CAPÍTULO 24


O Mandarin Hotel, uma construção de dois pisos no meio de Chinatown, a três quarteirões da Mott Street, já vira melhores dias,.

Quando Kelly e Diane saíram do táxi, Diane reparou num enorme letreiro do outro lado da rua com a fotografia de Kelly num lindíssimo vestido de noite, a segurar um frasco de perfume. Diane olhou-o, espantada.

- Mas aquela é você!

- Está enganada - respondeu Kelly. - Aquilo é o que eu faço, senhora Stevens. Não é quem em sou. - E virou-se e entrou no átrio do hotel, seguida por uma exasperada Diane.

Atrás do balcão da pequena recepção estava sentado um empregado chinês a ler um exemplar do China Post.

- Queremos um quarto por uma noite - pediu Diane.

O recepcionista olhou para as duas mulheres elegantemente vestidas e quase se ouviu a dizer alto "Como? Aqui?", mas dominou-se e respondeu:

- Com certeza. - E olhou com mais atenção para as roupas de marca delas. - São cem dólares por noite.

- Cem...? - começou a dizer chocada Kelly, mas Diane interrompeu-a.

- Muito bem.

- Adiantados.

Diane abriu a carteira, tirou uma série de notas para fora e deu-as ao recepcionista. Este entregou-lhe uma chave.

- Quarto número dez, ao fundo do corredor, do lado esquerdo.

Têm bagagem?

- Vai chegar mais tarde - respondeu Diane.

- Se precisarem de alguma coisa é só chamarem por Ling.

- Líng? - perguntou Kelly.

- Sim, é a vossa criada de quartos.

- Ah, claro! - retorquiu, céptica, Kelly.

As duas mulheres começaram a andar pelo corredor mal iluminado.

Você pagou muito caro - disse Kelly.

Quanto vale para si um tecto seguro sobre a sua cabeça?

- Não estou lá muito convencida que este hotel tenha sido uma boa escolha - comentou Kelly.

Vai ter que servir até encontrarmos algo melhor. Mas não se preocupe. O senhor Kingsley vai cuidar de nós.

Quando chegaram ao número dez, Diane abriu a porta e entraram. O pequeno quarto cheirava e aparentava estar desocupado há muito tempo. Tinha duas camas grandes com colchas amarrotadas e duas velhas cadeiras junto de uma secretária estragada.

Kelly olhou em volta.

- Pode ser pequeno, mas é horroroso. Aposto que nunca foi limpo. - Pegou numa almofada e ficou a ver o pó a subir no ar. - Gostava de saber quando foi a última vez que a Ling passou por aqui.

- É só por hoje - assegurou-lhe Diane. - Vou então ligar ao senhor Kingsley.

Kelly ficou a olhar enquanto Diane se dirigia ao telefone e marcava o número do cartão que Tanner Kingsley lhe dera. A chamada foi imediatamente atendida.

- Fala Tanner Kingsley.

Diane suspirou de alívio.

- Senhor Kingsley, fala Diane Stevens. Peço desculpa por o estar a incomodar, mas eu e a senhora Harris precisamos da sua ajuda. Há alguém que nos quer matar e nós não fazemos a mínima idéia do que se está a passar. Estamos as duas escondidas.

- Ainda bem que ligou, senhora Stevens. Podem ficar descansadas. Acabámos de descobrir o que está por detrás de tudo isto. Não vão ter mais problemas. Posso garantir-lhe que, de agora em diante, a senhora e a senhora Harris estarão em perfeita segurança.

Diane fechou os olhos por instantes. Graças a Deus.

- Pode dizer-me quem...?

- Explico-lhe tudo quando nos encontrarmos. Agora fiquem onde estão. Vou mandar alguém para vos apanhar, dentro de trinta minutos.

- Isso é... - E a chamada foi desligada. Diane pousou o telefone e virou-se para Kelly a sorrir:

- Boas notícias! Os nossos problemas estão resolvidos.

- O que foi que ele disse?

- Disse que sabe quem está por detrás de tudo isto e que de agora em diante estamos em segurança.

Kelly suspirou.

- Excelente. Agora posso voltar para Paris e recomeçar a minha vida.

- Disse que ia mandar alguém para nos vir buscar dentro de meia hora.

Kelly olhou em redor do sujo quarto.

- Vou ter dificuldade em abandonar tudo isto.

- Vai ser estranho - comentou Diane tristemente virando-se para ela.

- O quê?

-Voltar para uma vida sem Richard. Não consigo imaginar como é que vou ser capaz de...

- Então não o faça - interrompeu bruscamente Kelly. - Minha senhora, não vamos entrar por esse caminho, senão eu não me vou agüentar. Não quero pensar nisso. Mark era toda a minha razão de viver, a minha única razão...

Diane olhou para o rosto inexpressivo de Kelly e pensou: Ela é como uma bela obra de arte sem vida - bela e fria.

Kelly sentou-se numa das camas de costas para Diane. Fechou os olhos bloqueando a dor que sentia no peito e lentamente... lentamente... lentamente...

Caminhava ao longo da margem esquerda com Mark, conversando sobre tudo e sobre nada, e Kelly pensou que nunca se sentira tão bem e tão à vontade com alguém na sua vida.

Dissera a Mark:

- Amanhã à noite vai haver uma inauguração de uma galeria, se estiveres interessado...

- Oh! Lamento, Kelly. Mas amanhã à noite tenho que fazer.

- Tens outro encontro? - perguntara com uma ponta de ciúme, enquanto tentava manter o tom de voz ligeiro.

- Não, não. Vou sozinho. É um banquete. - E viu a cara de Kelly. - É... é um jantar de cientistas. Tu ias-te aborrecer.

- Achas que sim?

- Tenho a certeza. Dizem-se muitas palavras que provavelmente nunca ouviste falar e...

- Acho que já ouvi falar sobre tudo - respondera, picada. - Porque não me experimentas?

- Sabes, não acho que seja boa idéia.

- Diz. Já sou crescidinha.

Ele suspirou.

- Está bem: anatripsologia... malacostracologia... aneroidógrafo...

- Oh! - exclamou Kelly. - Esse tipo de palavras.

- Eu sabia que isto não te ia interessar.

- Pois estás enganado. Isso interessa-me. - Porque te interessa a ti.

O banquete teve lugar no Hotel Prince de Galles e foi um acontecimento importante. Estavam cerca de três centenas de pessoas no salão de baile, entre elas os mais importantes dignitários de França. Um dos convidados na mesa da frente onde Kelly e Mark se sentavam era um homem muito atraente, com uma personalidade calorosa e muito agradável.

- O meu nome é Sam Meadows - disse a Kelly. - E já ouvi falar muito de si.

- E eu de si - respondeu ela. - Mark diz que o senhor é o seu mentor e o seu melhor amigo.

Sam Meadows sorriu.

- Sinto-me muito honrado por ser amigo dele. Mark é uma pessoa muito especial. Trabalhámos juntos durante muito tempo.

Ele é a pessoa mais dedicada...

Mark ouvia, embaraçado.

- Alguém quer vinho? - perguntou, interrompendo.

O mestre de cerimónias apareceu no palco e os discursos começaram. Mark tinha toda a razão quando dissera que a noite não ia ter qualquer interesse para Kelly. Estavam a ser concedidos prémios científicos e técnicos e, no que lhe dizia respeito, os oradores podiam estar a falar chinês. Mas observava o entusiasmo espelhado no rosto do Mark e sentia-se feliz por estar ali.

Quando os pratos do jantar foram retirados, o presidente da Academia Francesa das Ciências subiu ao palco. Começou por elogiar as realizações que a França conseguira obter no ano anterior e foi só quando ele ergueu uma estatueta dourada e chamou pelo nome de Mark Harris que Kelly percebeu que ele era a estrela da noite.


O chinês olhou para cima quando Flint entrou no átrio do Mandarin Hotel.

- Em que posso ser útil? - Vira o sorriso de Flint e devolvia-o.

- A minha mulher e uma amiga acabaram de se instalar aqui. A minha mulher é loura e a amiga é uma miúda negra muito gira. Em que quarto estão?


Modestamente, não lhe contara nada. Era por isso que ele não queria que eu viesse. Kelly ficou a ver Mark a subir ao palco e a audiência a aplaudir calorosamente.

- Ele não me tinha falado sobre nada disto - disse Kelly a Sam Meadows.

Este sorriu.

- Típico de Mark. - E estudou Kelly por instantes. - Sabe que ele está perfeitamente apaixonado por si. Quer casar consigo. Fez uma pausa e disse com ar sério. - Espero que ele não se magoe.

Ao ouvir estas palavras, Kelly sentiu a culpa invadi-la. Mas eu não posso casar com Mark. Ele é um bom amigo, mas eu não estou apaixonada por ele. O que foi que eu fiz ? Não o quero magoar. O melhor é parar de o ver. Eu nunca serei capaz de dar a um homem aquilo que ele espera receber de uma mulher. Como é que eu vou conseguir...


- Ouviu alguma coisa do que eu disse? O tom zangado na voz de Diane acordou Kelly do seu sonho. O belo salão de baile desapareceu e estava de novo num sujo quarto de hotel com uma mulher que só desejava nunca ter encontrado.

- O quê?

- Tanner Kingsley disse que dentro de meia hora vinha alguém para nos buscar - dizia Diane, ansiosa.

- Você disse-me isso. E depois?

- É que ele nem sequer me perguntou onde é que nós estávamos.

- Provavelmente pensa que estamos no seu apartamento.

- Não. Eu disse-lhe que andávamos as duas escondidas.

Fez-se uns segundos de silêncio e os lábios de Kelly formaram um silencioso "Oh".

Ambas se viraram para olhar para o relógio em cima da mesa de cabeceira.


- No quarto número dez, mas infelizmente não o posso deixar entrar. Vai ter que telefo...

Flint ergueu uma pistola Rugerde calibre 45 equipada com silenciador e meteu uma bala na testa do recepcionista. Empurrou o corpo para trás do balcão e começou a caminhar pelo corredor, a arma a seu lado. Assim que chegou ao quarto número dez, recuou, deu dois passos, meteu os ombros à porta e entrou no quarto.

Estava vazio, mas através da porta fechada da casa de banho ouvia o som de água de um chuveiro a correr. Dirigiu-se à porta da casa de banho e escancarou-a. A torneira do chuveiro estava toda aberta e as cortinas corridas ondulavam suavemente. Flint disparou vários tiros para as cortinas, aguardou uns momentos e em seguida abriu-as.

Não estava lá ninguém.

Num restaurante do outro lado da rua, Diane e Kelly tinham visto a carrinha SUV de Flint a chegar e depois ele a entrar no hotel.

- Meu Deus - exclamou Kelly. - Aquele foi o homem que me tentou raptar.

Aguardaram. Quando Flint surgiu um pouco depois, os seus lábios continuavam a sorrir, mas o seu rosto era uma máscara de fúria. Kelly virou-se para Diane.

- Lá vai o Godzila. E agora, que falso movimento vamos fazer a seguir?

- Temos de sair daqui.

- E vamos para onde? Eles vão estar a vigiar os aeroportos, as estações de comboio, as estações dos autocarros...

Diane ficou pensativa.

- Eu conheço um lugar onde eles não nos vão poder tocar.

- Deixe-me imaginar. A nave espacial que a trouxe cá para a Terra.


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