CAPÍTULO 32
O serviço tinha lugar no Parque KIG, uma zona que fora especialmente arranjada nas traseiras do complexo do Kingsley Internacional Group para servir de lugar de recreio para os empregados. Cerca de uma centena de pessoas estavam reunidas no parque, ao qual se acedia apenas por dois caminhos com portões, um para entrada e outro para saída.
No centro, fora erguido um estrado onde se sentavam meia dúzia de executivos do KIG. Numa ponta da fila estava sentada a secretária de Richard Stevens, Betty Barker. Era uma mulher atraente de aspecto aristocrático, nos trinta anos. Tanner falava ao microfone:
- ...e esta empresa foi construída com a dedicação e a lealdade dos seus empregados. Estamos gratos a todos eles e saudamo-los. Sempre gostei de considerar a nossa empresa como uma família, em que todos trabalham para um objectivo comum.
Enquanto falava, ia observando as pessoas ali reunidas. - No KIG, temos resolvido problemas e executado idéias que tornam o mundo um lugar melhor e não existe maior satisfação do que...
Ao fundo do parque, viu Diane e Kelly, que tinham acabado de entrar. Tanner deitou uma olhadela ao relógio. Eram onze e quarenta. No seu rosto apareceu um sorriso de satisfação. Continuou a falar:
- ... saber que o sucesso desta empresa a todos vós se deve.
Diane olhou para a plataforma e, excitada, deu uma cotovelada a Kelly:
- Está ali Betty Barker. Tenho que falar com ela.
- Tenha cuidado.
Diane olhou em volta e disse, pouco à vontade:
- Isto é demasiado fácil. Tenho a sensação de que fomos... - Virou-se para olhar para trás e arquejou. Num dos portões via-se Harry Flint com dois dos seus homens. Olhou para o outro portão. Estava bloqueado por Carballo com mais dois homens.
- Olhe! - Diane sentiu a garganta a ficar seca.
Kelly virou-se para ver seis homens a bloquearem as saídas.
- Há mais alguma maneira de sair daqui?
- Acho que não.
Tanner dizia:
- ... infelizmente, desgraças recentes têm atingido vários membros da nossa família. E quando uma tragédia se abate sobre alguém da família, isso afecta-nos a todos. Por isso, o KIG oferece uma recompensa de cinco milhões de dólares a quem possa provar quem se encontra por detrás de tudo isto.
- Cinco milhões de dólares que saem de um dos teus bolsos para entrarem no outro - disse Kelly baixinho.
Tanner olhava por cima da multidão para Diane e para Kelly e os seus olhos estavam gelados.
- Temos hoje entre nós dois membros enlutados, as esposas de Mark Harris e Richard Stevens. Vou-lhes pedir que façam o favor de vir até aqui ao pódio.
- Nós não podemos permitir que ele nos faça ir até ali - disse Kelly horrorizada. - Temos de nos manter no meio desta gente. E agora, o que é que fazemos?
Diane olhou para Kelly, espantada.
- O que é que quer dizer com isso? A Kelly é que ficou encarregada de nos tirar daqui, lembra-se? Ponha o seu plano a funcionar.
- Não resultou - respondeu Kelly engolindo em seco.
- Então passe para o plano B - pediu nervosamente Diane.
- Diane...
- Sim?
- Não há um plano B.
Os olhos de Diane abriram-se.
- Quer dizer que... que nos trouxe até aqui sem ter maneira de nos fazer sair?
- Eu pensei...
A voz de Tanner soava no altifalante.
- As senhoras Stevens e Harris importam-se de vir até aqui, por favor?
Kelly virou-se para Diane.
- Eu... eu peço muita desculpa.
- A culpa é toda minha. Nunca devíamos ter vindo.
As pessoas na multidão começavam a vírar-se para olhar para elas. EWstavam encurraladas.
- Senhoras Stevens e Harris...
Kelly murmurou: - O que é que vamos fazer?
Diane respondeu:
- Não temos alternativa. Temos de ir. - Respirou fundo. - Vamos.
Relutantes, as duas mulheres começaram a caminhar devagar em direcção ao pódio.
Diane olhava para cima para Betty Baker, cujos olhos estavam pregados nela, um ar de pânico espelhado no rosto.
Diane e Kelly aproximaram-se, os corações a bater desordenados. Diane pensava: Meu querido Richard, eu tentei. Seja o que for que acontecer, quero que saibas...
Ouviu-se o som de alguma agitação vinda da zona traseira do parque. As pessoas esticavam o pescoço para verem melhor.
Ben Roberts fazia a sua entrada, acompanhado por uma enorme equipa de operadores de câmara e de assistentes.
As duas voltaram-se para olhar. Kelly agarrou o braço de Diane, exultante:
- O plano A chegou! Ben está aqui!
E Diane olhou para cima e disse baixinho:
- Obrigada, Richard.
- O quê? - perguntou Kelly, mas de repente percebeu o que Diane queria dizer. E comentou cinicamente: - Está bem. Vamos. Ben está à nossa espera.
Tanner observava o que se estava a passar, o rosto tenso. E disse alto:
- Desculpe, lamento muito, senhor Roberts, mas esta é uma cerimônia privada. Vejo-me obrigado a pedir-lhe a si e à sua equipa que saiam.
Roberts respondeu-lhe:
- Bom dia, senhor Kingsley. O meu programa está a fazer um segmento sobre as senhoras Harris e Stevens no estúdio, mas, já que estamos aqui, pensei que gostaria de mostrássemos o seu serviço de homenagem.
Tanner abanou a cabeça. - Não. Não posso permitir que permaneçam.
- Tanto pior. Então, sendo assim, vejo-me obrigado a levar as senhoras Harris e Stevens comigo de volta ao estúdio, neste momento.
- Não pode - disse Tanner rispidamente.
- Desculpe, eu não posso o quê? - disse Ben, olhando para cima.
- Eu... o que eu quero dizer é que... Não interessa. - Tanner tremia de fúria.
As duas mulheres aproximaram-se de Ben. Este disse baixinho:
- Desculpem o atraso. Mas é que chegou uma notícia sobre um assassinato e...
- Quase vos chegou outra notícia sobre mais dois - retorquiu Kelly. - Vamos mas é sair daqui para fora.
Tanner olhava frustrado enquanto Kelly, Diane, Ben Roberts e toda a sua equipa afastavam os homens de Tanner e saíam do parque.
Harry Flint olhou para Tanner em busca de instruções. Enquanto este abanava a cabeça devagar numa negativa, ia pensando: Não pensem que isto fica assim, suas cabras.
Diane e Kelly entraram no carro de Ben. Os outros membros da equipa seguiam atrás em duas carrinhas. Roberts olhou para Kelly. - Já me podes explicar o que se estava a passar ali?
- Quem me dera, Ben. Mas ainda não te posso dizer nada. Assim que souber realmente o que se passa, prometo que te explico tudo.
- Kelly, tu sabes que eu sou um repórter. Preciso de saber...
- Tu hoje vieste como amigo.
Roberts suspirou.
- Está bem. Onde queres que vos deixe?
- Importas-te de nos deixar na esquina da Forty-second Street com a Times Square? - perguntou Diane.
- Com certeza.
Vinte minutos mais tarde, Kelly e Diane apeavam-se. Kelly beijou Ben Roberts na face.
- Muito obrigada, Ben. Não me esquecerei do que fizeste. Depois falamos.
- Tem cuidado.
Enquanto se afastavam, viraram-se para dizer adeus.
- Sinto-me nua - disse Kelly.
- Porquê?
- Diane, nós não temos uma arma, nada. Quem me dera que tivéssemos uma arma.
- Mas temos os nossos cérebros.
- Eu gostava de ter uma arma. Porque é que viemos para aqui? O que vamos fazer agora?
- Vamos parar de fugir. De agora em diante, passamos à ofensiva.
- E o que significa isso? - perguntou Kelly, curiosa.
- Significa que estou farta de ser o alvo a atingir. Agora somos nós que vamos atrás deles, Kelly.
Kelly estacou e olhou para Diane.
- Nós vamos atrás do KIG?
- Exactamente.
- Deve ter andado a ler demasiados livros policiais. E como é que acha que nós as duas vamos ser capazes de deitar abaixo o maior think tank do mundo?
- Vamos começar por arranjar os nomes de todos os funcionários deles que morreram nas últimas semanas.
- O que a leva a pensar que morreu mais gente além de Mark e Richard?
- Porque os jornais diziam todos os funcionários, o que significa que foram mais do que dois.
- Oh! E quem é que nos vai dar esses nomes?
- Já lhe digo - respondeu Diane.
O Easy Access Ciber Café era uma sala enorme com mais de uma dúzia de filas de computadores, quase todos eles ocupados. Fazia parte de uma cadeia que começava a aparecer por todo o mundo.
Quando entraram, Diane dirigiu-se à máquina que vendia cartões para comprar uma hora de acesso à Internet. Quando voltou para junto de Kelly, esta perguntou-lhe: - Por onde começamos?
- Vamos perguntar ao computador.
Encontraram um cubículo vazio e sentaram-se. Kelly observou enquanto Diane se ligava.
E agora o que acontece?
Primeiro fazemos uma pesquisa no Google para descobrirmos os nomes das outras vítimas que trabalhavam para o KIG.
Diane surfou na net entrando no site www.google.com e teclou os critérios de pesquisa: "necrologia" e "KIG".
No ecrã apareceu uma longa lista de sites possíveis. Diane procurou especificamente os de jornais que estavam disponíveis online e encontrou vários. Clicou nesses links que a levaram a uma série de registos de óbitos e outros artigos. Um dos artigos levou-a até ao KIG de Berlim, e ela entrou no web site.
- Isto é interessante... Franz Verbrugge.
- Quem é esse?
- A questão é: onde é que ele está! Parece que desapareceu. Trabalhava para o KIG de Berlim e a mulher, Sonja, morreu em condições misteriosas.
Diane clicou noutro link. Hesitou e olhou para Kelly.
- Em França... Mark Harris.
Kelly respirou fundo e disse que sim com a cabeça.
- Continue.
Diane teclou mais umas palavras.
- Denver, Gary Reynolds, e em Manhattan - a voz fraquejou, - Richard.
Levantou-se.
- E é tudo.
- E agora? - perguntou Kelly.
- Agora tentamos descobrir qual a ligação que existe entre tudo isto. Vamos embora.
A meio do quarteirão, Kelly e Diane passaram por uma loja que vendia computadores.
- É só um minuto - pediu Kelly.
Diane seguiu-a enquanto ela entrava na loja e abordava o gerente.
- Desculpe. O meu nome é Kelly Harris. Sou assistente do senhor Tanner Kingsley. Precisamos de três dúzias dos melhores e mais caros computadores que tiver, para esta tarde. Acha que é possível?
O gerente entusiasmou-se.
- Claro que sim. Com certeza, senhora Harris. Para o senhor Kingsley, tudo o que quiser. É claro que não temos o material todo aqui, mas temos nos nossos armazéns. Eu próprio me encarrego do caso. Vai ser pago em dinheiro ou para facturar?
- Será pago em dinheiro, no acto de entrega - respondeu Kelly Enquanto o gerente se apressava a tratar do caso, Diane comentou: - Gostaria de ter pensado isso.
E Kelly fez um enorme sorriso.
- Vai pensar.
- Pensei que gostaria de ver estes, senhor Kingsley.
Kathy Ordonez deu-lhe uma série de jornais. Os cabeçalhos eram elucidativos:
"AUSTRÁLIA SOB INESPERADO TORNADO"
O primeiro tornado que alguma vez atingiu a Austrália já destruiu meia dúzia de aldeias. O número de mortos é por enquanto desconhecido. Os meteorologistas dizem-se desconcertados com estes novos padrões do clima. Culpa atribuída à camada de ozono.
- Envie tudo à senadora van Luven acompanhados de uma nota:
"Cara senadora van Luven, penso que o tempo urge. Melhores cumprimentos, Tanner Kingsley."
- Com certeza, senhor.
Tanner olhou para o computador quando ouviu o som que o avisava de que tinha recebido um alerta da divisão de segurança do Departamento de Informação e Tecnologia.
Conseguira instalar "spiders", software de alta. tecnologia que constantemente pesquisava a internet em busca de informações. Inicialmente, colocara-as para ser alertado quando alguém entrava em busca de informações delicadas sobre as mortes de Richard Stevens e de Mark Harris, e agora olhava interessado para o computador que lhe enviava os alertas.
Premiu um intercomunicador e chamou:
- Andrew, anda cá.
Andrew estava no seu gabinete a pensar no acidente que sofrera e a lembrar-se. Estava no vestiário onde fora buscar o fato espacial que o exército tinha mandado. Começara a tirar um do cabide, mas Tanner estava lá e fora ele quem lhe dera um fato e uma máscara de gás. Veste este. Vai-te dar sorte! Tanner era...
- Andrew, anda cá!
Andrew ouviu a ordem, levantou-se e dirigiu-se devagar ao gabinete de Tanner.
- Senta-te.
- Sim, Tanner. - E sentou-se.
- As cabras acabaram de entrar do nosso site de Berlim. Sabes o que isso significa?
- Sim... eu... Não.
A secretária de Tanner fez-se ouvir pelo intercomunicador:, - Senhor Kingsley, os computadores chegaram.
- Quais computadores?
- Aqueles que encomendou.
Intrigado, Tanner levantou-se e dirigiu-se à recepção. Três dúzias de computadores empilhavam-se em cima de carrinhos. O gerente da loja e três homens em fato macaco estavam junto deles.
O rosto do gerente iluminou-se quando viu Tanner a aproximar-se.
- Trouxe tudo aquilo que pediu, senhor Kingsley. Tudo topo de gama. E teremos todo o gosto em lhe arranjar aquilo que...
Tanner olhava fixamente para a pilha de computadores.
- Quem foi que encomendou tudo isto?
- A sua assistente, Kelly Harris. Disse que o senhor precisava deles com urgência, por isso...
- Leve-os de volta - respondeu baixinho Tanner. - Ela não vai precisar deles, no sítio para onde vai.
E virou-se e regressou ao gabinete.
- Andrew, tens alguma idéia da razão por que elas acederam ao nosso site? Bom, então eu vou-te explicar. Estão a fazer uma busca sobre as vítimas e vão procurar saber quais as razões que se encontram por detrás das suas mortes. - E Tanner sentou-se. - Para o fazerem, teriam de ir à Europa. Só que não vão conseguir lá chegar...
- Pois não... - respondeu Andrew, sonolento.
- E como é que nós as vamos impedir, Andrew?
Andrew acenou com a cabeça: - Impedir...
Tanner olhou para o irmão e disse, desdenhoso: - Como gostava de ter alguém com um cérebro para poder falar. - Os olhos de Andrew observavam tudo enquanto Tanner se dirigia a um computador e se sentava na frente do teclado.
- Vamos começar por limpar todos os bens delas. Temos os números da Segurança Social. - Batia as teclas enquanto falava. Diane Stevens... - ia dizendo enquanto usava o software clandestino que o KIG instalara quando tinham sido contratados para fazer com que os sistemas do Experian fossem compatíveis com o Y2K. Este software clandestino permitia a Tanner ter acesso a coisas que nem os principais directores do Experian conseguiam ter.
- Olha. O Experian tem toda a informação bancária dela, um fundo de pensões do IRA, a linha de crédito no banco. Estás a ver?
- Sim, Tanner - respondeu Andrew engolindo em seco. - Sim.
Tanner voltou a olhar para o computador.
- Vamos dar os cartões de crédito dela como roubados... Agora vamos fazer a mesma coisa com os de Kelly Harris... O nosso próximo passo é entrar no site do banco de Diane.
Acedeu ao site e em seguida clicou num link que dizia "Gerir as suas Contas".
Em seguida, Tanner digitou o número de conta de Diane Stevens e os quatro últimos números da Segurança Social e o acesso foi-lhe concedido imediatamente. Uma vez lá dentro, transferiu todos os saldos para a linha de crédito e depois voltou à base de crédito do Experian e cancelou-lhe a linha de crédito sob "Em Cobrança".
- Andrew...
- Sim, Tanner.
- Percebeste o que eu fiz? Transferi todo o dinheiro de Diane Stevens para o campo das dívidas a serem cobradas pelo departamento de cobranças. - A voz dele soava satisfeita. - Agora vou fazer a mesma coisa com Kelly Harris.
Quando terminou, levantou-se e chegou junto de Andrew.
- Está feito. Agora não têm dinheiro nem crédito. Não têm maneira de sair do país. Conseguimos encurralá-las. O que pensas tu do teu irmão mais novo?
Andrew abanou a cabeça: - Ontem à noite na televisão, vi um filme sobre...
Furioso, Tanner cerrou a mão e esmurrou o irmão na cara, de tal maneira que ele caiu da cadeira e esta bateu contra uma parede, fazendo enorme estardalhaço.
- Seu grande filho da mãe! Presta atenção ao que eu digo quando estou a falar contigo!
A porta abriu-se de repente e Kathy Ordonez, a secretária de Tanner, entrou, ansiosa:
- Está tudo bem, senhor Kingsley?
- Sim, está tudo bem. Foi o pobre Andrew que caiu.
- Oh, meu Deus!
Os dois ergueram Andrew e puseram-no de pé.
- Eu caí?
- Sim, Andrew. Tu caíste, mas agora está tudo bem - respondeu Tanner, todo suavidade.
Kathy Ordonez sussurrou:
- Senhor Kingsley, não acha que o seu irmão estaria melhor num lar?
- É claro que estaria - respondeu. - Mas isso seria um enorme desgosto para ele. Esta é a sua casa e eu posso muito bem tomar conta dele aqui.
Kathy Ordonez olhou com admiração para Tanner.
- O senhor é um homem maravilhoso, senhor Kingsley.
Ele encolheu os ombros.
- Todos temos de fazer o que melhor que podemos.
Dez minutos mais tarde a secretária de Tanner estava de volta.
- Boas notícias, senhor Tanner. Chegou agora mesmo este fax do gabinete da senadora van Luven.
- Mostre cá. - Tanner arrancou-lho da mão.
Caro senhor Kingsley, Serve a presente para o informar de que a Comissão Especial do Senado para o Ambiente decidiu atribuir fundos para aumentar imediatamente a investigação sobre o aquecimento global e as formas de o combater. Melhores cumprimentos, senadora van Luven.