogou um pouco d'água no rosto, com o cérebro ainda explodindo. — Cristo — murmurou e molhou mais o rosto.
— Oh, Tommyyyy! — exclamou Xarazade, com uma voz fraca e esquisita. — De onde você veio, de onde, oh, eu estava com tanto medo... com tanto medo...
— Eu também — ele gaguejou, quase sem poder falar. — Há horas que estou procurando por você, minha querida. — Ele a abraçou. Você está bem?
— Oh, sim, sim. — Ela se agarrou a ele, enterrando a cabeça no seu ombro.
De repente mais tiros e gritaria. Instintivamente, ele a apertou de encontro a ele, mas não achou que houvesse perigo ali. Apenas vultos passando na semi-escuridão, o tiroteiro cada vez mais distante e o barulho do tumulto diminuindo.
Estamos seguros, finalmente. Não, ainda não, ainda resta a granada — não tem pino para torná-la segura, nada que se possa fazer para isso. Por cima da cabeça dela ele viu um edifício queimado ao lado da mesquita, do outro lado da praça. Eu posso me livrar dela lá, disse a si mesmo, ainda sem conseguir raciocinar com clareza, apertando-a com força e tirando forças deste abraço. A multidão tinha crescido e agora enchia o beco. Até diminuir, seria difícil e perigoso livrar-se da granada, então ele chegou mais perto da fonte, onde estava mais escuro.
— Não se preocupe. Vamos esperar mais um pouco e depois continuamos.
— Eles falavam em inglês, baixinho, havia tanto o que contar, tanto o que perguntar. — Você tem certeza de que está bem?
— Sim, oh, sim. Como foi que você conseguiu me achar? Como? Quando foi que você voltou? Como foi que você me achou?
— Eu... eu voltei esta noite e fui até a sua casa, mas você não estava lá.
— Então ele desabafou: — Xarazade, eu me tornei muçulmano.
Ela o olhou sem acreditar,
— Mas... mas foi só um truque, um truque para escapar deles.
— Não, eu juro! É verdade. Eu recitei o Shahada na frente de três testemunhas, Meshang, Zarah e Jari, e eu acredito. Eu realmente acredito. Vai dar tudo certo agora.
Suas dúvidas se dissiparam ao ver a alegria dele, ao ouvi-lo repetir o que tinha acontecido.
— Oh, que maravilha, Tommy! — disse, fora de si de felicidade e ao mesmo tempo estranhamente convencida de que, para eles, nada iria mudar. Nada fará Meshang mudar, ela pensou. Meshang encontrará um meio de nos destruir, seja o meu Tommy um crente ou não. Nada irá mudar, o divórcio não será anulado, o casamento não será desfeito. A não ser que...
Seus temores se dissiparam.
— Tommy, nós podemos sair de Teerã esta noite? Podemos fugir esta noite, meu querido?
— Isto não é mais necessário, agora não. Eu tenho planos maravilhosos. Eu saí da S-G. Agora que sou muçulmano, posso ficar e trabalhar para a IranOil, você não está vendo?
Os dois não viram a multidão crescendo, loucos para estarem em casa.
— Não precisa se preocupar, Xarazade.
Alguém tropeçou e deu um encontrão nele, depois outro, a multidão começando a invadir o pequeno santuário deles. Ela o viu empurrar um homem e outros começaram a xingar. Rapidamente, ela deu a mão a ele e o empurrou para a frente.
— Vamos para casa, marido — ela disse alto, em farsi, alertando-o, apertando-lhe a mão e depois cochichou: — Fale em farsi — e então um pouco mais alto: — Nós não estamos seguros aqui e podemos conversar melhor em casa.
— Sim, sim, mulher. É melhor irmos para casa. — Andar era melhor e mais seguro e Xarazade estava ali e amanhã os problemas se resolveriam, esta noite seria apenas um banho e sono, comida e sono, sem sonhos ou apenas sonhos bons.
— Se quiséssemos partir secretamente esta noite, nós poderíamos? Poderíamos, Tommy?
O cansaço invadiu-o e ele quase gritou com ela, será que ela não tinha entendido o que ele acabara de dizer? Em vez disso, controlou a impaciência e disse apenas:
— Agora não há necessidade de fugir.
— Você tem toda a razão, marido, como sempre. Mas nós poderíamos?
— Sim, acho que sim — disse cansado, e explicou como, andando e parando junto com a multidão, com o beco se estreitando, ficando cada vez mais claustrofóbico.
Agora ela estava contente, segura de que conseguiria convencê-lo. Amanhã eles partiriam. Amanhã de manhã eu vou recolher as minhas jóias, vamos fingir para Meshang que vamos encontrá-lo no bazar na hora do almoço, mas nessa altura estaremos voando para o sul no pássaro de Tommy. Ele pode voar para um dos Estados do golfo ou para o Canadá, ou para qualquer outro lugar, pode-se ser muçulmano e canadense sem nenhum problema, eles me disseram na embaixada. E em breve, daqui a um ou dois meses, nós voltaremos para o Irã e viveremos aqui para sempre...
Ela chegou mais para perto dele, toda feliz, oculta pela multidão e pela escuridão, sem sentir mais medo algum, certa de que o futuro deles seria maravilhoso. Agora que ele é um crente, ele irá para o paraíso, Deus é Grande, Deus é Grande, e eu também, e, juntos, com a ajuda de Deus, deixaremos aqui filhos e filhas. E então, quando formos velhos, se ele morrer primeiro, no quadragésimo dia eu providenciarei para que o seu espírito seja lembrado, depois amaldiçoarei a sua esposa mais jovem ou as suas esposas e os filhos delas, depois porei os meus negócios em dia e ficarei esperando o momento de me juntar a ele — quando Deus quiser.
— Oh, eu o amo, Tommy, sinto muito ter-lhe dado tanto trabalho... Agora eles estavam saindo do beco. A multidão era ainda maior, cobrindo a rua e a calçada. Mas havia uma leveza nelas, homens, mulheres, mulás, Faixas Verdes, jovens e velhos depois de terem passado a noite fazendo o trabalho de Deus. — Allah-u Akbar! — Alguém gritou e as palavras ecoaram em mil gargantas. Na frente, um carro impaciente avançou, bateu em alguns pedestres que caíram sobre outros e todos caíram no chão, entre risos e xingamentos. Xarazade e Lochart no meio deles, nenhum dos dois machucado. Ele a tinha segurado e, rindo, ficaram um instante deitados no chão, com a granada ainda segura na mão dele. Ele não tinha ouvido o chiado — sem saber, ao cair, ele tinha soltado a alavanca por um instante. Durante uma infinidade, ele sorriu para ela e ela para ele.
— Deus é Grande — ela disse e ele repetiu com a mesma confiança. E, naquele instante, eles morreram.
SÁBADO
3 de março70
AL SHARGAZ: 6:34H. A pontinha do sol surgiu no horizonte e transformou o deserto negro num mar escarlate, colorindo a velha cidade portuária e os barcos que estavam lá embaixo no golfo. Do alto dos minaretes, os muezins começaram a chamar, mas a música das suas vozes não agradou a Gavallan nem ao resto do pessoal da S-G que estava no terraço do Hotel Oásis tomando um café apressado.
— Isso irrita os nervos, não é, Scrag? — disse Gavallan.
— É verdade, meu velho — respondeu Scragger. Ele, Rudi Lutz e Pettikin estavam sentados numa mesa com Gavallan, todos eles cansados e desanimados. O sucesso quase total da operação Turbilhão estava se transformando num desastre. Dubois e Fowler ainda estavam desaparecidos, em Bahrain, McIver ainda não estava fora de perigo. Tom Lochart tinha voltado para Teerã e só Deus sabe onde estaria agora. Não havia nenhuma notícia de Erikki e Azadeh. Eles não tinham dormido quase nada na noite anterior. E o prazo deles se esgotava hoje ao pôr-do-sol.
A partir do momento em que os 212 começaram a pousar, na véspera, todos tinham ajudado a desmontá-los, tirando rotores e caudas para colocar nos jumbos de carga quando estes chegassem, se chegassem. Na noite anterior, Roger Newbury tinha voltado do encontro no palácio de Al Shargaz com o ministro do Exterior: de péssimo humor.
— Não posso fazer nada, Andy. O ministro disse que o novo representante ou embaixador do Irã pediu a ele e ao xeque que fizessem pessoalmente uma inspeção no aeroporto, uma vez que teria visto oito ou nove 212 estranhos lá, afirmando que seriam helicópteros de registro iraniano que haviam sido 'seqüestrados'. O ministro disse que, evidentemente, Sua Alteza, o xeque, tinha concordado, como poderia recusar? A inspeção seria feita ao anoitecer, junto com o embaixador. Eu fui 'cordialmente convidado', como representante inglês, a verificar os documentos de identidade e se encontrar algum suspeito vai ser uma encrenca!
Gavallan tinha ficado acordado a noite inteira tentando adiantar a chegada dos aviões de carga ou conseguir outros através de todas as fontes internacionais que conseguiu desencavar. Não havia nenhum disponível. O máximo que a companhia que ele contratara fez foi prometer "talvez" adiantar a hora da chegada para meio-dia do dia seguinte, domingo.
— Droga de gente — resmungou e se serviu de mais café. — Quando se precisa de dois 747, não se consegue nenhum, e geralmente com um único telefonema pode-se conseguir cinqüenta.
Pettikin estava igualmente preocupado, ainda mais com McIver no hospital em Bahrain.
Nenhuma notícia era esperada antes do meio-dia sobre a gravidade do ataque cardíaco de McIver.
— Pas problème — Jean-Luc tinha dito na noite anterior. — Eles deixaram Genny ficar num quarto ao lado no hospital, o médico é o melhor de Bahrain e eu estou aqui. Cancelei o meu vôo para casa e vou ficar aqui esperando, mas envie-me algum dinheiro amanhã para pagar as contas.
Pettikin brincou com a xícara, sem conseguir comer. Tinha passado o dia e toda a noite anterior ajudando a preparar os helicópteros e não tinha tido chance de ver Paula e ela partiria esta manhã para Teerã, ainda trabalhando na evacuação de cidadãos italianos, e só estaria de volta dentro de dois dias. Gavallan tinha ordenado uma retirada imediata de todos os participantes do Turbilhão da área do golfo até que fosse feita uma avaliação.
— Nós temos que ser muito cuidadosos — tinha dito a todos eles. — Todo mundo tem que partir por enquanto.
Mais tarde, Pettikin tinha dito:
— Você tem razão, Andy, mas e quanto a Tom e Erikki? Nós devíamos deixar alguém aqui, eu estou disposto...
— Pelo amor de Deus, Charlie, pare com isso — Gavallan tinha respondido. — Você acha que eu não estou morto de preocupação por causa deles? E de Fowler e Dubois? Nós temos que fazer uma coisa de cada vez. Todo mundo que não for necessário vai sair antes do pôr-do-sol e você é um deles! — Isto tinha ocorrido por volta de uma hora da manhã no escritório, quando Pettikin chegara para substituir Scot, que ainda estava controlando o HF. Ele tinha passado o resto da noite lá. Não tinha havido nenhuma chamada. Às cinco horas, Nogger Lane o rendera e ele fora para o hotel tomar café, encontrando Rudi, Gavallan e Scragger já sentados à mesa. — Conseguiu alguma coisa com os aviões, Andy?
— Não, Charlie, só amanhã ao meio-dia, se tivermos sorte. — Sente-se, tome um pouco de café. — Então o dia amanhecera e os muezins começaram o seu chamado. Agora a ladainha deles terminara. O ambiente ficou menos tenso no terraço.
Scragger serviu-se de mais chá, com o estômago ainda embrulhado. Teve outra cólica violenta e correu para o banheiro. O espasmo passou rapidamente e ele evacuou muito pouco, mas não havia sangue nas fezes e o doutor Nutt tinha dito que não achava que fosse disenteria:
— Vá com calma por alguns dias, Scrag. Vou saber o resultado dos seus exames amanhã. — Ele tinha contado ao doutor Nutt sobre o sangue na urina e a dor de estômago nos últimos dias. Escondê-lo teria sido um risco imperdoável, tanto para os seus passageiros quanto para o helicóptero.
— Scrag, é melhor você ficar aqui no hospital por alguns dias — tinha dito o doutor Nutt.
— Foda-se, seu bode velho! Eu tenho mais o que fazer!
Ao voltar para a mesa, ele viu as fisionomias sombrias e odiou aquilo, mas não havia nada a fazer a não ser esperar. Não podiam sair com os aparelhos porque teriam que atravessar o espaço aéreo da Arábia Saudita, dos Emirados ou de Omã e não havia nenhuma possibilidade de conseguirem uma autorização imediata. Ele tinha sugerido, de brincadeira, que tornassem a montar os helicópteros, descobrissem quando o próximo superpetroleiro inglês estaria em Ormuz e então decolassem e fossem pousar nele.
— ...e aí nós simplesmente navegaríamos no mar azul e saltaríamos em Mombaça ou então navegaríamos até a Nigéria.
— Ei, Scrag — Vossi tinha dito cheio de admiração —, grande idéia. Eu bem que gostaria de um cruzeiro. Que tai, Andy?
— Nós seriamos presos antes mesmo de ligarmos os motores. Scragger sentou-se e espantou uma mosca. O sol estava menos vermelho agora e todos usavam óculos escuros por causa da claridade. Gavallan terminou o café.
— Bem, eu vou para o escritório ver se posso fazer alguma coisa. Se quiserem falar comigo, estarei lá. A que horas você termina, Rudi?
Rudi estava encarregado de preparar os helicópteros para serem embarcados.
— O seu prazo terminava amanhã ao meio-dia. Vamos mantê-lo. — Ele engoliu o resto do café e se levantou. — Hora de partir, meineKinder! — Resmungos e grunhidos dos outros, mas na maioria bem-humorados, apesar do cansaço. Um êxodo geral para os carros que estavam esperando lá fora.
— Andy — disse Scragger. — Eu vou com você, se não se importar.
— Boa idéia, Scrag. Charlie, não há necessidade de você ficar no grupo de Rudi uma vez que estamos adiantados. Por que você não vai até o escritório mais tarde?
Pettikin sorriu para ele.
— Obrigado. — Paula não deveria sair do seu hotel antes das dez. Agora ele teria bastante tempo para estar com ela. Para dizer o quê? perguntou a si mesmo, despedindo-se deles.
Gavallan passou pelos portões. O aeroporto ainda estava parcialmente às escuras. Havia alguns jatos com as luzes de navegação acesas, os motores esquentando. A evacuação do Irã ainda era uma prioridade. Ele olhou para Scragger e viu a careta dele.
— Você está bem?
— Claro, Andy. Só com um pouco de dor de barriga. Sofri muito com isso na Nova Guiné, por isso tomo sempre muito cuidado. Se eu conseguisse um pouco do elixir do velho dr. Collis Brown ficaria ótimo! — Era uma tintura maravilhosa e altamente eficaz inventada pelo dr. Collis Brown, um cirurgião do exército inglês, para combater a desinteria que matara dezenas de milhares de soldados durante a guerra da Criméia. — Seis gotas daquele remédio mágico e você fica novo em folha.
— Tem razão, Scrag — Gavallan falou distraidamente, imaginando se o serviço de carga da Pan Arn teria tido algum cancelamento. — Eu nunca viajo sem o Collis... espere um instante! — Ele deu um sorriso radiante. — O meu estojo de sobrevivência! Tem um pouco lá. Liz o põe sempre na minha mala. Collis Brown, bálsamo Tigre, aspirinas, uma moeda de ouro e uma lata de sardinhas.
— Sardinhas?
— Caso eu fique com fome. — Gavallan estava satisfeito por poder desviar um pouco sua atenção dos problemas do Turbilhão. — Liz e eu temos um amigo em comum que conhecemos há anos em Hong Kong, um cara chamado
Marlowe, um escritor. Ele sempre carregava uma lata com ele, ração para não passar fome, e Liz e eu sempre rimos dele por isto. Tornou-se uma espécie de símbolo para nos lembrarmos do quanto temos sorte.
— Peter Marlowe? Aquele que escreveu o Changi* — sobre o campo de prisioneiros de guerra em Cingapura?
— Sim. Você o conhece?
— Não, mas li o livro. Não os outros, mas li este. — Scragger se lembrou da sua própria guerra contra os japoneses, e depois de Kasigi e da Irã-Toda. Na noite anterior ele tinha ligado para outros hotéis a fim de localizar Kasigi e no fim o encontrara registrado no Internacional e tinha deixado um recado, mas ele ainda não tinha ligado de volta. Provavelmente ele está danado por eu tê-lo deixado na mão, por não termos podido ajudá-lo na Irã-Toda. Que coisa! Bandar Delam e a Irã-Toda parecem ter acontecido há dois anos e não há dois dias. Ainda assim, se não fosse por ele, eu ainda estaria algemado àquela maldita cama.
— É uma pena que nós todos não tenhamos latas de sardinhas, Andy — disse. — Nós realmente nos esquecemos da sorte que temos, não? Olha que sorte nós tivemos em sair de Lengeh sãos e salvos. E quanto ao velho Duke? Em pouco tempo ele vai estar novo em folha. Um centímetro a mais e ele estaria morto, mas não está. Scot a mesma coisa. E quanto ao Turbilhão? Todos os rapazes estão fora do Irã e os nossos pássaros também. Erikki está em segurança. Mac vai ficar bom, você vai ver! Dubois e Fowler? Isto às vezes acontece, mas ainda não aconteceu, pelo que sabemos, portanto temos que ter esperança. Tom? Bem, ele escolheu isto e vai conseguir dar um jeito.
PERTO DA FRONTEIRA IRÃ-TURQUIA: 7:59H. Mil quilômetros em direção ao norte, Azadeh protegeu os olhos contra o sol que nascia. Ela tinha visto alguma coisa brilhar no vale lá embaixo. Seria o reflexo de uma arma ou de um arreio? Ela preparou o M16, e apanhou o binóculo. Atrás dela, Erikki estava deitado sobre alguns cobertores na cabine do 212, profundamente adormecido. Seu rosto estava pálido e ele tinha perdido um bocado de sangue, mas ela achava que ele estava bem. Através das lentes do binóculo, ela não viu nada se movendo. O terreno ali estava coberto de neve e havia poucas árvores. Desolado. Nem aldeias e nem fumaça. O dia estava bonito e muito frio. Não havia nuvens e o vento tinha melhorado durante a noite. Vagarosamente ela examinou o vale. A poucos quilômetros de distância havia uma aldeia que ela não tinha notado antes.
O 212 estava parado num terreno montanhoso, num platô de pedra. Na noite anterior, depois da fuga do palácio, Erikki tinha se perdido por causa de uma bala que avariara alguns instrumentos. Com medo de esgotar o combustível e sem poder ao mesmo tempo pilotar e estancar o sangue do braço, ele tinha decidido se arriscar a pousar e esperar pelo amanhecer. Uma vez no chão, tinha tirado o tapete da cabine e o desenrolara. Azadeh ainda estava dormindo tranqüilamente. Ele amarrara as suas feridas o melhor possível, depois enrolara-a de novo no tapete para que ela não sentisse frio, apanhara algumas armas e se recostara nos esquis para vigiar. Mas por mais que tentasse, não conseguiu manter os olhos abertos.
Ele acordou de repente. Um início de claridade aparecia no céu. Azadeh ainda estava enrolada no tapete mas agora o observava.
— Então você me raptou! — E a sua frieza fingida desapareceu e ela se arrastou para os braços dele, beijando-o e agradecendo-lhe por ter solucionado o dilema deles três com tanta sabedoria, fazendo o discurso que tinha ensaiado:
— Eu sei que uma esposa não pode fazer muita coisa contra o marido, Erikki, quase nada. Mesmo no Irã, onde somos civilizados, mesmo aqui, uma esposa é quase uma escrava e o imã é muito claro com relação aos deveres de uma esposa, e no Corão — ela acrescentou —, e no Corão e no Sharia suas obrigações estão muito claras. Eu sei também que estou casada com uma pessoa que não tem fé e juro que tentarei fugir pelo menos uma vez por dia para tentar voltar e cumprir o meu juramento embora esteja aterrorizada e saiba que você vai me apanhar todas as vezes e que vai me deixar sem dinheiro ou me bater e que eu vou ter que obedecer, mas assim mesmo eu o farei. — Ela estava com os olhos cheios de lágrimas de alegria. — Obrigada, meu querido, eu estava com tanto medo...
— Você teria feito aquilo? Teria renunciado ao seu Deus?
— Erikki, oh, como eu rezei para que Deus o iluminasse.
— Você teria feito aquilo?
— Agora não há mais necessidade de pensar nisso, não é, meu amor?
— Ah — ele disse, compreendendo tudo. — Então você sabia, não é? Você sabia que era isto que eu tinha que fazer!
— Eu só sei que sou sua mulher, que o amo, que tenho que obedecê-lo, que você me levou embora contra a minha vontade. Nunca mais precisaremos falar nisso. Por favor?
Ele a olhou timidamente, desorientado e não conseguiu entender como ela podia parecer tão forte e ter saído de um sono drogado com tanta facilidade. Sono!
— Azadeh, eu preciso dormir direito por uma hora. Desculpe, mas não posso continuar. Sem uma hora de sono é impossível. Acho que estamos seguros aqui. Você fica de guarda, nós estamos seguros.
— Onde estamos?
— Ainda estamos no Irã, perto da fronteira. — Ele lhe entregou um M16 carregado, sabendo que ela saberia usá-lo. — Uma das balas atingiu a minha bússola. — Ela o viu cambalear ao ir para a cabine, agarrar alguns cobertores e se deitar. Na mesma hora ele adormeceu. Enquanto esperava pelo amanhecer, ela pensou no futuro deles e no passado. Ainda havia um assunto a resolver: Johnny. Nada mais. Como a vida é estranha. Eu achei que ia gritar mil vezes fechada naquele tapete, fingindo estar drogada. Como se eu fosse tão estúpida a ponto de me drogar sabendo que talvez tivesse que ajudar a nos defender. Foi tão fácil enganar Mina, o meu querido Erikki e Hakim, que não é mais meu querido: "...o seu espírito eterno é mais importante do que o seu corpo temporário!" — ele teria me matado. A mim! A sua amada irmã! Mas eu o enganei Ela estava muito satisfeita consigo mesma e com Aysha, que tinha revê lado a ela os lugares secretos para se espionar, de modo que quando ela saíra da sala fingindo estar com raiva e deixara Erikki e Hakim sozinhos, tinha se escondido para ouvir o que eles estavam dizendo. Oh, Erikki, eu fiquei apavorada de que você e Hakim pudessem acreditar que eu realmente fosse capaz de quebrar o meu juramento — e com medo que as pistas que tinha dado a você durante toda a noite não resultassem no seu estratagema perfeito. Mas você foi mais esperto do que eu — você chegou até a consertar o helicóptero. Oh, como você foi esperto, como eu também fui, como nós dois fomos. Eu até providenciei para que você trouxesse a minha bolsa e o saco de jóias com o espólio de Najoud que eu tirei de Hakim, de modo que agora estamos ricos além de estarmos salvos, desde que consigamos sair deste maldito país.
— É maldito, minha querida — tinha dito Ross, da última vez que ela o vira em Teerã, pouco antes de deixá-la. Ela não agüentaria partir sem se despedir, então tinha procurado Talbot para perguntar por ele e algumas horas mais tarde ele tinha batido na porta do apartamento, vazio exceto por eles dois.
— É melhor você sair do Irã, Azadeh. O seu amado Irã está mais uma vez perdido. Esta revolução é igual a todas as outras: uma nova tirania substitui a anterior. Os seus novos governantes vão impor as suas leis, a sua versão da lei de Deus, da mesma forma que o xá impôs as dele. Os seus aiatolás vão viver e morrer como os papas vivem e morrem, alguns homens bons, alguns homens maus e alguma maldade. Quando Deus quiser, o mundo vai melhorar um pouco, a besta que há nos homens que têm necessidade de morder, torturar e matar se tornará um pouco mais humana e um pouco mais contida. São as pessoas que estragam o mundo, Azadeh. Principalmente os homens. Você sabe que te amo?
— Sim. Você disse isso na aldeia. Você sabe que eu te amo?
— Sim.
Seria tão fácil mergulhar no colo do tempo como quando eles eram jovens.
— Mas nós não somos mais jovens e há uma grande tristeza em mim, Azadeh.
— Isto vai passar, Johnny — ela tinha dito, querendo a felicidade dele.
— Isto vai passar da mesma forma que os problemas do Irã vão passar. Nós tivemos épocas terríveis durante séculos, mas elas passaram. — Ela se lembrou como eles haviam sentado juntos, sem se tocarem, no entanto possuídos, um pelo outro. Então ele sorrira e levantara a mão num adeus e partira silenciosamente.
Mais uma vez o clarão no vale. A ansiedade voltou a invadi-la. Agora um movimento nas árvores e ela os viu.
— Erikki! — Ele acordou na mesma hora. — Lá embaixo. Dois homens a cavalo. Parecem nativos. — E entregou o binóculo para ele.
— Estou vendo. — Os homens estavam armados e cavalgavam pelo vale, vestidos como gente das montanhas, tentando manter-se protegidos. Erikki focalizou o binóculo neles. De vez em quando via-os olharem na direção deles.
— Eles provavelmente podem ver o helicóptero, mas duvido que possam nos ver.
— Eles estão vindo para cá?
Apesar da dor e do cansaço, ele percebera o medo na voz dela.
— Talvez. É provável que sim. Eles devem levar uma meia hora para chegar aqui. Nós temos muito tempo.
— Eles estão procurando por nós. — O rosto dela estava pálido e ela chegou mais perto de Erikki. — Hakim deve ter dado o alarme.
— Ele não faria isso. Ele me ajudou.
— Isto foi para você fugir. — Nervosamente, ela olhou em volta para o platô, as árvores e as montanhas, depois para os dois homens. — Uma vez que você tenha escapado, ele volta a agir como khan. Você não conhece Hakim, Erikki. Ele é meu irmão, mas primeiro ele é khan.
Pelo binóculo, ele viu a aldeia semi-oculta ao lado da estrada. O sol refletia nos fios de telefone. A sua própria ansiedade aumentou.
— Talvez eles sejam apenas aldeões e estejam curiosos. Mas não vamos esperar para descobrir. — E sorriu fatigado. — Está com fome?
— Sim, mas estou bem. — Rapidamente, ela começou a enrolar o tapete que era antigo, valioso e um dos seus favoritos. — Estou com mais sede do que fome.
— Eu também, mas estou me sentindo melhor. O sono ajudou. — Seus olhos percorreram as montanhas, comparando o que estava vendo com o que se lembrava do mapa. Um último olhar para os homens que ainda estavam bem Iá embaixo. No momento não há perigo, a menos que haja outros aqui em volta, pensou e foi para a cabine de comando. Azadeh enfiou o tapete na cabine e fechou a porta. Havia buracos de bala que ela não havia notado antes. Houve outro clarão de sol batendo em metal na floresta, muito mais perto, que nenhum dos dois viu.
A cabeça de Erikki estava doendo e ele se sentia fraco. Ele apertou o botão de partida. O motor pegou imediatamente. Uma rápida verificação nos instrumentos. Conta-giros avariado, bússola quebrada, nada de ADF. Não havia necessidade de alguns instrumentos — o barulho dos motores lhe diria quando os ponteiros estivessem no verde. Mas os mostradores de combustível estavam parados em um quarto de tanque. Não havia tempo para checá-los nem para ver se havia algum outro estrago. E se houvesse, o que ele poderia fazer? Todos os deuses, grandes e pequenos, velhos e novos, vivos, mortos ou ainda por nascer, fiquem do meu lado hoje, eu vou precisar de toda a ajuda que me puderem dar. Os olhos dele pousaram no kookri que ele se lembrava vagamente de ter enfiado no bolso do assento. Sem nenhum esforço consciente, ele estendeu a mão e tocou-o. Seus dedos pareceram queimar.
Azadeh correu para a cabine de comando, a turbulência dos rotores que ganhavam velocidade enregelando-a ainda mais. Ela subiu no assento e trancou a porta, desviando os olhos das manchas de sangue no assento e no chão. O sorriso dela morreu ao notar a concentração e o ar estranho dele, com a mão perto do kookri, mas sem tóca-lo. Mais uma vez ela se perguntou por que ele o teria trazido.
— Você está bem, Erikki? — perguntou, mas ele não pareceu ouvi-la. Insha'Allah. É pela vontade de Deus que estamos vivos, que estamos juntos e quase em segurança. Mas agora cabe a mim carregar esta cruz e manter-nos em segurança. Ele ainda não é o meu Erikki, nem em aparência nem em estado de espírito. Eu quase posso ouvir os maus pensamentos martelando a sua cabeça. Em breve o mal vai outra vez dominar o bem. Que Deus nos proteja.
— Obrigada, Erikki — disse, apanhando os fones que ele lhe estendeu, preparando-se mentalmente para a batalha.
Ele se certificou de que ela estava bem presa no assento e ajustou o volume dos fones para ela.
— Você está me ouvindo bem?
— Oh, sim, meu querido, obrigada.
Parte da sua audição estava concentrada no barulho dos motores, daí a um ou dois minutos eles poderiam decolar.
— Nós não temos combustível suficiente para chegar a Van, que é o aeroporto mais próximo na Turquia — eu poderia ir para o sul, para reabastecer o aparelho no hospital em Rezaieyeh, mas seria muito perigoso. Vou voar algum tempo em direção ao norte. Eu vi uma estrada e uma aldeia naquela direção. Talvez seja a estrada Khoi—Van.
— Ótimo, vamos depressa, Erikki, não me sinto segura aqui. Há algum campo de aviação perto daqui? Hakim deve ter alertado a polícia e eles devem ter alertado a Força Aérea. Podemos decolar?
— Só mais alguns segundos, os motores estão quase prontos. — Ele viu a sua ansiedade e a sua beleza e mais uma vez a visão dela e de John Ross juntos se infiltrou na sua mente. Ele forçou-a a sair. — Eu acho que há campos de aviação ao longo de toda a fronteira. Nós iremos o mais longe que pudermos. Acho que temos combustível suficiente para atravessar a fronteira. — E fez um esforço para parecer despreocupado. — Talvez a gente consiga achar um posto de gasolina. Você acha que eles aceitariam cartão de crédito?
Ela deu uma gargalhada nervosa e levantou a bolsa, enrolando a alça em volta do pulso.
— Não precisamos de cartão de crédito, Erikki. Somos ricos, você é rico. Eu sei falar turco e se eu não conseguir comprar a nossa segurança é porque não pertenço à tribo dos Gorgons. Mas de lá nós iremos para onde? Istambul? Você merece umas férias maravilhosas, Erikki. Nós só estamos salvos por sua causa, você fez tudo, pensou em tudo.
— Não, Azadeh, foi você que fez tudo. — Você e John Ross, ele teve vontade de gritar e tornou a olhar para os instrumentos para disfarçar. Mas, sem Ross, Azadeh estaria morta e portanto eu estaria morto e não posso viver com a idéia de vocês dois juntos. Eu tenho certeza de que você o ama...
Neste momento, viu, espantado, grupos de cavaleiros saírem da floresta a meio quilômetro de onde eles estavam, com policiais no meio, e começaram a galopar em direção a eles. Seus ouvidos lhe disseram que os ponteiros estavam no verde. Imediatamente, ele acelerou ao máximo. O tempo acabando. Erguendo-se do chão, mas não vendo jeito de evitar que os atacantes os derrubassem. Havia tempo de sobra para qualquer um deles mirar e atirar. O guarda do meio, o sargento, ele está parando e tirando o M16 do coldre da sela.
De repente, o tempo parou de passar em câmera lenta e Erikki desviou o aparelho e fugiu deles, balançando-se para todos os lados, esperando que cada segundo fosse o último e então eles começaram a se afastar em direção à ravina por sobre as árvores.
— Não atirem — o sargento gritou para os nativos que estavam atirando, com os seus cavalos empinando. — Em nome de Deus, eu disse a vocês que recebemos ordens de capturá-los, de salvá-la e de matá-lo, não de matá-la! — Com relutância os outros obedeceram e quando ele se aproximou deles, viu que o 212 estava bem distante, perto do vale. Ele ligou o walkie-talkie:
— QG, aqui é o sargento Zibri. A emboscada falhou. Os motores foram ligados antes que nós pudéssemos nos posicionar. Mas ele saiu do esconderijo.
— Para onde ele está indo?
— Está virando para o norte, em direção à estrada Khoi—Van.
— Você viu Sua Alteza?
— Sim. Ela parecia aterrorizada. Diga ao khan que nós vimos o seqüestrador amarrá-la no assento e pareceu que ele tinha amarrado também os seus pulsos. Ela... — A voz do sargento ficou mais excitada. — Agora o helicóptero virou para leste, está dois ou três quilômetros ao sul da estrada.
— Ótimo. Bom Trabalho. Nós vamos alertar a Força Aérea.
TEERÃ - NO QG DO SERVIÇO SECRETO: 9:54H. Suliman al Wiali, um dos assassinos do Grupo Quatro, tentou controlar o tremor das mãos ao receber o telex das mãos do coronel da Savama: "O chefe do Serviço Secreto, coronel Hashemi Fazir, foi morto ontem à noite, liderando bravamente o ataque que destruiu o QG dos esquerdistas mujhadins, junto com o consultor inglês, Armstrong. Os dois homens morreram queimados quando os traidores explodiram o edifício, (assinado) Chefe de Polícia, Tabriz."
Suliman ainda não se recobrara do medo ao ser chamado repentinamente, apavorado de que este funcionário já tivesse encontrado no cofre de Fazir papéis incriminadores sobre os assassinos do Grupo Quatro — o cofre estava aberto e vazio atrás dele. Com certeza meu mestre não teria sido tão negligente, não aqui no seu próprio escritório!
— Foi a vontade de Deus, Excelência — ele disse, devolvendo o telex e disfarçando a raiva. — A vontade de Deus. O senhor é o novo chefe do Serviço Secreto, Excelência?
—Sim. Quais eram as suas tarefas?
— Eu sou um agente, Excelência — Suliman disse a ele, bajulando-o como seria de se esperar, ignorando o verbo no passado. O medo começou a diminuir. Se esses cães suspeitassem de alguma coisa eu não estaria aqui, ele raciocinou, com a confiança aumentando, eu estaria numa prisão, berrando. Esses filhos da mãe incompetentes não merecem viver num mundo de homens. — O coronel mandou que eu fosse morar em Jaleh e conservasse os olhos e os ouvidos abertos e descobrisse comunistas. — Ele manteve os olhos sem expressão, desprezando aquele homem pomposo sentado na mesa de Fazir.
— Há quanto tempo você está trabalhando aqui?
— Três ou quatro anos, não me lembro muito bem, Excelência, está na minha ficha. Talvez sejam cinco anos, não me lembro. Deve estar na minha ficha, Excelência. Cerca de quatro anos e eu trabalho muito e servirei ao senhor com todas as minhas forças.
— A Savama está absorvendo o Serviço Secreto. De agora em diante você prestará contas a mim. Quero uma cópia dos seus relatórios desde que você começou.
— Seja como Deus quiser Excelência, mas eu não sei escrever, escrevo muito mal e Sua Excelência Fazir nunca me pediu para fazer relatórios escritos — mentiu Suliman, inocentemente. Ele esperou em silêncio, arrastando os pés e se fingindo de idiota. Savak ou Savama, são todos uns mentirosos e é mais do que provável que tenham providenciado o assassinato do meu mestre. Que Deus amaldiçoe todos eles, esses cães arruinaram os planos do meu mestre. Eles me tiraram do meu emprego perfeito. Meu emprego perfeito com dinheiro de verdade e poder de verdade e um futuro de verdade. Esses cães são uns ladrões, eles roubaram o meu futuro e a minha segurança. Agora eu não tenho mais emprego, não tenho mais inimigos de Deus para matar. Nem futuro, nem segurança, nem proteç... A menos...
A menos que eu use a minha inteligência e a minha habilidade para assumir o trabalho do ponto em que o meu mestre parou.
E por que não? E a vontade de Deus que ele esteja morto e que eu esteja vivo, que ele tenha sido sacrificado e eu não. Por que não criar mais times? Eu conheço as técnicas do meu mestre e parte dos seus planos. Melhor ainda, por que não invadir a sua casa e esvaziar o cofre do porão que ele nunca soube que eu sabia que existia? Nem mesmo a sua mulher sabe da existência dele. Agora que ele está morto, deve ser fácil. Sim, e é melhor que seja esta noite, para chegar lá antes que um desses desgraçados de esquerda faça isso. Que tesouros aquele cofre poderia conter — deve conter! Dinheiro, papéis, listas — o meu mestre adorava listas como um cachorro ama merda! Que eu caia morto se o cofre não contiver uma lista dos outros do Grupo Quatro. O meu falecido mestre não planejava ser o al-Sabbah da atualidade? Por que não posso ser eu? Com assassinos, assassinos de verdade que não temem a morte e buscam o martírio como um passaporte para o paraíso...
Ele quase riu alto. Para disfarçar, arrotou.
— Desculpe Excelência, mas não estou me sentindo bem, posso me retirar, por favor?
— Onde é que o coronel Fazir guardava os seus papéis?
— Papéis, Excelência? Perdoe-me, Excelência, mas como é que um homem como eu poderia saber a respeito de papéis? Eu sou só um agente, eu lhe trazia informações e às vezes ele me mandava embora com um pontapé e um palavrão. Vai ser ótimo trabalhar para um homem de verdade. — Ele respirou confiante. O que Fazir desejaria que eu fizesse agora? Certamente desejaria que eu me vingasse por ele, o que significa obviamente acabar com Pahmudi que é o responsável pela sua morte, e este cão que ousa sentar-se à sua mesa. Por que não? Mas só depois que eu tiver esvaziado o cofre de verdade. — Posso me retirar, Excelência? A minha bexiga está cheia e eu sofro de um parasita.
Enojado, o coronel levantou os olhos da ficha que não lhe dizia nada. Não havia papéis no cofre, só dinheiro. Um pishkesh maravilhoso para mim, pensou. Mas onde estão os papéis? Fazir deve tê-los guardado em algum lugar. Sua casa?
— Sim, pode sair — ele disse, irritado — mas apresente-se a mim uma vez por semana. A mim, pessoalmente. E não se esqueça, a menos que você faça um bom trabalho... nós não queremos empregar malandros.
— Sim, Excelência, certamente, Excelência, obrigado, Excelência. Eu farei o melhor que puder por Deus e pelo imã, mas quando devo me apresentar? — No dia seguinte do Dia Sagrado, todas as semanas. — O coronel fez sinal para ele sair. Suliman saiu arrastando os pés e prometeu a si mesmo que antes do dia marcado para ele se apresentar este coronel não existiria mais. Filho de um cão, por que não? O meu poder já alcança de Beirute a Bahrain.
BAHRAIN: 12:50H. Ao sul, a mais de mil quilômetros de distância, Bahrain estava ensolarada, com as praias cheias de gente que passava o fim-de-semana, gente fazendo windsurfe desfrutando da brisa agradável, mesas nos terraços dos hotéis cheias de homens e mulheres, usando pouca roupa para se queimar ao sol da primavera. Uma dessas mulheres era Sayada Bertolin.
Ela usava uma saída de praia transparente por cima do biquíni e estava sentada sozinha numa mesa protegida por uma barraca verde, tomando uma batida de limão. Preguiçosamente, ela observava os banhistas e as crianças brincando no raso — um dos garotinhos se parecia com o seu próprio filho. Vai ser tão bom estar em casa de novo, pensou, abraçar o meu filho outra vez e até mesmo tornar a ver o meu marido. Foi tanto tempo fora da civilização, longe de boa comida e boa conversa, de um bom café, de croissants e vinho, de jornais, televisão e rádio e todas as coisas maravilhosas a que não damos o devido valor. Mas eu não. Eu sempre as apreciei e sempre trabalhei por um mundo melhor e por justiça no Oriente Médio.
Mas e agora? A alegria desapareceu.
Agora eu não sou apenas uma simpatizante da OLP e um correio, mas uma agente secreta da milícia cristã libanesa, seus senhores israelenses e seus senhores da CIA — graças a Deus eu tive a sorte de ouvi-los cochichando quando eles pensaram que eu já tinha saído depois de receber ordens para voltar a Beirute. Ainda não sei o nome deles, mas já sei o bastante para identificar as suas origens. Cães! Cães imundos! Cristãos! Traidores da Palestina! Ainda falta vingar-me de Teymour. Será que terei coragem de contar ao meu marido, que contará aos outros membros do Conselho? Não, não tenho coragem. Eles sabem demais.
A sua atenção focalizou-se no mar e ela ficou estarrecida. No meio dos surfistas ela reconheceu Jean-Luc, aproximando-se da praia, equilibrado na prancha, elegantemente inclinado contra o vento. No último segundo, ele virou a favor do vento, pulou para o raso e deixou a vela cair. Ela sorriu de tal perfeição.
Ah, Jean-Luc, como você gosta de si mesmo! Mas eu admito que foi bem feito. Em muitas coisas você é soberbo, como chef, como amante — ah, sim, mas só de vez em quando, você não varia o bastante, nem experimenta o bastante para nós do Oriente Médio que entendemos de erotismo, e você se preocupa demais com a sua própria beleza.
— Eu admito que você é lindo — ela murmurou, umedecendo-se agradavelmente com a idéia. Você é melhor do que a média na arte de fazer amor, meu querido, mas não mais do que isso. Você não é o melhor. O meu primeiro marido era o melhor, talvez porque tenha sido o primeiro. Depois Teymour Teymour era fantástico. Ah, Teymour, eu não tenho mais medo de pensar em você agora, agora que saí de Teerã. Lá eu não podia. Eu não vou me esquecer de você nem do que você fazia. Eu vou me vingar da milícia cristã pelo que fez a você algum dia.
Seus olhos estavam observando Jean-Luc, imaginando o que ele estaria fazendo lá, contente por ele estar lá, desejando que ele a visse, sem querer tomar a iniciativa para não provocar o destino, mas pronta para esperar e ver o que o destino tinha reservado para ela. Ela se olhou no espelho, pôs um pouco de brilho nos lábios e perfume atrás das orelhas. Mais uma vez ela esperou. Ele se aproximou. Ela fingiu concentrar-se no copo, olhando-o pelo seu reflexo no vidro, deixando tudo ao acaso.
— Sayada! Mon Dieu, chérie! O que você está fazendo aqui?
Ela ficou devidamente surpresa e então ele a beijou e ela sentiu gosto de sal e cheiro de óleo de bronzear e suor e resolveu que aquela tarde seria perfeita.
— Eu acabei de chegar, chéri. Cheguei ontem à noite de Teerã — respondeu, sem fôlego, deixando o desejo invadi-la. — Eu estou na fila de espera do vôo de meio-dia para Beirute amanhã, mas o que você está fazendo aqui? É um milagre!
— É mesmo, que sorte nós temos! Mas você não pode partir amanhã, amanhã é domingo. Amanhã nós vamos ter churrasco, lagosta e ostras!
Ele era totalmente confiante, gaulês e charmoso e ela pensou, por que não? Beirute pode esperar. Eu esperei tanto tempo que um dia a mais não vai fazer diferença.
E ele estava pensando: Isto é perfeito! O fim-de-semana ia ser um desastre, mas agora, amor esta tarde e depois a sesta. Mais tarde eu vou escolher um jantar perfeito, depois vamos dançar um pouco e fazer amor ternamente e dormir profundamente, prontos para outro dia perfeito amanhã.
— Chérie, estou desolado, mas tenho que deixá-la por uma hora — disse com o toque perfeito de tristeza. — Nós vamos almoçar aqui. Você está hospedada neste hotel? Perfeito, eu também: 1623. Que tal à uma e meia, quinze para as duas? Não troque de roupa, você está linda. Cest bon? — Ele se inclinou e beijou-a e tocou-lhe nos seios, sentiu o seu tremor e ficou satisfeito.
NO HOSPITAL: 13:16H. — Bom dia, dr. Lanoire. O capitão McIver, foi muito grave? — perguntou Jean-Luc, falando em francês. O pai de Anton Lanoire tinha vindo de Cannes, sua mãe era de Bahrain, tinha estudado na Sourbonne e era filha de um pescador analfabeto que ainda pescava como sempre tinha pescado, ainda vivia numa cabana embora fosse multimilionário, dono de poços de petróleo.
— Foi médio.
— O que isto significa?
O doutor estalou os dedos. Ele era um homem de aparência distinta de cerca de quarenta anos, educado em Paris e Londres, trilíngüe, falava árabe, francês e inglês.
— Nós só saberemos com certeza dentro de alguns dias; ainda teremos que fazer vários exames. Só saberemos a extensão do ataque quando ele fizer um angiograma daqui a um mês, mas no momento o capitão McIver está reagindo ao tratamento e não está sentindo dor.
— Mas ele vai ficar bom?
— A angina é uma coisa bastante comum, geralmente. Pelo que a esposa dele disse, ele esteve sob grande tensão nos últimos meses, e ainda pior nos últimos dias com este Turbilhão de vocês, e não é para menos. Que coragem! Eu me congratulo com ele, com você e com todos os outros que participaram. Ao mesmo tempo, aconselho que todos os pilotos e membros da tripulação tenham dois ou três meses de licença.
Jean-Luc sorriu satisfeito.
— Posso ter isto por escrito, por favor? É claro que os três meses de licença de saúde deveriam ser pagos integralmente, mais uma bonificação.
— É claro. Que trabalho magnífico vocês todos fizeram pela companhia, arriscando suas vidas. Todos vocês mereciam um prêmio. Eu me pergunto como foi que não houve mais gente com ataques cardíacos. Os dois meses são para vocês se recuperarem, Jean-Luc, é essencial que vocês passem por um check-up antes de voltarem a pilotar.
Jean-Luc estava perplexo.
— Todos nós vamos sofrer um ataque cardíaco?
— Oh, não, não, de jeito nenhum. — Lanoire sorriu. — Mas seria muito aconselhável fazer um check-up, só como precaução. Você sabia que a angina é causada por um súbito bloqueio do sangue? Um derrame se dá quando isto acontece no cérebro. As artérias ficam entupidas e pronto. Insha'Allah, Isto pode acontecer a qualquer momento.
— Pode mesmo? — O desconforto de Jean-Luc aumentou. Merda! Era só o que faltava, eu sofrer um ataque cardíaco.
— Oh, sim — o médico continuou prestimosamente. — Eu conheci pacientes entre 30 e 40 anos, com a pressão perfeitamente normal, pouco colesterol e eletrocardiogramas normais que puf! — Ele fez um gesto expressivo com as mãos. — Em poucas horas, puf!
— Puf! Desse jeito? — Jean-Luc sentou-se nervosamente.
— Eu não sei pilotar mas imagino que pilotar causa uma grande tensão, especialmente em lugares como o mar do Norte. E a tensão é talvez a maior causa de angina, quando uma parte do coração morre e...
— Meu Deus, o coração do velho Mac morreu? — Jean-Luc estava chocado.
— Oh, não, só um pedaço. Toda vez que você tem um ataque de angina, por mais fraco que seja, um pedaço está perdido para sempre. Morto. — O dr. Lanoire sorriu. — É claro que você pode viver por muito tempo até o tecido acabar.
— Mon Dieu, Jean-Luc pensou apavorado. Não estou gostando nada disso. Mar do Norte? Merda, eu vou pedir uma transferência antes mesmo de chegar lá. — Quanto tempo o Mac vai ficar no hospital?
— Quatro ou cinco dias. Eu sugiro que você deixe para visitá-lo amanhã, mas não o canse. Ele precisa ter um mês de licença e depois fazer outros exames.
— Quais são as chances dele?
— Isto depende da vontade de Deus.
Lá em cima, na varanda, de um quarto agradável que dava para o mar, Genny estava cochilando numa cadeira, com o Times de Londres daquele dia, trazido pelo vôo da BA, aberto no colo. McIver estava deitado confortavelmente na cama. Uma brisa vinda do mar o acordou. O vento mudou, ele pensou. Voltou ao nordeste de sempre. Ótimo. Ele se virou para ver melhor o golfo. O ligeiro movimento a acordou imediatamente. Ela dobrou o jornal e se levantou.
— Como você está se sentindo, amor?
— Bem. Estou muito bem agora. Nenhuma dor. Só um pouco cansado. Eu ouvi vagamente você conversando com o médico. O que foi que ele disse?
— Parece estar tudo bem. O ataque não foi grave. Você vai ter que ficar de repouso por alguns dias, depois tirar um mês de licença e depois fazer mais alguns exames. Ele ficou muito satisfeito por você não fumar, você está sempre em forma. — Genny estava em pé contra a luz, mas ele podia ver-lhe o rosto e leu a verdade nele. — Você não pode mais voar, como piloto — ela disse e sorriu.
— Isto é uma droga — ele disse friamente. — Você já entrou em contato com Andy?
— Sim. Liguei para ele ontem à noite e hoje de manhã e vou tornar a ligar dentro de uma hora mais ou menos. Ainda não há nenhuma notícia de Marc Dubois nem de Fowler, mas todos os nossos pássaros estão a salvo em Al Shargaz e estão sendo desmontados para serem embarcados amanhã. Andy estava tão orgulhoso de você e de Scrag. Eu falei com Scrag hoje de manhã também.
A sombra de um sorriso.
— Vai ser bom ver o velho Scrag. Você está bem?
— Oh, sim. — Ela tocou-lhe o ombro. — Estou muito contente por você estar melhor. Você me deu um susto.
— Eu dei um susto em mim mesmo, Gen. — Ele sorriu e estendeu-lhe a mão e disse asperamente: — Obrigado, sra. McIver.
Ela encostou o rosto na mão dele e depois inclinou-se e beijou-o de leve nos lábios, confortada pela enorme afeição que havia no rosto dele.
— Você me deu um susto daqueles — ela repetiu. Ele notou o jornal.
— É de hoje, Gen?
— Sim, querido.
— Parece que há anos que não vejo um. O que há de novo?
— A mesma coisa de sempre. — Ela dobrou o jornal e o pôs de lado displicentemente, sem querer que ele visse o artigo que ela estava lendo, com medo de preocupá-lo. "Colapso da bolsa em Hong Kong." Isto vai certamente afetar a Struan's e aquele filho da mãe do Linbar, ela pensou, mas será que vai afetar a S-G e Andy? Não há nada que Duncan possa fazer, então deixa para lá. — Greves, Callaghan fazendo uma confusão ainda maior na pobre Inglaterra. Dizem que ele pode pedir uma eleição este ano e se o fizer, Maggie Thatcher terá uma boa chance. Isto não seria ótimo? Ter alguém sensato para variar?
— Porque ela é mulher? — Ele sorriu de lado. — Isto certamente seria uma revolução. Deus do céu, uma mulher primeiro-ministro! Não sei como ela conseguiu tirar a liderança das mãos de Heath... ela deve usar calças de ferro! Se ao menos os malditos liberais ficassem fora do caminho... — Ele se calou e ela o viu olhar para o mar, para alguns barcos que passavam.
Silenciosamente, ela se sentou e esperou, querendo deixá-lo voltar a dormir ou conversar um pouco, o que ele quisesse. Ele deve estar melhorando, já que está xingando os liberais, ela pensou, contente, deixando a mente vagar, olhando para o mar. O cabelo dela foi agitado pela brisa e cheirava a água salgada. Era gostoso ficar lá sentada, sabendo que ele estava melhor, "reagindo ao tratamento". "Não precisa se preocupar, sra. McIver." Fácil de dizer, difícil de fazer.
Haverá uma profunda mudança nas nossas vidas, tem que haver, além de perdermos o Irã e tudo o que tínhamos lá, um bocado de lixo, a maior parte não vai fazer falta. Agora que o Turbilhão acabou, eu devia estar louca ao sugeri-lo, mas como funcionou bem! Agora a maioria dos nossos rapazes já está fora de lá e em segurança. Não posso pensar em Tom nem em Marc nem em Fowler, Erikki, Azadeh e Xarazade, que Deus os abençoe, todos os nossos melhores equipamentos e portanto ainda estamos operando, a nossa parte na S-G tem que valer alguma coisa. Não vamos ficar sem um tostão e isto já é uma bênção. Imagino quanto faríamos com as nossas ações? Suponho que tenhamos uma participação. Mas e quanto ao "colapso da Bolsa"? Espero que isto não nos tenha prejudicado.
Seria bom ter um pouco de dinheiro, mas não me importo, contanto que Duncan fique bom. Talvez ele se aposente e talvez não. Eu não gostaria que ele se aposentasse, isto o mataria. Onde nós iríamos viver? Perto de Aberdeen? Ou em Edimburgo, perto de Sara e Trevor? Ou em Londres, perto de Hamish e Kathy? Em Londres não, é horrível, e nós não deveríamos morar muito perto de nenhum dos dois, não quero incomodá-los embora fosse bom poder visitá-los de vez em quando, ajudar com as crianças. Não quero ser uma sogra chata para Trevor nem para Kathy — uma garota tão bonita. Kathy, Kathleen, Kathy: Andrew e Kathy, e ir algumas vezes para o castelo Avisyard, e agora Andrew e Maureen e a pequena Electra. Eu não gostaria de ficar sozinha e não quero que Duncan...
Não quero reviver o horror, a escuridão, sem poder enxergar, com os jatos roncando, o fedor de petróleo — meu Deus, como é que eles agüentam o barulho e o balanço hora após hora — e o tempo todo Duncan sem ar, sem saber se ele estava vivo ou morto, gritando por duas vezes:' 'Ele está morto, ele está morto" — e ninguém ouvindo e ninguém para ajudar e o querido Charlie voando para cá o mais depressa que podia, o outro homem, o sargento iraniano, como era mesmo o nome dele, ah, sim, Wazari, Wazari simpático mas inútil. Oh, Deus, foi horrível, horrível, horrível, e durou uma eternidade... mas agora está tudo bem e graças a Deus eu estava lá. Duncan vai ficar bom. Vai ficar. Tem que ficar.
O que será que aconteceu com Wazari? Ele parecia tão assustado quando a polícia o levou. Espere um pouco, Jean-Luc não disse que tinha ouvido dizer que eles provavelmente o soltariam sob a custódia de Andy como exilado político se Andy garantisse tirá-lo de Bahrain e dar-lhe um emprego?
Maldita revolução! Que droga eu não ter podido voltar para apanhar algumas das minhas coisas! Havia aquela velha frigideira que não grudava nunca, e o bule de vovó que preparava chás tão gostosos mesmo com aqueles saquinhos nojentos e a água de Teerã. Ugh! Água! Dentro em breve nada mais de me agachar e usar água em vez de papel higiênico! Ugh! Nunca mais eu vou ter que me agachar...
— Por que é que você está sorrindo, Gen?
— Oh, deixe-me pensar. Oh, sim, eu estava pensando em ser obrigada a me agachar, nos infelizes de manhã perto do fosso e suas garrafas de água. Pobre gente. Era horrível e ao mesmo tempo engraçado. Nunca mais eu quero me agachar, meu rapaz. — Ela viu a mudança nos olhos dele e a sua ansiedade voltou. — Não vai ser ruim voltar para casa, Duncan. Não vai, eu prometo.
Depois de uma pausa, ele concordou, um pouco para si mesmo.
— Vamos esperar para ver, Gen. Não vamos tomar nenhuma decisão ainda. Não há necessidade de decidir o que faremos no próximo mês ou dois. Primeiro deixe-me ficar bom, e então decidiremos. Não se preocupe, sim?
— Eu não estou preocupada.
— Ótimo, não há necessidade de se preocupar. — Mais uma vez seus olhos foram atraídos pelo mar. Eu não vou passar o resto da minha vida agüentando o clima da Inglaterra, isto seria horrível. Aposentar-me? Cristo, vou ter que pensar em alguma coisa. Se eu tiver que parar de trabalhar vou ficar maluco. Talvez a gente conseguisse um lugarzinho perto do mar para passar o inverno, na Espanha ou no sul da França. Não vou deixar de jeito nenhum Gen ficar gelada e envelhecer antes do tempo. Aquele vento horrível do mar do Norte. De jeito nenhum! Nós vamos ter dinheiro mais do que suficiente agora que o Turbilhão foi um sucesso. Nove em dez 212. Maravilhoso! Não posso pensar nem em Dubois nem em Fowler nem em Tom e Erikki, Azadeh e Xarazade.
A ansiedade dele voltou e com ela uma pontada que aumentou ainda mais a ansiedade e que trouxe uma pontada ainda maior..
— O que você está pensando Duncan?
— Que está um dia lindo.
— Sim, sim, está.
— Você quer tentar ligar para o Andy para mim, Gen?
— É claro. — Ela pegou o telefone e discou, sabendo que seria melhor para ele falar um pouco. — Alô? Oh, alô, Scot, como vai? Aqui é Genny. — Ela ouviu e depois disse. — Isto é ótimo. Seu pai está ai? — Tornou a escutar e depois disse: — Não, apenas diga a ele que Duncan quer falar com ele. Ele está bem e pode-se falar com ele pela extensão aqui do quarto: 455. Ele só quer dizer alô. Você pede a Andy para ligar quando voltar? Obrigada, Scot... não, ele está bem, diga isto a Charlie. Até logo.
Pensativamente, ela pousou o fone no gancho.
— Nada de novo, Duncan. Andy foi até o aeroporto com Scrag. Eles vão ver aquele japonês. Você sabe qual é, aquele da Irã-Toda. Desculpe, eu não diria isto na cara dele, mas ainda não consigo perdoá-los pelo que fizeram na guerra.
McIver franziu a testa.
— Sabe, Gen, talvez estivesse na hora de fazer isso. Kasigi ajudou muito ao velho Scrag. Os 'pecados dos pais' é uma conversa que não leva a nada. Talvez nós devêssemos começar uma nova era. É isto o que temos, Gen, quer queira quer não, uma nova era. Não acha?
Ela viu o sorriso dele e isso quase a fez chorar de novo. Eu não posso chorar, vai ficar tudo bem, a nova era vai ser boa e ele vai melhorar, tem que melhorar... oh, Duncan, eu estou com tanto medo.
— Vou dizer-lhe uma coisa, rapaz — ela disse alegremente —, quando você estiver em forma, nós vamos passar umas férias no Japão e então vamos ver.
— Está combinado. Podemos até tornar a visitar Hong Kong. — Ele pegou-lhe a mão e apertou-a e ambos ocultaram o seu medo do futuro, medo pelo outro.
71
AL SHARGAZ — HOTEL INTERNACIONAL: 13:55H. Kasigi estava pro curando pelas mesas cheias no terraço impecável dando para a piscina, - Ah, sr. Gavallan, capitão Scragger, sinto muito estar atrasado Não faz mal, sr. Kasigi, sente-se por favor.
— Obrigado. — Kasigi estava usando um terno leve de tropical e parecia estar fresco, embora não estivesse. — Sinto muito, eu detesto chegar atrasado, mas no golfo é quase impossível ser pontual. Eu tive que vir de Dubai e o trânsito... Acho que devo dar-lhes os parabéns, ouvi dizer que o Turbilhão foi um sucesso quase total.
— Ainda estamos com um helicóptero e dois tripulantes desaparecidos, mas de modo geral tivemos muita sorte — disse Gavallan, sem nenhuma alegria. — O senhor gostaria de almoçar ou de tomar um drinque? — O almoço, solicitado por Kasigi, fora marcado para as 12:30h. Conforme haviam combinado antes, Gavallan e Scragger não tinham esperado e já estavam no café.
— Um conhaque com água mineral, por favor, num copo alto, e outro copo só com água mineral. Não quero almoçar, não estou com fome. — Kasigi mentiu educadamente, sem querer comer depois que eles já tinham terminado. Ele sorriu para Scragger. — Então! Estou muito satisfeito em ver que o senhor está em segurança e que conseguiu retirar o seu helicóptero e a sua tripulação. Meus parabéns!
— Desculpe ter tido que me esquivar das suas perguntas mas, bem, o senhor compreende.
— Assim que eu soube, eu entendi, é claro. Saúde! — Kasigi bebeu a água mineral, sedento. — Agora que o Turbilhão terminou, sr. Gavallan, talvez o senhor possa me ajudar a resolver os meus problemas na Irã-Toda.
— Eu gostaria muito, é claro, mas não posso. Sinto muito, mas não podemos. Não é possível, isto deve estar óbvio agora.
— Talvez seja possível. — Kasigi não desviou os olhos. — Ouvi dizer que vocês têm um prazo que se esgota hoje ao pôr-do-sol para tirar os seus aviões daqui ou eles serão apreendidos.
Gavallan fez um gesto com as mãos.
— Vamos esperar que seja apenas mais um boato.
— Um dos funcionários da sua embaixada informou ao nosso embaixador que isto era definitivo. Seria uma tragédia perder todos os aviões depois de tanto sucesso.
— Definitivo? O senhor tem certeza? — Gavallan sentiu um vazio por dentro.
— O meu embaixador está certo que sim. — Kasigi deu um sorriso agradável. Digamos que eu pudesse estender este prazo até o pôr-do-sol de amanhã, vocês poderiam resolver os meus problemas na Irã-Toda? Os dois homens ficaram olhando para ele, espantados.
— O senhor pode estender o nosso prazo, sr. Kasigi?
— Eu não posso, mas o nosso embaixador talvez pudesse. Tenho um encontro marcado com ele dentro de uma hora. Vou pedir a ele, talvez ele pudesse influenciar o embaixador iraniano, ou o xeque, ou ambos. — Kasigi viu o interesse de Gavallan e deixou isto no ar, sendo um pescador muito experiente em águas ocidentais para não conhecer a isca. — Eu estou em débito com o capitão Scragger. Não me esqueci de que ele salvou a minha vida e que saiu do seu caminho para me levar a Bandar Delam. Amigos não devem esquecer estas coisas. A nível de embaixador... talvez isto pudesse ser feito.
O embaixador japonês? Meu Deus, seria possível? O coração de Gavallan estava batendo, cheio de esperança com esta possibilidade inesperada.
— O nosso embaixador não pode fazer nada, o meu contato foi muito claro. Eu apreciaria qualquer ajuda que pudesse conseguir. O senhor acha que ele nos ajudaria?
— Se quisesse, acho que sim. — Kasigi tomou um gole do seu conhaque. — Do mesmo modo que o senhor pode nos ajudar. O meu presidente pediu para eu lhe transmitir os cumprimentos dele e mencionou um amigo em comum, Sir Ian Dunross. — Ele viu a reação nos olhos de Gavallan e acrescentou: — Eles jantaram juntos há duas noites.
— Se eu puder ajudar... qual é exatamente o seu problema? — Onde está a ratoeira e qual é o custo? pensou Gavallan. E onde está Ian? Tentei localizá-lo por três vezes e não consegui.
— Eu preciso de três 212 e de dois 206 na Irã-Toda o mais depressa possível, sob contrato de um ano. É essencial que a fábrica seja terminada e o komiteh local me prometeu total cooperação, se começarmos imediatamente. Se não o fizermos, será desastroso.
Na noite anterior, o engenheiro-chefe Watanabe, da Irã-Toda, tinha enviado um telex em código. "O chefe do komiteh, Zataki, está feito um louco por causa do seqüestro da S-G. O seu ultimato foi: ou nós reiniciamos a construção imediatamente, e para isso temos que ter helicópteros, ou a fábrica inteira será imediatamente tomada e nacionalizada e todos os estrangeiros que estão aqui responderão por traição. A hora D é após as orações da tarde de domingo, dia quatro, quando eu devo me apresentar diante do komiteh. Por favor envie instruções."
Telefonemas urgentes feitos durante a noite para Osaka e Tóquio tinham servido apenas para aumentar a raiva de Kasigi.
— Yoshi, meu caro amigo —, tinha dito seu primo e chefe Hiro Toda, com toda a gentileza —, eu consultei o sindicato. Todos nós concordamos que é ótimo que você esteja aí. Depende de você. Nós estamos absolutamente confiantes que você será capaz de resolver estes problemas antes de partir.
A mensagem era bem clara: resolva-os ou não volte.
Ele tinha passado o resto da noite tentando encontrar uma saída. Então, de madrugada, ele tinha se lembrado de algo que o embaixador dissera sobre o novo embaixador iraniano e que lhe sugeriu um meio possível de resolver o problema do prazo de Gavallan e o seu próprio problema.
— Para ser franco, sr. Gavallan — disse ele e quase riu alto por esta observação tão estúpida, mas tão necessária nas negociações ocidentais —, eu preciso de um plano até o pôr-do-sol de amanhã e também de respostas.
— Por que neste prazo, posso perguntar?
— Porque eu me comprometi com um amigo e tenho que honrar este compromisso — disse Kasigi. — Então nós dois temos um prazo, o mesmo. — Aí ele achou que estava na hora e puxou com força para ver se o anzol estava firme.
— Se o senhor puder me ajudar, eu ficarei eternamente grato. É claro que farei tudo para convencer o meu embaixador a ajudá-lo, de qualquer maneira.
— Não adianta oferecer-lhe os meus pássaros, eles seriam apreendidos na mesma hora, não adianta oferecer-lhe os 206 que deixamos para trás, eles também já devem estar fora de combate. A S-G está fora, a Bell também, bem como a Guerney e todas as outras companhias. O senhor poderia conseguir japoneses que fossem pilotos de helicóptero?
— Não, não há ninguém treinado. — Ainda não, pensou Kasigi, mais uma vez furioso com o Sindicato por não ter tido a visão de treinar o seu próprio pessoal de confiança para o serviço. — O pessoal vai ter que ser estrangeiro. O meu embaixador poderia facilitar vistos e assim por diante, é claro que vocês sabem que a Irã-Toda é um projeto nacional — ele acrescentou, sem se importar em exagerar. Ele o será em breve, assim que todas as informações que possuo chegarem às mãos certas. — Que tal tripulações francesas ou alemãs?
Com algum esforço, Gavallan desviou o pensamento da questão de como uma conversa a nível de embaixadores poderia levar à segurança dos seus homens e helicópteros, como ele poderia então livrar-se da armadilha de Linbar e ficar livre para lidar com a Imperial Helicópteros no mar do Norte, com a crise de Hong Kong, como resolveria a questão da retirada de circulação de Linbar, posicionando Scot para assumir o poder no futuro.
— Tantas possibilidades maravilhosas — disse involuntariamente, então disfarçou rapidamente e se concentrou em resolver o problema da Irã-Toda.
— Há dois aspectos neste problema. Primeiro, equipamentos e peças: se o senhor pudesse fornecer uma carta de crédito no valor da nossa taxa mensal usual, renovável pelo tempo que ficarem com os aparelhos, onde quer que eu os consiga, com uma garantia de que se as autoridades do Irã os apreenderem, vocês assumirão todos os pagamentos pelo leasing em dólares fora do Irã e reembolsarão os proprietários no caso de perda total, eu poderia enviá-los para a Irã-Toda dentro de... de uma semana.
Kasigi disse imediatamente:
— Os nossos banqueiros são os Sumitomo; eu poderia arranjar um encontro com eles aqui, esta noite. Isto não é problema. Onde o senhor conseguiria os aparelhos?
— Na Alemanha ou na França — não podemos usar nem aviões britânicos nem americanos. A mesma coisa com relação aos pilotos. A França provavelmente é melhor por causa da ajuda que deu a Khomeini. Eu poderia consegui-los através de alguns amigos na Aerospatiale. E quanto ao seguro? Não poderei conseguir um seguro para vocês no Irã.
— Talvez eu possa fazer isso através do Japão.
— Ótimo. Eu odiaria pôr no ar pássaros não segurados. Outra coisa: Scrag, digamos que seja possível conseguir os aparelhos, quantos pilotos e mecânicos seriam necessários?
— Bem, Andy, se você pudesse consegui-los, seria melhor ter de oito a dez pilotos e de dez a quatorze mecânicos, baseados fora do Irã, mas bem perto.
— Quem os pagaria, sr. Kasigi? Em que moeda e onde?
— Na moeda que quisessem, onde quer que desejassem e na forma que desejassem. Preços padrões?
— Acho que o senhor teria que oferecer um 'bônus de risco de vida', em se tratando do Irã.
— O senhor poderia providenciar tudo para mim, sr. Gavallan, o equipamento e o pessoal, por, digamos, uma comissão de dez por cento?
— Vamos esquecer as porcentagens e nos lembrar de que o nosso envolvimento terá que ser mantido em segredo. Eu sugeriria o seguinte: a sua operação deveria ser controlada, logística, peças e reparos, do Kuwait ou de Bahrain.
— Bahrain seria melhor, Andy — disse Scragger.
— O Kuwait fica muito mais perto — retrucou Kasigi.
— Sim — disse Scragger — e está muito mais sujeito a pressões do Irã ou a tumultos incentivados pelo Irã. Este lado do golfo está destinado a uma convulsão, eu acho. Há xiitas demais, que geralmente são pobres, xeques demais na maioria sunitas. A curto ou longo prazo o senhor estará mais seguro em Bahrain.
— Então será Bahrain — disse Kasigi. — Sr. Gavallan, posso contar com os serviços do capitão Scragger durante um ano para dirigir a operação, se esta for realizada, pelo dobro do seu salário atual? — Ele viu os olhos de Scragger estreitarem-se e imaginou se teria ido longe demais ou depressa demais, então acrescentou sorrindo: — Se estou querendo que você desista do seu primeiro amor, meu amigo, o mínimo que posso fazer é tentar recompensá-lo.
— É uma grande oferta, mas, bem, eu não sei. Andy? Gavallan hesitou.
— Isto significa que você teria que sair da S-G, Scragger, e deixar de pilotar. Você não poderia comandar cinco naves e pilotar, e de qualquer maneira, você nunca poderia voltar ao Irã, de jeito nenhum.
Está certo. Desistir de voar. Então eu também estou numa encruzilhada, Scragger estava pensando. Não tente fingir que o azar de Mac não o abalou. E por que eu desmaiei ontem? O dr. Nutt disse que foi só exaustão. Besteira, eu nunca desmaiei na minha vida e o que é que os médicos entendem disso, afinal? Um ano em Bahrain? Isto é melhor do que alguns meses no mar do Norte, sempre esperando pelo próximo exame médico. Sem voar? Meu Deus! Espere um instante, eu poderia me manter em forma e fazer alguns vôos locais.
— Eu vou ter que pensar no assunto, mas obrigado pela oferta, sr. Kasigi.
— Enquanto isso, sr. Gavallan, o senhor poderia organizar os primeiros dois meses?
— Sim, com um pouco de sorte, durante esta semana eu poderia conseguir aparelhos e pessoal em número suficiente para vocês começarem, o resto dentro de uma ou duas semanas para um contrato de três meses sujeito a renovação. — Gavallan acrescentou o mais delicadamente possível: — Desde que consigamos alargar o nosso prazo
Kasigi disfarçou o seu contentamento.
— Ótimo. Podemos nos encontrar aqui às nove? Eu trarei o sr. Umura, que é o presidente do Sumitomo no golfo, para providenciar as cartas de crédito na forma que o senhor quiser, sr. Gavallan.
— Nove horas em ponto. Talvez o senhor pudesse mencionar para o seu embaixador que mesmo que o prazo que termina hoje ao pôr-do-sol seja alargado, os meus cargueiros só chegarão ao meio-dia de amanhã e eu só terminarei de carregá-los ao pôr-do-sol de amanhã.
— O senhor manterá esta 'conversa de embaixadores' só entre nós?
— É claro. O senhor tem a minha palavra. Scrag?
Kasigi ouviu Scragger dizer o mesmo e ficou estarrecido pelo fato dos ocidentais confiarem na 'palavra' de alguém — palavra de honra, honra de quem, que honra? Não é verdade que um segredo partilhado não é mais um segredo e nunca mais tornará a ser? Como o Turbilhão, tinha sido tão fácil descobri-lo.
— Talvez nós pudéssemos combinar o seguinte: nós resolvemos as questões financeiras e as cartas de crédito hoje à noite; o senhor começa a providenciar os helicópteros, peças e tripulações, como dirigir a operação de Bahrain, armazenagem, e tudo o mais, tudo sujeito a confirmação amanhã ao pôr-do-sol. Se vocês tiverem retirado o seu próprio equipamento até lá, o senhor garante que a Irã-Toda terá os seus helicópteros no decorrer da semana.
— O senhor parece estar muito confiante em conseguir alargar o nosso prazo.
— Talvez o meu embaixador possa fazê-lo. Assim que terminar o meu encontro com ele, eu telefono para informar o que ele disse a respeito. Capitão Scragger, seria possível o senhor organizar um programa de treinamento para pilotos japoneses?
— Facilmente, desde que eles falassem inglês e tivessem pelo menos cem horas de vôo em helicópteros. Eu teria que conseguir um instrutor e... — Scragger parou. De repente, tinha-lhe ocorrido que aquela era a solução perfeita. — E uma grande idéia, eu poderia ser o examinador. Assim vou poder voar bastante. Grande! — ele sorriu, radiante. — Vou lhe dizer uma coisa, meu velho, se Andy puder dar um jeito, estou com você. — Ele estendeu a mão e Kasigi apertou-a.
— Obrigado. Perfeito. Então, sr. Gavallan, vamos tentar?
— Por que não? — Gavallan estendeu a mão e sentiu o aperto de mão firme de Kasigi e pela primeira vez acreditou que realmente houvesse uma chance. Kasigi é esperto. Muito esperto. Agora ele conseguiu estabelecer a forma de atuação moderna das companhias japonesas: contratar especialistas estrangeiros para treinar pessoal japonês em serviço, ou criar o mercado nos seus próprios países e então colocar os treinandos. Nós ficamos com os lucros a curto prazo, eles ficam com o mercado a longo prazo. Eles estão fazendo conosco nos negócios o que não conseguiram fazer durante a guerra. Sem tirar nem pôr. E daí? É um acordo justo. E se Kasigi e o seu embaixador conseguirem livrar-me do desastre, não custa nada ajudá-lo a livrar-se do seu.
— Vamos tentar.
Kasigi sorriu de verdade pela primeira vez.
— Obrigado. Eu telefono assim que tiver notícias — Ele cumprimentou e se afastou
— Você acha que ele vai conseguir, Andy? — Scragger perguntou esperançoso.
— Para ser franco, eu não sei. — Gavallan fez sinal ao garçom para trazer a conta.
— Como é que você vai resolver o problema dele a tempo? Gavallan começou a responder e parou. Ele tinha acabado de ver Pettikin e Paula sentados numa mesa perto da piscina, com as cabeças bem juntinhas.
— Eu pensei que Paula fosse para Teerã hoje de manhã.
— Ela ia. Talvez o vôo tenha sido cancelado ou ela tenha dado parte de doente. — Scragger disse distraidamente.
— O quê?
— Isso é comum. Se estiver um dia bonito e uma garota de repente quiser tirar a tarde de folga para nadar ou fazer amor ou simplesmente passear, ela liga para o escritório durante a hora do almoço e diz que está se sentindo mal. Doente. — As sobrancelhas de Scragger se ergueram. — Esta Paula é qualquer coisa... Charlie é um felizardo.
Gavallan viu o prazer no rosto deles, ali sentados, esquecidos do mundo. Além da preocupação com Dubois, Erikki e os outros, ele tinha lido a notícia nos jornais sobre o súbito estouro da bolsa em Hong Kong: "Muitas das companhias mais importantes, a começar pela Struan's, Rothwell-Gornt, Par-Con da China, perderam 30 por cento do seu valor ou mais num dia, com o mercado inteiro caindo e sem perspectivas de parar de cair. A declaração dada pelo Tai-Pan, sr. Linbar Struan, dizendo que isso era apenas uma oscilação temporária, provocou uma reação violenta no governo e nos seus rivais. A imprensa mais sensacionalista estava cheia de boatos sobre acordos internos entre os Quatro Grandes e manipulações para fazer os preços despencarem." Deve ser por isso que eu não consigo encontrar o Ian. Será que ele foi para Hong Kong? Maldito Linbar! O balanço da companhia este ano vai ser vermelho de alto a baixo.
Com esforço ele pôs um freio na mente. Ele viu Pettikin inclinar-se e segurar a mão de Paula. Ela não retirou a sua.
— Você acha que ele vai pedi-la, Scrag?
— Se não o fizer, ele é um idiota.
— Eu concordo. — Gavallan suspirou e se levantou. — Scrag, eu não vou esperar. Você assina a conta, depois vai falar com Charlie, diga que sinto muito mas que preciso dele no escritório por uma hora, depois ele pode tirar o resto do dia de folga. Depois localize Rudi e Willi. Eu vou telefonar para Jean-Luc e nós todos vamos tentar dar um jeito para atender Kasigi, caso ele tenha sucesso em resolver o nosso problema. Não diga a eles por que, diga só que é urgente e que eles fiquem de boca fechada. — Ele se afastou.
— Ei, sr. Gavallan! — Ele parou. Era o americano Wesson, que jovialmente levantou-se da mesa e estendeu a mão. — O senhor tem tempo para um drinque?
— Oh, olá, sr. Wesson, obrigado, mas, ahn, podemos deixar para outra vez? Eu estou com pressa.
— Claro, quando quiser. — Wesson sorriu para ele e se inclinou, cochichando de forma conspiratória, e pela primeira vez Gavallan notou o pequeno aparelho de surdez que ele usava na orelha esquerda. — Só queria dar-lhe os parabéns, o senhor deu uma lição naqueles palhaços.
— Nós, ahn, nós só tivemos sorte. Desculpe, mas tenho que correr. Até logo.
— Claro, até logo. — Pensativamente, Wesson apanhou a caneta e guardou-a no bolso. Então Kasigi vai tentar fisgar Gavallan, pensou, dirigindo-se para o saguão. Eu nunca teria imaginado isso. Merda, o novo regime não vai cooperar de jeito nenhum. Kasigi está sonhando. O pobre infeliz deve estar ficando louco, a Irã-Toda está uma bagunça e, que diabo, mesmo que eles começassem agora, levariam anos para pôr a fábrica para produzir, e todo mundo sabe que a torneira de petróleo do Irã vai ficar fechada, fazendo o Japão perder 70 por cento do seu suprimento de energia; vai haver com certeza outro aumento nos preços mundiais, mais inflação... O Japão é o nosso único aliado no Pacífico e os pobres infelizes vão ficar sem ter o que fazer.
Jesus, com Lengeh fechado, todo o campo de Siri não estará em perigo? Como é que de Plessey vai operar Siri sem o apoio de helicópteros? Embaixador, hein? Interessante. Como é que isto vai funcionar? Quem faz o quê? Para quem? E o que eu passo adiante para o velho Aaron? Tudo, o velho filho da mãe vai conseguir destrinchar isto.
Ele atravessou o saguão e caminhou em direção ao seu carro e não notou que Kasigi estava numa das cabines telefônicas.
— ...concordo plenamente, Ishii-san — Kasigi estava dizendo respeitosamente em japonês, com o suor escorrendo pela testa. — Por favor informe a Sua Excelência que nós vamos conseguir equipamento e tripulação, eu tenho certeza, se o senhor conseguir arranjar o resto. — Ele disfarçou o nervosismo.
— Ah, é mesmo? Excelente — Ishii disse, falando da embaixada. — Vou informar a Sua Excelência imediatamente. Mas e quanto ao embaixador iraniano? Teve notícias dele?
Kasigi se sentiu perdido.
— Ele não aceitou o convite?
— Não, sinto muito, ainda não, e já são quase três horas. É uma pena. Por favor, compareça ao encontro conforme combinamos. Obrigado, Kasigi-san.
— Obrigado, Ishii-san — respondeu, com vontade de gritar. Delicadamente, repôs o fone no gancho.
No saguão refrigerado ele se sentiu um pouco melhor e foi ao balcão de recepção. Lá ele apanhou os recados que haviam deixado para ele — dois de Hiro Toda, pedindo para ele telefonar — e subiu para o seu quarto e trancou a porta. Amassou os recados e jogou-os na privada, e começou a urinar sobre eles.
— Meu caro estúpido primo Hiro — disse alto em japonês — se eu salvar o seu estúpido pescoço, o que tenho que fazer para salvar o meu próprio — e acrescentou uma torrente de palavrões em inglês, já que não havia nenhum em japonês — a sua família vai ficar em débito com a minha por oito gerações por todos os problemas que você está me causando.
Ele deu a descarga, tirou a roupa, tomou uma chuveirada e se deitou nu na cama, sentindo a brisa fresca, querendo juntar energias e recobrar a tranqüilidade para se preparar para o encontro.
A observação casual do embaixador japonês que dera início a todo o seu plano tinha sido feita para Roger Newbury numa recepção na embaixada britânica há dois dias. O embaixador tinha mencionado que o novo embaixador iraniano estava lamentando o fechamento da Irã-Toda, que daria ao novo Estado islâmico uma posição de poder econômico em toda a região do golfo.
— O nome dele é Abadani, ele freqüentou a universidade, é formado em economia, é, evidentemente fundamentalista, mas não um fanático. É bastante jovem e sem muita experiência, mas é um funcionário de carreira, fala inglês bem e esteve na embaixada de Kabul...
Na hora, aquelas observações não tinham significado muito para Kasigi. Então aconteceu o Turbilhão. As informações de Teerã tinham-se espalhado pelo golfo e chegaram os rumores do pedido feito por Abadani de uma inspeção dos helicópteros de Gavallan, marcada para aquela tarde — uma inspeção que, evidentemente, provaria que os helicópteros tinham registros iranianos:
— ...e isto, Kasigi-san, vai criar um incidente internacional — Ishii tinha dito a ele na noite anterior —, porque agora o Kuwait, a Arábia Saudita e Bahrain estarão implicados, e isto, posso assegurar-lhe, todos prefeririam evitar, principalmente o nosso xeque.
Ao amanhecer, ele fora ver Abadani e tinha explicado sobre Zataki e o reinicio da construção, acrescentando sigilosamente, que o governo japonês estava transformando a Irã-Toda num projeto nacional — e portanto responsabilizando-se por todo o financiamento futuro — e que com a cooperação de sua Excelência Abadani ele poderia começar também o trabalho em Bandar Delam imediatamente.
— Projeto nacional? Graças a Deus! Se o seu governo estiver por trás disso formalmente, isso resolveria todos os problemas de financiamento de uma vez por todas. Graças a Deus. O que posso fazer? Qualquer coisa!
— Para recomeçar imediatamente, eu vou precisar de helicópteros e de pilotos estrangeiros. A única maneira de consegui-los rapidamente é com a ajuda da S-G helicópteros e do sr. Gaval...
Abadani tinha explodido.
Depois de escutar educadamente, aparentemente concordando com uma longa tirada sobre pirataria aérea e inimigos do Irã, Kasigi tinha voltado ao ataque de uma forma indireta.
— O senhor tem toda a razão, Excelência — tinha dito. — Mas eu tive que escolher entre me arriscar a desagradar-lhe trazendo isto ao seu conhecimento ou falhar no meu dever para com o seu grande país. A nossa escolha é simples: se eu não conseguir helicópteros, não posso reiniciar a obra. Já tentei a Guerney's e outras companhias sem sucesso e agora eu sei que posso consegui-los rapidamente através deste homem horrível, é claro que só por alguns meses até que eu possa providenciar pessoal japonês. Se eu não recomeçar imediatamente, isto deixará Zataki furioso, eu posso garantir-lhe que ele e o seu komiteh de Abadan são a própria lei, e ele vai cumprir a sua ameaça. Isto chocará e embaraçará o meu governo, fazendo-o adiar a implementação do financiamento para o projeto nacional e então... — Ele deu de ombros. — O meu governo vai mandar que se abandone a Irã-Toda e vai começar uma nova fábrica petroquímica numa área segura como a Arábia Saudita, o Kuwait ou o Iraque.
— Seguro? O Iraque? Aqueles ladrões? Arábia Saudita ou Kuwait? Por
Deus, eles são domínios decadentes, prontos a serem tomados pelo povo. É perigoso iniciar um negócio a longo prazo com os xeques, muito perigoso. Eles não obedecem à lei de Deus. Agora o Irã o faz. O Irã está firme agora. O imã, que a paz de Deus esteja com ele, nos salvou. Ele ordenou que o petróleo deve jorrar. Deve haver algum outro meio de conseguir helicópteros e pilotos! Gavallan e o seu bando de piratas estão de posse de propriedade nossa. Eu não posso ajudar piratas a escapar. O senhor quer que piratas escapem?
— Deus me livre, eu jamais sugeriria isso. É claro que nós não temos certeza de que eles sejam piratas, Excelência. Eu ouvi dizer que tudo isso não passa de boatos espalhados pelos nossos inimigos que querem ver o Irã ainda mais prejudicado. Mesmo que fosse verdade, o senhor poderia comparar nove helicópteros usados com três bilhões de dólares já gastos e outro um bilhão que o meu governo poderia ser convencido a investir?
— Sim. Pirataria é pirataria, lei é lei, o xeque concordou com a inspeção, a verdade é a verdade. Insha'Allah.
— Concordo inteiramente, Excelência, mas o senhor sabe que a verdade é relativa e um adiamento até amanhã depois do pôr-do-sol seria do interesse do seu país... — Ele tinha corrigido rapidamente — do interesse do imã e do seu Estado islâmico.
— A verdade de Deus não é relativa.
— Sim, sim, é claro — disse Kasigi, aparentemente calmo, mas rangendo os dentes por dentro. Como alguém pode lidar com estes lunáticos que usam a sua fé como desculpa para tudo e 'Deus' todas as vezes que desejam interromper um raciocínio lógico? São todos loucos, bitolados! Eles não querem compreender como nós, japoneses, que é preciso ser tolerante com as crenças dos outros povos, e que a vida vai 'de nada até nada', e que céu e inferno e Deus são apenas fumaça de ópio de um cérebro desarranjado — até prova em contrário!
— É claro que o senhor tem razão, Excelência. Mas não serão os helicópteros e pilotos dele, eu preciso apenas das relações que ele tem. — Ele tinha esperado e escutado pacientemente e então tinha jogado a sua última cartada:
— Estou certo de que o xeque e o ministro do Exterior ficariam imensamente gratos se o senhor adiasse a inspeção até amanhã para que eles pudessem comparecer à recepção do meu embaixador às oito horas de hoje à noite.
— Recepção, sr. Kasigi?
— Sim, foi marcada em cima da hora, mas é tremendamente importante
— por acaso eu sei que o senhor é o convidado mais importante. — Kasigi tinha baixado ainda mais o tom de voz. — Peço-lhe para não dizer como o senhor ficou sabendo disso, mas, muito em particular, posso dizer-lhe que o meu governo está em busca de contratos de petróleo a longo prazo, que poderiam ser extremamente lucrativos para vocês caso o Irã pudesse continuar a fornecer-nos petróleo. Seria o momento perfeito pa...
— Contratos de longos prazos? Eu concordo que os contratos negociados pelo xá não valem nada, são unilaterais e precisam ser cancelados. Mas nós damos valor aos japoneses como clientes. O Japão jamais tentou nos explorar. Estou certo de que o seu embaixador não se importaria de começar a recepção uma hora mais tarde. O xeque, o ministro do Exterior, Newbury e eu poderíamos ir diretamente do aeroporto.
Kasigi não sabia bem até onde podia ir. Mas, Excelência, ele pensou, se o senhor não adiar a sua inspeção, eu me vingarei, porque o senhor me terá feito cometer o único pecado que levamos em conta: o fracasso.
— É uma sorte que o Irã esteja tão bem representado aqui.
— Eu irei com certeza à recepção, sr. Kasigi, depois da inspeção.
A cartada final de Kasigi fora dada com toda a elegância necessária:
— Tenho a sensação, Excelência, de que o senhor será convidado muito em breve para ir ao meu país para conhecer os líderes mais importantes, 05 mais importantes, de lá, pois o senhor certamente percebe o quanto o seu Estado islâmico é vital para o Japão, e para verificar recursos tecnológicos que seriam muito valiosos para o Irã.
— Nós... nós certamente estamos precisando de amigos sinceros — disse Abadani.
Kasigi o observara cuidadosamente e não tinha visto nenhuma reação, apenas os mesmos olhos impiedosos e a mesma inflexibilidade.
— Nesses tempos difíceis é essencial cuidar dos amigos, não acha? A pessoa nunca sabe quando a desgraça pode atingi-la, seja ela quem for. Não acha?
— Isto está nas mãos de Deus. Só Dele. — Tinha havido uma longa pausa, e depois Abadani dissera: — Seja como Deus quiser. Vou pensar no que o senhor disse.
Agora, na privacidade do seu quarto de hotel, Kasigi estava com muito medo. Só é essencial cuidar de você mesmo. Por mais inteligente ou cuidadoso que você seja, você nunca sabe quando a desgraça vai atingi-lo. Se os deuses existem, é só para nos atormentar.
NO INTERIOR DA TURQUIA: 16:23H. Eles tinham pousado perto da aldeia naquela manhã, a menos de um quilômetro da fronteira. Erikki teria preferido entrar um pouco mais no país por medida de segurança, mas os seus tanques estavam secos. Ele fora interceptado e caíra numa emboscada de novo, desta vez por dois caças e dois aviões de combate Huey e tivera que aturá-los por mais de um quarto de hora até conseguir se esgueirar através da fronteira. Os dois Huey não se aventuraram a atravessar a fronteira, mas tinham continuado a circular do outro lado.
— Esqueça-os, Azadeh — dissera alegremente —, nós estamos seguros agora.
Mas não estavam. Os aldeões os haviam cercado e a polícia chegara. Quatro homens, um sargento e outros três, todos de uniforme — amarrotados e mal cortados — com revólveres no coldre. O sargento usava óculos escuros para se proteger dos reflexos do sol na neve. Nenhum deles falava inglês. Azadeh os cumprimentara de acordo com o plano que ela e Erikki tinham combinado, explicando que Erikki, um cidadão finlandês, fora empregado por uma companhia britânica, sob contrato com a Madeira Iraniana, que nos tumultos ocorridos no Azerbeijão e nas batalhas perto de Tabriz a sua vida fora ameaçada pelos esquerdistas, que ela, sua esposa, também fora ameaçada, e então eles tinham fugido.
— Ah, o effendi é finlandês, mas a senhora é iraniana?
— Finlandesa pelo casamento, sargento, iraniana de nascimento. Aqui estão os nossos documentos. — Ela entregara a ele o seu passaporte finlandês que não incluía referências ao seu falecido pai, Abdullah Khan. — Podemos usar o telefone, por favor? Nós podemos pagar, é claro. O meu marido gostaria de ligar para a embaixada dele e também para o seu patrão em Al Shargaz.
— Ah, Al Shargaz. — O sargento balançou a cabeça satisfeito. Ele era robusto, e apesar de bem barbeado, a sombra da sua barba aparecia na pele dourada. — Onde fica isso?
Ela o informou, muito consciente da sua aparência e da de Erikki. Erikki com o curativo sujo e manchado de sangue e ela com o cabelo desgrenhado, as roupas e o rosto sujos. Atrás deles, os dois Huey continuavam a circular. O sargento observou-os Pensativamente.
— Por que eles ousariam mandar caças para o nosso espaço aéreo e helicópteros atrás de vocês?
— A vontade de Deus, sargento. Temo que haja muitas coisas estranhas ocorrendo daquele lado da fronteira.
— Como estão as coisas na fronteira? — ele fez sinal para os dois outros policiais se encaminharem para o 212 e começou a escutar atentamente. Os três policiais se aproximaram, espiaram o interior da cabine de comando. Buracos de bala, manchas de sangue e instrumentos quebrados. Um deles abriu a porta da cabine. Muitas armas automáticas. Mais buracos de balas.
— Sargento!
O sargento respondeu mas esperou educadamente até que Azadeh tivesse terminado. Aldeões escutavam de olhos arregalados, não havia nenhum chador nem véu entre eles. Então ele apontou para uma das cabanas da aldeia.
— Por favor, esperem ali na sombra. — O dia estava frio, a terra coberta de neve, o sol brilhante refletindo na neve. Sem se apressar, o sargento examinou a cabine de comando. Ele apanhou o kookri, tirou-o um pouco para fora da bainha e tornou a guardá-lo. Então fez sinal para Azadeh e Erikki se aproximarem. — Como o senhor explica as armas, effendfí
Nervosa, Azadeh traduziu a pergunta para Erikki.
— Diga-lhe que elas foram deixadas no meu aparelho por nativos que estavam tentando seqüestrá-lo.
— Ah, nativos — disse o sargento. Espanta-me que os nativos tenham deixado um tal tesouro para trás. O senhor pode explicar isso?
— Diga a ele que foram todos mortos por legalistas e que eu escapei no meio da confusão.
— Legalistas, effendi?. Que legalistas?
— Polícia. A polícia de Tabriz — disse Erikki, desconfortavelmente consciente de que cada pergunta os arrastava ainda mais para o abismo. — Pergunte a ele se posso usar o telefone, Azadeh.
— Telefone? Certamente, no seu devido tempo. — O sargento estudou os Huey que circulavam por um momento. Então tornou a fitar Erikki com seus olhos duros. — Estou contente em saber que a polícia era leal. A polícia tem um dever para com o Estado, para com o povo e para com o cumprimento da lei. Contrabando de armas é contra a lei. Fugir da polícia que está defendendo a lei é crime, não é?
— Sim, mas nós não somos contrabandistas de armas, sargento, nem fugitivos da polícia — respondeu Azadeh, ainda mais amedrontada agora. A fronteira estava tão perto, perto demais. Para ela, a última parte da fuga tinha sido terrível. Obviamente, Hakim havia alertado toda a região da fronteira; só ele teria o poder de conseguir uma interceptação tão rápida, tanto por terra quanto por ar.
— O senhor está armado? — o sargento perguntou delicadamente.
— Só tenho uma faca.
— Poderia entregar-me, por favor? — Erikki obedeceu. — Por favor, sigam-me.
Eles foram para a delegacia, um pequeno prédio de tijolos com celas e alguns escritórios com telefones, perto da mesquita, na pequena praça da aldeia.
— Nos últimos meses, nós tivemos refugiados de todos os tipos passando pelas nossas estradas, iranianos, ingleses, europeus, americanos, muitos do Azerbeijão, mas nenhum soviético. — Ele riu da própria piada. — Muitos refugiados, ricos, pobres, bons, maus, muitos criminosos entre eles. Alguns foram mandados de volta, outros puderam continuar. Insha'Allah. Por favor, esperem ali.
"Ali" não era uma cela, mas uma sala com algumas cadeiras, uma mesa e grades nas janelas, muitas moscas e nenhuma saída. Mas estava quente e razoavelmente limpa.
— Nós podemos comer e beber alguma coisa e usar o telefone, por favor? — perguntou Azadeh. — Nós podemos pagar, sargento.
— Vou mandar trazer alguma coisa do hotel. A comida é boa e não é cara
— Meu marido quer saber se pode usar o telefone
— Certamente. No devido tempo.
Isto tinha acontecido de manhã, e agora já estavam no final da tarde. Nesse meio tempo, a comida tinha chegado, arroz e guisado de carneiro, pão e café turco. Ela pagara com riais e não fora caro. O sargento autorizara-os a usar o buraco fedorento no chão do banheiro e a se lavarem com a água de um tanque e de uma velha pia. Não havia nenhum material de primeiros socorros, só iodo. Erikki limpada as suas feridas o melhor possível, trincando os dentes de dor, ainda fraco e exausto. Depois, tinha-se esticado numa cadeira, posto os pés sobre outra e, com Azadeh ao seu lado, adormecera. De vez em quando, a porta se abria e um dos policiais entrava e tornava a sair.
— Matyeryebyets — resmungava Erikki. — Para onde podemos escapar?
Ela o acalmara e ficara perto dele, mantendo o seu próprio medo sob controle. Preciso ajudá-lo, pensava sem parar. Estava se sentindo melhor agora com o cabelo penteado, o rosto limpo, o suéter arrumado. Pela porta, podia escutar conversas abafadas, ocasionalmente o telefone tocando, carros e caminhões passando pela estrada, moscas zumbindo. O cansaço a venceu e ela dormiu profundamente, um sono cheio de pesadelos: barulho de motores e tiros e Hakim montado como um cossaco, perseguindo-os, ela e Erikki enterrados até o pescoço no chão, os cascos dos cavalos passando perto deles, depois conseguindo libertar-se, correndo para a fronteira que era formada por quilômetros de arame farpado, o falso mulá, Mahmud, e o açougueiro aparecendo de repente entre eles e a salvação e...
A porta se abriu. Os dois acordaram, assustados. Um major impecávelmente uniformizado estava lá, ladeado pelo sargento e outro policial. Era um homem alto e severo.
— Seus documentos, por favor — ele disse para Azadeh.
— Eu, eu os entreguei ao sargento, major.
— A senhora entregou-lhe um passaporte finlandês. Os seus documentos iranianos. — O major estendeu a mão. Ela foi vagarosa demais. Imediatamente o sargento se adiantou e agarrou-lhe a bolsa, espalhando o conteúdo desta sobre a mesa. Ao mesmo tempo, o outro policial avançou para Erikki, com a mão no revólver, e fez sinal para ele ir para o outro canto da sala. O major tirou o pó de uma cadeira e sentou-se, recebeu a carteira de identidade iraniana dela das mãos do sargento e examinou-a cuidadosamente, depois olhou para o conteúdo da bolsa que estava espalhado sobre a mesa. Abriu o saco de jóias. Seus olhos se arregalaram.
— Onde conseguiu isto?
— São minhas. Eu as herdei dos meus pais. — Azadeh estava assustada, sem saber o que o major sabia e tinha visto a maneira como ele a olhava. Erikki também. — O meu marido pode usar o telefone, por favor? Ele quer...
— No devido tempo! Já lhe disseram isso muitas vezes. No devido tempo é no devido tempo. — O major fechou a bolsa e colocou-a na mesa, diante dele. Seus olhos examinaram-lhe os seios. — O seu marido não fala turco?
— Não, major.
O oficial virou-se para Erikki e disse em bom inglês:
— Há uma ordem de prisão contra o senhor, expedida de Tabriz. Por tentativa de homicídio e rapto.
Azadeh empalideceu e Erikki controlou o seu pânico o melhor que pôde.
— Rapto de quem, senhor?
O major teve um lampejo de irritação.
— Não tente brincar comigo. Desta senhora. Azadeh, irmã de Hakim, o Gorgon Khan.
— Ela é minha esposa. Como pode um marido...
— Eu sei que ela é sua esposa e é melhor o senhor contar-me a verdade, por Deus. A ordem de prisão diz que o senhor a levou contra a sua vontade e fugiu num helicóptero iraniano. — Azadeh começou a responder, mas o major exclamou:
— Eu perguntei a ele, não à senhora. E então?
— Foi sem o consentimento dela e o helicóptero é britânico e não iraniano. O major ficou olhando para ele, depois virou-se para Azadeh.
— Bem?
— Foi... foi sem o meu consentimento..
— Mas o quê?
Azadeh sentiu-se mal. Sua cabeça doía e ela estava desesperada. A polícia turca era conhecida pela sua inflexibilidade, seu grande poder pessoal e sua dureza.
— Por favor, major, talvez possamos conversar em particular, explicar isto em particular.
— Nós estamos falando em particular agora, madame — o major disse secamente, e então, percebendo a sua angústia e a sua beleza, acrescentou: — Inglês é mais particular do que turco. Então...
Então, hesitando, escolhendo cuidadosamente as palavras, ela falou sobre o juramento feito a Abdullah Khan e sobre Hakim e o dilema, impossibilitada de partir e sem poder ficar e como Erikki, com sua sabedoria, tinha desfeito o nó górdio. As lágrimas escorriam-lhe pelo rosto.
— Sim, foi sem o meu consentimento, mas de certa forma foi com o consentimento do meu irmão que ajudou Eri...
— Se foi com o consentimento de Hakim Khan, então por que ele está oferecendo uma enorme recompensa por este homem, vivo ou morto — perguntou o major, sem acreditar nela — e expediu a ordem de prisão no nome dele, exigindo extradição imediata, se necessário?
Ela ficou tão chocada que quase desmaiou. Sem pensar, Erikki fez menção de se aproximar dela, mas enfiaram-lhe um revólver no estômago.
— Eu só ia ajudá-la — disse ele.
— Então fique onde está! — Em turco, o oficial disse: — Não o mate — E em inglês: — Bem, lady Azadeh. Por quê?
Ela não pôde responder. Seus lábios se moveram, mas não emitiram nenhum som. Erikki respondeu por ela:
— O que mais podia um khan fazer, major? A honra de um khan está envolvida. Publicamente, ele teria que fazer isso, não teria, mesmo que estivesse de acordo?
— Talvez, mas não tão depressa, não, não tão depressa, não pondo em alerta caças e helicópteros. — Por que ele faria isso se quisesse que vocês escapassem? pensou, foi um milagre vocês não terem sido obrigados a pousar, não terem caído com todos aqueles buracos de bala. Isto tudo parece um monte de mentiras. Talvez ela esteja com tanto medo dele que seja capaz de dizer qualquer coisa. Agora, a sua fuga do palácio, o que aconteceu exatamente?
Erikki contou a ele. Não há mais nada a fazer, pensou. Apenas contar a verdade e manter a esperança. Sua atenção estava toda em Azadeh, vendo o horror que a dominava, no entanto, é claro que Hakim reagiria dessa maneira, é claro que vivo ou morto. O sangue do seu pai não lhe corria nas veias?
— E as armas?
Mais uma vez, Erikki contou tudo, como fora forçado a pilotar para a KGB, sobre o xeque Bayazid, seu rapto e resgate e o ataque ao palácio, sendo obrigado a transportá-los e depois eles quebrando o juramento e então sendo obrigado a matá-los.
— Quantos homens?
— Não me lembro exatamente. Uma meia dúzia, talvez mais.
— O senhor gosta de matar, hein?
— Não, major, eu detesto. Mas, por favor, acredite, nós fomos capturados numa teia, contra a nossa vontade, tudo o que queremos é partir em paz, por favor, deixe-me ligar para a minha embaixada... eles podem se responsabilizar por nós... nós não somos uma ameaça para ninguém.
O major ficou olhando para ele.
— Eu não concordo, a sua história é muito inverossímil. Você está sendo procurado por rapto e tentativa de homicídio. Por favor, acompanhe o sargento — ele disse e repetiu em turco. Erikki não se mexeu, fechou os punhos e estava a ponto de explodir. Imediatamente, o sargento empunhou o revólver os dois policiais se aproximaram dele ameaçadoramente e o major disse duramente: — É uma ofensa muito séria desobedecer à polícia neste país. Vá com o sargento. Vá com ele.
Azadeh tentou dizer alguma coisa, mas não conseguiu. Erikki empurrou a mão do sargento, controlando a raiva e o medo, e tentou sorrir para dar-lhe coragem.
— Está tudo bem — murmurou e acompanhou o sargento.
Azadeh estava quase dominada pelo pânico. Suas mãos e seus joelhos estavam tremendo, mas ela queria mostrar altivez, sabendo que estava indefesa e que o major estava sentado à sua frente, vigiando-a, os dois a sós na sala. Insha'Allah, ela pensou e olhou para ele com ódio.
— A senhora não tem nada a temer — disse, olhando-a com curiosidade. Então estendeu a mão e apanhou o saco de jóias dela. — Por medida de segurança — e saiu da sala, afastando-se pelo corredor.
A cela ficava no fim do corredor e era pequena e suja, mais uma jaula do que um aposento, com uma cama, grades na janela, correntes presas numa ar-gola na parede, um balde fedorento num dos cantos. O sargento fechou a porta e trancou-a. Pela grade, o major disse:
— Lembre-se, o 'conforto' de lady Azadeh depende da sua docilidade. — E se afastou.
Agora, sozinho, Erikki começou a caminhar pela cela, analisando a porta, a fechadura, as grades, o teto, as paredes, as correntes, procurando uma forma de escapar.
AL SHARGAZ - NO AEROPORTO: 17:40H. A um quilômetro de distância, do outro lado do golfo, Gavallan estava no escritório, esperando ansiosamente ao lado do telefone, faltando ainda uma hora para o pôr-do-sol. Ele já tinha conseguido uma promessa de um 212 de uma companhia de Paris e de dois 206 de um amigo da Aerospatiale, a taxas razoáveis. Scot estava na sala ao lado, controlando o HF, com Pettikin tomando conta do telefone. Rudi, Willi Neuchtreiter e Scragger estavam no hotel, em outros telefones, tentando conseguir pessoal, providenciando possíveis estratégias em Bahrain. Nenhuma palavra ainda de Kasigi.
O telefone tocou. Gavallan agarrou o fone, com a esperança de que fossem notícias de Dubois e Fowler ou que fosse Kasigi.
— Alô?
— Andy, aqui é Rudi. Conseguimos três pilotos da Lufttransportgesells-haft e eles prometeram também dois mecânicos. Dez por cento de reajuste, um mês de trabalho, dois de descanso. Espere um instante... há uma ligação na outra linha, eu torno a ligar para você, até logo.
Gavallan fez uma anotação no seu bloco, a ansiedade causando-lhe azia, e isto o fez pensar em McIver. Mais cedo, ao falar com ele, não havia mencionado nenhum dos problemas de prazo, não querendo preocupá-lo ainda mais, prometendo-lhe que assim que os helicópteros estivessem em segurança ele tomaria o próximo avião para Bahrain.
— Não se preocupe, Mac, não tenho palavras para agradecer a você e a Genny pelo que fizeram.
Pela janela, podia ver o sol descendo no céu. O aeroporto estava movimentado. Viu um Jumbo da Alitalia aterrissando e isto o fez lembrar de Pettikin e Paula; ainda não tinha tido a oportunidade de perguntar a ele o que estava acontecendo. Perto do final da pista, na área de carga, os seus oito 212 pareciam caveiras sem os rotores e as colunas de rotor, com os mecânicos ainda desmontando alguns deles. Onde está Kasigi, pelo amor de Deus? Tentara ligar para ele várias vezes no hotel, mas ele não estava lá e ninguém sabia informar para onde tinha ido ou quando voltaria.
A porta se abriu.
— Papai — disse Scot. — Linbar Struan está no telefone.
— Mande-o à merda... espere! — Disse, Gavallan rapidamente. — Diga apenas que eu não estou, mas que ligarei para ele assim que voltar. — E resmungou um monte de palavrões em chinês. Scot saiu depressa. O telefone tornou a tocar.
— Gavallan.
— Andrew, aqui é Roger Newbury, como vai? Gavallan começou a suar.
— Olá, Roger, alguma novidade?
— O prazo está mantido. O iraniano insistiu em vir me buscar primeiro, e estou esperando. Nós vamos juntos para o aeroporto para nos encontrar com o xeque. Vamos chegar alguns minutos antes da hora e então nós três vamos para a área de carga.
— E quanto à recepção na embaixada japonesa?
— Está combinado que iremos todos depois da inspeção. Só Deus sabe o que vai acontecer até lá mas... bem, isso não é problema nosso. Sinto muito, mas nossas mãos estão atadas. Até breve.
Gavallan agradeceu, desligou e enxugou a testa. Outra vez o telefone. Kasigi? Ele atendeu.
— Alô?
— Andy? Ian — Ian Dunross.
— Meu Deus, Ian. — Gavallan esqueceu os problemas. — Estou muito contente por você ter ligado, tentei falar com você duas vezes mas não consegui.
— Sim, desculpe não ter podido ligar antes. Como vão as coisas? Gavallan contou resumidamente. E falou sobre Kasigi.
— Temos cerca de uma hora até o pôr-do-sol.
— Esta é uma das razões pelas quais estou ligando. Foi uma pena o que houve com Dubois, Fowler e McIver, vou ficar com os dedos cruzados. Lochart dá a impressão de ter pirado, mas quando o amor está envolvido... -Gavallan ouviu o suspiro dele e não soube interpretá-lo.
— Você se lembra do Hiro Toda, da Navegações Toda?
— É claro, Ian.
— Hiro falou-me de Kasigi e do problema que estão tendo na Irã-Toda. Eles estão numa encrenca danada, o que você puder fazer para ajudar, por favor, faça.
— Certo. Estou trabalhando nisso o dia inteiro. Toda contou-lhe sobre a idéia de Kasigi com relação ao embaixador japonês?
— Sim. Hiro telefonou pessoalmente. Ele disse que estão ansiosos em nos ajudar, mas que este é um problema iraniano e para ser honesto, eles não têm muita esperança, uma vez que os iranianos estão defendendo os seus direitos. — O rosto de Gavallan refletiu a sua decepção. — Dê-lhes toda a ajuda possível. Se a Irã-Toda for encampada... bem, aqui entre nós... — Dunross falou em dialeto de Xangai: — Toda a filosofia de uma companhia nobre seria mortalmente atingida. — Depois em inglês de novo: — Esqueça-se de que eu disse isto.
Embora Gavallan tivesse esquecido quase completamente o dialeto de Xangai, entendeu a mensagem e quase perdeu a fala. Ele não tinha a mínima idéia de que a Struan's estivesse envolvida nisso, Kasigi nunca tinha dado nenhuma pista.
— Kasigi vai conseguir os seus helicópteros e pilotos mesmo que apreendam os nossos aparelhos.
— Vamos esperar que isso não aconteça. Outra coisa, você leu nos jornais sobre a queda da bolsa de Hong Kong?
— Sim.
— Foi pior do que estão dizendo. Alguém está fazendo um jogo muito duro e Linbar está encrencado. Mesmo que você consiga retirar os 212 e possa continuar operando, vai ter que cancelar os X63.
A temperatura de Gavallan subiu.
— Mas Ian, com eles eu posso abalar o poder da Imperial, oferecendo aos clientes um serviço melhor e uma maior segurança e...
— Eu concordo, meu velho. Mas se não pudermos pagar por eles, você não poderá tê-los. Sinto muito, mas é isso. O mercado de ações enlouqueceu, mais do que o normal, está se refletindo no Japão e nós não podemos deixar que a Toda quebre aqui também.
— Talvez tenhamos sorte. Eu não vou perder os meus X63. Por falar nisso, você ouviu dizer que Linbar vai colocar Choy no conselho?
— Sim. Uma idéia interessante. — Isto foi dito de forma neutra e Gavallan não soube se ele estava a favor ou contra. — Eu soube disto indiretamente. Se tudo der certo hoje, você está planejando estar em Londres na segunda-feira?
— Sim. Vou saber melhor hoje ao pôr-do-sol, ou amanhã. Se tudo correr bem, vou até Bahrain visitar o Mac e depois vou para Londres. Por quê?
— Talvez eu precise que você cancele Londres e se encontre comigo em Hong Kong. Aconteceu algo muito estranho... com Nobunaga Mori, a outra testemunha que estava junto com Choy quando David MacStruan morreu. Nobunaga morreu queimado há dois dias na casa dele em Kanazawa, no campo, perto de Tóquio, em circunstâncias muito estranhas. Pelo correio de hoje, recebi uma carta muito curiosa. Não posso discuti-la pelo telefone, mas é muito interessante.
Gavallan prendeu a respiração.
— Então David... não foi acidente?
— Você vai ter que esperar até nos encontrarmos, Andy, ou em Tóquio ou em Londres, o mais cedo possível. Por falar nisso, Hiro e eu tínhamos planejado ficar em Kanazawa na noite em que Nobunaga morreu, mas na última hora não pudemos ir.
— Meu Deus, que sorte.
— Sim. Bem, tenho que desligar. Há algo que eu possa fazer por você''
— Nada, a não ser que consiga estender o meu prazo até domingo à noite.
— Ainda estou trabalhando nisso, não se preocupe. Sinto muito sobre Dubois, Fowler e McIver... aquele número em Tóquio receberá recados até segunda-feira.
Eles se despediram. Gavallan ficou olhando para o telefone. Scot entrou com mais notícias sobre possíveis pilotos e helicópteros, mas Gavallan mal ouviu o que ele disse. Teria sido assassinato, afinal? Cristo! Maldito Linbar e seus maus investimentos. De uma maneira ou de outra eu tenho que conseguir os X63, tenho que conseguir.
Outra vez o telefone. A ligação estava ruim e o sotaque da pessoa do outro lado era péssimo:
— Interurbano para effendi Gavallan a cobrar Seu coração deu um salto. Erikki?
— Aqui fala effendi Gavallan, pode completar a ligação. Pode falar mais alto, por favor, eu mal posso ouvi-lo. Quem está chamando?
— Um momento, por favor... Enquanto aguardava impacientemente, ele olhou para o portão perto do final da pista por onde o xeque e os outros passariam se Kasigi falhasse e houvesse a inspeção. Seu coração quase parou quando viu uma grande limusine com a bandeira de Al Shargaz se aproximando, mas o carro passou numa nuvem de poeira e uma voz do outro lado da linha, que ele mal podia ouvir, disse:
— Andy, sou eu, Marc, Marc Dubois.
— Marc? Marc Dubois? — Ele gaguejou e quase deixou cair o telefone, tapando um ouvido para escutar melhor. — Cristo! Marc? Você está bem? Onde você está? E Fowler está bem? Onde vocês se meteram? — A resposta foi incompreensível. Ele teve que fazer um esforço enorme para ouvir. — Diga de novo!
— Nós estamos em Kor al Amaya... — Kor al Amaya era uma plataforma enorme de petróleo, de um quilômetro de comprimento, que ficava na ponta do golfo, perto da boca do estuário de Shatt-al-Arab, que dividia o Irã do Iraque, a cerca de oitocentos quilômetros a noroeste. — Você pode me ouvir, Andy? Kor al Amaya..
NA PLATAFORMA DE KOR AL AMAYA: Marc Dubois também estava tapando um ouvido e tomando cuidado para não gritar. O telefone ficava no escritório do gerente, e havia muitos iraquianos e estrangeiros no escritório ao lado que podiam ouvir.
— Esta linha não é particular... vous comprenezi
— Entendi, pelo amor de Deus, o que foi que aconteceu? Vocês foram recolhidos?
Dubois certificou-se de que ninguém estava ouvindo e disse cautelosa mente:
— Não, mon vieux, o combustível estava acabando e, voilà, o petroleiro Oceanrider apareceu no meio da merde e então eu pousei lá, perfeitamente, é claro. Eu e Fowler estamos bem. Pasproblèmel E quanto aos outros, Rudi, Sandor e Pop?
— Estão todos aqui em Al Shargaz, todo mundo, o seu pessoal, o de Scrag, de Mac, de Freddy, embora Mac esteja em Bahrain no momento. Com vocês a salvo, o Turbilhão teve um resultado de dez em dez. Erikki e Azadeh estão a salvo em Tabriz, embora — Gavallan ia dizer que Tom estava arriscando a vida ficando no Irã, mas não havia nada que ele ou Dubois pudessem fazer, então disse alegremente: — Que maravilha vocês estarem em segurança, Marc. O seu helicóptero está em condições?
— É claro, eu, ahn, preciso apenas de combustível e instruções.
— Marc, você agora tem registro britânico... espere um segundo... é GHKVC. Apague os números antigos e coloque os novos. Tem havido o diabo e os nossos antigos anfitriões encheram o golfo de telex pedindo aos governos que apreendam os nossos helicópteros. Não desembarque em lugar nenhum.
Dubois ficou sério.
— Golf, Hotel Kilo Victor Charlie, entendi. Andy, le bon dieu estava conosco porque o Oceanrider tem registro libanês e o seu comandante é inglês. Uma das primeiras coisas que eu pedi foi uma lata de tinta, tinta... compreende?
— Compreendo, maravilhoso. Continue!
— Como ele estava indo para o Iraque, eu achei melhor ficar quieto e ficar aqui até falar com você e esta é a primeira oportunidade — Dubois viu o gerente iraquiano se aproximando. Então falou mais alto e em outro tom de voz: — Esta missão com o Oceanrider está sendo perfeita, sr. Gavallan e fico contente em dizer que o capitão está muito satisfeito.
— Certo, Marc, eu faço as perguntas. Quando ele vai terminar de fazer o carregamento e qual é o seu próximo porto?
— Talvez amanhã. — Ele cumprimentou gentilmente o iraquiano que se sentou atrás da sua mesa. — Devemos chegar em Amsterdã conforme o planejado. — Os dois homens estavam tendo dificuldade em escutar.
— Você acha que pode ficar aí até o fim da linha? É claro que pagaremos as despesas de frete.
— Não vejo por que não. Acho que você vai descobrir que esta experiência vai se tornar um trabalho permanente. O comandante viu como é conveniente poder ficar ao largo e ao mesmo tempo fazer visitas rápidas ao porto, mas francamente, os proprietários cometeram um erro ao pedirem um 212. Um 206 seria muito melhor. Acho que eles vão querer um desconto. — Ele ouviu a gargalhada de Gavallan e ficou feliz. — Acho melhor desligar, só queria dar notícias. Fowler manda lembranças e se possível eu torno a telefonar quando estivermos passando por aí.
— Se tudo correr bem, não estaremos mais aqui. Os pássaros serão retirados amanhã. Não se preocupe, eu vou controlar todo o percurso do Oceanrider. Assim que você tiver passado por Ormuz e estiver fora do golfo, peça ao capitão para manter um contato por rádio ou telex comigo em Aberdeen. Está bem? Estou mandando todo mundo para o mar do Norte até nos organizarmos. Oh, você deve estar sem dinheiro, assine todas as notas que depois eu reembolsarei o capitão. Como é o nome dele?
— Tavistock, Brian Tavistock.
Entendi. Marc, você não imagina o quanto estou contente.
Eu também. À bientôt. — Dubois desligou e agradeceu ao gerente.
Foi um prazer, capitão o homem respondeu, pensativo. — Todos os grandes petroleiros vão ter o apoio de helicópteros?
— Não sei, m'sieur. Seria conveniente para alguns, não?
O gerente sorriu de leve, um homem alto, de meia-idade, com sotaque americano e treinado nos Estados Unidos.
— Há um barco patrulha iraniano vigiando, o Oceanrider. Curioso, não?
— Sim.
— Felizmente eles estão em águas iranianas e nós em nossas águas. Os iranianos acham que são donos do golfo Árabe, das nossas águas, das águas do Shatt, e do Tigre e do Eufrates até o seu nascedouro: Dois mil quilômetros.