CAPÍTULO 7


Às quatro da manhã, Kelly estava sentada numa cadeira a olhar pela janela, atordoada, a ouvir uma confusão de vozes. Polícia Judiciária... precisamos de falar... Torre Eiffel... mensagem de suicídio... Mark morreu... Mark morreu... Mark morreu... As palavras pulsavam pesadamente, martelando-lhe a cabeça.

Na sua mente, o corpo de Mark caía, caía, caía... Estendeu os braços para o apanhar antes mesmo de ele se esmagar contra o passeio. Morreste por minha culpa? Foi alguma coisa que eu fiz? Ou que não fiz ? Alguma coisa que eu disse? Ou que não disse? Eu estava a dormir quando te foste embora, meu querido, e nem sequer tive a possibilidade de te dizer adeus, de te beijar e de te dizer o quanto te amo. Preciso de ti. Não consigo viver sem ti, pensou Kelly. Ajuda-me Mark, Ajuda-me... como sempre me ajudaste... E deixou-se cair para trás na cadeira, recordando como tudo fora antes dele, naqueles terríveis primeiros anos...

Kelly nascera em Filadélfia, filha ilegítima de Ethel Hackworth, uma criada negra que trabalhava para uma das famílias brancas mais importantes da cidade. O patrão era juiz. Ethel tinha dezassete anos e era belíssima, e Pete, o elegante e louro filho mais velho da família Turner, com vinte e dois anos, sentira-se atraído por ela. Seduziu-a e, no mês seguinte, Ethel soube que estava grávida.

Quando contou a Pete, ele respondeu:

- Mas... mas isso é maravilhoso - e correu para o escritório do pai para lhe dar as más notícias.

Na manhã seguinte, o juiz Turner chamou Ethel ao seu escritório e disse:

- Não admito ter uma puta a trabalhar em minha casa. Estás despedida.

Sem dinheiro nem estudos ou qualificações, Ethel começara a trabalhar como empregada de limpeza numa fabrica, trabalhando longas horas para poder sustentar a filha recém nascida. Ao fim de cinco anos poupara dinheiro suficiente para comprar uma velha casa de madeira que transformou em pensão para homens. Transformou as divisões em sala de estar, casa de jantar, quatro pequenos quartos e uma pequena divisão de apoio onde Kelly dormia.

Desde então, uma série de homens tinha entrado e saído.

- Estes são teus tios - dissera-lhe Ethel. - Não os incomodes.

Kelly estava feliz por ter uma família tão grande, até que um dia chegou à idade de perceber que eles eram todos desconhecidos.

Quando tinha oito anos, estava uma noite a dormir no seu quarto pequeno e escuro quando foi acordada por uma voz gutural que lhe dizia baixinho:

- Chiu! Não faças barulho!

Kelly sentiu a camisa de noite a ser erguida e quando ia protestar um dos "tios" já estava em cima dela e com a mão tapava-lhe a boca. Kelly sentiu-o a forçar-lhe as pernas. Tentou lutar, mas ele mantinha-a presa. Sentiu o membro dele a rasgar-lhe o corpo por dentro e foi invadida por uma dor horrível. Ele não tinha piedade, forçando-se a entrar nela, enterrando-se fundo, cada vez mais fundo e mais fundo, esfregando-lhe a pele até arder. Kelly sentia o calor do seu sangue a escorrer de dentro dela. Gritava silenciosamente, com medo de desmaiar. Estava prisioneira da assustadora escuridão do seu próprio quarto.

Por fim, depois daquilo que lhe pareceu uma eternidade, sentiu-o estremecer e sair de dentro dela.

- Vou deixar-te. Mas, se alguma vez contares alguma coisa sobre isto à tua mãe, eu volto e mato-a - disse ele baixinho e desapareceu.

A semana seguinte foi quase insuportável. Sofria o tempo todo, mas cuidou do seu corpo lacerado o melhor que conseguiu até que, por fim, a dor desapareceu. Queria contar à mãe o que se passara, mas não se atrevia. Se alguma vez contares alguma coisa sobre isto à tua mãe eu volto e mato-a.

O incidente durara unicamente uns poucos minutos, mas esses minutos tinham alterado a vida de Kelly. Deixara de ser a menina que sonhara em ter um marido e filhos para se tornar uma pessoa que se sentia manchada e desgraçada. Decidiu que nunca mais permitiria que um homem lhe tocasse. Algo mudara dentro de Kelly.

Dessa noite em diante, Kelly passou a ter medo do escuro.

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