LIVRO QUATRO
60
AL SHARGAZ — HOTEL OÁSIS: 5:37H. Gavallan estava parado diante da janela, já vestido, e lá fora ainda era noite, exceto a leste, e estava quase amanhecendo. Havia traços de neblina vindos da costa, a meio quilômetro de distância, que desapareciam rapidamente na direção do deserto. O céu estava sem nuvens a leste, mas aos poucos foi se cobrindo de nuvens. De onde ele estava, podia ver quase todo o campo de aviação. As luzes da pista estavam acesas, um pequeno jato se preparava para decolar e o vento trazia um cheiro de querosene. Houve uma batida na porta.
— Entre! Ah, bom dia, Jean-Luc, bom dia, Charlie.
— Bom dia, Andy. Se quisermos pegar o nosso vôo está na hora de sairmos — disse Pettikin, com o nervosismo fazendo-o falar atropeladamente. Ele estava escalado para ir para o Kuwait e Jean-Luc para Bahrain.
— Onde está Rodrigues?
— Está esperando lá embaixo.
— Ótimo, então é melhor vocês irem logo. — Gavallan ficou satisfeito por sua voz soar calma. Pettikin ficou radiante, Jean-Luc resmungou merde. — Se você concordar, Charlie, eu proponho apertar o botão às sete horas conforme o planejado, desde que nenhuma das bases dê o contra antes. Se o fizerem, tentaremos outra vez amanhã. De acordo?
— De acordo. Não houve nenhuma chamada ainda?
— Ainda não.
Pettikin mal podia conter a sua excitação.
— Bem, lá vamos nós. Vamos, Jean-Luc! Jean-Luc levantou as sobrancelhas.
— Mon Dieu, é a vez dos escoteiros! — Então encaminhou-se para a porta. — As notícias sobre Erikki foram ótimas, Andy, mas como é que ele vai dar o fora?
— Eu não sei. Vou procurar Newbury no consulado para tentar mandar uma mensagem para ele, para sair via Turquia. Vocês dois me telefonem assim que aterrissarem. Eu estarei no escritório a partir das seis. Vejo-os mais tarde.
E fechou a porta atrás deles. Agora estava feito. A menos que uma das bases desistisse.
EM LENGEH: 5:49H. Mal se percebia a claridade do amanhecer através das nuvens. Scragger estava usando uma capa de chuva e atravessou as poças d'água em direção à cozinha que era o único lugar da base que estava com a luz acesa. O vento sacudia o seu boné de piloto, fazendo a chuva bater no seu rosto.
Para sua surpresa, Willi já estava na cozinha, sentado perto do fogão a lenha, tomando café.
— Bom dia, Scragger, café? Acabei de fazer. — Ele fez um sinal com a cabeça em direção a um dos cantos. Enroscado no chão, profundamente adormecido perto do calor do fogo, estava um dos Faixas Verdes do campo. Scragger fez que sim com a cabeça e tirou a capa.
— Chá para mim, filho. Você acordou cedo. Onde está o cozinheiro? Willi deu de ombros e colocou a chaleira de volta no fogo.
— Atrasado. Eu quis tomar café cedo. Vou mexer uns ovos. Quer que eu faça para você também?
Scragger ficou faminto de repente.
— Ótimo! Quatro ovos para mim e duas torradas e no almoço eu vou comer pouco. Nós temos pão, cara? — Ele viu Willi abrir a geladeira. Três pães de fôrma, bastante manteiga e ovos. — Oba! Não sei comer ovos sem torradas com manteiga. O gosto não fica bom. — Ele olhou para o relógio.
— O vento virou quase na direção do sul e está a trinta nós
— O meu nariz diz que vai diminuir.
— O meu rabo diz que vai diminuir mas que ainda vai ser foda.
— Tenha confiança, cara. — riu Scragger.
— Vou ficar muito mais confiante com o meu passaporte.
— Eu também, mas o plano ainda está de pé. — Na noite passada, quando ele voltou da casa do sargento, Vossi e Willi estavam esperando por ele. Bem longe de ouvidos indiscretos, ele lhes contou o que tinha acontecido.
Willi dissera imediatamente:
— É melhor avisarmos Andy de que talvez tenhamos que desistir. — E Vossi tinha concordado.
— Não — dissera Scragger. — Eu estou imaginando o seguinte, cara: se Andy não der sinal verde para o Turbilhão de manhã, eu terei o dia inteiro para pegar os passaportes. Se ele der a ordem, será às sete horas em ponto. Isto me dá bastante tempo para chegar na delegacia às sete e meia e estar de volta às oito. Enquanto eu estiver fora, vocês vão providenciando tudo.
— Jesus, Scrag, nós já...
— Ed, quer me ouvir? Nós partimos de qualquer jeito mas evitamos Al Shargaz, onde temos certeza de que teríamos problemas e nos refugiamos em Bahrain. Eu conheço o oficial do porto de lá. Nós invocamos a sua proteção, talvez tenhamos alguma 'emergência' na praia. Enquanto isso, falamos por rádio com Al Shargaz assim que sairmos do espaço aéreo do Irã para que alguém vá nos encontrar para pagar as nossas fianças. Isso foi o melhor que eu pude pensar e pelo menos ficaremos cobertos de qualquer jeito.
E ainda é o melhor que eu consigo pensar, ele disse a si mesmo, observando Willi no fogão, a manteiga começando a chiar na frigideira.
— Eu pensei que os ovos iam ser mexidos.
— É assim que se faz ovos mexidos. — A voz de Willi soou impaciente.
— Não é mesmo — Scragger disse secamente. — Você tem que usar água ou leite e...
— Pelo amor de Deus — Willi respondeu — se você não quer... Scheissl Desculpe, Scrag, eu não queria ser agressivo.
— Eu também estou nervoso, cara. Não tem problema
— É assim que minha mãe costuma fazer. Você coloca os ovos na frigideira sem batê-los, deixa a parte branca cozinhar e então, rápido como um raio, você coloca um pouco de leite e mexe, assim a clara fica branca e a gema amarela... — Willi não conseguia parar de falar. Ele tinha passado uma noite ruim... com pesadelos e maus pressentimentos e agora não estava se sentindo melhor
Lá no canto o Faixa Verde se mexeu, sentindo o cheiro de manteiga derretida e se espreguiçou, cumprimentou-os sonolentamente, depois se ajeitou mais confortavelmente e voltou a dormir. Quando a água da chaleira ferveu, Scragger preparou um pouco de chá, e olhou para o relógio: 5:56h. Atrás dele, a porta se abriu e Vossi entrou e sacudiu a água do guarda-chuva.
— Oi, Scrag! Ei, Willi, café, duas torradas com ovos e bacon para mim
— Vá à merda!
Todos riram, tontos de ansiedade. Scragger tornou a olhar para o relógio. Pare com isso! Ordenou a si mesmo. Você tem que manter a calma, assim eles também ficarão calmos. É fácil ver que os dois estão prestes a explodir
EM KOWISS: 6:24H. McIver e Lochart estavam na torre olhando para a chuva e para o céu carregado. Ambos estavam vestidos com os uniformes de vôo, McIver sentado em frente ao HF, Lochart em pé perto da janela. Não havia nenhuma luz acesa — só os verdes e vermelhos do equipamento. Nenhum ruído, exceto o zumbido agradável e o barulho não tão agradável do vento que entrava pelas janelas quebradas, fazendo as antenas sacudirem.
Lochart olhou para o marcador de vento. Vinte e cinco nós, com rajadas de trinta de sul-sudeste. Lá no hangar, dois mecânicos estavam lavando os já limpos 212 e o 206 que McIver tinha trazido de Teerã. Havia luzes na cozinha. Exceto por uma pequena equipe de cozinha, McIver tinha dito ao pessoal do escritório e aos operários para tirarem o dia de folga. Depois do choque da execução sumária de Esvandiary por 'corrupção', eles não tinham precisado de nenhum encorajamento para sair.
Lochart olhou para o relógio. O ponteiro grande parecia vagoroso demais. Um caminhão passou lá embaixo. Mais um. Agora eram exatamente seis e meia.
— Sierra Um, aqui é Lengeh. — Era Scragger chamando, conforme tinha sido planejado. McIver ficou muito aliviado. Lochart ficou mais sério ainda.
— Lengeh, aqui é Sierra Um, você está cinco por cinco. — A voz de Scot lá em Al Shargaz estava clara. Sierra Um era o código para o escritório no aeroporto de Al Shargaz, Gavallan não queria chamar mais atenção para o pequeno domínio do que o estritamente necessário.
McIver ligou o transmissor.
— Sierra Um, aqui é Kowiss.
— Kowiss, aqui é Sierra Um, você está quatro por cinco.
— Sierra Um, aqui é Bandar Delam. Ambos perceberam o tremor na voz de Rudi.
— Bandar Delam, aqui é Sierra Um. Você está dois por cinco. Agora só se ouvia estática no alto-falante. McIver enxugou o suor das mãos.
Até agora tudo bem O café estava frio e com um gosto horrível, mas ele terminou de bebê-lo.
— Rudi pareceu nervoso, não? — disse Lochart.
— Tenho certeza que eu também. E Scrag. — McIver observou-o, preocupado com ele; Lochart não o encarou, apenas foi até a chaleira elétrica e ligou-a na tomada. Na escrivaninha havia quatro fones, duas linhas internas e duas externas. Ambas ainda mudas. Já há dois dias. Mortas como eu. Não há nenhum modo de entrar em contato com Xarazade, nem pelo correio.
— Há um cônsul canadense em Al Shargaz — disse McIver — Eles poderiam falar com Teerã de lá para você.
— Claro. — Uma rajada de vento sacudiu a tábua que estava cobrindo a janela quebrada. Lochart não prestou nenhuma atenção, pensando em Xarazade, rezando para ela ir se encontrar com ele. Encontrar-se comigo para quê? A chaleira começou a apitar. Ele ficou olhando. Desde que saíra do apartamento, ele tinha bloqueado o futuro na sua cabeça. Mas de noite tudo voltava à sua mente, por mais que ele tentasse evitar-
Da base veio o primeiro chamado do muezin.
Venham rezar, venham melhorar, rezar é melhor do que dormir
EM BANDAR DELAM: 6:38H. Um amanhecer encharcado, a chuva era ligeira, o vento mais fraco do que na véspera. No campo de aviação, Rudi Lutz, Sandor Petrofi e Pop Kelly estavam no trailer de Rudi, com as luzes apagadas, tomando café. Lá fora na varanda, Marc Dubois estava de guarda. Não havia nenhuma luz acesa na base. Rudi consultou o relógio.
— Confio em Deus que seja hoje. — disse Rudi.
— É hoje ou nunca — Kelly estava muito sério. — Faça a ligação, Rudi.
— Ainda falta um minuto.
Pela janela, Rudi podia ver a entrada do hangar e os 212. Nenhum deles tinha tanques de longo alcance. Em algum lugar na escuridão, Fowler Joines e três mecânicos estavam colocando silenciosamente o resto do combustível de reserva a bordo, terminando os preparativos iniciados cautelosamente na noite anterior enquanto os pilotos distraíam os guardas e Numir. Pouco antes de irem para a cama, os quatro tinham feito os seus cálculos separadamente. Nenhum tinha uma diferença acima de dez milhas náuticas com relação aos outros.
— Se o vento se mantiver como está, estaremos todos no mar — Sandor dissera baixinho, era difícil falar com o barulho da música e perigoso falar sem ela. Mais cedo, Fowler Joines tinha visto Numir se escondendo perto do trailer de Duke.
— Sim —. concordara Marc Dubois. — Cerca de dez quilômetros para dentro do mar
— Talvez a gente deva desistir de Bahrain e se dirigir para o Kuwait, Rudi.
— Não, Sandor, nós temos que deixar o Kuwait livre para Kowiss. Já pensou, seis helicópteros com registro iraniano indo todos para lá? Eles iam ter um ataque.
— Onde estão os novos registros que nos prometeram? — perguntou Kelly, com seu nervosismo aumentando a cada momento.
— Nós vamos ser esperados. Charlie Pettikin vai para o Kuwait e Jean-Luc para Bahrain.
— Mon Dieu, que azar o nosso — Dubois tinha dito, aborrecido. — Jean-Luc está sempre atrasado, sempre. Aqueles Pieds Noirs, eles pensam como árabes.
— Se Jean-Luc estragar as coisas desta vez, ele vai virar picadinho. Olhem, a respeito da gasolina, talvez a gente consiga mais um pouco com a Irã-Toda. Vai ficar um bocado suspeito carregar toda esta gasolina só para ir até lá.
— Rudi, faça a ligação, está na hora.
— Certo, certo! — Rudi respirou fundo e apanhou o microfone. — Sierra Um, aqui é Bandar Delam, está me ouvindo? Aqui é...
NO QG DE AL SHARGAZ: 6:40H. — ... Bandar Delam, está me ouvindo? Gavallan estava sentado diante do HF, com Scot ao seu lado, Nogger Lane encostado numa mesa atrás deles e Manuela sentada na única cadeira. Todos estavam rígidos, com os olhos pregados no alto-falante, todos certos de que a chamada significava problemas, uma vez que a operação Turbilhão exigia silêncio no rádio antes das sete horas e durante a fuga em si, exceto em emergências.
— Bandar Delam, Sierra Um — Scot disse com voz rouca. — Vocês estão dois por cinco, continuem.
— Nós não sabemos como está o seu dia, mas temos alguns vôos planejados para esta manhã e gostaríamos de comunicá-los agora. Vocês aprovam?
— Fique na linha — disse Scot.
— Maldição — resmungou Gavallan. É essencial que todas as bases partam ao mesmo tempo. Então mais uma vez o HF deu sinal.
— Sierra Um, aqui é Lengeh — a voz de Scragger estava muito mais alta e clara e mais ríspida. — Nós também temos vôos para fazer, mas quanto mais tarde melhor. Como está o tempo aí?
— Aguarde na linha, Lengeh. — Scot olhou para Gavallan, esperando.
— Chame Kowiss — disse Gavallan e todo mundo relaxou um pouco. — Vamos checar com eles primeiro.
— Kowiss, aqui é Sierra Um, está me ouvindo? — Silêncio. — Kowiss, aqui é Sierra Um , está me ouvindo?
— Aqui é Kowiss, continue. — A voz de McIver soou tensa e estava indo e vindo.
— Você escutou?
— Sim. Prefiro uma posição firme conforme o planejado.
— Isso decide tudo. Sierra Um para todas as bases, o tempo está instável. Daremos a previsão definitiva às sete horas.
— Entendido. — disse Scragger.
— Entendido — a voz de Rudi soou fraca.
— Entendido. — McIver pareceu aliviado.
O transmissor ficou novamente silencioso. Gavallan disse para ninguém em especial:
— É melhor nos mantermos dentro do plano. Não quero alertar desnecessariamente a torre de controle nem tornar aquele intrometido do Siamaki mais difícil do que o normal. Rudi poderia ter desistido se fosse urgente, ele ainda pode fazer isso. — Ele se levantou e se esticou, depois tornou a sentar-se. Estática. Eles estavam na escuta também do canal de emergência, 121.5. O Jumbo da Pan Am decolou, sacudindo as janelas.
Manuela mexeu-se na cadeira, sentindo-se demais mesmo depois de Gavallan ter dito:
— Manuela, você fica conosco, você é a única que fala farsi. — O tempo não custava tanto a passar para ela. O seu homem estava a salvo, um pouco avariado mas a salvo, e seu coração estava cantando de alegria pelo golpe de sorte que o tirara do turbilhão.
— Porque é isto que a operação é, querido — ela tinha dito a ele na noite anterior no hospital.
— Talvez, mas sem a ajuda de Hussein eu ainda estaria em Kowiss. Se não fosse por aquele mulá, você nunca teria sido atingido, ela tinha pensado, mas não disse nada, não querendo agitá-lo.
— Quer que eu providencie alguma coisa para você, querido?
— Uma cabeça nova!
— Eles vão trazer uma pílula dentro de um minuto. O médico disse que você estará pilotando em seis semanas, que você tem a constituição de um búfalo.
— Eu me sinto como um frango. Ela tinha rido.
Agora ela deixou a mente divagar relaxadamente, não tendo que ficar ansiosa com a espera como os outros, especialmente Genny. Faltavam dois minutos. Estática. Gavallan tamborilava com os dedos. Um jato particular decolou e ela pôde ver outro avião descendo na pista, um jumbo com as cores da Alitalia. Será que é vôo de Paula vindo de Teerã?
O ponteiro dos minutos chegou no 12. Às sete horas Gavallan pegou o microfone.
— Sierra Um para todas as bases: A nossa previsão está pronta e esperamos que o tempo melhore, mas estejam atentos a pequenos turbilhões. Entendido?
— Sierra Um, aqui é Lengeh. — Scragger parecia animado. — Entendido e vamos prestar atenção nos turbilhões. Desligo.
— Sierra Um, aqui é Bandar Delam, entendido e ficaremos atentos a turbilhões. Desligo.
Silêncio. Os segundos foram passando. Inconscientemente, Gavallan mordeu o lábio inferior, depois ligou o botão de transmissão.
— Kowiss, está me ouvindo?
EM KOWISS: 7:04H. McIver e Lochart olhavam para o HF. Eles verificaram os relógios quase ao mesmo tempo. Lochart murmurou:
— Não vai ser hoje — e se sentiu aliviado. Um dia de adiamento, pensou. Talvez hoje os telefones voltem a funcionar, talvez hoje eu consiga falar com ela...
— Eles chamariam mesmo assim, faz parte do plano, eles chamariam de qualquer jeito. — McIver ligou e desligou o interruptor. As luzes todas funcionaram. Os mostradores também. — Que diabo — disse e ligou o transmissor. — Sierra Um, aqui é Kowiss, está me ouvindo? — Silêncio. Mais uma vez, com mais ansiedade ainda. — Sierra Um, aqui é Kowiss, está me ouvindo? — Silêncio.
— Que diabo está havendo com eles? — Lochart disse entredentes.
— Lengeh, aqui é Kowiss, está me ouvindo? — Nenhuma resposta. Repentinamente, McIver se lembrou, deu um salto e correu para a janela. O cabo principal do transmissor estava solto, balançando com o vento. Praguejando, McIver abriu a janela que dava para o telhado e saiu. Seus dedos eram fortes, mas as porcas estavam enferrujadas demais para se mexerem e ele viu que o anel de solda estava corroído pela ferrugem e tinha se quebrado.
— Maldição...
— Tome. — Lochart estava ao lado dele e entregou-lhe o alicate.
— Obrigado. — McIver começou a raspar a ferrugem. A chuva tinha parado quase completamente mas nenhum dos dois notou isto. Ouviu-se um trovão. Um relâmpago iluminou as montanhas Zagros, quase todas encobertas. Enquanto trabalhava apressadamente, ele contou a Lochart que Wazari tinha passado um bocado de tempo no telhado na véspera, consertando o cabo. — Quando eu cheguei aqui hoje de manhã, fiz uma chamada de rotina para ver se estava funcionando e nós estávamos sendo ouvidos alto e claro às seis e meia e de novo às seis e quarenta. O vento deve ter soltado o fio depois disso... — O alicate escapuliu e ele cortou o dedo e praguejou mais ainda.
— Quer que eu faça isso?
— Não, tudo bem. Só um segundo.
Lochart voltou para a torre: 7:07h. A base ainda estava quieta. Lá na base aérea havia alguns caminhões se movimentando, mas nenhum avião. No hangar, os dois mecânicos ainda estavam mexendo nos 212 e, de acordo com o plano, Freddy Ayre estava com eles. Então ele viu Wazari se aproximando de bicicleta. Seu coração deu um salto.
— Mac, Wazari está chegando, vindo do lado da base.
— Detenha-o, diga-lhe qualquer coisa mas faça-o parar. — Lochart saiu correndo pelas escadas. O coração de McIver estava disparado. — Vamos, pelo amor de Deus — disse, e tornou a xingar a si mesmo por não ter checado. É preciso checar e checar e tornar a checar, a segurança não depende do acaso, tem que ser planejada.
Mais uma vez o alicate escorregou. Mais uma vez ele tentou e agora as porcas estavam girando. Um dos lados estava apertado. Por um segundo ele ficou tentado a arriscar, mas a precaução venceu a sua ansiedade e ele apertou o outro lado. Deu um puxão no cabo. Estava firme. Ele voltou correndo, suando em bicas: 7:16h.
Por um instante ele não conseguiu recobrar o fôlego.
— Vamos, McIver, pelo amor de Deus! — Ele respirou profundamente e isto ajudou.
— Sierra Um, aqui é Kowiss, está me ouvindo? A voz ansiosa de Scot respondeu imediatamente.
— Kowiss, aqui é Sierra Um, continue
— Vocês têm alguma confirmação do tempo para nós? Imediatamente, a voz de Gavallan se fez ouvir, ainda mais ansiosa:
— Kowiss, nós enviamos a seguinte mensagem, exatamente às sete horas: a nossa previsão está pronta e esperamos que o tempo melhore, mas fiquem atentos a pequenos turbilhões. Entendido?
McIver soltou o ar.
— Entendido e vamos estar atentos a pequenos turbilhões. Os outros receberam a mensagem.?
— Afirmativo.
NO QG DE AL SHARGAZ: — ...Torno a repetir, afirmativo. — Gavallan repetiu no microfone. — O que foi que aconteceu?
— Nenhum problema — respondeu McIver, com o sinal fraco. — Vejo-o em breve. Desligo. — Agora o transmissor estava silencioso. Um grito de alegria irrompeu na sala, Scot abraçou seu pai e gemeu com a dor que sentiu no ombro, mas ninguém notou no meio do pandemônio. Manuela abraçava Gavallan e dizia:
— Vou telefonar para o hospital, Andy, voltarei em um segundo — e saiu correndo. Nogger dava pulos de alegria e Gavallan dizia, alegre:
— Acho que todos os que não estão pilotando merecem uma boa garrafa de cerveja!
EM KOWISS: McIver desligou o aparelho e recostou-se na cadeira, tentando acalmar-se, sentindo-se estranho — a cabeça leve e a mão pesada.
— Não faz mal, vamos em frente! — disse.
Estava calmo na torre, exceto pelo barulho do vento que fazia ranger a porta que, na pressa, ele tinha deixado aberta. Ele a fechou e viu que a chuva tinha parado, apesar das nuvens ainda estarem ameaçadoras. Então ele viu que seu dedo ainda estava sangrando. Ao lado do HF havia uma toalha de papel e ele arrancou um pedaço e enrolou o dedo de qualquer jeito. Suas mãos estavam tremendo. Num súbito impulso, ele saiu e se ajoelhou ao lado do conector. Precisou de toda a sua força para soltá-lo. Depois ele tornou a checam a torre, enxugou o suor da testa e desceu as escadas.
Lochart e Wazari estavam no escritório de Esvandiary. Wazari com a barba por fazer e imundo, uma eletricidade estranha no ar. Não há tempo de me preocupar com isso, pensou McIver, Scrag e Rudi já estão no ar.
— Bom dia, sargento — McIver disse secamente, consciente do olhar de Lochart. — Eu pensei que tivesse lhe dado o dia de folga, nós não temos nenhum tráfego importante hoje.
— Sim, capitão, o senhor deu, mas eu, ahn, não consegui dormir e... não me sinto seguro na base. — Wazari notou o rosto vermelho de McIver e o curativo de papel. — O senhor está bem?
— Estou muito bem, apenas cortei o dedo numa janela quebrada. — McIver olhou para Lochart que suava tanto quanto ele — É melhor irmos andando, Tom. Sargento, nós vamos checar os 212. — Ele viu Lochart olhá-lo rapidamente.
— Sim senhor, vou informar a base. — disse Wazari.
— Não há necessidade. — Momentaneamente, McIver ficou sem saber o que dizer, e então a resposta veio-lhe à cabeça. — Para o seu próprio bem, se você for ficar por aqui, é melhor ír-se preparando para enfrentar o ministro Kia.
O rosto do homem perdeu a cor
— O quê?
— Ele deve estar aqui daqui a pouco para a viagem de volta a Teerã. Você não foi a única testemunha contra ele e aquele desgraçado do 'Pé-quente'?
— Claro, mas eu ouvi o que eles conversaram — disse Wazari, sentindo necessidade de se justificar. — Kia é um filho da mãe e um mentiroso, assim como 'Pé-quente', e eles estavam tramando aquilo tudo. O senhor se esqueceu que foi 'Pé-quente' quem mandou que batessem em Ayre? Eles quase o mataram, o senhor se esqueceu disso? Tudo o que eu disse sobre Esvandiary e Kia foi verdade.
— Tenho certeza que sim. Eu acredito em você. Mas se ele o vir, vai ficar uma fera, não vai? E também a equipe do escritório, eles estavam todos muito zangados. Eles certamente vão entregá-lo. Talvez eu possa distrair Kia — disse McIver, na esperança de mantê-lo do lado deles —, talvez não. Se eu fosse você, me manteria fora de circulação, não fique por aqui. Vamos, Tom. — McIver se virou para sair, mas Wazari ficou no caminho.
— Não se esqueça de que fui eu que evitei um massacre dizendo que a carga de Sandor tinha se soltado, se não fosse por mim ele estaria morto, se não fosse por mim, todos vocês estariam diante de um komiteh... o senhor tem que me ajudar... — As lágrimas escorriam-lhe pelo rosto — o senhor tem que me ajudar...
— Farei o que puder — disse McIver, com pena dele, e saiu. Lá fora ele teve que se controlar para não ir correndo atrás dos outros, sabendo da ansiedade deles, então Lochart alcançou-o.
— Turbilhão? — perguntou, tendo que andar depressa para acompanhá-lo.
— Sim, Andy deu o sinal verde às sete em ponto, conforme estava combinado, Scrag e Rudi escutaram e provavelmente já estão a caminho — disse McIver, atropelando as palavras, sem perceber o súbito desespero de Lochart. Eles chegaram junto de Ayre e dos mecânicos.
— Turbilhão! — McIver exclamou e a palavra soou como um toque de clarim para todos eles.
— Ótimo. — Freddy Ayre manteve a voz calma, controlando a excitação que sentia por dentro. Os outros não.
— Por que o atraso? O que foi que aconteceu?
— Conto-lhes mais tarde, vamos começar logo com isso! — McIver dirigiu-se para o primeiro 212, Ayre para o segundo, com os mecânicos pulando para dentro das cabines. Neste momento, um carro oficial trazendo o coronel Changiz e alguns soldados fez a curva e parou diante do prédio de escritórios. Todos os soldados traziam armas e estavam usando braçadeiras verdes
— Ah, capitão, o senhor vai levar o ministro Kia de volta para Teerã? - Changiz parecia um pouco afobado e zangado.
— Sim, sim, às dez horas.
— Eu recebi um recado de que ele queria antecipar a sua partida para as oito horas, mas o senhor não deve ir antes das dez, conforme está determinado. Está claro?
— Sim, mas o..
— Eu teria telefonado, mas os seus telefones estão mudos de novo e há algt errado com o rádio de vocês. Vocês não checam o seu equipamento? Estava funcionando e depois parou. — McIver viu o coronel olhar para os três helicópteros alinhados, e começar a caminhar na direção deles. — Eu não sabia que haveria vôos de inspeção hoje.
— Só estamos checando um deles e os outros têm que testar os instrumentos para a mudança de pessoal amanhã na plataforma Abu Sal, coronel — disse McIver, apressadamente, e, para distraí-lo: — Qual é o problema com o ministro Kia?
— Não há nenhum problema — disse, irritado, então deu uma olhada no relógio e mudou de idéia quanto a inspecionar os helicópteros. — Mande alguém consertar o rádio e venha comigo. O mulá Hussein quer vê-lo. Estaremos de volta a tempo.
Lochart começou a falar:
— Eu posso levar o capitão McIver daqui a um minuto, há algumas coisas aqui que ele...
— Hussein quer ver o capitão McIver, não você. Vá tratar do rádio! — Changiz mandou que os homens esperassem por ele, entrou no carro e fez sinal a McIver para sentar-se a seu lado. Impassível, McIver obedeceu. Changiz arrancou e seu motorista caminhou na direção do escritório, os outros soldados se espalharam, espiando os helicópteros. Os dois 212 estavam lotados com o resto das peças importantes, que tinham sido carregadas na noite anterior. Tentando parecer naturais, os mecânicos fecharam as portas da cabine e começaram a limpar os aparelhos.
Ayre e Lochart ficaram olhando para o carro que se afastava.
— E agora? — perguntou Ayre.
— Não sei, não podemos partir sem ele. — Lochart sentiu o estômago embrulhado.
EM BANDAR DELAM: 7:26H. Os quatro 212 estavam do lado de fora do hangar, prontos para decolarem. Fowler Joines e os outros três mecânicos estavam enfiados no fundo da cabine, esperando impacientemente. Havia tambores de oitocentos litros de gasolina amarrados lá dentro. Muitos caixotes de peças. Malas escondidas debaixo de lonas.
— Andem logo, pelo amor de Deus — disse Fowler e enxugou o suor. O ar da cabine estava pesado com o cheiro de gasolina.
Pela porta aberta da cabine, ele podia ver Rudi, Sandor e Pop Kelly ainda esperando no hangar, com tudo pronto, conforme o planejado, exceto pelo último piloto, Dubois, que estava dez minutos atrasado e ninguém sabia se ele
havia sido interceptado pelo gerente da base, Numir, por um dos funcionários ou pelos Faixas Verdes. Então ele viu Dubois sair pela porta e quase teve um ataque. Com uma indiferença Gaulesa, Dubois estava carregando uma mala, e tinha uma capa pendurada no braço. Quando ele passou pelo escritório, Numir apareceu na janela.
— Vamos — disse Rudi e andou em direção à sua cabine o mais calmamente que pôde, colocou o cinto e ligou os motores. Sandor fez o mesmo, Pop Kelly um segundo atrás dele, e os rotores foram ganhando velocidade. Sem nenhuma pressa, Dubois jogou a mala para Fowler, pendurou cuidadosamente a capa e sentou no lugar do piloto, ligando imediatamente o aparelho, sem se importar com o cinto nem em checar os instrumentos. Fowler estava praguejando incoerentemente. Os jatos estavam trabalhando lindamente e Dubois cantarolou uma canção, ajustou os fones nos ouvidos e quando estava tudo preparado, amarrou o cinto. Ele não viu Numir vir correndo do escritório.
— Onde você vai? — Numir gritou para Rudi pela janela.
— Irã-Toda, está no relatório. — Rudi continuou com os procedimentos de decolagem. VHF ligado, HF ligado, agulhas dos mostradores entrando no verde.
— Mas você não pediu a Abadan licença para...
— Hoje é dia santo, aga, o senhor pode fazer isto para nós. Numir gritou zangado.
— Isto é tarefa sua! Você tem que esperar por Zataki. Tem que esperar pelo...
— Certo, eu quis ter certeza de que o helicóptero estaria pronto para quando ele chegasse, é muito importante agradá-lo, não é?
— Sim, mas por que Dubois estava carregando uma mala?
— Oh, o senhor conhece os franceses — disse, sendo a primeira coisa que lhe veio à cabeça —, para eles as roupas são importantes; ele acha que vai ficar baseado na Irã-Toda e está levando um uniforme de reserva. — Ele ligou o interruptor de transmissão. Não fique impaciente, disse a si mesmo, não fique impaciente, todos eles sabem o que fazer.
Então, atrás de Numir, através da neblina, com uma visibilidade de poucas centenas de metros, Rudi viu o caminhão dos Faixas Verdes passar pelo portão e parar, seu barulho abafado pelos jatos. Mas não era Zataki, eram alguns dos guardas normais e eles ficaram lá em grupo, observando curiosamente os 212. Nunca quatro 212 tinham sido ligados ao mesmo tempo.
Pelos fones, ele ouviu Dubois dizer:
— Estou pronto, mon vieux — depois Pop Kelly e depois Sandor, e ele disse no microfone:
— Agora! — inclinou-se para a janela e fez um sinal para Numir. — Não há necessidade dos outros esperarem, eu estou esperando.
— Mas vocês receberam ordens para ir em grupo e as suas licenças... — A voz do gerente da base foi abafada pelos motores acelerados ao máximo, num procedimento de decolagem de emergência, de acordo com o plano que tinha sido feito em segredo durante a noite, Dubois indo para a direita, Sandor para a esquerda, Kelly para cima em linha reta. Em segundos eles estavam no ar, voando muito baixo. O rosto de Numir ficou roxo. — Mas vocês receberam ordens de.
— Isto é para a sua segurança, aga, nós estamos tentando protegê-lo. — Rudi falou por sobre o ruído dos motores, fazendo sinal para ele se aproximar de novo, com todas as suas agulhas no verde. — Assim é melhor, aga, assim nós faremos o trabalho sem problemas. Nós temos que proteger o senhor e a IranOil. — Pelo fone ele ouviu Dubois quebrar o silêncio e dizer com urgência:
— Há um carro se aproximando dos portões.
Neste instante, Rudi o viu e reconheceu Zataki no banco da frente. Acelerou ao máximo.
— Aga, vou só elevá-lo um pouco, o meu contador de rotação está pulando...
O que quer que Numir tenha gritado ficou perdido no meio do barulho. Zataki estava a menos de cem metros. Rudi sentiu as hélices cortando o ar e então subiu. Por um momento, pareceu que Numir ia pular numa das pás, mas ele se abaixou e se afastou, com o esqui roçando nele e caiu enquanto Rudi dava um impulso para a frente e se afastava, quase explodindo de excitação. Lá na frente, os outros estavam sobrevoando o campo. Ele sacudiu o helicóptero e quando os outros se juntaram a ele, levantou os polegares e foi na frente em direção ao golfo, a seis quilômetros de distância.
Numir estava engasgado de raiva ao se levantar e o carro de Zataki parou ao lado dele cantando pneus.
— Por Deus, o que está havendo? — perguntou Zataki, furioso, saltando do carro, depois dos helicópteros já terem desaparecido no meio da neblina, com o som dos motores se afastando rapidamente. — Estava combinado que eles iam esperar por mim.
— Eu sei, eu sei, coronel, eu disse a eles, mas... eles simplesmente decolaram e.... — Numir gritou quando o soco o atingiu de um dos lados do rosto, derrubando-o. Os outros Faixas Verdes observaram indiferentemente, acostumados a estas explosões. Um dos homens ajudou Numir a levantar-se e deu-lhe um tapa no rosto para ele voltar a si.
Zataki estava xingando o céu e quando o ataque de raiva passou, ele disse:
— Tragam este pedaço de merda de camelo e sigam-me. — Entrando no hangar, ele viu os dois 206 estacionados no fundo, algumas peças arrumadas por ali e um ventilador secando algumas peças recém-pintadas. Tudo aquilo uma camuflagem cuidadosamente preparada por Rudi para ganhar mais alguns minutos. — Eu vou fazer aqueles cães desejarem ter esperado — murmurou com a cabeça doendo.
Ele abriu a porta do escritório com um pontapé e foi se sentar ao lado do transmissor de rádio.
— Numir, faça contato com aqueles homens!
— Mas, o nosso operador de rádio, Jahan, ainda não chegou e eu...
— Faça o que estou mandando
Aterrorizado, o homem ligou o VHF com a boca sangrando e quase sem poder falar.
— Base chamando o capitão Lutz! — esperou e depois repetiu o chamado, acrescentando: 'Urgente'.
NOS HELICÓPTEROS: Eles estavam a pouco mais de três metros de altura sobre o terreno pantonoso e a poucas centenas de metros de distância quando ouviram a voz zangada de Zataki:
— Todos os helicópteros devem retornar à base, retornar à base! Apresentem-se! — Rudi fez um pequeno ajuste na força do motor. No helicóptero mais próximo, ele viu Dubois apontar para os seus fones e fazer um gesto obsceno. Ele sorriu e fez o mesmo, depois notou o suor que lhe escorria pelo rosto.
— TODOS OS HELICÓPTEROS DEVEM VOLTAR À BASE; TODOS...
NO CAMPO DE AVIAÇÃO: — ...OS HELICÓPTEROS DEVEM VOLTAR À BASE. — Zataki estava berrando no microfone. — TODOS OS HELICÓPTEROS DEVEM VOLTAR À BASE!
Ele só obteve estática como resposta. De repente, Zataki bateu com o microfone na mesa. — Ligue para a torre de Abadan! DEPRESSA! — gritou e o aterrorizado Numir, com o sangue escorrendo pela barba, trocou de canal e depois de tentar seis vezes, desta vez em farsi, conseguiu comunicar-se com a torre.
— Aqui é a torre de Abadan, aga, por favor, continue. Zataki arrancou-lhe o microfone das mãos.
— Aqui é o coronel Zataki, do Komiteh Revolucionário de Abadan — disse em farsi — chamando do campo de aviação de Bandar Delam.
— Que a paz esteja com o senhor, coronel — a voz era respeitosa. — O que podemos fazer pelo senhor?
— Quatro dos nossos helicópteros decolaram sem autorização, dirigindo-se para a Irã-Toda. Faça-os retornar, por favor.
— Um momento, por favor. — Vozes abafadas. Zataki esperou, com a cara fechada. Esperou um bocado e então: — O senhor tem certeza, aga? Não os estamos vendo na tela do radar.
— É claro que tenho certeza. Chame-os de volta!
Mais vozes abafadas e mais demora, Zataki estava quase explodindo, então uma voz em farsi disse:
— Os quatro helicópteros que saíram de Bandar Delam devem retornar à base. Respondam por favor. — Eles repetiram a transmissão. Depois a voz acrescentou: — Talvez o rádio deles esteja com defeito, aga, que Deus o abençoe.
— Continue tentando! Eles estão voando baixo na direção da Irã-Toda.
Mais vozes abafadas, depois novamente uma voz falando em farsi e depois uma voz disse em inglês com sotaque americano:
— Podem deixar comigo! Aqui é o controle de Abadan. Helicópteros voando no rumo 090 graus, estão me ouvindo?
NA CABINE DE DUBOIS: A sua bússola estava marcando 091 graus. Mais uma vez ele ouviu a voz soar nos seus fones:
— Aqui é o controle de Abadan, helicópteros voando na direção 090 graus, a um quilômetro da costa, estão me ouvindo? — Uma pausa. — Controle de Abadan, helicópteros voando no rumo 090 graus, troquem para o canal 121.9... estão me ouvindo? — Aquele era o canal de emergência em que todos os aparelhos deviam estar automaticamente sintonizados. — Helicópteros voando no rumo 090 graus, a um quilômetro da costa, retornem para a base, estão me ouvindo?
Através da neblina, Dubois viu que a costa estava se aproximando rapidamente, a menos de um quilômetro de distância, mas voando assim tão baixo, ele duvidava que o radar os estivesse captando. Olhou para a esquerda. Rudi apontou para os fones e depois pôs um dedo nos lábios indicando silêncio. Ele ergueu os polegares e passou adiante a mensagem para Sandor, que estava à sua direita e se virou e viu Fowler Joines entrando na cabine e se sentando ao lado dele. Ele mostrou os fones sobressalentes pendurados sobre o assento. A voz estava mais áspera agora:
— Todos os helicópteros que saíram de Bandar Delam na direção da Irã-Toda devem retornar à base. Estão me ouvindo?
Fowler falou pelo interfone:
— Espero que os desgraçados caiam mortos.
Então, mais uma vez, a voz e seus sorrisos murcharam:
— Controle de Abadan para o coronel Zataki. Está me ouvindo?
— Sim, continue.
— Nós captamos um sinal momentâneo no radar, provavelmente não foi nada, mas pode ter sido um helicóptero ou grupo de helicópteros voando bem juntos na direção 090 graus — a transmissão estava ficando fraca — isto os levaria diretamente para...
NO CAMPO DE AVIAÇÃO: .. .a Irã-Toda. Não pedir autorização para decolar e não manter contato pelo rádio é uma violação séria. Por favor, dê-nos os seus códigos e os nomes dos seus capitães. O VHF da Irã-Toda ainda está quebrado, senão nós entraríamos em contato com eles. Sugiro que mandem alguém lá para prender os pilotos e apresentá-los diante da torre de controle do komiteh de Abadan imediatamente por violação das normas de vôo. Entendido?
— Sim... sim, eu compreendo. Obrigado. Um momento. — Zataki enfiou o microfone na mão de Numir. — Eu vou até a Irã-Toda. Se eles voltarem antes de mim, prenda-os! Informe ao controle o que eles estão querendo saber! — Ele saiu, deixando na base três homens armados de metralhadoras.
Numir começou:
— Controle de Abadan, aqui Bandar Delam: HVV, HGU, HKL, HXC, todos 212. Capitães Rudi Lutz, Marc Dubois..
NA CABINE DE POP KELLY: "...Sandor Petrofi e Ignatius Kelly, todos a serviço da IranOil e enviados à Irã-Toda por ordem do coronel Zataki
__ Obrigado, Bandar Delam, mantenha-nos informados.
Kelly olhou para a direita e levantou os polegares entusiasticamente para Rudi, que respondeu
NA CABINE DE RUDI: .e fez o mesmo para Dubois que também respondeu. Então ele tornou a examinar a neblina.
A formação de helicópteros estava quase na linha da costa. A Irã-Toda estava à esquerda, a cerca de um quilômetro de distância, mas Rudi não conseguiu enxergá-la através da neblina. Ele acelerou ligeiramente para ficar na frente, depois trocou do rumo sul para leste. Isto forneceu-lhes uma rota diretamente por cima da fábrica e ele aumentou a altitude para ultrapassar os edifícios. O complexo foi ultrapassado rapidamente, mas ele sabia que quem estivesse lá embaixo prestaria atenção neles por terem surgido tão repentinamente. Uma vez ultrapassada a fábrica, ele tornou a baixar a altitude e manteve o mesmo curso, agora dirigindo-se para o interior por um pouco mais de 15 quilômetros. Lá a terra era deserta, não havia aldeia por perto. Mais uma vez, de acordo com o plano, ele tomou o rumo sul em direção ao mar.
Imediatamente a visibilidade começou a piorar. Lá embaixo, a sete metros, a visibilidade mal chegava a meio quilômetro, com uma nebulosidade difusa em que não havia nenhuma distinção entre céu e mar. À sua frente, quase diretamente no seu caminho, estava a ilha de Kharg, com seu radar superpotente e, mais adiante, a uns 350 quilômetros de distância, o seu alvo, Bahrain. Pelo menos duas horas de vôo. Com aquele vento, mais do que isso, o sudeste de 35 nós transformando-se num vento de proa de 20 nós.
Ali no mar era bastante perigoso. Mas eles acharam que poderiam esgueirar-se por baixo do radar, caso as telas estivessem sendo controladas, e poderiam evitar interceptação, caso houvesse alguma.
Rudi balançou o helicóptero e tocou no botão de transmissão do HF.
— Delta Quatro, Delta Quatro — disse claramente, o código para indicar a Al Shargaz que todos quatro helicópteros de Bandar Delam estavam a salvo, abandonando a costa. Viu Dubois apontar para cima, pedindo para subir. Ele sacudiu a cabeça negativamente, apontou para a frente e para baixo, indicando que continuariam voando baixo, de acordo com o plano. Obedientemente, eles se espalharam e, juntos, deixaram a costa e entraram na neblina.
NO QG DE AL SHARGAZ:Gavallan estava falando no telefone com o hospital:
— Rápido, ligue-me com o capitão Starke, por favor... Alô, Duke, aqui é Andy, eu só queria dizer que recebemos Delta Quatro de Rudi há um minuto, não é maravilhoso?
— É formidável! Quatro já foram, só faltam cinco. Sim, mas são seis, não se esqueça de Erikki
61
LENGEH: 8:04H. Scragger ainda estava aguardando na sala de espera da delegacia. Ele estava sentado desconsoladamente num banco de madeira em frente ao cabo, que olhava para ele de detrás de uma escrivaninha alta que estava do outro lado de uma divisória.
Mais uma vez Scragger consultou o relógio. Ele tinha chegado às 7:20h, para o caso do escritório abrir mais cedo, mas o cabo só tinha chegado às 7:45h e tinha feito sinal para ele se sentar no banco e esperar. Era a espera mais longa da sua vida.
Rudi e os rapazes de Kowiss já devem ter decolado, pensou, infeliz, e nós já teríamos decolado também se não fosse por estes malditos passaportes. Só vou esperar mais um minuto. Não dá para esperar mais. Nós ainda vamos levar uma hora ou mais para partir e tenho certeza de que vai haver algum deslize em algum lugar, entre as três bases, algum intrometido vai começar a fazer perguntas e pôr lenha na fogueira pelo rádio, sem contar com aquele cretino do Siamaki. Na noite anterior, Scragger tinha ficado no HF e ouvira as ligações petulantes de Siamaki para Gavallan em Al Shargaz e também para McIver em Kowiss, dizendo que o esperaria no aeroporto de Teerã.
Desgraçado! Mas eu ainda acho que fiz bem em não ligar para Andy e abortar. Que diabo, nós estamos com a parte mais fácil e se eu adiasse o Turbilhão para amanhã, certamente surgiria outro problema, conosco ou com um dos outros, e o velho Mac não poderia deixar de voltar para Teerã hoje com o maldito Kia. Não posso arriscar isso, não posso. Era fácil perceber que Mac estava tão nervoso quanto uma velha navegando numa canoa em alto-mar.
A porta se abriu e ele levantou a cabeça. Dois jovens guardas entraram, arrastando um rapaz todo machucado, com as roupas sujas e rasgadas.
— Quem é ele? — perguntou o cabo.
— Um ladrão. Nós o pegamos roubando, cabo, o idiota estava roubando arroz da loja de Ismael. Nós o apanhamos durante a nossa ronda, pouco antes do amanhecer.
— Seja como Deus quiser. Coloque-o na segunda cela. — Então o cabo gritou para o rapaz, assustando Scragger que não entendeu o que ele estava dizendo em farsi:
— Filho de um cão! Como você pôde ser estúpido para se deixar apanhar? Você não sabe que agora não é mais só uma surra? Quantas vezes vamos ter que repetir? Agora é a lei islâmica! A lei islâmica!
— Eu... eu estava com fome... minha...
O rapaz gemeu, apavorado, enquanto um dos guardas o sacudia rudemente,
— Fome não é desculpa. Eu estou com fome, nossas famílias estão com fome, nós todos estamos com fome! — Eles arrastaram o rapaz para fora da sala.
O cabo tornou a xingá-lo, com pena dele, depois olhou para Scragger, sacudiu ligeiramente a cabeça e voltou ao seu trabalho. Que estupidez do estrangeiro ir até lá num dia santo, mas se o velho quiser ficar esperando o dia inteiro e a noite inteira até o sargento chegar, isto é problema dele.
A sua pena arranhava o papel, fazendo ranger os dentes de Scragger: 8:1 Ih. Ele se levantou, desanimado, agradeceu ao cabo que, gentilmente, perguntou se ele não queria ficar esperando. Então dirigiu-se para a porta e quase deu um encontrão em Qeshemi.
— Oh, desculpe, meu chapa! Salaam, aga Qeshemi, salaam.
— Salaam, aga. — Qeshemi percebeu o alívio e a impaciência de Scragger. Sarcasticamente, fez sinal para ele esperar e foi até a escrivaninha, olhando para o cabo com os seus olhos argutos.
— Saudações, Ahmed, que a paz de Deus esteja com você.
— Com o senhor também, Excelência sargento Qeshemi.
— Qual é o problema que temos hoje?, eu sei o que o estrangeiro quer.
— Houve outro encontro islâmico-marxista por volta da meia-noite nas docas. Um mujhadin foi morto e nós temos mais sete nas celas. Foi fácil, a emboscada funcionou bem, graças a Deus, e os Faixas Verdes nos ajudaram. O que vamos fazer com eles?
— Obedeça às novas regras — Qeshemi disse pacientemente. — Apresente os prisioneiros diante do Komiteh Revolucionário quando eles chegarem aqui amanhã de manhã. O que mais? — O cabo contou-lhe a respeito do rapaz. — Faça a mesma coisa com ele. Filho de um cão, como foi se deixar apanhar!
Qeshemi atravessou a porta da divisória que dava para o cofre, apanhou a chave e começou a abri-lo.
— Graças a Deus, pensei que a chave estivesse perdida — disse o cabo.
— Estava, mas Lafi achou. Eu fui até a casa dele hoje de manhã. Ele estava com ela no bolso. — Os passaportes estavam sobre caixas de munição. Ele os levou até a mesa, verificou-os cuidadosamente, assinou os vistos em nome de Khomeini e tornou a verificá-los. — Aqui estão, aga piloto — disse e entregou-os a Scragger.
— Mamnoon am, Agha, khoda haefez. — Obrigado, Excelência, até logo.
— Khoda haefez, Agha. — O sargento Qeshemi apertou a mão estendida e observou-o sair, Pensativamente. Pela janela, ele viu Scragger arrancar rapidamente com o carro. Rápido demais.
— Ahmed, nós temos gasolina no carro?
— Ontem nós tínhamos, Excelência.
NO AEROPORTO DE BANDAR DELAM: 8:18H. Agora Numir corria freneticamente de um trailer para outro, mas estavam todos vazios. Ele correu de volta para o escritório. Jahan, o operador de rádio, olhou para ele, espantado.
— Eles foram embora! Todo mundo foi embora, pilotos, mecânicos... e a maioria dos pertences deles! — Numir gaguejou, com o rosto ainda lívido do soco que tinha levado de Zataki. — Aqueles filhos de um cão!
— Mas... mas eles foram só até a Irã-Toda, Excel...
— Estou dizendo que eles fugiram e fugiram com os nossos helicópteros!
— Mas os nossos dois 206 estão no hangar, eu os vi, tem até um ventilador secando a tinta. Excelência Rudi não deixaria um ventilador ligado se..
— Por Deus, eu estou dizendo que eles foram embora. Jahan, um homem de meia-idade que usava óculos, ligou o HF:
— Capitão Rudi, aqui é a base, está me ouvindo?
NA CABINE DE RUDI: Tanto Rudi quanto o seu mecânico, Faganwitch, ouviram a chamada claramente.
— Base para o capitão Rudi, está me ouvindo?
Rudi moveu ligeiramente os comandos e depois tornou a relaxar, olhando para a direita e para a esquerda. Ele viu Kelly fazer sinal para os seus fones, levantar dois dedos e gesticular. Ele respondeu. Então sua alegria desapareceu.
— Teerã, aqui é Bandar Delam, está me ouvindo? — Nenhuma resposta. — Lengeh, aqui é Bandar Delam, está me ouvindo?
— Bandar Delam, aqui é Lengeh, você está dois por cinco. Continue. Houve imediatamente uma explosão de farsi por parte de Jahan que Rudi não entendeu, depois os dois operadores ficaram falando entre si. Depois de uma pausa, Jahan disse em inglês:
— Teerã, aqui é Bandar Delam, está me ouvindo? — Estática. A chamada foi repetida. Estática. Depois: — Kowiss, está me ouvindo? — Depois silêncio outra vez.
— Por enquanto — resmungou Rudi.
— Que confusão foi essa, capitão? — perguntou Faganwitch.
— Fomos apanhados. Não faz nem uma hora que partimos e já fomos apanhados! — Havia bases militares em volta deles e logo adiante ficava uma muito grande e eficiente, em Kharg. Ele não tinha nenhuma dúvida de que se fossem interceptados seriam abatidos da mesma forma que o HBC. Com toda razão, pensou. E embora eles estivessem seguros por enquanto, ali embaixo, sobre as ondas, com a visibilidade agora abaixo de meio quilômetro, em pouco tempo a neblina melhoraria e eles estariam desprotegidos. Mais uma vez a voz de Jahan:
— Teerã, aqui é Bandar Delam, está me ouvindo? — Estática. — Kowiss, aqui é Bandar Delam, está me ouvindo? — Nenhuma resposta.
Rudi praguejou. Jahan era um bom operador de rádio, persistente, e iria continuar chamando Teerã e Kowiss até obter resposta. E então? Isto é problema deles, não meu. O meu é tirar os meus quatro daqui em segurança, é só com isto que eu tenho que me preocupar. Tenho que levar os meus quatro em segurança.
Três ou quatro metros abaixo deles estavam as ondas, ainda não cobertas de espuma, mas cinzentas e ameaçadoras e o vento não tinha melhorado. Ele olhou para Kelly e balançou a mão da esquerda para a direita, o sinal para se espalharem mais e não tentarem manter contato visual caso a visibilidade piorasse. Kelly respondeu e fez o mesmo sinal para Dubois, que transmitiu a mensagem para Sandor, na sua extrema direita, e depois dedicou-se a alcançar o máximo de rendimento com o mínimo de combustível, forçando os olhos a enxergarem no meio do nevoeiro à sua frente. Logo eles estariam realmente nos domínios do mar
LENGEH, NO CAMPO DE AVIAÇÃO: 8:31H. — Jesus, Scrag, nós pensamos que você tivesse sido preso — exclamou Vossi, acompanhado por Willi, ambos aliviados, com os três mecânicos agrupados em volta do carro. — O que foi que aconteceu?
— Consegui os passaportes, então vamos logo.
— Nós estamos com um problema — Vossi estava branco. Scragger fez uma careta, ainda suando por causa da espera e da viagem de volta.
— O que foi agora?
— Ali Pash está aqui. Está falando no HF. Ele veio normalmente, nós tentamos dispensá-lo, mas ele não quis e...
Impacientemente, Willi interrompeu:
— E nos últimos cinco minutos, Scrag, nos últimos cinco ou dez minutos, ele está se comportando de uma forma muito estranha e...
— Como se tivesse um vibrador enfiado no rabo, Scrag, eu nunca o vi assim — Vossi parou. Ali Pash saiu para a varanda da sala de rádio e fez um sinal urgente para Scragger.
— Já vou, Ali — Scragger gritou. — E cochichou para Benson, o mecânico-chefe: — Você e seus rapazes estão com tudo pronto?
— Sim, senhor — Benson era pequeno, magro e nervoso. — Coloquei as suas coisas no helicóptero antes de Ali Pash aparecer. Nós vamos dar o fora?
— Espere até eu chegar no escritório. Todo o...
— Nós recebemos o chamado de Delta Quatro, Scrag — disse Willi — mas nada dos outros.
— Ótimo. Todo mundo deve ficar esperando até eu dar o sinal. — Scragger respirou fundo e se afastou, cumprimentando os Faixas Verdes que encontrava pelo caminho.
— Salaam, Ali Pash, bom dia — disse, notando o nervosismo e a ansiedade do outro. — Eu pensei que lhe houvesse dado o dia de folga.
— Aga, há algo que...
— Só um segundo, meu filho! — Scragger se virou e fingiu estar irritado, ao gritar: — Benson, eu já disse que se você e Drew quiserem ir fazer um piquenique, podem ir, mas é melhor estarem de volta às duas horas! E o que é que vocês dois estão esperando? Vão fazer a revisão de terra ou não vão?
— Sim, Scrag, desculpe, Scrag!
Ele quase riu ao vê-los tropeçando uns nos outros, Benson e o mecânico americano, Drew, pulando no velho caminhão e se afastando, Vossi e Willi dirigindo-se para as suas cabines. Uma vez dentro do escritório, ele respirou com mais facilidade, colocando a pasta com os passaportes sobre a mesa.
— Agora, qual é o problema?
— Você vai nos deixar, aga — disse o jovem para espanto de Scrag.
— Bem, ahn, não estamos indo embora — Scragger começou, estamos fazendo uma revisão...
— Oh, mas vocês estão indo embora, estão sim! Não há... não há nenhuma troca de pessoal amanhã, não há necessidade de malas, eu vi o aga Benson com duas malas, e por que todas as peças foram retiradas e todos os pilotos e mecânicos.— As lágrimas começaram a correr pelo rosto do homem.
— .. é verdade.
— Agora escute, meu filho, você está perturbado. Tire o dia de folga.
— Mas o senhor vai partir como o pessoal de Bandar Delam, o senhor vai partir hoje e o que vai ser de nós?
Uma explosão de farsi no alto-falante interrompeu-o. O rapaz enxugou as lágrimas e ligou o transmissor, respondendo em farsi e depois acrescentando em inglês:
— Aguarde na linha — e disse, infeliz: — Era o aga Jahan, de novo, repetindo o que transmitiu há dez minutos. Os quatro 212 de lá desapareceram, aga. Eles partiram, aga. Eles decolaram às 7:32h para ir para a Irã-Toda, mas não pousaram lá, dirigiram-se para o interior.
Scragger agarrou a cadeira, tentando aparentar calma. Outra vez o HF, em inglês agora:
— Teerã, aqui é Bandar Delam, está me ouvindo?
— Ele chama Teerã a cada dez minutos, e Kowiss também, mas não tem resposta... — Outras lágrimas saltaram dos olhos do rapaz. — Os de Kowiss também já foram embora, aga? O seu povo deixou Teerã? O que vamos fazer quando vocês tiverem partido? — Na rampa, o primeiro dos 212 ligou barulhentamente os motores, seguido do segundo. — Aga — disse Ali Pash, aflito — nós deveríamos pedir licença a Kish para ligar os motores.
— Não precisamos incomodá-los no feriado, não é um vôo, é só um teste — disse Scragger. Ele ligou o VHF e limpou o queixo, sentindo-se sujo e muito perturbado. Ele gostava de Ali Pash e o que o rapaz tinha dito era verdade. Sem eles, não haveria trabalho, e para os Ali Pashes, só existia o Irã, e só Deus sabia o que iria acontecer lá. Pelo VHF ouviu-se a voz de Willi:
— O meu conta-giros está com problemas, Scrag. Scragger pegou o microfone.
— Leve o helicóptero para a plantação de repolhos e teste-o lá. — Era uma área a uns dez quilômetros dali, bem longe da cidade, onde eles podiam testar os motores e praticar procedimentos de emergência. — Fique lá, Willi, qualquer problema comunique-me, eu posso chamar o Benson se você precisar de um ajuste. Como vai indo, Ed?
— Ótimo, Scrag, ótimo. Se não houver problema, eu gostaria de praticar alguns cortes de motor, está chegando a época da renovação da minha licença e Willi pode me ajudar, certo?
— Certo. Chame-me dentro de uma hora — Scragger foi até a janela, satisfeito por estar de costas para Ali Pash e longe daqueles olhos tristes e acusadores. Os dois helicópteros decolaram e se dirigiram para longe da costa. O escritório parecia mais abafado do que normalmente. Ele abriu a janela. Ali Pash estava sentado melancolicamente ao lado do rádio
— Por que você não tira o dia de folga, rapaz''
— Eu tenho que responder a Bandar Delam. O que devo dizer, aga!
— O que foi que Jahan perguntou?
— Ele disse que aga Numir queria saber se eu tinha notado alguma coisa estranha, peças sendo retiradas, aparelhos partindo, pilotos e mecânicos sumindo.
Scragger observou-o.
— Parece-me que não há nada de estranho acontecendo por aqui. Eu estou aqui, os mecânicos foram fazer um piquenique, Ed e Willi estão fazendo verificações de rotina. Rotina, certo? — Ele olhou fixamente para o rapaz, querendo forçá-lo a ficar do lado dele. Não tinha nenhuma maneira de convencê-lo, nada para lhe oferecer, nenhum pishkesh, exceto... — Você aprova o que está acontecendo aqui, meu filho? — perguntou cautelosamente. — Isto é, que futuro você tem aqui?
— Futuro? O meu futuro é com a companhia. Se... se vocês partirem, então... então eu não terei emprego, não poderei... não poderei mais fazer nada. Eu sou filho único...
— Se você quisesse partir, bem, haveria um emprego para você e um futuro. Fora do Irã. Garantido.
O rapaz olhou-o boquiaberto, entendendo, de repente, o que Scragger estava-lhe oferecendo.
— Mas... mas o que estaria garantido, aga! Uma vida no Ocidente, só para mim? E o meu povo, a minha família, a minha noiva?
— Isto eu não posso responder, Ali Pash — disse Scragger, com os olhos no relógio, consciente do tempo passando, das luzes e do ruído do HF, preparando-se para dominar o rapaz, que era mais alto do que ele, maior, uns 35 anos mais moço, e depois quebrar o HF e sair correndo... Sinto muito, meu filho, mas de um jeito ou de outro você vai ter que colaborar. Casualmente, ele chegou mais perto, posicionando-se melhor.
— Insha'Allah é a maneira que vocês têm de colocar as coisas — disse bondosamente e se preparou.
Ao ouvir estas palavras, saídas da boca daquele homem velho, bondoso e estranho que ele respeitava tanto, Ali Pash sentiu uma onda de afeição invadi-lo.
— Este é o meu lar, aga, a minha terra — disse Ali Pash, com simplicidade. — O imã é o imã e ele só obedece a Deus. O futuro é o futuro e está nas mãos de Deus. O passado também é o passado.
Antes que Scragger pudesse detê-lo, Ali Pash chamou Bandar Delam e agora estava falando em farsi no microfone. Os dois operadores conversaram por alguns momentos e depois, abruptamente, ele se despediu. Ele olhou para Scragger.
— Eu não o culpo por partir — disse. — Obrigado, aga, pelo... pelo passado. — Então, com grande determinação, ele desligou o HF, tirou uma peça e guardou no bolso. — Eu disse a ele que nós... que nós iríamos fechar pelo resto do dia.
Scragger respirou.
— Obrigado, meu filho.
A porta se abriu. Qeshemi estava lá.
— Eu gostaria de inspecionar a base — disse.
QG DE AL SHARGAZ: Manuela estava dizendo:
— ...e então, Andy, o operador de Lengeh, Ali Pash, disse para Jahan: "Não, não há nada de estranho por aqui", e depois acrescentou, um tanto abruptamente: "Estou fechando pelo resto do dia. Tenho que assistir às orações." Numir ligou para ele logo em seguida, pedindo-lhe para esperar alguns minutos, mas não obteve resposta.
— Abruptamente? — Gavallan perguntou, com Scot e Nogger também escutando atentamente. — Abruptamente, como?
— Como, como se ele estivesse de saco cheio ou tivesse uma arma apontada para a sua cabeça. Não é normal um iraniano ser tão abrupto. — Manuela acrescentou, inquieta: — Eu posso estar imaginando coisas, Andy.
— Isto significa que Scrag ainda está lá ou não?
Scot e Nogger fizeram uma careta, apavorados com a idéia. Manuela se mexeu nervosamente.
— Se estivesse lá, ele não teria respondido pessoalmente para nós sabermos? Acho que eu faria isso. Talvez ele... — O telefone tocou e Scot atendeu:
— SG? Oh, alô, Charlie, um momento. — Ele passou o fone para o pai. — É do Kuwait.
— Alô, Charlie, está tudo bem?
— Sim, obrigado. Eu estou no aeroporto do Kuwait, telefonando do escritório de Patrick na Guerney. — Embora as duas companhias fossem rivais no mundo inteiro, elas mantinham relações cordiais. — O que há de novo?
— Delta Quatro, nada mais até agora. Eu ligo assim que tiver notícias. Jean-Luc deu notícias de Bahrain, ele está com Delarne no Gulf Air de France se você quiser falar com ele. Genny está com você?
— Não, ela voltou para o hotel, mas estou com tudo preparado para quando Mac e os rapazes chegarem.
Gavallan disse calmamente:
— Você contou a Patrick, Charlie? — Ele ouviu o riso forçado de Pettikin.
— Que coisa engraçada, Andy, o representante da BA aqui, Patrick e dois outros caras estão com idéia maluca de que nós estamos tramando alguma coisa, como retirar todos os nossos pássaros. Você pode imaginar isso?
Gavallan suspirou.
— Não adiante as coisas, Charlie, siga o plano. — Isto significava ficar calado até que os helicópteros de Kowiss estivessem dentro do sistema do Kuwait, e depois então contar a Patrick. — Eu telefono quando tiver alguma notícia. Até logo. Oh, espere, eu quase me esqueci. Você se lembra de Ross? John Ross?
— E eu poderia esquecer? Por quê?
— Ouvi dizer que ele está no Hospital Internacional do Kuwait. Verifique assim que puder, sim?
— É claro. Imediatamente. O que há com ele?
— Não sei. Ligue para mim se tiver alguma notícia. Até logo. — E desligou o telefone. Tornou a respirar profundamente. — Já estão sabendo de tudo lá no Kuwait.
— Cristo, se... — Scot foi interrompido pelo toque do telefone. — Alô? Um momento. É o sr. Newbury, papai.
Gavallan atendeu.
— Bom dia, Roger, tudo bem?
— Sim. Bem, ahn, eu queria saber se está tudo bem. Como vão as coisas? Extra-oficialmente, é claro.
— Tudo ótimo — Gavallan disse com naturalidade. — Você vai ficar o dia todo no escritório? Eu passo por aí, mas telefono antes de sair daqui.
— Sim, faça isso, vou ficar aqui até o meio-dia. É um fim-de-semana comprido, você sabe. Por favor, ligue-me assim que tiver alguma notícia... extra-oficialmente. Na mesma hora. Nós estamos um tanto preocupados e, bem, podemos conversar quando você chegar. Até logo.
— Espere um instante. Você teve notícias do jovem Ross?
— Sim, tive. Sinto muito, mas soubemos que ele está gravemente ferido, com poucas chances de sobreviver. É uma pena, mas o que se pode fazer? Vejo-o antes do meio-dia. Até logo.
Gavallan desligou. Todos olhavam para ele.
— O que foi? — Manuela perguntou.
— Aparentemente... parece que o jovem Ross está gravemente ferido, com poucas chances de sobreviver.
— Que azar! Meu Deus, não é justo... — Nogger tinha falado com todo mundo sobre Ross, como este tinha salvo a vida deles e a de Azadeh.
Manuela fez o sinal-da-cruz e rezou fervorosamente para Nossa Senhora, por ele, depois implorou a Ela para trazer de volta, a salvo, todos os homens, todos eles, e também Azadeh e Xarazade e que eles conseguissem ter paz, por favor, por favor...
— Papai, Newbury contou-lhe o que aconteceu?
Gavallan sacudiu negativamente a cabeça, mal ouvindo o que ele estava dizendo. Ele estava pensando em Ross, da mesma idade que Scot, mais duro e experiente e indestrutível do que Scot e agora... Pobre rapaz! Talvez ele se recupere... Oh, Deus, eu espero que sim! O que se pode fazer? Continuar, é só o que se pode fazer. Azadeh vai ficar abalada, pobre garota. E Erikki vai ficar tão abalado quanto Azadeh, ele deve a vida dela a Ross.
— Estarei de volta num segundo — disse e saiu, dirigindo-se para o outro escritório, de onde podia ligar para Newbury em particular.
Nogger estava na janela, olhando para fora, na direção do campo de aviação, sem enxergar nada. Ele estava vendo o matador maníaco de Tabriz, segurando a cabeça decepada, com olhos selvagens e uivando como um lobo para o céu, o anjo da morte que se tornou o anjo da vida para ele, Arberry, Dibble e, principalmente, para Azadeh. Deus, se o senhor é mesmo Deus, salve-o como ele nos salvou...
— Teerã, aqui é Bandar Delam, está me ouvindo? Kowiss, aqui é Bandar Delam, está me ouvindo?
— Cinco minutos em ponto — murmurou Scot — Jahan não se atrasa um segundo. Siamaki não disse que estaria no escritório a partir das nove horas?
— Disse. — Todos os olhares se dirigiram para o relógio. Estava marcando 8:45h
NO AEROPORTO DE LENGEH: 9:01H. Qeshemi estava no hangar, olhando para os dois 206 estacionados lá dentro. Atrás dele, Scragger e Ali Pash observavam nervosamente. Um raio de sol atravessou as nuvens e fez brilhar o 212 que estava esperando na pista, a cinqüenta metros de distância, com um carro de polícia amassado parado ao lado, com o motorista, cabo Ahmed, lá dentro.
— O senhor já voou num desses, Excelência Pash? — perguntou Qeshemi.
— No 206? Sim, Excelência sargento — disse Ali Pash, dando ao sargento o seu sorriso mais agradável. — O capitão às vezes me leva ou ao outro operador de rádio quando estamos de folga. — Ele estava com muita pena pelo fato do Demônio ter posto os pés lá hoje, mais do que com pena, porque agora ele estava irremediavelmente envolvido em uma traição. Traição por quebrar as regras, traição por mentir para a polícia, traição por não ter comunicado fatos estranhos. — O capitão poderá levá-lo quando o senhor quiser — disse agradavelmente, inteiramente concentrado agora em livrar-se do lodaçal em que o Demônio e o capitão o haviam colocado.
— Hoje seria um bom dia? Ali Pash quase se traiu.
— É claro, se o senhor pedir ao capitão, é claro, aga. Quer que eu peça? Qeshemi não disse nada, apenas saiu do hangar, sem se importar com os
Faixas Verdes, uma dúzia deles, que observavam curiosamente. Para Scragger, ele disse diretamente em farsi:
— Onde está todo mundo hoje, capitão?
Ali Pash serviu de intérprete para Scragger, embora torcendo as palavras, tornando-as mais aceitáveis, explicando que, sendo dia santo, sem vôos de inspeção, o pessoal iraniano tinha tido o dia de folga, o capitão tinha mandado os 212 para a área de treinamento, tinha deixado os mecânicos fazerem um piquenique e, ele próprio, ia sair para ir à mesquita assim que Sua Excelência o sargento tivesse terminado o que estava fazendo.
Scragger estava totalmente frustrado por não entender farsi, e estava detestando não pode controlar a situação. A sua vida e a dos seus homens estavam nas mãos de Ali Pash.
— Sua Excelência quer saber o que o senhor está planejando fazer o resto do dia.
— Está é uma boa pergunta. — Scragger murmurou. Então o lema da família veio-lhe à mente: "Enforcado por um carneirinho, enforcado por uma ovelha, então é melhor levar logo o rebanho inteiro." — O lema tinha sido passado pelo seu antepassado que fora deportado para a Austrália no início de 1800. — Por favor, diga-lhe que assim que ele terminar, eu vou para a plantação de repolhos ajudar Vossi a praticar. Está na época dele renovar a sua licença.
Ele ficou olhando e esperando e Qeshemi fez uma pergunta que Ali Pash respondeu e o tempo todo ele ficou imaginando o que faria se Qeshemi dissesse: "Ótimo, eu vou também."
— Sua Excelência quer saber se o senhor poderia emprestar um pouco de gasolina para a polícia.
— O quê?
— Ele quer um pouco de gasolina, capitão. Quer que o senhor empreste um pouco de gasolina.
— Oh. Oh, certamente, certamente, aga. — Por um momento, Scragger encheu-se de esperança. Não se anime tão depressa, meu filho, pensou. A plantação de repolho não fica assim tão longe e Qeshemi pode estar querendo gasolina para mandar o carro para lá e ir comigo no helicóptero.
— Venha, Ali Pash, você pode me dar uma ajuda — disse, não querendo deixá-lo sozinho com Qeshemi e caminhou até a bomba, fazendo um sinal para o carro de polícia. A biruta estava dançando. Ele viu que as nuvens estavam se avolumando, empurradas por um vento contrário. Aqui embaixo o vento ainda era o sudeste, embora estivesse virando para sul. Bom para nós, mas vai ser um tremendo vento de proa para os outros, pensou, preocupado.
NOS HELICÓPTEROS, PERTO DA ILHA DE KISH: 9:07H. Os quatro helicópteros de Rudi estavam à vista uns dos outros, mais juntos do que antes, viajando calmamente logo acima das ondas. A visibilidade variava entre duzentos e oitocentos metros. Todos os pilotos estavam poupando combustível, procurando tirar o melhor proveito, e mais uma vez Rudi inclinou-se para frente para dar uma pancadinha no mostrador. A agulha moveu-se ligeiramente, ainda marcando um pouco menos de meio tanque.
— Não há problema, Rudi, está funcionando perfeitamente — disse Faganwitch pelo interfone. — Nós temos tempo bastante para reabastecer, certo? Estamos no horário e dentro do que foi planejado, certo?
— Oh, sim. — Mesmo assim, Rudi tornou a calcular a distância, encontrando sempre a mesma resposta: o suficiente para alcançar Bahrain, mas não o suficiente para a quantidade de combustível de reserva.
— Teerã, aqui é Bandar Delam, está me ouvindo? — A voz de Jahan soou nos seus fones de novo, irritando-o com sua persistência. Por um momento ele ficou tentado a desligar, mas achou que seria muito arriscado.
— Bandar Delam, aqui é Teerã, estamos ouvindo quatro por cinco, continue!
Houve uma explosão de farsi. Rudi ouviu várias vezes o nome "Siamaki", mas não entendeu quase nada além disso, enquanto os dois operadores falavam e então reconheceu a voz de Siamaki, irritada, arrogante e muito zangada.
— Aguarde, Bandar Delam! Al Shargaz, aqui é Teerã, está me ouvindo? — E mais zangado ainda: — Al Shargaz, aqui é o diretor Siamaki, está me ouvindo? — Nenhuma resposta. A chamada foi repetida, depois houve mais uma explosão de farsi e então Faganwitch gritou:
— Lá na frente, cuidado!
O superpetroleiro, com quase meio quilômetro de comprimento, estava crescendo na direção deles, ameaçadoramente, no meio da neblina, navegando em direção ao terminal do Iraque com a buzina de nevoeiro tocando. Rudi viu que estava perdido, não havia tempo de subir, não havia espaço para desviar o helicóptero para a esquerda nem para a direita, senão ele entraria em colisão com os outros, então começou a fazer uma parada de emergência. Kelly, à sua esquerda, desviou-se perigosamente para a esquerda, passando rente à popa. Sandor, na extrema direita, fez a volta pela proa. Dubois, em perigo, acelerou ao máximo, empurrou o controle para a direita e para trás, fazendo uma curva fechada em subida, cada vez mais fechada — cinqüenta, sessenta, setenta, oitenta graus, com a proa se aproximando dele, não vou conseguir, espèce de con..., não vou conseguir, controle para trás, a força G chupando a ele e a Fowler para o fundo dos assentos, a amurada do navio se aproximando deles, e então passaram a milímetros do deque de proa, com a tripulação correndo apavorada. Uma vez a salvo, Dubois deu uma volta de 180 graus para voltar para perto de Rudi, na esperança de que este tivesse conseguido diminuir o impacto e descido no mar.
Rudi estava com o controle puxado para trás, o nariz para cima, desacelerado, vendo o velocímetro cair, o nariz um pouco mais alto, o sinal de estol gemendo, não vou conseguir, o aviso de estol gritando, a qualquer momento ele vai despencar do céu, o petroleiro a poucos metros de distância, vendo rebites, vigias, ferrugem, pintura descascada, chegando mais perto deles mas mais devagar, mais devagar, tarde demais, tarde demais, mas talvez o suficiente para diminuir o impacto, agora caindo, controle para a frente, força total momentaneamente para diminuir o terrível impacto e a queda e de repente o aparelho estava flutuando um metro acima das ondas, com os esquis a centímetros do casco do petroleiro que passou deslizando suavemente por eles. Rudi conseguiu recuar um metro, depois outro e flutuou.
Quando seus olhos entraram em foco, ele olhou para cima. Na ponte do navio, tão alto que ele podia ver os oficiais olhando para ele lá embaixo, a maioria estava sacudindo os punhos com raiva. Um homem com a cara roxa de raiva estava gritando para eles com um alto-falante:
— Maldito idiota! — Mas ele não conseguiu ouvi-lo. A popa passou por eles, deixando uma esteira agitada que salpicou-os de água. O caminho à frente estava livre.
— Eu... eu vou ter que ir ao banheiro. — Faganwitch começou a engatinhar de volta para a cabine.
Faça por mim também, Rudi estava pensando, mas não teve forças para falar. Seus joelhos estavam tremendo e os dentes batiam.
— Cuidado — murmurou, então acelerou, ganhou altura e velocidade e em pouco tempo estava a salvo. Nenhum sinal dos outros. Então viu Kelly se aproximando, procurando por ele. Quando Kelly o viu, balançou o aparelho para um lado e para o outro, feliz, erguendo o polegar. Para evitar que os outros desperdiçassem combustível, voltando para procurá-lo, Rudi pôs os lábios bem perto do microfone e disse:
— Ponto-ponto-ponto-traço, ponto-ponto-ponto-traço, ponto-ponto-ponto-traço. O código particular que eles tinham combinado, indicando que cada um deveria seguir para Bahrain por sua conta, e para que soubessem que ele estava a salvo. Ele ouviu Sandor responder com o mesmo sinal de morse, depois Dubois, que surgiu ao seu lado no meio da neblina, aumentando a estática, e depois se afastou. Mas Pop Kelly estava sacudindo a cabeça, indicando que preferia ir junto com ele. Ele apontou para a frente
Mais uma vez eles ouviram:
— Al Shargaz, aqui é aga Siamaki em Teerã, está me ouvindo? — Depois mais farsi. — Al Shargaz.
NO QG DE AL SHARGAZ: "...aqui é aga Siamaki... — Então outra explosão de farsi. Gavallan tamborilou na mesa, aparentemente calmo, mas fervendo por dentro. Ele não tinha conseguido falar com Pettikin antes dele partir para o hospital e não havia o que pudesse fazer para tirar Siamaki e Numir do ar. Scot ajustou o volume ligeiramente, diminuindo o som do falatório, fingindo não estar ligando. Manuela disse com voz rouca: — Ele está uma fera, Andy
EM LENGEH: 9:26H. Scragger estava enchendo o tanque do carro da polícia. A mangueira escapuliu, transbordando e sujando-o de gasolina. Murmurando um palavrão, ele soltou a alavanca e pendurou a mangueira na bomba. Dois Faixas Verdes estavam ali perto, observando atentamente. O cabo apertou a tampa do tanque. Qeshemi falou com Ali Pash por alguns instantes.
— Sua Excelência está perguntando se o senhor poderia ceder-lhe alguns tambores de vinte litros. Evidentemente, cheios.
— Claro. Por que não? Quantos ele quer?
— Ele diz que poderia levar três na mala e dois dentro do carro. Cinco.
— Então cinco.
Scragger encontrou os tambores e encheu-os e, juntos, eles os colocaram no carro de polícia. Este carro é um verdadeiro coquetel molotov, pensou. Nuvens de tempestade estavam se formando rapidamente. Houve um relâmpago nas montanhas.
— Diga-lhe que é melhor não fumar dentro do carro
— Sua Excelência manda agradecer-lhe.
— Às ordens. — Ouviu-se uma trovoada nos lados da montanha. Mais relâmpagos. Scragger viu Qeshemi dar uma olhada em redor do campo. Os dois Faixas Verdes estavam esperando. Outros estavam agachados ao abrigo do vento, observando preguiçosamente. Agora ele não podia mais esperar.
— Bem, aga, eu preciso ir andando — disse, apontando para o 212 e depois para o céu. — Certo?
Qeshemi olhou-o estranhamente.
— Certo, por que certo, aga!
— Eu vou agora. — Scragger sacudiu os braços para mostrar que ia voar e manteve o sorriso forçado. — Mamnoon am, khoda haefez. — Obrigado, até logo. — E estendeu-lhe a mão.
O sargento olhou para a mão estendida e depois para ele, examinando-o com os seus olhos penetrantes. Então disse:
— Certo, até logo, aga — e apertou-lhe a mão com firmeza.
O suor escorria pelo rosto de Scragger e ele se controlou para não enxugá-lo.
— Mamnoon am, khoda haefez, agha. — Ele cumprimentou Ali Pash, desejando que aquilo fosse uma boa despedida, com vontade de trocar um aperto de mão com ele, mas não ousando abusar da sorte, então deu-lhe simplesmente um tapa nas costas ao passar por ele
— Até logo, meu filho. Felicidades.
— Feliz aterrissagem, aga — Ali Pash ficou olhando Scragger subir para a cabine e decolar, acenando ao se afastar. Ele acenou de volta, então viu Qeshemi olhando para ele. — Se o senhor me der licença, Excelência sargento, eu vou trancar tudo e depois vou até a mesquita.
Qeshemi balançou a cabeça, concordando, e tornou a olhar para o 212 que se afastava. Como eles são óbvios, estava pensando, o velho piloto e este jovem tolo. É tão fácil ler a mente dos homens se você for paciente e prestar atenção às pistas. É muito perigoso voar ilegalmente. Ainda mais perigoso ajudar estrangeiros a voar ilegalmente e ficar para trás. Loucura! Os homens são muito estranhos. Seja como Deus quiser.
Um dos Faixas Verdes, um rapaz quase imberbe com um AK47 no ombro, aproximou-se e olhou significativamente para os tambores de gasolina no fundo do carro. Qeshemi não disse nada, apenas cumprimentou-o com a cabeça. O rapaz respondeu, com um olhar duro, e se afastou insolentemente para se reunir aos outros.
O sargento sentou-se no lugar do motorista. Cães leprosos, pensou sarcasticamente, vocês ainda não são a lei em Lengeh — graças a Deus.
— Está na hora de ir embora, Ahmed, está na hora. — Enquanto o cabo entrava ao lado dele no carro, Qeshemi viu o helicóptero passar por cima da montanha e desaparecer. Ainda seria tão fácil apanhá-lo, velho, disse a si mesmo, confuso. Tão fácil alertar a rede, os nossos telefones estão funcionando e nós temos uma ligação direta com a base militar de Kish. Uns poucos litros de gasolina serão um pishkesh suficiente pela sua liberdade? Eu ainda não decidi.
— Eu o deixo na delegacia, Ahmed, depois vou ficar de folga até amanhã. O carro fica comigo.
Qeshemi arrancou. Talvez nós devêssemos ter partido com os estrangeiros — seria fácil obrigá-los a nos levar, a minha família e a mim, mas isto significaria viver do lado errado do nosso golfo Pérsico, viver no meio dos árabes. Eu nunca gostei dos árabes, nunca confiei neles. Não, o meu plano é melhor. Descer a velha estrada costeira durante um dia e uma noite depois tomar o barco do meu primo para o Paquistão, com bastante gasolina de reserva para servir de pishkesh. Muita gente nossa já está lá. Eu construirei uma vida boa para minha mulher e meu filho e para a pequena Sousan, até que, com a ajuda de Deus, nós possamos voltar para casa. Há muito ódio agora por aqui, foram muitos anos servindo o xá. Bons tempos. Como xá ele foi bom para nós. Nós sempre éramos pagos
AO NORTE DE LENGEH: 9:23H. A plantação de repolhos ficava dez quilômetros a nordeste da base, numa região deserta, coberta de pedras, no sopé das montanhas, e os dois helicópteros estavam parados, um ao lado do outro, com os motores funcionando. Ed Vossi estava em pé ao lado da janela da cabine de Willi.
— Estou com vontade de vomitar, Willi.
— Eu também. — Willi ajeitou os fones, o VHF estava ligado mas, de acordo com o plano, só deveria ser usado em caso de emergência, era só para ouvir
— Pegou alguma coisa, Willi? — Vossi perguntou.
— Não, só estática.
— Merda. Ele deve estar encrencado. Mais um minuto e eu vou ver o que houve, Willi.
— Vamos juntos. — Willi observou o relâmpago nas montanhas, a visibilidade era de cerca de um quilômetro, com as nuvens negras e ameaçadoras. — Este não é um bom dia para passeios, Ed.
— Não.
Então o rosto de Willi se acendeu como um foguete e ele apontou:
— Lá está ele! — O 212 de Scragger estava se aproximando a cerca de duzentos metros. Vossi correu para a sua cabine e entrou. Ouviu no seu fone:
— Como está o seu conta-giros, Willi?
— Nada bom, Scrag — Willi disse alegremente, seguindo o plano deles para o caso de alguém estar ouvindo. — Eu pedi a Ed para dar uma olhada nele, e ele também não está muito seguro. O rádio dele não está funcionando.
— Eu vou pousar e conversaremos. Scragger para a base, está me ouvindo? — Nenhuma resposta. — Scragger para a base, ficaremos algum tempo no chão. — Nenhuma resposta.
Willi ergueu o polegar para Vossi. Os dois aceleram, concentrando-se em Scragger que estava descendo devagar.
Quando estava no nível do chão, Scragger interrompeu a descida e se dirigiu para a costa. Agora a alegria era extrema, Vossi estava gritando de felicidade, até Willi estava sorrindo.
— Por Deus...
Scragger ultrapassou o cume e desceu do outro lado e agora podia ver a costa e o pequeno caminhão deles estacionado na praia rochosa pouco acima das ondas. Seu coração quase parou. Um rebanho de cabras com três pastores pontilhava a sua área de pouso. A cinqüenta metros da praia, havia um carro com alguns adultos e crianças brincando num lugar onde ele nunca havia visto ninguém. Um pequeno barco a motor navegava no mar. Podia ser um pesqueiro, e podia ser um dos barcos da patrulha vigiando contrabandistas e fugitivos, pois aqui, com Omã e a costa pirata tão próximos, sempre tinha havido muita vigilância costeira.
Não posso mudar os planos agora, pensou, com o coração disparado. Ele viu Benson e os dois outros mecânicos olharem para ele, pularem do caminhão e se dirigirem para a área de pouso. Atrás dele, Willi e Vossi tinham diminuído a velocidade para lhe dar tempo. Sem hesitação, ele desceu, com as cabras se espalhando, os pastores e as pessoas que faziam piquenique olhando, perplexos. Assim que tocou o solo, ele gritou:
— Vamos!
Não precisou falar duas vezes. Benson correu para a cabine e abriu a porta, voltou para ajudar os outros dois a descarregarem o caminhão. Juntos, eles retiraram malas, valises e bagagens e começaram a carregar o helicóptero a cabine já estava cheia de peças. Scragger olhou em volta e viu que Willi e Vossi estavam parados no ar, em guarda.
— Até agora tudo bem — disse alto, concentrando-se nos espectadores que tinham vencido o espanto e estavam se aproximando. Ele olhou em volta. Ainda não havia perigo. Mesmo assim, ele verificou a sua pistola Very e mandou que os mecânicos se apressassem, preocupado que o carro de polícia pudesse aparecer na estrada. Um segundo carregamento. Depois outro, depois o último, os três mecânicos suando, e agora dois subiram para a cabine, fechando a porta. Benson entrou ao seu lado, praguejou e fez menção de tornar a sair.
— Eu esqueci de desligar o caminhão.
— Deixe isso para lá. Vamos embora — Scragger acelerou e subiu, enquanto Benson trancava a porta, apertava o cinto e, logo, estavam sobre as ondas, no meio da neblina que cobria o golfo. Scragger olhou para a direita e para a esquerda. Willi e Vossi estavam bem ao lado dele, e ele desejou ter um HF para poder comunicar 'Lima Três' a Gavallan. Não faz mal, estaremos lá num instante.
Uma vez ultrapassadas as plataformas, ele começou a respirar melhor. Odeio deixar o jovem Ali Pash deste jeito, pensou, odeio deixar Georges de Plessey e seus rapazes, odeio deixar os dois 206, odeio partir. Bem, fiz o que pude. Deixei recomendações e promessas de emprego para quando voltarmos, se voltarmos, para Ali Pash e os outros na gaveta de cima da mesa do chefe do escritório, junto com todo o dinheiro que eu tinha.
Ele verificou o seu curso, em direção a sudoeste, para Siri, como se estivesse numa viagem de rotina, caso o radar os apanhasse. Perto de Siri viraria para sudeste, em direção a Al Shargaz e à sua casa. Se tudo correr bem, pensou, e tocou no pé de coelho que Nell tinha dado a ele há tantos anos atrás para dar sorte. Passaram por outra plataforma, Siri Seis. A tempestade elétrica fazia estalar os seus fones, depois, junto com os estalos, ele ouviu alto e claro:
— Ei, Scragger, você e les gars estão voando baixo, n'estcepas?
Era a voz de François Menange, o gerente da plataforma e ele xingou a vigilância do homem. Para fazê-lo calar a boca, ele ligou o transmissor.
— Cale a boca, François, nós estamos praticando, cale a boca, sim? Agora ele estava rindo.
— Bien sür, mas vocês são loucos de praticar tão baixo um dia como hoje. Adieu.
Ele estava suando de novo. Ainda tinha que passar por quatro plataformas antes de poder virar para mar aberto.
Eles atravessaram a primeira rajada de vento, sentindo-o açoitá-los, a chuva batendo nas janelas, relâmpagos por todo lado. Willi e Vossi voavam bem junto dele e ele estava feliz de estar voando com eles. Eu achei várias vezes que Qeshemi fosse dizer: "Venha comigo", e me levasse para a cadeia. Mas ele não o fez e aqui estamos nós e dentro de uma hora e quarenta minutos mais ou menos estaremos em casa e o Irã será apenas uma lembrança.
62
NO QG DA BASE AÉREA DE KOWISS: 9:46H. O mulá Hussein disse pacientemente:
— Fale-me mais sobre o ministro Kia, capitão. — Ele estava sentado atrás da escrivaninha do escritório do comandante da base. Um Faixa Verde de cara fechada guardava a porta.
— Já lhe disse tudo o que sabia — respondeu McIver, exausto.
— Então, por favor, fale-me a respeito do capitão Starke. — Educado, insistente e sem pressa, como se tivesse o dia e a noite inteiros e mais o dia seguinte.
— Eu também já lhe disse tudo sobre ele, aga. Há quase duas horas que estou falando sobre eles. Estou cansado e não há mais nada o que contar. — McIver levantou-se, esticou-se e tornou a sentar. Não adiantava tentar sair. Ele tinha feito isso uma vez e o Faixa Verde fizera sinal para ele voltar. — A menos que o senhor queira saber algo específico, eu não consigo pensar em mais nada.
Ele não tinha ficado nem um pouco surpreendido com o fato do mulá querer saber mais a respeito de Kia e tinha repetido inúmeras vezes como, há poucas semanas atrás, Kia surgira do nada e fora nomeado diretor, tinha relatado os seus contatos com ele nas últimas semanas embora não dissesse nada sobre os cheques dos bancos suíços que abriram caminho para o 125 e retiraram três 212 do caldeirão. Eu é que não vou bancar o Wazari com Kia, disse a si mesmo.
Kia é compreensível, mas por que Duke Starke? Onde Duke estudou, o que ele come, há quanto tempo está casado, se tem só uma esposa, há quanto tempo trabalha na companhia, se é católico ou protestante — tudo o que era possível perguntar e várias vezes. Insaciável. E sempre a mesma resposta evasiva à sua pergunta: Por quê?
— Porque ele me interessa, capitão.
McIver olhou pela janela. Estava caindo um chuvisco. Nuvens baixas. Trovoadas ao longe. Haveria pancadas de chuva e alguns furacões de verdade nas nuvens de tempestade a leste — grande camuflagem para a fuga através do golfo. O que estará acontecendo com Scrag, Rudi e os rapazes? Este pensamento dominou-lhe a mente. Com esforço, ele o afastou, deixando-o para depois, bem como o cansaço e a preocupação. Que diabo ele iria fazer quando o interrogatório terminasse? Está terminando. Tome cuidado! Concentre-se! Você vai cometer um erro se não estiver cem por cento, e aí estará perdido.
Ele sabia que estava quase sem reservas. Na noite anterior tinha dormido mal e isso não ajudava. Nem a tristeza de Lochart por causa de Xarazade. Era difícil para Tom enfrentar a verdade, impossível dizer a ele: isso não estava mesmo fadado ao fracasso, Tom, meu velho amigo? Ela é muçulmana, rica, você nunca o será, a herança dela é feita de aço, a sua de gaze, a família dela é a sua força vital, a sua não, ela pode ficar, você não, e ainda há uma espada suspensa sobre a sua cabeça, o HBC. É tão triste, pensou. Será que chegou a haver alguma chance de dar certo? Com o Xá, talvez. Com a inflexibilidade do novo governo?
O que eu faria se fosse Tom? Com esforço, forçou sua mente a parar de divagar. Podia sentir os olhos do mulá cravados nele. Mas a investigação era só para descobrir exatamente quando e com que freqüência o 125 deles ia até Kowiss, quantos Faixas Verdes estavam de serviço do lado deles da base e se eles cercavam e vigiavam o 125 durante todo o tempo em que este ficava no chão. O interrogatório fora casual, ele não tinha perguntado nada que demonstrasse mais do que um simples interesse, mas McIver estava certo de que a verdadeira razão era para planejar uma rota de fuga caso fosse necessário. A certeza final tinha sido o comentário: "Mesmo numa revolução ocorrem erros, capitão. Mais do que nunca é preciso ter amigos bem colocados, é triste mas é verdade." Ou você coca as minhas costas ou eu arranho as suas.
O mulá levantou-se.
— Eu o levarei de volta agora.
— Oh, está bem, obrigado. — McIver observou Hussein disfarçadamente. Os olhos castanhos escuros sob as grossas sobrancelhas não revelaram nada, a pele esticada sob as maçãs salientes, um rosto estranho e belo ocultando um espírito de grande determinação. Para o bem ou para o mal?, perguntou-se McIver.
NA TORRE DE RÁDIO: 9:58H. Wazari estava agachado perto da porta que dava para o telhado, ainda esperando. Quando McIver e Lochart o deixaram no escritório, ele tinha ficado dividido entre a vontade de fugir e de ficar, mas Changiz e os soldados tinham chegado, quase ao mesmo tempo que Pavoud e a outra equipe, então ele se escondera ali e estava escondido até agora. Pouco antes das oito horas, Kia tinha chegado de táxi.
Do local privilegiado em que se encontrava, ele tinha visto Kia ter um ataque de raiva porque McIver não estava esperando ao lado do 206, pronto para decolar. Os soldados de braçadeiras verdes transmitiram-lhe o que Changiz ordenara. Kia tinha protestado em altos brados. Os soldados deram de ombros, desculpando-se e Kia entrara no edifício, declarando aos berros que ia telefonar para Changiz e se comunicar imediatamente com Teerã, mas Lochart o interceptara no começo das escadas, dizendo-lhe que os telefones não estavam funcionando e que o aparelho de rádio estava com defeito e que não havia nenhum técnico para consertá-lo até o dia seguinte.
— Sinto muito, ministro, não há nada que possamos fazer, a menos que o senhor queira ir até o QG, pessoalmente. — Wazari tinha ouvido Lochart dizer a ele. — Tenho certeza de que o capitão McIver não vai demorar, o mulá Hussein mandou chamá-lo.
Na mesma hora, Kia perdeu metade da arrogância e isso o alegrou, mas não diminuiu a sua ansiedade e ele tinha ficado lá no vento e no frio, desamparado, perdido e infeliz
A segurança temporária não diminuiu em nada sua ansiedade, temores e suspeitas em relação a Kia, hoje, e em relação ao fato de que deveria comparecer diante do komiteh no dia seguinte. "A sua presença é necessária para maiores averiguações", e por que aqueles filhos da mãe do Lochart e do McIver estão tão nervosos, hein? Por que será que eles mentiram para aquele filho da puta, víra-casaca, do Changiz com relação a uma troca de pessoal na plataforma de Abu Sal? Não há necessidade alguma de trocar o pessoal de lá, a não ser que tenha sido ordenada durante a noite. Por que estamos só com três pilotos e dois mecânicos, com toda a carga de trabalho que começa na segunda-feira?, por que foram despachadas tantas peças? Oh, Deus, ajude-me a dar o fora daqui.
Estava tão frio que ele voltou para dentro da torre, mas deixou a porta aberta para uma fuga rápida. Cautelosamente, olhou pela janela e pelas fendas das tábuas. Se tomasse cuidado, poderia ver quase toda a base sem ser visto. Ayre, Lochart e os mecânicos estavam perto do 212.0 portão principal estava bem guardado pelos Faixas Verdes. Não viu nenhuma atividade na base. Um arrepio percorreu-o. Havia boatos de que o komiteh faria uma outra limpa e que agora ele estava no alto da lista por causa da sua denúncia contra Esvandiary e Kia.
— Pelo Profeta, eu soube que eles querem vê-lo amanhã. Você pôs sua vida em perigo falando daquele jeito, você não sabe que a primeira regra de sobrevivência aqui, há mais de quatro mil anos, tem sido manter a boca e os olhos fechados com relação às ações dos que estão acima de você, ou logo você fica sem língua e sem olhos? É claro que os que estão por cima são corruptos, alguma vez foi diferente?
Wazari gemeu, sentindo-se desamparado e a ponto de desistir. Desde que Zataki lhe dera aquela surra, quebrando-lhe o nariz, ele não conseguia respirar direito, tinha perdido quatro dentes, sentia uma dor de cabeça constante e estava sem ânimo e sem coragem. Ele nunca tinha apanhado antes. "Pé quente" e Kia eram ambos culpados, e daí? O que é que você tem com isso? E agora a sua estupidez vai acabar com você.
As lágrimas saltaram-lhe dos olhos - Pelo amor de Deus, me ajude.
Então a expressão "com defeito" veio-lhe à cabeça e ele se agarrou a ela. Que defeito? O rádio estava funcionando perfeitamente ontem.
Enxugou as lágrimas. Sem fazer barulho, foi até a escrivaninha e ligou o rádio, mantendo o volume no mínimo. Parecia estar funcionando. Checou os mostradores. Havia um bocado de estática e nenhuma transmissão. Estranho que não houvesse nenhum tráfego na freqüência da companhia, alguém deveria estar transmitindo em algum lugar. Sem ousar aumentar o volume, ele apanhou um par de fones de ouvido e conectou-os, deixando de usar o alto-falante. Agora podia ouvir o sinal no volume que quisesse. Estranho, nada ainda. Cuidadosamente, foi mudando de canal. Nada. Passou para VHF. Nada. Voltou para HF. Não conseguiu pegar nem um boletim meteorológico de rotina, gravado, que era transmitido de Teerã.
Ele era um bom operador de rádio e bem treinado e não demorou a ver qual era o defeito. Uma olhada por uma fenda da porta que dava para o telhado confirmou o fio solto. Filho da puta, pensou. Por que não reparei nisso quando estava lá fora?
Cuidadosamente, ele desligou o rádio e se arrastou para fora. Quando viu que o fio tinha sido arrancado, mas que a ferrugem fora raspada, foi tomado de raiva, depois de excitação. Aqueles filhos da mãe, pensou. Aqueles filhos da mãe hipócritas, McIver e Lochart. Eles deviam estar ouvindo e transmitindo quando eu cheguei. Que diabo estarão tramando?
Consertou o fio rapidamente. Ligou o HF e na mesma hora uma explosão de farsi encheu os seus ouvidos na freqüência da companhia: QG de Teerã falando com Bandar Delam, depois chamando Al Shargaz e Lengeh e a ele, em Kowiss. Algo sobre quatro helicópteros que não tinham ido para onde deveriam. Irã-Toda? Esta não é uma das nossa bases.
— Kowiss, aqui é Bandar Delam, está me ouvindo?
Ele reconheceu a voz de Jahan, falando de Bandar Delam. Automaticamente, seu dedo dirigiu-se para o botão de transmissão e então parou. Não há necessidade de responder ainda, pensou. As ondas da companhia estavam cheias agora, Numir e Jahan de Bandar Delam e Gehani de Teerã, com Siamaki tendo ataques.
— Filho da puta — murmurou, poucos minutos depois, compreendendo tudo.
NOS HELICÓPTEROS PRÓXIMOS DE SIRI: 10:05H. A ilha de Siri propriamente dita ficava um quilômetro à frente, mas antes que Scragger e seu grupo pudessem virar para sudeste em direção à fronteira internacional, tinham que ultrapassar mais três plataformas. Como um maldito campo minado, pensou Scragger. Até agora estamos a salvo. Todos os ponteiros estão no verde e os motores trabalhando bem. Benson, o mecânico, sentado ao seu lado, estava olhando as ondas que passavam bem debaixo deles. Havia estática nos fones. De vez em quando, vôos internacionais comunicavam suas posições ao radar de Kish, que controlava aquela área, e recebiam resposta imediatamente. Pelo interfone, Benson disse:
— Kish está a postos, Scrag.
— Nós estamos abaixo do radar deles. Não esquenta.
— Eu estou preocupado, você não?
Scragger balançou afirmativamente a cabeça. Kish estava a uns vinte quilômetros à direita deles. Olhou para a esquerda e para a direita. Vossi e Willi estavam um de cada lado e ele ergueu o polegar para eles, que responderam, Vossi entusiasticamente.
— Mais vinte minutos e atravessaremos a fronteira — disse Scragger — Do jeito que estamos indo, logo subiremos para duzentos.
— Ótimo. O tempo está melhorando, Scrag — disse Benson. A camada de nuvens acima deles tinha diminuído consideravelmente, a visibilidade continuava a mesma. Com bastante antecedência, eles viram o petroleiro à frente. Scrag e Willi desviaram-se para estibordo com bastante folga, mas Vossi subiu exuberantemente, passando por cima dele e depois desceu, emparelhando com eles
Imediatamente, eles ouviram:
— Aqui é o controle de Kish, helicóptero voando baixo num curso de 225, comunique altura e destinação.
Scragger balançou o aparelho de um lado para o outro para atrair a atenção de Willi e Vossi, apontou para sudoeste e mandou que eles se afastassem, indicando que deveriam continuar voando baixo e se afastar dele. Viu a relutância deles, mas fez um sinal para sudoeste, acenou em despedida e subiu, deixando-os na superfície do mar.
— Fique firme, Benson — disse, com um peso no estômago, então começou a transmitir, movendo o microfone para perto e para longe da boca para simular uma transmissão ruim: — Kish, aqui é o helicóptero HVX, que saiu de Lengeh levando peças para Siri Nove, curso 225. Achei que tinha visto um barco virado, mas não era. — Siri Nove era a plataforma mais distante que eles serviam normalmente, quase na fronteira entre o Irã e os Emirados, que ainda estava sendo construída e não estava equipada com o seu próprio VHF:
— Voltando para duzentos.
— Helicóptero HVX, você está dois por cinco, a sua transmissão está intermitente. Mantenha o curso e comunique quando estiver a duzentos metros. Confirme se foi informado das novas regras para decolar em Lengeh. — A voz do operador com sotaque americano, estava cinco por cinco, ríspida e profissional.
— Sinto muito, Kish, mas este é o primeiro dia depois da licença. — Scragger viu Willi e Vossi desaparecerem na neblina. — Eu preciso solicitar autorização para decolar de Siri Nove depois que tiver pousado lá? Ficarei pelo menos uma hora. — Scragger enxugou o suor. Kish estaria no seu direito se o mandasse descer lá primeiro para dar-lhe uma boa espinafração por ter quebrado o regulamento.
— Afirmativo. Aguarde.
No interfone, Benson disse, inquieto:
— E agora, Scrag?
— Eles devem estar tendo uma pequena conferência.
— O que vamos fazer?
— Depende do que eles fizerem. — Scragger riu e ligou o transmissor.
— Kish, HVX em duzentos metros.
— Kish. Mantenha o curso e a altitude. Aguarde.
— HVX. — Mais silêncio. Scragger estava pesando as alternativas, apreciando o perigo. — Isto é melhor do que pilotar um carregamento de leite, hein, filho? — falou para Benson.
— Para ser sincero, não é não. Se eu pusesse as mãos em Vossi, o faria em pedaços.
Scragger deu de ombros.
— Está feito. Nós poderíamos estar entrando e saindo do radar desde que decolamos. Talvez Qeshemi nos tenha denunciado. — Ele começou a assoviar desafinadamente. Eles já estavam longe da ilha de Siri com a plataforma Siri Nove cinco quilômetros à frente.
— Kish, aqui é HVX — disse Scragger, ainda balançando o microfone.
— Saindo de duzentos para pouso em Siri Nove.
— Negativo, HVX, mantenha-se em duzentos e aguarde. A sua transmissão está intermitente e dois por cinco
— H VX... Kish, por favor, repita, a sua transmissão está truncada. Vou repetir, saindo de duzentos para pouso Siri Nove — Scragger repetiu devagar, continuando a simular problemas de transmissão. Mais uma vez ele sorriu para Benson. — Um truque que aprendi na RAF, meu filho.
— HVX, Kish. Repito, mantenha-se em duzentos e aguarde.
— Kish, o helicóptero está jogando e a neblina está piorando. Passando para 180. Chamarei ao pousar e solicitarei permissão para decolar. Obrigado e bom dia — ele acrescentou, rezando.
— HVX, a sua transmissão está intermitente. Interrompa pouso em Siri Nove. Vire 310 graus, mantenha-se em duzentos e apresente-se em Kish.
Benson ficou branco. Scragger empalideceu.
— Repita, Kish, você está um por cinco.
— Repito, interrompa pouso em Siri Nove, vire 310 graus e apresente-se em Kish. — A voz do operador era calma.
— Roger, Kish, entendido, devemos pousar em Siri Nove e depois nos apresentar em Kish. Descendo para 150 metros para aproximação a pouca altitude, obrigado e bom dia.
— Kish, aqui é JAL Vôo 664 de Deli — entrou no circuito. — Sobrevoando a 12 mil metros em direção ao Kuwait em trezentos. Está me ouvindo?
— JAL 664, Kish. Mantenha curso e altitude. Chame o Kuwait em 118.8, bom dia.
Scragger espiou através da neblina. Ele viu a plataforma semiconstruída, com uma barcaça amarrada a uma das pilastras. Os ponteiros dos instrumentos estavam todos no verde e — ei, espere um instante, a temperatura subiu, a pressão do óleo baixou no motor número um. Benson também tinha visto. Ele deu um tapinha no mostrador, inclinando-se para a frente. O ponteiro que marcava a pressão do óleo subiu um pouco e depois tornou a cair, a temperatura estava alguns graus acima do normal — não há tempo para pensar nisso agora, prepare-se! O pessoal de terra tinha ouvido o barulho do helicóptero e parara de trabalhar, afastando-se do local de pouso. Quando estava a 15 metros da plataforma, Scragger disse:
— Kish, HVX pousando agora. Bom dia.
— HVX, apresente-se diretamente a Kish. Solicite permissão para decolar. Repito, apresente-se diretamente a Kish. Está me ouvindo?
Mas Scragger nem respondeu nem pousou. Quando estava a poucos metros de altura, ele ficou flutuando no ar, acenou para o pessoal de terra que o reconheceu e achou que ele estava apenas treinando algum piloto novo, como era seu hábito. Um último aceno. Então ele avançou, desceu, passando ao lado da plataforma e, pertinho do mar, virou para sudoeste acelerando ao máximo.
NA BASE AÉREA DE KOWISS: 10:21H. O mulá Hussein estava dirigindo e parou o carro diante do escritório. McIver saltou.
— Obrigado — disse, sem saber o que esperar, pois Hussein mantivera-se calado desde que saíram do escritório. Lochart, Ayre e os outros estavam perto dos helicópteros. Kia saiu do prédio, parou ao ver o mulá e depois desceu a escada
— Bom dia, Excelência Hussein, saudações, que prazer em vê-lo. — Ele estava usando um tom de voz ministerial próprio para se dirigir a um personagem importante, mas não a um igual, e depois disse secamente para McIver: — Temos que partir imediatamente.
— Ahn, sim, aga. Dê-me dois minutos para me preparar. — Ainda bem que eu não sou Kia, disse a si mesmo enquanto se afastava, com o estômago ardendo, e dirigiu-se a Lochart: — Olá, Tom.
— Você está bem, Mac?
— Sim. — E acrescentou em voz baixa: — Vamos ter que agir com muita cautela nos próximos minutos. Não sei o que o mulá está tramando. Tenho que esperar para ver o que ele vai fazer com Kia, não sei se Kia está encrencado ou não. Assim que soubermos, podemos agir. — E baixou ainda mais a voz. — Não posso deixar de levar Kia, a não ser que Hussein o agarre. Pretendo levá-lo até metade do caminho, até o outro lado das montanhas, fora do alcance do VHF, fingir uma emergência e aterrissar. Quando Kia estiver fora da cabine, esticando as pernas, eu decolo e vou me encontrar com vocês no lugar combinado.
— Não gosto dessa idéia, Mac. É melhor deixar-me fazer isso. Você não conhece o lugar e estas dunas são todas iguais. É melhor eu levá-lo.
— Já pensei nisso, mas aí eu estaria conduzindo os mecânicos sem licença. É melhor pôr Kia em risco, em lugar deles. Além disso, você poderia ficar tentado a voltar para Teerã.
— É melhor eu levá-lo e depois me encontar com você no lugar combinado. É mais seguro.
McIver sacudiu a cabeça, sentindo-se muito mal em encurralar o amigo.
— Você continuaria até Teerã, não? Depois de uma estranha pausa, Lochart disse:
— Enquanto eu estava esperando por você, se pudesse teria posto Kia no helicóptero e decolado. — Ele deu um sorriso irônico. — Os soldados não permitiram. Mandaram esperar. É melhor tomar cuidado com eles, Mac, alguns falam inglês. O que foi que aconteceu com você?
— Hussein apenas interrogou-me a respeito de Kia e de Duke. Lochart olhou-o espantado.
— Duke? O que ele queria saber?
— Tudo sobre ele. Quando eu perguntei a Hussein por que, ele só disse: "Ele me interessa." — McIver viu Lochart estremecer.
— Mac, acho melhor que eu leve Kia. Você pode não achar o lugar do encontro. Você pode ir em dupla com Freddy. Eu vou primeiro e espero por vocês.
— Sinto muito, Tom, mas não posso correr esse risco, você acabaria indo para Teerã. Se eu fosse você, faria o mesmo. Mas não posso deixá-lo voltar. Voltar agora seria um desastre. Um desastre para você, tenho certeza disso, Tom, bem como para nós. Esta é a verdade.
— Para o inferno com a verdade — Lochart disse com amargura. — Está bem, mas por Deus, assim que pousarmos no Kuwait, ou vocês me dão o mês de licença a que tenho direito ou eu me demito da S-G, o que preferirem.
— Está certo, mas tem que ser de Al Shargaz. Nós vamos ter que reabastecer os helicópteros no Kuwait e sair de lá o mais depressa possível, se tivermos a sorte de chegar até lá e se eles nos deixarem sair.
— Não. O Kuwait é o fim da linha para mim.
— Como você quiser — disse McIver, zangado. — Mas eu vou me certificar de que você não consiga um avião para Teerã, Abadan ou qualquer outro lugar no Irã.
— Você é um filho da mãe — disse Lochart, zangado por McIver ter percebido as suas intenções tão claramente. — Vá para o inferno!
— Sim. Sinto muito. Em Al Shargaz eu vou fazer tudo o que puder para ajudá-lo — McIver parou, vendo Lochart resmungar um palavrão. Ele se virou. Kia e Hussein ainda estavam conversando perto do carro. — O que foi?
— A torre.
McIver olhou para cima. Então viu Wazari, semi-oculto atrás de uma janela, fazendo sinal para eles. Não havia meio de fingir que não tinham visto. Enquanto olhavam, Wazari tornou a chamá-los com gestos e desapareceu.
— Desgraçado — Lochart estava dizendo. — Eu chequei a torre logo depois que você saiu para ter certeza de que ele não tinha se escondido lá e como ele não estava lá, achei que tinha fugido. — Ficou vermelho de raiva. — Pensando bem, eu não cheguei a entrar na sala, e ele podia estar escondido no telhado. — O filho da puta deve ter ficado lá o tempo todo.
— Minha nossa! Talvez ele tenha descoberto o fio partido. — McIver ficou nervoso.
— Fique aqui. Se ele tentar causar problemas, eu o mato — disse Lochart enfurecido.
— Espere, eu também vou. Freddy — ele chamou — voltaremos num instante.
Ao passar por Hussein e Kia, McIver disse:
— Eu vou pedir autorização para decolar, ministro. Podemos partir em cinco minutos.
Antes que Kia pudesse responder, Hussein disse enigmaticamente:
— Insha’Allah.
Kia falou secamente para McIver:
— Capitão, o senhor não se esqueceu de que tenho que estar em Teerã às 19 horas para uma importante reunião, esqueceu? Bem — e deu as costas para eles, voltando a dar atenção a Hussein: — O que o senhor estava dizendo, Excelência?
Os dois pilotos entraram no escritório, furiosos com a grosseria de Kia, evitaram Pavoud e o resto do pessoal e se dirigiram para a escada da torre.
A torre estava vazia. Então eles viram a porta do telhado aberta e ouviram Wazari cochichar:
— Estou aqui. — Ele estava do lado de fora, agachado junto à parede. — Não se moveu. — Eu sei o que vocês estão tramando. O rádio não está com defeito nenhum — ele disse, sem poder conter a excitação. — Quatro helicópteros decolaram de Bandar Delam e desapareceram. O diretor Siamaki está berrando como um porco no matadouro porque não consegue falar nem com Lengeh, nem conosco e nem com Al Shargaz, e o sr. Gavallan está lá. Eles só não estão respondendo, não é? Hein?
— E o que isso tem a ver conosco? — perguntou Lochart.
— Tem tudo a ver, tudo, porque tudo se encaixa. Numir, em Bandar Delam, diz que todos os estrangeiros partiram, que não sobrou nenhum em Bandar. Siamaki diz o mesmo com relação a Teerã, ele disse até a Numir, capitão McIver, que o seu empregado disse que a maioria das suas coisas e das coisas de um certo capitão Pettikin foram retiradas do apartamento. McIver deu de ombros e foi ligar o VHF.
— Simples medida de segurança enquanto eu e Pettikin estamos fora. Tem havido muitos assaltos.
— Não faça a ligação ainda, escute, por favor, eu imploro... o senhor não vai conseguir evitar que a verdade seja conhecida. Os seus 212 saíram de Bandar Delam com os rapazes. Lengeh está mudo, então deve ter acontecido a mesma coisa lá, Teerã está fechado, só resta esta base e vocês estão preparados para partir. — A voz de Wazari estava estranha e eles não sabiam o que ele estava pensando. — Eu não vou denunciá-los, quero ajudá-los. Juro que quero ajudá-los.
— Ajudar-nos a fazer o quê?
— A fugir.
— Por que você faria isso, mesmo que fosse verdade? — Lochart perguntou zangado.
— O senhor tinha razão em não confiar em mim antes, capitão, mas eu juro por Deus que pode confiar em mim agora, eu estou firme agora, e o senhor é a minha única esperança de escapar. Eu vou ter que comparecer diante do komiteh amanhã e... e olhem para mim, pelo amor de Deus! — Ele exclamou. — Eu estou horrível e a menos que consiga ir a um médico, vou ficar assim para sempre e talvez até morra. Estou com uma pressão aqui, com uma dor horrível — Wazari tocou no nariz quebrado. — Desde que aquele filho da mãe do Zataki me bateu, minha cabeça está doendo e eu estou fora de mim, sei disso, mas posso dar um jeito. Posso dar cobertura a vocês daqui se vocês me levarem, deixem-me en,trar no último helicóptero, eu juro que posso ajudar. — Seus olhos encheram-se de lágrimas. Os dois homens ficaram olhando para ele.
McIver ligou o VHF
— Torre de Kowiss, CHI testando, testando.
Uma longa pausa, depois em inglês com um sotaque carregado:
— Aqui é a torre, CHI, vocês estão cinco por cinco.
— Obrigado. Nós descobrimos o defeito do rádio. O nosso 206 vai partir para Teerã dentro de dez minutos, bem como os nossos vôos para as plataformas Quarenta, Abu Sal e Gordy, transportando peças.
— Certo. Comunique quando estiver no ar. Bandar Delam está tentando entrar em contato com vocês.
McIver começou a suar.
— Obrigado, torre, bom dia. — Ele olhou para Lochart, depois ligou o HF. Imediatamente, eles ouviram a voz de Jahan falando em farsi e Lochart começou a traduzir:
— Jahan está dizendo que a última notícia que tiveram dos helicópteros, eles estavam voando para nordeste, afastando-se da costa... que Zataki — por um instante a sua voz falseou — ... que Zataki havia ordenado que os quatro helicópteros fossem prestar serviço à Irã-Toda e que ele já deve ter chegado lá e que com certeza vai chamar ou mandar algum recado... — Então McIver reconheceu a voz de Siamaki. Lochart estava suando. — Siamaki está dizendo
que ficará fora do ar por cerca de meia hora ou uma hora e que chamará quando voltar, e que ele deve continuar a tentar comunicar-se conosco e com Al Shargaz. Jahan disse que está bem e que se tiver alguma notícia torna a chamar.
Ouviu-se o ruído da estática. Depois a voz de Jahan, falando em inglês:
— Kowiss, aqui é Bandar Delam, está me ouvindo? Lochart murmurou.
— Se a torre está captando tudo isso, por que não estamos todos na cadeia?
— Hoje é sexta-feira. Não há nenhum motivo para eles controlarem a freqüência da companhia. — Wazari enxugou as lágrimas, mais controlado. — A equipe de sexta-feira é mínima. Não há vôos, nada acontece, o komiteh despediu todos os oficiais encarregados do radar e cinco sargentos. Mandou-os para o paredão. — Ele estremeceu e continuou depressa: — Talvez um dos caras tenha ouvido Bandar Delam de vez em quando, então Bandar perdeu contato com alguns dos seus helicópteros, e daí?, eles são estrangeiros e issos acontece o tempo todo. Mas, capitão, se o senhor não tirar do ar Bandar Delam e Teerã agora, eles vão... alguém vai desconfiar. — Ele tirou do bolso um lenço sujo e enxugou um fio de sangue que escorria do seu nariz. — Se o senhor mudar para o seu canal alternativo, estará seguro, a torre não pega esse canal.
McIver olhou-o com atenção.
— Você tem certeza?
— Claro, ouça, por que o senhor não... — Ele parou. Havia passos se aproximando. Sem fazer barulho, ele tornou a se esconder no telhado. Kia parou no meio da escada.
— Por que está demorando tanto, capitão?
— Eu... eu estou esperando que a autorização seja confirmada, ministro. Sinto muito, Mandaram-me esperar. Não posso fazer nada.
— É claro que pode! Nós podemos partir agora mesmo! Estou cansado de esperar.
— Eu também estou, mas não quero que me estourem os miolos. — McIver perdeu a paciência e gritou: — O senhor espere! Espere! Está entendendo? Trate de esperar e se não melhorar seus modos, eu cancelo a viagem e conto ao mulá Hussein sobre um ou dois pishkesh que esqueci de mencionar durante o interrogatório. Agora dê o fora daqui!
Por um momento eles pensaram que Kia fosse explodir, mas ele pensou melhor e foi embora. McIver esfregou o peito, aborrecido por ter perdido a calma. Então fez um sinal na direção do telhado e cochichou:
— Tom, e quanto a ele?
— Nós não podemos deixá-lo para trás. Ele poderia nos denunciar. — Lochart olhou para trás. Wazari estava na porta.
— Eu juro que vou ajudar — ele murmurou, desesperado. — Ouça, quando o senhor decolar com Kia, o que é que o senhor está planejando fazer, enganá-lo, não é? — McIver não respondeu, ainda inseguro. — Jesus, capitão, o senhor precisa confiar em mim. Olhe, chame Bandar Delam no canal alternativo e dê uma bronca em Numir como fez com aquele filho da mãe. Diga a ele que o senhor mandou que todos os helicópteros viessem para cá. Isto vai acalmá-los por uma ou duas horas.
McIver olhou para Lochart. Lochart disse, excitado:
— Por que não? Ora, é uma boa idéia, então você pode partir com Kia... e Freddy pode ir andando. Eu vou esperar aqui e... — Ele parou.
— E o quê, Tom? — disse McIver.
Wazari aproximou-se e ligou o canal alternativo, dizendo rapidamente para Lochart:
— O senhor fica por aqui mais um pouco, capitão, e depois que o capitão McIver tiver partido e Ayre estiver longe daqui, o senhor diz a Numir que tem certeza de que os quatro helicópteros devem ter desligado o HF, uma vez que não há necessidade de usá-lo, e que estão só com o VHF: isso lhe dará uma desculpa para decolar e então o senhor corre para o esconderijo onde está guardado o combustível. — Ele viu o olhar que eles trocaram. — Jesus, capitão, qualquer um sabe que vocês não podem atravessar o golfo sem reabastecer, então devem ter estocado combustível em algum lugar. Ou na praia ou em alguma das plataformas.
McIver respirou profundamente e apertou o botão do transmissor.
— Bandar Delam aqui é o capitão McIver de Kowiss, está me ouvindo?
— Kowiss — Bandar Delam, estamos tentando falar com vocês há horas e...
— Jahan, ponha Numir na linha — McIver disse secamente. Alguns segundos depois Numir atendeu, mas antes que o gerente da IranOil pudesse dizer qualquer coisa, McIver disse: — Onde estão os meus quatro helicópteros? Por que eles não se apresentaram? O que está havendo aí? E por que você é tão ineficiente que não sabe que eu mandei que os meus helicópteros e o meu pessoal viessem para cá?
NO QG DE AL SHARGAZ: ".. .e por que você não se lembrou que foram programadas mudanças de pessoal em Bandar Delam durante o fim-de-semana?"
A voz de McIver estava fraca mas clara no alto-falante, para onde Gavallan, Scot e Manuela olhavam fixamente, horrorizados pelo fato de McIver ainda estar em Kowiss. Será que isto significava que Lochart, Ayre e os outros também estavam lá ainda?
— Mas nós estamos chamando o senhor a manhã toda, capitão — disse Numir, com a voz ainda mais fraca. — O senhor mandou que os nossos helicópteros fossem para Kowiss? Mas por quê? E por que eu não fui informado? Os nossos helicópteros deveriam ter ido para a Irã-Toda hoje de manhã mas não pousaram lá e desapareceram. Aga Siamaki também está tentando comunicar-se com o senhor.
— Houve um defeito no nosso VHF. Agora escute aqui, Numir, eu mandei que os helicópteros viessem para Kowiss. Não aprovei nenhum contrato com a Irã-Toda, não sei nada a respeito de um contrato com a Irã-Toda, e isto é o suficiente. Agora pare de criar uma tempestade num copo d'água!
— Mas são os nossos helicópteros, e todo mundo foi embora, todo mundo, todos os mecânicos e pilotos e...
— Droga, eu mandei que viessem todos para cá para averiguações. Repito que estou muito insatisfeito com a sua operação. E vou comunicar isto à Irã-Toda. Agora pare de chamar!
No escritório, todos estavam ainda em estado de choque. Então McIver ainda estava em Kowiss e isso era um desastre. Turbilhão ia mal. Eram 10:42h e Rudi e os outros três estavam atrasados em relação à chegada prevista em Bahrain.
— ...mas não sabemos que tipo de vento eles pegaram, papai — Scot tinha dito — nem quanto tempo eles vão levar para reabastecer durante o vôo. Eles podem ter um atraso de 45 minutos ou uma hora e estarem bem. Digamos que cheguem em Bahrain entre 11 h e 11:15.
— Mas todo mundo sabia que não podia haver tanto combustível assim a bordo.
Nada ainda de Scrag e seus outros dois aparelhos, mas isto era esperado — eles não têm HF a bordo, Gavallan pensou. O vôo deles para Al Shargaz deve levar cerca de uma hora e meia. Se eles tiverem saído às 7:30 e apanhado os mecânicos e tornado a decolar sem incidentes, deverão chegar às 9:15.
— Não precisa se preocupar, Manuela, você sabe como são os ventos de proa — ele tinha dito —, e nós não sabemos ao certo a que horas eles partiram.
Tantas coisas podiam dar errado. Meu Deus, essa espera é horrível. Gavallan sentiu-se muito velho, pegou um dos telefones e ligou para Bahrain.
— Golf Air de France? Jean-Luc Sessonne, por favor. Jean-Luc, alguma notícia?
— Não, Andy. Acabei de ligar para a torre e não há nada no sistema. Pas problème. Rudi deve estar economizando gasolina. A torre disse que me ligaria assim que o vissem. Alguma notícia dos outros?
— Acabamos de descobrir que Mac ainda está em Kowiss. — Gavallan ouviu o susto dele e as obscenidades que disse. — Também acho. Torno a ligar para você. — Ele discou para o Kuwait. — Charlie, Genny está aí com você?
— Não, ela está no hotel. Andy, eu...
— Acabamos de saber que Mac ainda está em Kowiss e..
— Meu Deus, o que foi que aconteceu?
— Não sei, ele ainda está transmitindo. Tornarei a chamar quando souber de algo definido. Não conte a Genny ainda. Até logo.
Mais uma vez a espera agonizante, então o HF começou a transmitir.
— Teerã, aqui é Kowiss, capitão McIver. Continue.
— Kowiss, Teerã, estamos tentando nos comunicar com vocês a manhã toda. Aga Siamaki está tentando entrar em contato com o senhor. Ele voltará dentro de uma hora. Por favor confirme se o senhor ordenou que os quatro 212 fossem, para Kowiss.
— Teerã, aqui é Kowiss. Bandar Delam, ouça também: — A voz de McIver estava mais lenta, mais clara e muito zangada. — Eu confirmo, todos os meus 212 estão sob o meu controle. Todos eles. Não vou poder falar com aga Siamaki uma vez que estou autorizado a decolar daqui para
Teerã com o ministro Kia dentro de cinco minutos, mas espero encontrar-me com aga Siamaki no Aeroporto Internacional de Teerã. Dentro de alguns instantes estaremos fechando para reparos, por ordem das autoridades, e estaremos operando apenas em VHF. Para informação de vocês, o capitão Ayre partirá dentro de cinco minutos para a plataforma Abu Sal com peças de reposição e o capitão Lochart vai permanecer aqui para esperar os 212 que vêm de Bandar Delam. Entendido, Teerã?
— Afirmativo, capitão McIver, mas o senhor pode fazer o favor de.. McIver interrompeu-o.
— Entendido, Numir, ou você está mais ineficiente do que nunca?
— Sim, mas devo insistir que...
— Estou cansado de toda essa besteira. Eu sou o diretor executivo desta operação e enquanto operar no Irã é assim que vai ser, simples, direto e sem interferências. Kowiss vai fechar para reparos conforme ordens do coronel Changiz e tornará a se comunicar assim que estivermos no ar de novo. Permaneçam neste canal mas mantenham-no livre para verificação. Tudo vai prosseguir conforme foi planejado. Fim e desligo.
Neste momento a porta se abriu e Starke entrou, acompanhado por uma jovem enfermeira nervosa. Manuela ficou estarrecida. Gavallan deu um pulo e ajudou-o a se sentar, com o peito todo enfaixado. Ele estava usando calças de pijama e um robe de flanela.
— Eu estou bem. Andy — Starke disse. — Como vai, querida?
— Conroe, você ficou maluco?
— Não. Andy, conte-me o que está acontecendo. A enfermeira disse:
— Nós não podemos nos responsabilizar.. Starke disse pacientemente:
— Eu juro que é só por umas duas horas e vou tomar muito cuidado. Manuela, por favor, leve-a até o carro, sim? — E olhou-a com o olhar especial que os maridos têm para as mulheres e as mulheres para os maridos quando não é momento para discussões. Ela se levantou imediatamente e saiu com a enfermeira e, depois que tinham saído, Starke disse:
— Desculpe, Andy, mas não pude mais agüentar. O que está acontecendo?
EM KOWISS: 10:48H. McIver desceu as escadas da torre, sentindo-se mal e vazio sem saber nem mesmo se conseguiria chegar até o 206, quanto mais levar a cabo o resto do plano. Você vai conseguir, disse a si mesmo. Controle-se. O mulá Hussein ainda estava conversando com Kia, encostado no carro, com o seu AK47 pendurado no ombro.
— Está tudo pronto, ministro — disse McIver. — É claro, se estiver tudo em ordem, Excelência Hussein?
— Sim, como Deus quiser — Hussein disse com um estranho sorriso. Educadamente, ele estendeu a mão. — Até logo, ministro Kia.
— Até logo, Excelência. Kia virou-se e caminhou rapidamente em direção ao 206.
McIver estendeu a mão para o mulá, nervosamente.
— Até logo Excelência.
Hussein virou-se para ver Kia entrar na cabine. Mais uma vez o estranho sorriso.
— Está escrito: "Os moinhos de Deus trabalham lentamente, mas moem em pedaços bem pequenos." Não é verdade, capitão?
— Sim. Mas por que o senhor diz isso?
— É um presente de despedida. Você pode dizer isso ao seu amigo Kia quando pousarem em Teerã.
— Ele não é meu amigo. E por que nessa hora?
— O senhor faz bem em não tê-lo como amigo. O senhor vai ver o capitão Starke de novo?
— Não sei. Espero vê-lo em breve. — McIver viu o mulá olhar para Kia e o seu nervosismo aumentou. — Por quê?
— Eu gostaria de vê-lo em breve. — Hussein tirou a arma do ombro e entrou no carro, partindo com os seus Faixas Verdes.
— Capitão? — Era Pavoud. Ele estava nervoso e tremendo.
— Sim, sr. Pavoud? Só um instante. Freddy! — McIver fez um sinal para Ayre que veio correndo. — Sim, sr. Pavoud?
— Por favor, por que os 212 estão carregados de peças e bagagens e...
— Uma mudança de pessoal — McIver disse imediatamente e fingiu não notar o olhar de Ayre. — Estou esperando quatro 212 que vão chegar de Bandar Delam. É melhor o senhor preparar as acomodações. Quatro pilotos e quatro mecânicos. Eles devem chegar dentro de umas duas horas.
— Mas nós não temos nenhum motivo para...
— Faça o que estou mandando! — A tensão de McIver tornou a explodir. — Eu dei as ordens. Eu! Eu pessoalmente! Eu mandei que os meus 212 viessem para cá! Freddy, o que é que você está esperando? Vá andando com as suas peças.
— Sim, senhor. E o senhor?
— Eu vou levar Kia de volta, Tom Lochart está encarregado daqui até eu voltar. Vá logo. Não, espere, eu vou com você. Pavoud, o que você está esperando? O capitão Lochart vai ficar muito irritado se não estiver tudo pronto a tempo. — McIver se afastou com Ayre, rezando para que Pavoud estivesse convencido.
— Mac, que diabo está acontecendo?
— Espere até chegarmos perto dos outros. — Quando McIver chegou perto dos 212, ele virou de costas para Pavoud que ainda estava na escada que levava aos escritórios e contou-lhes rapidamente o que estava acontecendo. — Vejo-os na costa.
— Você está bem, Mac? — disse Ayre, muito preocupado com a cor dele.
— É claro que estou! Vá logo!
PERTO DE BAHRAIN: 10:59H. Rudi e Pop Kelly ainda estavam um atrás do outro, lutando contra o vento de proa, poupando os motores, com os mostradores de combustível no vazio e as luzes vermelhas acesas. Há uma hora atrás, os dois tinham ficado parados no ar. Os mecânicos tinham aberto a porta das cabines e se debruçado para fora, tirando a tampa dos tanques. Depois tinham desenrolado as mangueiras, enfiado o esguicho na boca do tanque e voltado para a cabine, começando a bombear o combustível de reserva dos tambores para dentro dos tanques. Nenhum dos dois mecânicos jamais tinha feito um reabastecimento em pleno vôo. Quando terminaram, tiveram um acesso de vômito. Mas a operação foi bem-sucedida.
A neblina ainda estava densa, o mar agitado e batido pelo vento e desde a hora em que quase colidiram com o petroleiro, todos os procedimentos tinham sido de rotina, buscando obter o máximo de rendimento dos helicópteros e torcendo para dar certo. — Rudi não tinha visto nenhum sinal de Dubois nem de Sandor. Um dos jatos de Rudi falhou, mas voltou logo a funcionar.
Faganwitch estremeceu.
— Quanto falta ainda?
— Muito. — Rudi ligou seu VHF, quebrando o silêncio do rádio. — Pop, troque para HF e fique na escuta — ele disse rapidamente e começou a transmitir. — Sierra Um, aqui é Delta Um, está me ouvindo?
— Alto e claro, Delta Um — Scot respondeu imediatamente — continue.
— Perto de Boston — o código para Bahrain — a duzentos, rumo 185, com pouco combustível. Delta Dois está comigo, Três e Quatro estão por sua própria conta.
— Bem-vindos da Britânia para as terras ensolaradas, G-HTXX e G-HJZI, repito, G-HTXX e G-HJZI! Jean-Luc está esperando por vocês. Ainda não temos notícias de Delta Três e Quatro.
— HTXX e HJZI! — Rudi respondeu imediatamente, usando os novos registros britânicos. — E quanto a Lima Três e Kilo Dois? — Lima para os três helicópteros de Lengeh e Kilo para os dois de Kowiss.
— Ainda não temos notícias, só sabemos que Kilo ainda não decolou. — Rudi e Pop Kelly tiveram um choque. Então ouviram:
— Aqui é o QG de Teerã, Al Shargaz, estão me ouvindo? Seguido da voz de Siamaki:
— Aqui é Teerã, quem está chamando neste canal? Quem são Kilo Dois e Lima Três? Quem é Sierra Um?
Scot respondeu:
— Não se preocupe, HTXX, algum idiota está usando o nosso canal. Telefone quando pousar — ele acrescentou para evitar mais conversas.
Pop Kelly exclamou, excitado:
— Bancos de areia à frente, HTXX!
— Estou vendo. Sierra Um, HTXX, estamos quase na costa...
Mais uma vez um dos motores de Rudi falhou, mais do que antes, mas tornou a pegar, com os mostradores girando loucamente. Então, através da neblina, ele viu a costa, um pontinho de terra e alguns bancos de areia e depois a praia, e soube exatamente onde estava.
— Pop, você se encarrega da torre. Sierra Um, diga a Jean-Luc que estou...
NO QG DE AL SHARGAZ: Gavallan já estava ligando para Bahrain e no alto-falante a voz de Rudi continuou a falar demonstrando urgência:
— ...eu estou na extremidade noroeste da praia de Abu Sabh, a leste... — houve um ruído de estática e depois silêncio.
Gavallan falou no telefone:
— Gulf Air de France? Jean-Luc, por favor. Jean-Luc, Andy. Rudi e Pop estão... Espere... — A voz de Kelly soou alto:
— Sierra Um, eu estou descendo atrás de Delta Um, ele está sem motor...
— Aqui é Teerã, quem está sem motor e onde? Quem está chamando por este canal? Aqui é Teerã, quem está...
NA COSTA DE BAHRAIN: A praia tinha uma areia branca e boa, mas estava quase vazia naquele momento, havia muitos barcos a vela e outras embarcações de passeio no mar, vários praticantes de windsurf aproveitando o dia ameno e a brisa agradável. Mais acima ficava o Hotel Starbreak, todo branco, com palmeiras, jardins e barracas coloridas espalhadas pelos terraços e pela praia. O 212 de Rudi saiu da neblina rapidamente, com os rotores girando, os motores tossindo e sem funcionar mais. A sua linha de descida dava-lhe poucas opções, mas ele estava contente por ser uma descida em terra firme e não no mar. A praia crescia em direção a eles e ele escolheu o local de pouso perto de uma barraca vazia, perto da estrada. Ele estava a favor do vento agora e muito perto, estabilizou o aparelho depois puxou o comando geral, alterando o grau de inclinação das lâminas para se segurar um pouco e suavizar o impacto e deslizou para frente na superfície irregular, inclinou um pouquinho o aparelho e parou.
— Minha nossa... disse Faganwitch, respirando de novo, com o coração batendo de novo, com o esfíncter contraído.
Rudi começou a manobra de pouso, tonto com o silêncio, com as mãos e os joelhos tremendo. Na praia, os banhistas e as pessoas que estavam nos terraços tinham se levantado e estavam olhando para eles. Então Faganwitch abriu a boca de espanto, assustando-o. Ele se virou e também abriu a boca.
Ela usava óculos escuros e quase nada mais debaixo da barraca solitária, sem a parte de cima do biquíni, e praticamente sem a parte de baixo, e estava apoiada no cotovelo olhando para eles. Sem se apressar, ela se levantou e vestiu a parte de cima do biquíni.
— Jesus Cristo... — Faganwitch estava sem fala. Rudi acenou e gritou com a voz rouca:
— Sinto muito, fiquei sem gasolina.
Ela riu, então Kelly apareceu e estragou tudo e os dois praguejaram contra ele, enquanto o vento dos seus rotores batia na barraca e nos cabelos compridos dela, fazendo voar a toalha e espalhando areia. Kelly também a viu e, gentilmente, recuou para mais perto da estrada e, tão distraído quanto os outros, pousou.
NO AEROPORTO INTERNACIONAL DE BAHRAIN: 11:13H. Jean-Luc e o mecânico Rod Rodrigues saíram correndo do edifício e atravessaram a rua em direção a um pequeno caminhão de abastecimento com a marca GAdeF — Gulf Air de France — que tinham conseguido emprestado. O aeroporto estava movimentado, terminal moderno e os suntuosos prédios em volta todos pintados de branco. Havia muitos jatos de várias nacionalidades carregando ou descarregando, e um jumbo da JAL tinha acabado de pousar.
— On y va, vamos — disse Jean-Luc.
— É claro, Sayyid. — O motorista aumentou o volume do interfone e ligou o motor, engrenou e saiu. Ele era um jovem palestino cristão, usando óculos escuros e o macacão da companhia. — Para onde nós vamos?
— Você conhece a praia de Abu Sabh?
— Oh, sim, Sayyid.
— Dois dos nossos helicópteros pousaram lá, sem combustível. Vamos!
— Já estamos quase lá! — O motorista mudou de marcha e aumentou a velocidade. Eles ouviram pelo alto-falante do interfone:
— Alfa Quatro? — Ele apanhou o microfone e continuou a guiar exuberantemente com uma das mãos.
— Aqui é Alfa Quatro.
— Chame o capitão Sessonne.
Jean-Luc reconheceu a voz de Matias Delarne, o gerente da Gulf Air de France em Bahrain, um velho amigo dos tempos da Força Aérea Francesa e da Argélia.
— Aqui é Jean-Luc, meu velho — ele disse em francês. Também em francês, Delarne disse rapidamente:
— A torre me chamou para dizer que outro helicóptero acabou de entrar no sistema, no rumo que você está esperando. Dubois ou Petrofi, hein? A torre está chamando mas ainda não conseguiu fazer contato.
— Só um? — Jean-Luc ficou preocupado.
— Sim. Ele está se aproximando corretamente para pousar na pista 16. O problema que nós discutimos, hein?
— Sim. — Jean-Luc tinha contado ao amigo o que estava realmente acontecendo e o problema dos registros. — Matias, diga à torre que é o GHTTE e que está em trânsito — disse, fornecendo o terceiro dos quatro registros de chamada. — Depois ligue para Andy e diga a ele que vou mandar Rodrigues cuidar de Rudi e Kelly. Nós vamos tratar de Dubois ou Sandor, você e eu, onde nos encontramos?
— Meu Deus, Jean-Luc, depois disto nós vamos ter que entrar para a Legião Estrangeira. Encontre-me na frente do escritório.
Jean-Luc respondeu, e tornou a pendurar o microfone no gancho.
— Pare aqui! — O caminhão parou imediatamente. Rodrigues e Jean-Luc quase saíram pelo pára-brisa. — Rod, você sabe o que fazer. — Ele saltou. — Podem ir!
— Ouça, eu prefiro ir andando e... — O resto ele não ouviu, e saiu correndo de volta enquanto o caminhão arrancava cantando os pneus, passando pelo portão e pegando a estrada que levava à praia.
EM KOWISS, NA TORRE: 11:17H. Em Lochart e Wazari estavam olhando o 206 de McIver subindo em direção às Montanhas Zagros.
— Kowiss, aqui é HCC — McIver estava dizendo pelo VHF — estou deixando o seu sistema agora. Bom dia.
— HCC, Kowiss. Bom dia — disse Wazari. No alto-falante do HF, em farsi:
— Bandar Delam, aqui é Teerã, já tiveram notícias de Kowiss?
— Negativo. Al Shargaz, aqui é Bandar Delam, está me ouvindo? — Estática, então a chamada foi repetida, e depois outra vez o silêncio.
Wazari enxugou o rosto.
— O senhor acha que o capitão Ayre já chegou ao local do encontro? — Ele perguntou, tentando desesperadamente agradar. Não era difícil perceber que Lochart não gostava dele e nem confiava nele. — Hein?
Lochart apenas deu de ombros, pensando em Teerã e no que fazer. Ele tinha dito a McIver para mandar os dois mecânicos com Ayre:
— Para o caso de eu ser apanhado, Mac, ou de Wazari ser descoberto ou nos trair.
— Não faça nenhuma besteira, Tom, como ir para Teerã no 212, com ou sem Wazari.
— Não havia nenhuma maneira de voltar para Teerã sem pôr em alerta todo o sistema e estragar o Turbilhão. Eu teria que reabastecer o aparelho e eles me apanhariam.
Existe alguma maneira? Ele perguntou a si mesmo, então viu Wazari observando-o.
— O que é?
— O capitão McIver vai lhe dar algum sinal ou chamar depois que tiver largado Kia? — Lochart não respondeu e Wazari disse humildemente: — Droga, o senhor não está vendo que é a minha única chance de dar o fora daqui?
Os dois homens se viraram, sentindo-se observados. Pavoud estava olhando para eles através do corrimão da escada.
— Então é isso! — Ele disse baixinho. — Seja como Deus quiser. Vocês foram apanhados na sua traição.
Lochart deu um passo em direção a ele.
— Eu não sei o que está incomodando você — começou, com a garganta apertada. — Não há nada...
— Vocês foram apanhados! Você e o Judas! Vocês estão todos fugindo, fugindo com os nossos helicópteros!
O rosto de Wazari se contorceu e ele disse entre dentes:
— Judas, hein? Venha até aqui! Eu sei tudo sobre você e os seus amigos do Tudeh!
Pavoud ficou branco.
— Você não sabe o que está dizendo! Você é que foi apanhado, você é...
—Você é que é o Judas, seu maldito comunista! O cabo Ali Fedagi é meu companheiro de quarto e ele é o oficial na base e você é subordinado dele. Eu sei tudo sobre você. Ele tentou me fazer entrar no Partido há meses. Venha até aqui! — E quando Pavoud hesitou, Wazari avisou: — Se você não vier, eu vou chamar o komiteh e entregar você, Fedagi, junto com Muhammad Berani e mais uma dúzia de outros e não dou a mínima... — Ele esticou a mão para apertar o transmissor do VHF, mas Pavoud exclamou:
— Não — e subiu as escadas, parando, trêmulo, no patamar. Por um instante, nada aconteceu, então Wazari agarrou o homem apavorado e atirou-o num canto, e pegou uma chave inglesa para dar na cabeça do homem. Lochart impediu o golpe bem a tempo.
— Por que você está me impedindo, pelo amor de Deus? — Wazari estava tremendo de medo. — Ele vai nos trair.
— Não há necessidade... não há necessidade disso. — Lochart não conseguiu falar por um momento. — Seja paciente. Ouça, Pavoud, se você ficar quieto, nós também ficaremos.
— Eu juro por Deus, é claro que vou...
— Você não pode confiar neste filho da mãe — disse Wazari.
— Eu não confio — respondeu Lochart. — Rápido, ponha tudo por escrito! Rápido! Todos os nomes que você conseguir se lembrar. Rápido, e faça três cópias! — Lochart enfiou uma caneta na mão do homem. Wazari hesitou, depois pegou um bloco e começou a escrever. Lochart se aproximou de Pavoud que se encolheu, implorando piedade. — Cale a boca e ouça, Pavoud, eu vou fazer um trato com você, se você não disser nada, nós não diremos nada.
— Por Deus, é claro que eu não vou dizer nada, aga, eu não tenho servido fielmente a companhia, fielmente, por todos estes anos, eu não...
— Mentiroso — disse Wazari, depois acrescentou, dando um choque em Lochart: — Eu ouvi você e os outros mentindo e fazendo piadas com Manuela Starke, espiando-a de noite.
— Mentira, tudo mentira...
— Cale a boca, seu filho da mãe! — disse Wazari.
Pavoud obedeceu, paralisado com ódio do outro, e se encolheu no seu canto.
Lochart tirou os olhos do homem encolhido e apanhou uma das listas, colocando-a no bolso.
— Você fique com uma, sargento. Olhe aqui — disse para Pavoud, enfiando uma na cara dele. O homem tentou recuar, não conseguiu, e quando a lista foi-lhe enfiada na mão, ele gemeu e jogou-a no chão como se estivesse pegando fogo. — Se nós formos parados, eu juro por Deus que isto vai para as mãos do primeiro Faixa Verde que aparecer, e não se esqueça de que nós dois falamos farsi e que eu conheço Hussein! Entendeu? — Pavoud balançou a cabeça humildemente. Lochart inclinou-se e apanhou a lista, enfiando-a no bolso do homem. — Sente-se ali! — Ele apontou para uma cadeira num canto, depois enxugou o suor das mãos e ligou o VHF, apanhando o microfone.
— Kowiss chamando os helicópteros que estão vindo de Bandar Delam, estão me ouvindo? — Lochart esperou, depois repetiu o chamado. Depois disse: — Torre, aqui é a base, está me ouvindo?
Depois de uma pausa, ouviu-se uma voz cansada, com sotaque carregado:
— Sim, estamos ouvindo.
— Nós estamos esperando quatro helicópteros que vêm de Bandar Delam e que estão equipados apenas com VHF. Eu vou decolar para tentar me comunicar com eles. Estaremos fora do ar até eu voltar, certo?
— Certo.
Lochart desligou. Do HF veio:
— Kowiss, aqui é Teerã, está me ouvindo? Lochart perguntou:
— E quanto a ele? — Os dois olharam para Pavoud, quase se encolheu na cadeira.
A dor que Wazari estava sentindo atrás dos olhos era a pior que já havia sentido. Eu vou ter que matar Pavoud, esta é a única maneira de provar a Lochart que estou do lado dele.
— Eu trato dele — disse e se levantou.
— Não — atalhou Lochart. — Pavoud, você vai tirar o resto do dia de folga. Você vai descer as escadas, dizer aos outros que está doente e vai para casa. Não vai dizer mais nada e vai sair imediatamente. Nós podemos vê-lo e ouvi-lo daqui. Se você nos trair, por Deus, você e todos os homens desta lista serão traídos também.
— O senhor jura... que... o senhor jura que não vai contar a ninguém?
— Saia e vá para casa! E é a sua cabeça que está em perigo, não a nossa! Ande, saia logo! — Eles ficaram olhando o homem sair cambaleando. E quando o viram pedalando a sua bicicleta pela estrada em direção à cidade, sentiram-se um pouco melhor.
— Nós deveríamos tê-lo matado, capitão. Eu o teria feito.
— Deste jeito é tão seguro quanto... e, bem, matá-lo não resolveria nada. — Nem me ajudaria com Xarazade, pensou.
Mais uma vez no HF:
— Kowiss, aqui é Bandar Delam, está me ouvindo?
— Não é seguro deixar estes filhos da mãe transmitindo, capitão. A torre vai ouvi-los, por mais ineficientes e destreinados que sejam.
Lochart se concentrou no problema.
— Sargento, fale pelo HF um instante, finja ser um mecânico de rádio que está uma fera por terem estragado o seu feriado. Diga-lhes em farsi para calarem a boca, para ficarem fora do nosso canal até que esteja consertado, diga que o maluco do Lochart decolou para se comunicar com quatro helicópteros pelo VHF, que talvez um deles tenha tido uma emergência e os outros ainda estejam no chão com ele. Certo?
— Entendido! — Wazari fez tudo com perfeição. Depois que desligou, segurou a cabeça com as mãos por um momento, cego de dor. Então olhou para Lochart. — O senhor agora confia em mim?
— Sim.
— Eu posso ir com o senhor? Mesmo?
— Sim. — Lochart estendeu a mão. — Obrigado pela ajuda. — Ele tirou fora o cristal da freqüência do HF da companhia, arrebentou e tornou a colocá-lo, depois tirou fora o disjuntor do VHF e guardou-o no bolso. — Vamos.
No escritório, lá embaixo, ele parou um momento.
— Eu vou voar — disse aos três empregados que o olharam estranhamente. — Vou tentar me comunicar com os helicópteros de Bandar no VHF — Os três homens não disseram nada, mas Lochart sentiu que ele^também estavam a par do segredo. Então ele se virou para Wazari. Vejo-o amanhã, sargento.
— Espero que o senhor não precise de mim. Minha cabeça está doendo horrivelmente.
— Vejo-o amanhã. — Lochart andou pelo escritório, consciente da atenção dos outros, para dar tempo a Wazari de sair, rodear o hangar e se esconder no helicóptero. — Quando você sair do escritório estará por sua conta — Lochart tinha dito a ele — eu não vou checar a cabine, vou simplesmente decolar.
— Que Deus nos ajude a todos, capitão
63
NO AEROPORTO DE BAHRAIN: 11:28H. Jean-Luc e Matias Delarne estavam em pé ao lado de uma caminhonete, perto da pista, observando a chegada do 212, protegendo os olhos contra o sol, ainda incapazes de reconhecer o piloto. Matias era um homem baixo e forte, com cabelos escuros e ondulados com metade do rosto marcado por cicatrizes de queimaduras que sofrerá na Argélia.
— É Dubois — ele disse.
— Não, é Sandor. — Jean-Luc acenou, fazendo sinal para ele pousar contra o vento. Assim que os esquis tocaram o solo, Matias correu sob os rotores em direção à porta esquerda da cabine, sem prestar atenção ao que Sandor estava gritando para ele. Ele carregava um pincel e uma lata de tinta de pintar aviões e passou a tinta por cima das letras do registro iraniano logo abaixo da janela. Jean-Luc usou o estêncil que tinha preparado, tinta preta e pincel, depois tirou cuidadosamente o estêncil. Agora o helicóptero era G-HXXI e legal.
Enquanto isso, Matias fora até a cauda e retirara o CHI. Sandor mal teve tempo de tirar o braço do caminho enquanto Jean-Luc pintava entusiasticamente o segundo G-HXXI.
— Voilà! — Jean-Luc devolveu o material a Matias, que foi até a caminhonete e guardou-o debaixo de uma lona enquanto Jean-Luc apertava a mão de Sandor Petrofi e lhe contava sobre Rudi e Kelly e perguntava sobre Dubois.
— Não sei, meu velho — disse Sandor. — Depois da confusão — ele explicou sobre o quase acidente —, Rudi mandou que continuássemos cada um por si. Eu não tornei mais a vê-los. Eu fiz o possível para poupar gasolina, fiquei pertinho das ondas e rezei. Há quase dez minutos que estou no vazio, com as luzes vermelhas acesas. E quanto aos outros?
— Rudi e Kelly pousaram na praia de Abu Sabh. Rod Rodrigues está cuidando deles. Nada ainda sobre Scrag, Willi e Vossi, mas Mac ainda está em Kowiss.
— Jesus!
— Oui, junto com Freddy e Tom Lochart, pelo menos estavam lá há dez ou quinze minutos atrás. — Jean-Luc virou-se para Matias que se juntou a eles. — Você está sintonizado com a torre?
— Sim, não há problemas.
— Matias Delarne, Sandor Petrofi, Johnson, nosso mecânico^ Eles se cumprimentaram e trocaram um aperto de mão.
— Como foi a viagem... merde, é melhor não me contar — Matias acrescentou, depois que viu o carro se aproximando. — Encrenca — avisou.
— Fique na cabine de comando, Sandor — ordenou Jean-Luc. — Johnson, volte para a cabine.
O carro estava marcado OFICIAL e parou a uns vinte metros do 212. Dois bahrani saltaram, um capitão uniformizado da Imigração e um oficial da torre, o último usando uma longa veste branca e turbante, preso com um cordão preto. Matias foi até eles.
— Bom dia, Sayyid Yusuf, Sayyid Bin Ahmed. Este é o capitão Sessonne.
— Bom dia — ambos responderam educadamente e continuaram a observar o 212. — E o piloto?
— Capitão Petrofi. Sr. Johnson, um mecânico, está na cabine. — Jean-Luc sentiu-se mal. O sol estava realçando a pintura nova, mas não a velha, e o final do /tinha um resto de preto em cada ponta. Ele esperou pela pergunta inevitável:
— Qual foi o seu ponto de partida? — E então a sua resposta despreocupada:
— Basra, Iraque — como o lugar menos impossível. Mas seria tão simples checar a informação, e nem seria preciso checar, bastava passar o dedo na pintura nova para encontrar as letras que estavam por baixo. Matias estava igualmente nervoso. É fácil para Jean-Luc, pensou, ele não mora aqui, não tem que trabalhar aqui.
— Quanto tempo o G-HXXI vai ficar aqui, capitão? — O oficial da Imigração perguntou. Ele era um homem de cara raspada e olhos tristes.
Jean-Luc e Matias gemeram por dentro pela ênfase com que ele pronunciou as letras.
— Ele deve partir para Al Shargaz imediatamente, Sayyid — disse Matias —, para Al Shargaz, imediatamente, assim que tiver reabastecido. E também os outros que, ahn, ficaram sem gasolina.
Bin Ahmed, o oficial da torre, suspirou.
— É muita falta de planejamento ficar sem gasolina. Eu me pergunto o que aconteceu com os trinta minutos legais de reserva.
— O, ahn, o vento de proa, eu acho, Sayyid.
— Está muito forte hoje, é verdade. — Bin Ahmed olhou na direção do golfo, visibilidade de cerca de um quilômetro. — Um 212 aqui, dois na nossa praia, e o quarto... O quarto lá fora. — Ele tornou a olhar para Jean-Luc. — Talvez ele tenha voltado ao... ao ponto de partida.
Jean-Luc deu um sorriso amável.
— Eu não sei, Sayyid Bin Ahmed — respondeu cuidadosamente, querendo acabar com aquele jogo de gato e rato, querendo reabastecer e proceder a uma busca de meia hora.
Mais uma vez os dois homens olharam para o helicóptero. Agora o rotor tinha parado. As lâminas vibravam no vento. Aparentando naturalidade, Bin Ahmed tirou um telex do bolso.
— Nós acabamos de receber isto de Teerã, Matias, sobre alguns helicópteros que estão desaparecidos — disse gentilmente. — Do controle de tráfego aéreo de Teerã. Ele diz: "Por favor esteja atento a alguns dos nossos helicópteros que foram exportados ilegalmente de Bandar Delam. É favor apreendê-los, prender os que estiverem a bordo, informar a nossa embaixada mais próxima que providenciará a deportação imediata dos criminosos e o repatriamento do nosso equipamento." — Ele tornou a sorrir e entregou-lhe o telex. — Curioso, não?
— Muito — disse Matias. Ele leu o telex, olhou-o com um olhar parado, e depois devolveu-o a Bin Ahmed.
— Capitão Sessonne, o senhor já esteve no Irã?
— Sim, sim, já.
— Terrível, todas aquelas mortes, toda a inquietação, toda a matança. Muçulmanos matando muçulmanos. A Pérsia sempre foi diferente, sempre causou problemas para os outros que vivem no golfo. Chamando o nosso golfo de golfo Pérsico, como se nós, deste lado, não existíssemos — Bin Ahmed falou com naturalidade. — O xá não chegou até a declarar que a nossa ilha era iraniana só porque há três séculos atrás os persas nos conquistaram por alguns anos, nós que sempre fomos independentes?
— Sim, mas ele, ahn, abriu mão deste direito.
— Ah, sim, sim, isto é verdade, e ocupou as ilhas cheias de petróleo de Tums e Abu Musa. Os governantes da Pérsia são muito dominadores, muito estranhos, sejam quem forem, venham de onde vierem. É um sacrilégio colocar mulás e aiatolás entre o homem e Deus, não?
— Eles, ahn, eles têm a sua filosofia de vida — disse Jean-Luc — assim como os outros povos.
Bin Ahmed olhou para a mala da caminhonete. Jean-Luc viu a ponta do cabo do pincel saindo de debaixo da lona.
— Tempos perigosos esses que estamos vivendo aqui no golfo. Muito perigosos. Os soviéticos ateus cada dia mais próximos, vindos do norte, mais marxistas ateus ao sul, no Iêmen, armando-se a cada dia que passa, todos de olhos em nós e na nossa riqueza, e no Islã. Só o Islã se coloca entre eles e o domínio do mundo.
Matias teve vontade de dizer: E quanto à França e, é claro, à América? Mas em vez disso, ele disse:
— O Islã nunca fracassará. Nem os Estados do golfo, se estiverem vigilantes.
— Concordo, se Deus ajudar. — Bin Ahmed sorriu para Jean-Luc.
— Aqui na nossa ilha nós temos que estar muito vigilantes contra todos os que desejam nos causar problemas. Não?
Jean-Luc concordou com a cabeça. Ele estava achando difícil não olhar para o telex na mão do homem; se Bahrain tinha recebido um, o mesmo deveria ter sido passado para todas as torres deste lado do golfo.
— Com a ajuda de Deus, nós venceremos.
O oficial da Imigração balançou a cabeça amavelmente.
— Capitão, eu gostaria de ver os documentos do piloto e os do mecânico. E falar com eles, por favor.
— É claro, imediatamente — Jean-Luc foi até Sandor.
— Teerã passou um telex para eles estarem atentos a helicópteros com registros iranianos — murmurou apressadamente e Sandor ficou pálido.
— Não é preciso entrar em pânico, mon vieux, apenas mostre o seu passaporte para o funcionário da Imigração, não forneça nenhuma informação, você também, Johnson, e não se esqueçam de que vocês são G-HXXI, vindos de Basra.
— Mas, Jesus — Sandor gemeu — nós teríamos que ter carimbos de Basra, Iraque, e eu tenho carimbos iranianos em quase toda página.
— Você esteve no Irã, e daí? Comece a rezar, mon brave, vamos. O funcionário da Imigração pegou o passaporte americano. Estudou minuciosamente a fotografia, comparou-a com Sandor que tirou os óculos escuros, depois devolveu-o sem folheá-lo.
— Obrigado — ele disse e aceitou o passaporte britânico de Johnson. Mais uma vez o olhar atento só para a fotografia. Bin Ahmed deu um passo em direção ao helicóptero, Johnson tinha deixado a porta da cabine aberta.
— O que há a bordo?
— Peças de reposição — Sandor, Johnson e Jean-Luc disseram ao mesmo tempo.
— Vocês terão que passar pela alfândega. Matias disse educadamente:
— Na verdade ele está em trânsito, Sayyid Yusuf, e vai partir assim que reabastecer. Talvez fosse possível permitir que ele assinasse o formulário de trânsito, desde que ele não descarregue nada e não carregue nem armas, nem drogas nem munição. — Ele hesitou. — Eu posso garantir isto, se for de algum valor.
— A sua presença é sempre valiosa, Sayyid Matias — disse Yusuf. Estava quente na pista e cheio de poeira, e ele espirrou, pegou um lenço e assoou o nariz, depois dirigiu-se a Bin Ahmed, que ainda estava com o passaporte de Johnson na mão. — Suponho que para um avião britânico em trânsito isto seria correto, mesmo para os outros dois que estão na praia, não?
O homem da torre virou as costas para o helicóptero.
— Por que não? Quando os outros dois chegarem, nós os poremos aqui, Sayyid capitão Sessonne. O senhor traz o caminhão-tanque até aqui e nós autorizamos que eles partam para Al Shargaz assim que estiverem com os tanques cheios. — Mais uma vez ele olhou em direção ao mar e os seus olhos escuros mostraram a sua preocupação. — E o quarto, quando vai chegar? Presumo que também tenha um registro britânico.
— Sim, sim, tem — respondeu Jean-Luc, dando-lhe o novo registro, — Com... com sua permissão, os três voarão por meia hora, procurando o outro, e depois irão para Al Shargaz. — Vale a pena tentar, pensou, cumprimentando os dois homens com charme gaulês quando eles se afastaram, ainda sem acreditar no milagre daquela trégua temporária.
Ou eles estavam cegos ou não quiseram ver. Eu não sei, não sei, mas agradeço a Nossa Senhora por nos proteger mais uma vez.
— Jean-Luc, é melhor você telefonar para Gavallan e contar-lhe sobre o telex — disse Matias.
PERTO DA COSTA DE AL SHARGAZ: Scragger e Benson estavam de olho nos mostradores de óleo e pressão do motor número um. As luzes de alerta estavam acesas, o marcador de temperatura no máximo, em cima do vermelho, a pressão do óleo caindo, quase a zero. Agora eles voavam a duzentos metros, com tempo bom mas nublado, já tendo passado pela fronteira, com Siri e Abu Musa atrás deles e Al Shargaz bem à frente. A torre estava três por cinco nos seus fones, dirigindo o tráfego.
— Eu vou desligá-lo, Benson.
— Sim, é melhor não arriscar.
O barulho diminuiu e o helicóptero desceu trinta metros mas, quando Scragger aumentou a força do motor número dois e fez as correções necessárias, ele manteve a altitude. Ainda assim, os dois homens estavam inquietos.
— Não há nenhum motivo para isso, Scrag. Eu mesmo chequei os motores há poucos dias. Como estamos indo?
— Muito bem. Já estamos perto. Benson estava muito preocupado.
— Há algum lugar em que pudéssemos descer numa emergência? Bancos de areia? Uma plataforma?
— Claro, claro que sim. Uma porção. — Scragger mentiu, atentando para o perigo com olhos e ouvidos, mas não percebendo nenhum. — Você está ouvindo alguma coisa?
— Não, não... nada. Maldição, eu estou ouvindo cada virada do motor.
— Eu também. — Scragger riu. — Nós não deveríamos chamar Al Shargaz?
— Temos tempo de sobra para isto, meu filho. Eu estou esperando por Vossi ou Willi. — Eles continuaram voando e cada pequena turbulência ou mudança no barulho do motor, ou tremor de um ponteiro, aumentava-lhes a preocupação.
— Quanto tempo falta ainda, Scrag? — Benson adorava motores mas detestava voar, especialmente em helicópteros. Sua camisa estava molhada de suor.
Então eles ouviram a voz de Willi:
— Al Shargaz, aqui é EP-HBB se aproximando junto com EP-HGF a duzentos, curso 140 graus. ETA 12 minutos — e Scragger gemeu e prendeu a respiração, pois Willi tinha automaticamente fornecido os registros iranianos completos, quando eles tinham concordado em ver se poderiam dar apenas as últimas letras. A voz do controlador, falando em inglês, chegou até eles alta e clara:
— Helicóptero chamando Al Shargaz, sabemos que vocês estão em trânsito, se aproximando em 140 e, ahn, a sua transmissão não estava boa. Por favor confirme se vocês são, ahn, G-HYYR e G-HFEE. Repito: GolfHotel-YankeeYankeeRomeu e GolfHotelFoxtrotEchoEcho.
Cheio de excitação, Scragger deu um grito de alegria.
— Eles estão nos esperando!
A voz de Willi estava hesitante e a temperatura de Scragger subiu vinte pontos:
— Al Shargaz, aqui é... G-HY... YR.— então Vossi interrompeu excitadamente:
— Al Shargaz, aqui é GolfHotelFoxtrotEchoEcho e GolfHotelYankeeYan-keeRomeu, ouvindo alto e claro; estaremos com vocês dentro de dez minutos e pedimos autorização para aterrissar na pista norte, por favor informe à S-G.
— Certamente, G-HFEE — disse o controlador e Scragger percebeu claramente o alívio do homem — podem descer na pista norte e por favor chamem a S-G em 117.7. Bem-vindos! Bem-vindos a Al Shargaz, mantenham curso e altitude.
— Sim senhor! Sim senhoooor, 117.7 — disse Vossi. Imediatamente, Scragger mudou para o mesmo canal e mais uma vez ouviu a voz de Vossi:
— Sierra Um, aqui é HFEE e HYYR, está me ouvindo?
— Alto e maravilhosamente claro. Sejam todos bem-vindos. Mas onde está GolfHotelSierraVitorTango?
NO ESCRITÓRIO DE AL SHARGAZ: — Ele está atrás de nós, Sierra Um — estava dizendo Vossi.
Gavallan, Scot, Nogger e Starke estavam ouvindo pelo alto-falante do VHF na freqüência da companhia, com a freqüência da torre também sintonizada, todos muito conscientes de que qualquer transmissão poderia ser ouvida, especialmente o HF deles, por Siamaki em Teerã e Numir em Bandar Delam.
— Ele está alguns minutos atrás de nós, ele, ahn, ele mandou que viéssemos separados. — Vossi estava sendo propositalmente cuidadoso. — Nós, ahn, nós não sabemos o que aconteceu. — Então Scragger entrou na linha e eles todos sentiram a alegria na sua voz:
— Aqui é G-HSVT na sua cauda, portanto saiam da frente...
Os gritos de alegria ecoaram pela sala, Gavallan enxugou a testa e murmurou:
— Graças a Deus — doente de alívio, depois fez um sinal para Nogger:
— Vá andando, Nogger!
Alegremente, o rapaz saiu e quase derrubou Manuela que, com o rosto preocupado, estava chegando na sala com uma bandeja de bebidas geladas.
— Scrag, Willi e Ed estão chegando — gritou no meio da corrida.
— Oh, que maravilha! — Ela disse e correu para a sala. — não é... — Ela parou. Scragger estava dizendo:
— ...estou só com um motor, portanto solicito uma aterrissagem direta, e é melhor providenciarem um carro de bombeiros, só por precaução.
Willi disse imediatamente:
— Ed, faça um 180 e junte-se a Scrag, ajude-o a pousar. Como você está de gasolina?
— Tenho bastante. Já estou indo.
— Scrag, aqui é Willi. Eu vou providenciar o pedido de pouso direto. Como você está de gasolina?
— Tenho bastante. HSVT, hein? Isto é muito melhor do que HASVD! Eles ouviram a gargalhada dele e Manuela sentiu-se melhor.
Para ela a tensão daquela manhã, tentando controlar os seus temores, tinha sido terrível, ouvindo as vozes tão distantes e no entanto tão próximas, todas elas pertencentes a pessoas que ela gostava ou amava ou odiava — as do inimigo:
— É isso que eles são — ela dissera furiosa, há poucos minutos atrás, quase chorando porque o seu amigo Marc Dubois e o velho Fowler tinham desaparecido, desaparecido e oh, meu Deus, podia ter sido Conroe e pode haver outros: — Jahan é inimigo! Siamaki, Numir todos eles são, todos eles. — Então Gavallan dissera gentilmente:
— Não, Manuela, eles não são inimigos, não de verdade, estão só fazendo o seu trabalho... — Mas isso apenas enfurecera-a ainda mais, somando-se à sua preocupação pelo fato de Starke estar ali e não na cama do hospital, tendo sido operado apenas na noite passada, e ela tinha explodido:
— Isso é só um jogo para vocês, Turbilhão é só um maldito jogo para todos vocês! Vocês são um bando de garotos metidos a heróis e... e... — Então ela tinha corrido para fora da sala, ido para o banheiro e chorado. Quando a crise passou, ela deu um carão em si mesma por ter perdido o controle, lembrando que os homens eram estúpidos e infantis e que nunca mudariam. Então assoou o nariz, refez a maquilagem, arrumou o cabelo e foi apanhar as bebidas.
Manuela pousou a bandeja sem fazer barulho. Ninguém a notou.
Starke estava no telefone falando com o controle de terra, explicando quais as providências necessárias. Scot estava no VHF:
— Nós vamos cuidar de tudo, Scrag — disse Scot.
— Sierra Um, como vão as coisas? — Scragger perguntou. — Os seus Deltas e Kilos?
Scot olhou para Gavallan. Gavallan inclinou-se para a frente e disse com voz neutra:
— Delta Três vai bem, Kilo Dois... Kilo Dois ainda está no mesmo lugar, mais ou menos.
Silêncio no alto-falante. Na freqüência da torre eles ouviram o controlador inglês autorizando alguns pousos. Um pouco de estática. A voz de Scragger estava diferente agora.
— Confirme Delta Três.
— Confirmo Delta Três — disse Gavallan, ainda em estado de choque com as notícias sobre Dubois e o telex de Bahrain que Jean-Luc tinha dado pelo telefone há poucos minutos atrás, esperando uma explosão iminente da sua própria torre e do Kuwait. Para Jean-Luc ele tinha dito:
— Resgate aéreo no mar? É melhor chamarmos um Mayday.
— Nós vamos fazer o resgate, Andy. Não há mais ninguém. Sandor já saiu"para procurar. Assim que Rudi e Pop tenham reabastecido, eles também irão — eu planejei um esquema de busca para eles — depois eles irão diretamente para Al Shargaz como Sandor. Nós não podemos ficar por aqui, mon Dieux, você não pode imaginar como estivemos perto do desastre. Se ele estiver flutuando nós o acharemos. Há dezenas de bancos de areia para se pousar
— Isso não vai diminuir o alcance de vôo deles, Jean-Luc?
— Eles estarão bem, Andy. Marc não pediu um Mayday, então deve ter sido uma coisa repentina ou talvez o rádio dele tenha falhado ou mais provavelmente ele pousou em algum lugar. Há uma dúzia de possibilidades, ele pode ter pousado numa plataforma para reabastecer, se tiver pousado no mar, pode ter sido resgatado. Há várias alternativas, não se esqueça da ordem para manter silêncio no rádio. Não se preocupe, mon cher ami
— Estou muito preocupado.
— Alguma coisa sobre os outros?
— Ainda não...
Ainda não, ele pensou de novo e sentiu um arrepio.
— Quem é Delta Quatro? — Era Willi perguntando.
— O nosso amigo francês e Fowler — Gavallan disse naturalmente, sem saber quem poderia estar ouvindo. — Contarei tudo quando vocês pousarem.
— Entendido. — Estática, e depois — Ed, como você vai indo?
— Muito bem, Willi. Subindo para trezentos e indo bem. Ei, Scrag, qual é o seu rumo e a sua altitude?
— 142, duzentos, e se você abrir os olhos e olhar para duas horas vai me ver porque eu estou vendo você.
Silêncio por um momento.
— Scrag, você fez isso de novo!
Gavallan se levantou para se esticar e viu Manuela.
— Olá, minha querida! Ela sorriu, meio insegura.
— Tome — ela disse, oferecendo-lhe uma garrafa — você tem direito a uma cerveja e eu sinto muito.
— Nada de desculpas, nenhuma. Você teve razão. — Ele a abraçou e bebeu, agradecido. — Oh, isto está bom, obrigado, Manuela.
— E quanto a mim, querida? — disse Starke.
— A única coisa que você vai conseguir de mim, Conroe Starke, é água e um puxão de orelha. — Ela abriu a garrafa de água mineral e entregou a ele, mas seus olhos estavam sorrindo e ela o acariciou de leve, amorosamente.
— Obrigado, querida — ele disse, sentindo-se muito aliviado por ela estar aqui, em segurança, assim como os outros, embora Dubois e Fowler ainda fossem uma interrogação e ainda faltassem muitos outros. Seu ombro e seu peito estavam doendo muito e ele estava ficando cada vez mais enjoado, com a cabeça latejando. O doutor Nutt tinha-lhe dado um analgésico e dissera a ele que faria efeito durante umas duas horas:
— Isto vai segurá-lo até meio-dia, Duke, talvez menos. É melhor você bancar a Cinderela do meio-dia ou se sentirá muito mal... poderá ter até uma hemorragia. — Ele olhou para o relógio: 12:04h.
— Conroe, querido, você não quer voltar para a cama, por favor? O olhar dele mudou.
— Que tal em quatro minutos? — Ele disse baixinho.
Ela enrubesceu com o olhar que ele lhe lançou, depois riu e enfiou-lhe as unhas de leve no pescoço, como um gato.
— Sério, querido, você não acha...
— Eu estou falando sério.
A porta se abriu e o dr. Nutt entrou.
— Para a cama, Duke, diga boa noite como um bom menino.
— Oi, doutor — obedientemente, Starke começou a levantar-se, mas não conseguiu da primeira vez, recuperou-se e ficou ereto, praguejando por dentro. — Scot, nós temos um walkie-talkie ou um rádio portátil com as freqüências da torre?
— Sim, é claro que sim. — Scot abriu uma gaveta e entregou-lhe o pequeno aparelho. — Nós manteremos contato com você. Você tem um telefone ao lado da cama?
— Sim. Vejo-a mais tarde, querida, não, eu estou bem, você fica para ajudar se for preciso falar farsi. Obrigado — então ele olhou pela janela. — Ei, olhem lá!
Por um instante eles esqueceram todas as preocupações. O Concorde Londres—Bahrain estava taxiando na pista, preparando-se para decolar. Velocidade de cruzeiro, dois mil e quatrocentos quilômetros por hora a 23 mil metros, sete mil quilômetros de distância em três horas e vinte minutos.
— Este deve ser o pássaro mais lindo que existe — disse Starke ao sair.
— Eu adoraria viajar nele ao menos uma vez na vida — suspirou Manuela.
— É a única maneira de se viajar — Scot disse secamente. — Ouvi dizer que vão suspender este vôo no ano que vem. — Ele estava atento, controlando Willi, Scragger e Vossi, até agora nenhum problema com eles. Do seu lugar, ele podia ver o caminhão com Nogger, mecânicos, tinta e estênceis dirigindo-se para a pista de helicópteros, onde já havia um carro de bombeiros parado.
— São uns imbecis — disse Gavallan, falando para disfarçar a sua crescente ansiedade, vigiando com os olhos os aviões que chegavam. — O maldito governo não sabe distinguir entre o seu rabo e um buraco no chão, e os franceses a mesma coisa. Eles deviam cancelar os custos de pesquisa e desenvolvimento. Aliás, eles na realidade já não existem, então o Concorde seria um negócio perfeitamente viável para certas finalidades e de um valor inestimável. Los Angeles, Japão, Austrália, Buenos Aires, seria perfeito... Alguém está vendo os nossos pássaros?
— A torre está em melhor posição, papai. — Scot sintonizou na freqüência da torre. — Concorde 001, você é o próximo a decolar. Bon voyage — estava dizendo o controlador. — Quando estiver no ar, chame Bagdá em 119.9.
— Obrigado, 119.9. — O Concorde moveu-se orgulhosamente, consciente de que todos os olhos estavam voltados para ele.
— Francamente, vale a pena olhar para ele.
— Torre, aqui é Concorde 001. Para que o carro de bombeiros?
— Temos três helicópteros descendo na pista norte, um deles está só com um motor...
NA TORRE DE CONTROLE: — ...você gostaria que os desviássemos até o final da decolagem? — perguntou o controlador. Seu nome era Sinclair e ele era inglês, ex-oficial da RAF, como muitos dos controladores em ação no golfo.
— Não, não, obrigado, foi só curiosidade.
Sinclair era um homem baixo, forte, careca e estava sentado numa cadeira giratória atrás de uma escrivaninha baixa, com uma vista panorâmica. Trazia um binóculo pendurado no pescoço. Ele colocou o binóculo e focalizou-o. Agora podia ver os três helicópteros numa formação em V. Mais cedo ele tinha localizado o que estava com o motor quebrado na ponta do V — ele sabia que era Scragger, mas fingiu que não sabia. Em volta dele, na torre, havia uma abundância de radares de primeira qualidade, equipamentos de comunicação, telex, três estagiários e um controlador originários de Al Shargaz. O controlador estava concentrado na tela do seu radar, posicionando os outros seis aviões que se encontravam dentro do sistema.
Sem perder de vista os helicópteros, Sinclair ligou o transmissor:
— HSVT, aqui é a torre, como vai indo?
— Torre, HSVT. — A voz de Scragger era clara e precisa. — Nenhum problema. Tudo no Verde. Estou vendo o Concorde se aproximando para decolar. Você quer que eu espere ou vá mais depressa?
— HSVT, continue a sua aproximação em segurança máxima. Concorde, posicione-se e espere. — Sinclair chamou um dos estagiários do controle de terra: — Mohammed, assim que o helicóptero pousar, você se encarrega dele, certo?
— Sim, Sayyid.
— Você está em contato com o carro de bombeiros?
— Não, Sayyid.
— Então faça isso depressa! É responsabilidade sua. — O rapaz começou a se desculpar. — Não se preocupe, você cometeu um erro, só isto, agora ande logo!
Sinclair ajustou melhor o foco. Scragger estava a vinte metros do solo, numa aproximação perfeita.
— Mohammed, diga ao motorista do carro de bombeiros para andar logo. Vamos, pelo amor de Deus, aqueles idiotas deveriam estar com a mangueira de espuma preparada.
Ele ouviu o jovem controlador xingar os bombeiros, depois viu-os sair do carro e preparar a mangueira. Mais uma vez ele focalizou o binóculo no Concorde que estava esperando pacientemente, alinhado no centro da pista, pronto para decolar, sem correr nenhum risco, mesmo que os três helicópteros explodissem ao mesmo tempo. Reter o Concorde por trinta segundos por causa de uma chance contra um milhão de que a turbulência causada pela decolagem pudesse causar um pequeno turbilhão, prejudicando o helicóptero avariado, era um preço bem pequeno. Turbilhão. Deus do céu!
O boato de que a S-G ia tentar uma fuga ilegal do Irã vinha se espalhando pelo aeroporto há dois dias. O seu binóculo foi do Concorde para o helicóptero de Scragger. Os esquis tocaram o solo. Os bombeiros se aproximaram. Não houve nenhum incêndio.
— Concorde 001, tem licença para decolar — ele disse calmamente. — HFEE e HYYR, podem pousar quando for conveniente. Pan Am 116, tem permissão para pousar, pista 32, vento de vinte nós em 160.
Atrás dele, o telex começou a transmitir. Ele parou um momento, observando o Concorde decolar, admirando a sua força e o seu ângulo de subida, depois tornou a se concentrar em Scragger, evitando deliberadamente prestar atenção nas figuras abaixadas sob os rotores com tinta e estênceis. Um outro homem, Nogger Lane, que seguindo as instruções de Gavallan tinha-lhe informado sobre o que iria acontecer — embora ele já soubesse há muito tempo — estava mandando embora o carro de bombeiros. Scragger estava vomitando de um lado e o outro homem, ele presumiu que fosse o segundo piloto, urinava abundantemente. Os outros dois helicópteros pousaram. Os pintores correram na direção deles. Que diabo eles estão fazendo agora?
— Ótimo — ele murmurou — nem fogo nem confusão.
— Sayyid Sinclair, acho que o senhor deveria ler este telex.
— O quê? — Distraidamente, ele olhou para o rapaz que estava tentando desajeitadamente usar o binóculo de reserva para olhar os helicópteros. Bastou um olhar para o telex. — Mohammed, você esta com o binóculo ao contrário.
— Sayyid? — O rapaz ficou perplexo.
Sinclair apanhou o binóculo, tirou-o do foco e devolveu-o ao contrário.
— Focalize-o nos helicópteros e diga-me o que está vendo. O rapaz levou alguns instantes para centrar a imagem.
— Eles estão tão longe que eu não consigo vê-los direito.
— Interessante. Sente-se aqui na minha cadeira por um momento. — Todo orgulhoso, o rapaz obedeceu. — Agora chame o Concorde e peça a posição dele.
Os outros estagiários ficaram cheios de inveja e esqueceram todo o resto. Os dedos de Mohammed tremiam de excitação ao segurarem o transmissor.
— Concorde, aqui... aqui é a torre de Bahrain. A sua posição, por favor.
— Torre, 001, passando de 12 mil para 22 mil, Mach 1.3 para Mach 2. Dois mil e quatrocentos quilômetros por hora, rumo 290, abandonando a sua área neste momento.
— Obrigado, Concorde, bom dia. Oh, chame Bagdá em 119.9, bom dia!
— Ele disse, radiante, e na hora certa Sinclair apanhou o telex ostensivamente e franziu a testa.
— Helicópteros iranianos? — Ele entregou o binóculo de reserva ao rapaz.
— Você está vendo algum helicóptero iraniano por aqui?
Depois de examinar com muito cuidado os três helicópteros estrangeiros que tinham acabado de pousar, o rapaz sacudiu a cabeça.
— Não, Sayyid, aqueles são britânicos, todos os outros que estão aqui nós sabemos que são shargazi.
— Perfeitamente correto. — Sinclair estava com a testa franzida. Ele tinha visto que Scragger estava caído no chão com Lane e alguns dos outros em pé em volta dele. Isto não é típico de Scragger, ele pensou. — Mohammed, mande com urgência uma ambulância para onde estão os helicópteros britânicos. — Depois ele apanhou o telefone e discou: — Sr. Gavallan, os seus pássaros desceram sãos e salvos. Quando o senhor tiver um momento pode vir até aqui?
— Ele disse isso daquela forma bem casual, tipicamente britânica, que só um outro inglês pode compreender que significa 'com urgência'.
NO ESCRITÓRIO DA S-G: Gavallan respondeu:
— Irei imediatamente, sr. Sinclair, obrigado. Scot viu a expressão dele.
— Mais problemas, papai?
— Não sei. Chame-me se houver alguma coisa. — Na porta, Gavallan parou. — Droga, eu me esqueci de Newbury. Ligue para ele e veja se ele está livre hoje à tarde. Eu irei à casa dele, ou a qualquer outro lugar. Combine qualquer coisa. Se ele quiser saber o que está acontecendo, diga apenas: seis em sete até agora, um aguardando e dois faltando. — E saiu apressado, dizendo: — Até logo, Manuela. Scot, tente o Charlie de novo, descubra onde ele se enfiou.
— Certo. — Agora eles estavam sozinhos, Scot e Manuela. O ombro dele estava doendo e incomodando cada vez mais. Ele tinha visto a depressão dela.
— Dubois vai aparecer, você vai ver — ele disse, tentando parecer confiante e disfarçar o seu próprio temor de que eles estivessem perdidos. — E nada poderia matar o velho Fowler.
— Oh, eu espero que sim — ela respondeu, quase chorando. Ela tinha visto o marido vacilar e sabia o quanto ele estava sofrendo. Daqui a pouco eu vou ter que sair para o hospital e o farsi que vá para o diabo. — É a espera.
— Só mais algumas horas, Manuela, mais dois pássaros e cinco pessoas. Então poderemos comemorar. — Scot acrescentou, torcendo e pensando: Então o velho vai tirar este peso dos ombros e vai viver mais mil anos.
Meu Deus, desistir de voar? Eu adoro voar e não quero fazer trabalho burocrático. Passar uma parte do ano em Hong Kong seria ótimo, mas e Linbar? Eu não posso lidar com Linbar! O velho vai ter que lidar com ele — eu ficaria perdido...
E a velha e incômoda pergunta veio-lhe à mente: O que eu faria se o velho não estivesse por perto? Um arrepio percorreu-o. Não sei quando, mas isto vai acontecer algum dia... Pode acontecer a qualquer momento. Olhe para Jordon, Talbot — ou Duke ou eu — uma diferença de milímetros e você está morto — ou vivo. A vontade de Deus? Carma? Destino? Não sei e não quero saber! Tudo o que sei é que desde que fui ferido eu mudei, a minha vida inteira mudou, a certeza que eu tinha de que nada poderia me atingir desapareceu para sempre e tudo o que restou foi uma certeza gelada, terrível, de ser muito mortal. Meu Deus, será que isto sempre acontece? Será que Duke está sentindo a mesma coisa?
Ele olhou para Manuela. Ela estava olhando fixamente para ele.
— Desculpe, eu não estava ouvindo — ele disse, e começou a ligar para Newbury.
— Eu estava dizendo: "Não são três pássaros e oito pessoas? Você se esqueceu de Erikki e Azadeh, nove se contar com Xarazade."
TEERÃ, NA CASA DOS BAKRAVAN: 13:14H. Xarazade estava em pé, nua, em frente ao espelho comprido do seu banheiro, examinando o perfil da sua barriga, vendo se esta estava mais redonda. Naquela manhã ela tinha notado que os bicos dos seus seios estavam mais sensíveis e que os seios pareciam maiores.
— Não precisa se preocupar — tinha dito Zarah, a mulher de Meshang. — Daqui a pouco você vai estar igual a um balão e chorando porque nunca mais vai conseguir entrar nas suas roupas e porque está horrorosa! Não se preocupe, você vai voltar a entrar na sua roupa e não vai ficar horrorosa.
Xarazade estava muito feliz, começou a cantarolar e franziu a testa, chegando mais perto do espelho para ver se tinha alguma ruga, olhando-se de todos os lados, experimentando deixar os cabelos soltos, prendê-los para cima, enrolados ou puxados para o lado, muito satisfeita com o que via. As manchas roxas estavam desaparecendo. Seu corpo já estava quase seco do banho e ela passou talco e vestiu a roupa de baixo.
Jari entrou.
— Oh, princesa, a senhora ainda não está pronta? Sua eminência, o seu irmão, está sendo esperado a qualquer momento para o almoço e a casa inteira está com medo de que ele esteja com um dos seus acessos de raiva, oh, por favor, ande depressa, nós não queremos agitá-lo, queremos?...
Automaticamente, ela tirou a tampa da banheira e começou a arrumar as coisas, resmungando e apressando Xarazade. Em poucos instantes, Xarazade estava pronta. Meias — não havia meia-calça no mercado há meses, nem no mercado negro — ela não precisava de sutiã. Um vestido parisiense de cashmere azul com um casaco de mangas curtas combinando. Uma rápida escovadela nos cabelos naturalmente ondulados e eles ficaram perfeitos, um pequeno toque de cor nos lábios, um traço de kohl em volta dos olhos.
— Mas, princesa, a senhora sabe que o seu irmão não gosta de maquilagem!
— Oh, mas eu vou sair e Meshang não é... — Xarazade ia dizer meu pai, mas parou, sem querer relembrar a tragédia. Papai está no paraíso, disse para si mesma com firmeza. O Dia do Luto, o quadragésimo depois da morte é só daqui a 25 dias e até lá eu tenho que continuar vivendo.
E amando?
Ela não tinha perguntado a Jari o que havia acontecido no café no dia em que a havia mandado lá para dizer a ele que seu marido tinha voltado e que o que nunca havia começado estava acabado. Onde estará ele, será que continuará a visitar-me em sonhos?
Houve uma comoção lá embaixo, e viram que Meshang havia chegado. Ela se olhou uma última vez e depois foi encontrá-lo.
Depois da noite da sua briga com Lochart, Meshang tinha-se mudado para a casa com a família. A casa era muito grande, Xarazade tinha conservado os seus aposentos e estava contente com a algazarra que Zarah e as crianças faziam nos aposentos, espantando o silêncio e a tristeza que existiam lá antes. Sua mãe agora era uma reclusa, vivia na sua própria ala da casa, servida apenas pela sua criada particular, rezando e chorando quase o dia inteiro. Sem sair nunca, sem convidar nenhum deles para visitá-la.
— Deixem-me em paz! Deixem-me em paz! — Era tudo o que ela dizia por trás da porta trancada.
Durante as horas que Meshang passava dentro de casa, Xarazade, Zarah e as outras pessoas da família tinham o cuidado de agradá-lo e bajulá-lo.
— Não se preocupe — Zarah tinha dito a ela. — Ele vai ser dominado logo logo. Ele acha que eu esqueci que ele me insultou e me bateu e tem a coragem de se mostrar com a prostitutazinha que aquele filho de um cão do Kia usou para tentá-lo! Oh, não se preocupe, Xarazade querida, eu vou me vingar
— ele tratou você muito mal... e também o seu marido. Logo nós vamos poder viajar de novo... Paris, Londres, até Nova York... eu duvido que ele tenha tempo para nos acompanhar e então, oh, então nós vamos nos esbaldar, vamos usar roupas transparentes e ter cinqüenta admiradores cada uma!
— Não sei quanto a Nova York. Expormo-nos a todos os perigos de Satã
— tinha dito Xarazade. Mas no fundo do coração ela tremia de excitação com a idéia. Eu irei para Nova York com o meu filho, ela prometeu a si mesma. Tommy estará lá. Logo estaremos levando uma vida normal, o poder dos mulás sobre Khomeini desaparecerá, que Deus abra os olhos dele, eles deixarão de controlar os Faixas Verdes, o Komiteh Revolucionário será dissolvido, nós teremos um governo islâmico verdadeiramente democrático e justo sob a liderança do primeiro-ministro Bazargan, os direitos da mulher nunca mais serão violados, o Tudeh não será mais considerado fora da lei, mas trabalhará para todos nós, e haverá paz na terra, como ele disse que ia acontecer. Estou feliz por ser quem sou, pensou Xarazade.
— Olá, Meshang querido, como você está com boa aparência hoje, mas tão cansado, oh, você não deve trabalhar tanto por nós todos. Deixe-me servir-lhe mais um pouco de limonada, exatamente como você gosta.
— Obrigado. — Meshang estava deitado nos tapetes, recostado nas almofadas, sem sapatos, comendo. Havia um pequeno braseiro pronto para cozinhar os kebabs e havia vinte ou trinta pratos de horisht e arroz e legumes e frutas cristalizadas ao alcance dele. Zarah estava ali perto e fez sinal para Xarazade sentar-se no tapete ao lado dela.
— Como você se sente hoje?
— Muito bem, nem um pouco enjoada. Meshang fez uma cara azeda.
— Zarah ficava enjoada o tempo todo e desanimada, não como uma mulher normal. Vamos esperar que você seja normal, mas você é tão magra... Insha'Allah.
As duas mulheres forçaram um sorriso, disfarçando o seu ódio, compreendendo-se mutuamente.
— Pobre Zarah — disse Xarazade. — Como foi a sua manhã, Meshang? Deve ser muito difícil para você, com tanto o que fazer, com tantas pessoas para tomar conta.
— É difícil porque eu estou cercado de imbecis, querida irmã. Se eu tivesse uma equipe eficiente, treinada como eu sou, seria tudo muito fácil. — E muito mais fácil se você não tivesse enrolado o meu pai, fracassado com o seu primeiro marido e nos desgraçado com a sua escolha do segundo. Você tem me causado tantos aborrecimentos, querida irmã, com o seu rosto e corpo de tuberculosa e a sua burrice, eu que tenho trabalhado tanto para salvá-la de si mesma. Deus queira que os meus esforços tenham sido bem-sucedidos!
— Deve ser muito duro para você, Meshang, eu não saberia nem por onde começar — Zarah estava dizendo e pensava: é simples dirigir os negócios desde que se saiba onde estão as chaves, as contas bancárias, os papéis dos devedores e todos os esqueletos. Vocês não querem que nós tenhamos igualdade nem direito a voto porque nós os atiraríamos na sarjeta e conseguiríamos os melhores empregos.
O horisht de carneiro e o arroz dourado estavam deliciosos, temperados e perfumados como ele gostava e ele comeu com gosto. Não devo comer demais, disse a si mesmo. Não quero ficar muito cansado antes de me encontrar com a pequena Yasmin hoje à tarde. Eu nunca imaginei que uma zinaat pudesse ser tão suculenta nem que houvesse lábios tão cobiçosos. Se ela engravidar, eu me casarei com ela e Zarah que vá para o inferno.
Ele olhou para a mulher. Imediatamente ela parou de comer, sorriu para ele e entregou-lhe um guardanapo para limpar os vestígios de gordura da sua barba.
— Obrigado — ele disse educadamente e mais uma vez se concentrou no seu prato. Depois de possuir Yasmin, ele estava pensando, eu posso dormir uma hora e então voltar ao trabalho. Gostaria que aquele filho de um cão do Kia já estivesse de volta, nós temos muito que conversar, muito que planejar. E Xarazade...
— Meshang, querido, você ouviu o boato de que os generais decidiram dar um golpe e que o exército já está preparado para assumir o controle? — perguntou Zarah.
— É claro, o bazar inteiro está falando nisso. — Meshang sentiu uma pontada de ansiedade. Ele tinha se garantido da melhor forma possível caso isso acontecesse. — O filho de Mohammed, o ourives, jura que o seu primo, que é telefonista no QG do Exército, ouviu um dos generais dizer que eles esperaram para dar tempo a uma força-tarefa americana se organizar, e que esta será apoiada por um desembarque aéreo.
As duas mulheres ficaram chocadas.
— Pára-quedistas? Então nós devemos partir imediatamente, Meshang
— disse Zarah. — Não será seguro ficar em Teerã, é melhor nós irmos para a nossa casa no Cáspio e esperar que a guerra termine. Quando você poderia partir? Eu vou começar a arrumar as malas imediatamente.
— Que casa no Cáspio! Nós não temos nenhuma casa no Cáspio! — Meshang disse, irritado. — Ela não foi confiscada junto com todas as outras propriedades que nós levamos anos e anos para adquirir? Que Deus amaldiçoe aqueles ladrões, depois de tudo o que fizemos pela revolução e pelos mulás ao longo de gerações. — Ele estava vermelho de raiva. Um pouco de horish escorreu-lhe pela barba. — E agora...
— Perdoe-me, você tem razão, Meshang querido, você tem razão como sempre. Perdoe-me, eu falei sem pensar. Você está certo, mas se quiser, eu posso ficar na casa do meu tio, aga Madri, ele tem uma propriedade desocupada na costa, nós poderíamos partir amanhã...
— Amanhã? Não seja ridícula! Você acha que eu não vou ser avisado com antecedência? — Meshang limpou a barba, um tanto aborrecido com as humildes desculpas dela, e Xarazade pensou na sorte que tivera com os seus dois maridos, que nunca a maltrataram nem gritaram com ela. Fico imaginando se Tommy estará bem em Kowiss ou seja lá onde estiver. Pobre Tommy, imagine se eu poderia abandonar a minha casa e a minha família e me exilar para sempre.
— É claro que nós, bazaris, seremos avisados — Meshang tornou a dizer.
— Nós não somos nenhuns cabeças-ocas.
— Sim, sim, é claro, Meshang querido — Zarah disse apaziguadoramente.
— Sinto muito, eu estava só preocupada com a sua segurança e queria estar preparada. — Por pior que ele seja, ela pensou, fervendo por dentro, é a nossa única defesa contra os mulás e os seus Faixas Verdes. — Você acredita que o golpe será consumado?
— Insha'Allah — ele disse e arrotou. De qualquer maneira, eu estarei preparado, com a ajuda de Deus. Seja como for, ganhe quem ganhar, eles vão precisar dos bazaris. Sempre precisaram e sempre precisarão. Nós podemos ser tão modernos quanto qualquer estrangeiro, e mais espertos, alguns de nós podem, e eu com toda a certeza. Filho de um cão do Paknouri, que ele e os antepassados dele queimem no fogo do inferno por nos colocar em perigo! O Cáspio! O tio dela, Madri é uma boa idéia, uma idéia perfeita. Eu mesmo teria pensado nisto com o tempo. Zarah pode estar gasta e ter uma zinaat tão seca quanto a poeira do verão, mas ela é uma boa mãe e os seus conselhos, se você esquecer o seu mau humor, são sempre sábios.
— Outro boato é que o nosso glorioso ex-primeiro-ministro, Bakhtiar, ainda está escondido em Teerã, sob a proteção e o teto do seu velho amigo e colega, o primeiro-ministro Bazargan.
Zarah ficou estarrecida.
— Se os Faixas Verdes o pegarem...
Bazargan não vale mais nada. É uma pena. Ninguém o obedece mais, ninguém nem mesmo o ouve. O Komiteh Revolucionário os executaria a ambos, se eles fossem apanhados.
Xarazade estava tremendo.
— Jari disse que ouviu um boato no mercado esta manhã de que Sua Excelência Bazargan já havia pedido demissão.
— Isto não é verdade — Meshang disse rispidamente, contando um outro boato como se fosse uma informação particular. — Um amigo meu, que é íntimo de Bazargan, me contou que ele ofereceu sua demissão a Khomeini, mas que o imã a recusou, dizendo para ele ficar onde está. — Ele estendeu o prato para Zarah servi-lo. — Chega de horish, um pouco mais de arroz.
Ela lhe deu a parte tostada e ele começou a comer de novo, já com o estômago cheio. O boato mais interessante de hoje, cochichado de orelha em orelha, foi que o imã estava à beira da morte ou por causas naturais ou envenenado pelos comunistas do Tudeh ou pelos mujhadins ou pela CIA e, ainda pior, que as legiões soviéticas estavam esperando do outro lado da fronteira, prontas para marchar novamente sobre o Azerbeijão e sobre Teerã assim que ele estivesse morto.
Só haverá morte e destruição se isto for verdade, ele pensou. Não, isto não vai acontecer, não pode acontecer. Os americanos jamais permitirão que os soviéticos dominem o Irã, não podem deixar que eles assumam o controle de Ormuz — até Carter pode ver isto! Não. Vamos torcer para que só a primeira parte seja verdade — que o imã vá bem depressa para o paraíso.
— Seja como Deus quiser — ele disse, piedosamente, depois fez sinal para os criados saírem e, quando ficaram a sós, dirigiu-se à irmã. — Xarazade, o seu divórcio já está acertado, só faltam algumas formalidades.
— Oh — ela disse, pondo-se em guarda imediatamente, odiando o irmão por perturbar a sua calma, fazendo o seu cérebro fervilhar: eu não quero o divórcio, Meshang poderia facilmente ter-nos dado dinheiro das contas da Suíça e não ter sido tão mau para com o meu Tommy e então nós poderíamos ter partido. Não seja tola, você não poderia partir sem documentos e se exilar, e Tommy abandonou-a, a decisão foi dele. Sim, mas Tommy disse que seria só por um mês, não disse? Ele disse que esperaria um mês. Em um mês muita coisa pode acontecer.
— O seu divórcio não representa nenhum problema, nem o seu novo casamento.
Ela o olhou, sem fala.
— Sim, eu concordei em lhe dar um dote muito maior do que pretendia.
— Ele ia dizer 'para uma mulher divorciada duas vezes e que está carregando o filho de um infiel', mas ela era sua irmã e aquele era um ótimo casamento, então ele não disse nada. — O casamento será na próxima semana e ele a admira há anos, Sua Excelência Farazan.
Por um momento as duas mulheres mal puderam acreditar nos seus ouvidos. Xarazade enrubesceu, ainda mais confusa. Keyvan Farazan vinha de uma rica família de bazaris, tinha 28 anos, era bonito, tinha acabado de voltar da Universidade de Cambridge e os dois tinham sido amigos a vida inteira.
— Mas... eu pensei que Keyvan fosse se casar...
— Não é Keyvan — disse Meshang, irritado com a burrice dela. — Todo mundo sabe que Keyvan está noivo. Daranoush! Sua Excelência Daranoush Farazan.
Xarazade ficou perplexa. Zarah levou um susto e tentou disfarçar. Daranoush era o pai que, recentemente, tinha ficado viúvo da segunda mulher, que morrera de parto como a primeira, um homem muito rico, que tinha o monopólio do recolhimento do lixo de toda a área do bazar.
— Não... não é possível — ela murmurou.
— Oh, sim, é — disse Meshang, todo satisfeito, interpretando mal a surpresa dela. — Eu mesmo não acreditei quando ele propôs a idéia ao saber do seu divórcio. Com toda a sua riqueza e poder, nós dois, juntos, nos tornaremos o conglomerado mais poderoso do bazar, juntos...
Xarazade exclamou:
— Mas ele é horrível, baixo e velho, velho e careca e feio e gosta de garotos e todo mundo sabe que ele é um ped...
— E todo mundo sabe que você é divorciada duas vezes e que está grávida de um estrangeiro — Meshang explodiu — que você comparece a marchas de protesto e é desobediente, que a sua cabeça está cheia de besteiras ocidentais e que você é burra! — Ele derrubou alguns pratos na sua fúria. — Você não compreende o que eu fiz por você? Ele é um dos homens mais ricos do bazar, eu o convenci a aceitá-la e agora você...
— Mas Meshang...