CAPÍTULO 25


O letreiro de néon em frente do edifício dizia WILTON HOTEL PARA MULHERES.

No átrio, Kelly e Diane faziam o seu registo sob nomes falsos. A mulher atrás do balcão deu uma chave a Kelly:

- Suite número quatro dois quatro. Têm bagagem?

- Não, nós...

- Perdeu-se - interrompeu Diane. - Chega cá amanhã de manhã. Entretanto, os nossos maridos vêm buscar-nos daqui a pouco.

Importa-se de lhes indicar o nosso quarto e...

A empregada abanou a cabeça.

- Lamento muito, mas não são permitidos homens lá em cima.

- Ah! - E Diane lançou a Kelly um sorriso de satisfação.

- Se quiserem encontrar-se com eles cá em baixo...

- Não tem importância. Eles terão que se agüentar sem nós.

A suite 424 estava muito bem decorada, com uma sala com um sofá, cadeiras, mesas e um armário, e o quarto tinha duas camas duplas de aspecto bem confortável.

Diane olhou em redor.

- Isto é agradável, não é?

- O que é que nós andamos a fazer? A tentar entrar para o livro de recordes do Guiness? - respondeu Kelly asperamente. - Um hotel diferente a cada meia hora?

- Tem um plano melhor?

- Isto não é nenhum plano - troçou Kelly. - Isto é mais um jogo do gato e do rato, e nós é que somos o rato.

- Se pensarmos muito no assunto, a verdade é que os homens do maior think tank do mundo andam atrás de nós para ver se nos matam - comentou Diane.

- Então talvez seja melhor não pensar no assunto.

- Isso é mais fácil de dizer do que de fazer. Há suficientes cabeças de ovo no KIG para fazer uma omeleta maior do que o estado do Kansas.

- Bom, então só nos resta sermos mais espertas do que eles.

- Pois, mas vamos precisar de uma arma qualquer - comentou Diane de sobrolho franzido. - Sabe usar uma arma?

- Eu não.

Maldição. Eu também não.

Não interessa. De qualquer das maneiras não temos nenhuma.

- E karaté?

Também não, mas fiz parte da equipa de debate na faculdade - respondeu secamente Diane. - Talvez os consiga convencer a desistirem de nos matar.

- Pois.

Diane foi até à janela e olhou lá para fora, para o trânsito na Thirty-fourth Street. De repente, os olhos abriram-se-lhe de espanto e arquejou:

- Oh!

Kelly correu para junto dela. - O que foi? O que é que viu?

Diane sentia a garganta seca.

- Um... um homem que passou. Era exactamente igual a Richard. Por instantes... pensei... - E afastou-se da janela.

Kelly comentou, desdenhosa:

- Por acaso não quer que eu mande chamar os caça-fantasmas, pois não?

Diane ia começar a responder-lhe, mas depois pensou: Para quê? Em breve estarei fora daqui.

Kelly olhou para Diane e pensou: Por que raio é que não te calas e vais pintar para outro lado?

Flint falava no seu celular com um furioso Tanner !

- Lamento muito, senhor Kingsley, mas elas não estavam no quarto do Mandarin. Desapareceram. Deviam saber que eu ia aparecer.

Tanner estava apopléctico.

- Essas duas cabras querem jogar joguinhos comigo? Comigo? - Eu já te telefono. - E desligou furiosamente o telefone.

Andrew estava deitado no sofá do seu gabinete e divagava relembrando o enorme espectáculo na sala de concertos em Estocolmo. A audiência rejubilava, entusiástica, gritando "Andrew! Andrew!" O salão ecoava com o som do seu nome.

Ouvia a audiência a aplaudir enquanto ele se dirigia ao palco para receber o prémio das mãos do rei Carl XVI Gustav da Suécia No momento em que estendia a mão para receber o Prémio Nobel alguém começara a insultá-lo:

- Andrew, meu filho da mãe, anda cá.

O salão de Estocolmo desapareceu e Andrew estava de volta ao seu gabinete. Tanner chamava por ele.

Ele precisa de mim, pensou, feliz, Andrew. Ergueu-se devagarinho e dirigiu-se ao gabinete do irmão.

- Cá estou eu - disse Andrew.

- Estou a ver - rosnou Tanner. - Senta-te.

Andrew sentou-se.

- Tenho uma série de coisas para te ensinar, irmão mais velho.

Dividir para conquistar. - Havia um toque de arrogância na sua voz. - Tenho Diane Stevens a pensar que a Máfia lhe matou o marido. E Kelly Harris preocupada com uma Olga que não existe, percebeste?

Andrew respondeu vagamente:

- Sim, Tanner.

Tanner deu umas palmadinhas nas costas do irmão.

- Tu és, realmente, o perfeito eco para mim. Há uma série de coisas que quero discutir, mas não posso falar delas com mais ninguém. Mas também não te posso dizer nada, pois és demasiado estúpido para as perceberes - e olhou para os olhos vazios de Andrew.

- Quem não vê, não ouve, não fala. - De repente, Tanner passava a ser todo homem de negócios. - Tenho um problema que preciso resolver. Desapareceram duas mulheres. Sabem que andamos atrás delas para as matar e estão a tentar manter-se escondidas. Onde achas que elas se vão esconder, Andrew?

Andrew olhou por momentos para o irmão e em seguida respondeu:

- Eu... eu não faço idéia.

- Há duas maneiras de as procurar. Primeiro, empregamos o método cartesiano, a lógica, construindo a nossa solução um passo de cada vez. Vamos raciocinar.

Andrew olhava para ele e disse com ar vazio: - Como quiseres...

Tanner começou a andar de um lado para o outro.

- Não vão voltar para o apartamento da Stevens, porque é muito perigoso. Nós temo-lo sob observação. Sabemos que Kelly Harris não tem amigos chegados aqui nos Estados Unidos, porque vive há muitos anos em Paris e não ia confiar em ninguém aqui. - Olhou para o irmão. - Estás a seguir o meu raciocínio?

- Sim... Tanner - respondeu Andrew a pestanejar.

- Bom, vamos a saber. Diane Stevens, será ela capaz de se aproximar dos amigos em busca de ajuda? Não me parece. Podia pô-los em perigo. Outra possibilidade seria irem à polícia com a história delas, mas sabem que ninguém ia ligar. Portanto, qual será o próximo passo? - Tanner fechou por momentos os olhos e em seguida continuou. - Obviamente que pensaram nos aeroportos e nas estações de autocarros, mas com certeza que lhes ocorreu que os temos sob vigilância. Por isso, onde é que nós estamos?

- Eu... eu... é o que tu quiseres, Tanner.

- Isso deixa-nos com um hotel, Andrew. Elas precisam de um hotel para se esconderem. Mas que tipo de hotel? Temos aqui duas mulheres aterrorizadas em fuga, pois sabem que correm perigo de vida. Percebes? Seja qual for a escolha, vão sempre pensar que podemos ter ligações e que estarão expostas. Não se vão sentir confiantes.

Lembras-te de Sonja Verbrugge, em Berlim? Nós conseguimos enganá-la com aquela história da mensagem no computador. Foi para o Artemisia Hotel porque, como era um hotel unicamente para mulheres, achou que ia estar em segurança. Bom. Eu acho que as senhoras Stevens e Harris sentirão exactamente o mesmo. Portanto, onde ficamos?

Virou-se mais uma vez para olhar para o irmão. Os olhos de Andrew estavam fechados. Dormia. Furioso, Tanner dirigiu-se a ele e bateu-lhe com toda a força na cara. Andrew acordou, sobressaltado.

- O que...

- Presta atenção quando estou a falar contigo, seu cretino.

- Desculpa... desculpa Tanner. Eu só estava...

Tanner virou-se para o computador.

- Ora bem. Vamos lá a ver quais são os hotéis para mulheres que existem em Manhattan.

Tanner fez uma rápida pesquisa na Internet e imprimiu os resultados. Leu alto os nomes: O El Carmelo Residence na West Fourtheenth Street... o Centro Maria Residence na West Fifty-fourth Street, o Parkside Evangeline na Gramercy South e o Wilton Hotel Para Mulheres. - Olhou para cima e sorriu. - É aqui que a lógica cartesiana nos conduz, Andrew. Agora vamos a ver onde nos leva a tecnologia.

E Tanner dirigiu-se à paisagem pintada na parede, procurou por trás dela e premiu um botão oculto. Uma parte da parede deslizou revelando um ecrã com um mapa informatizado de Manhattan.

- Andrew, lembras-te do que isto é? Tu costumavas operar este equipamento. A verdade é que eras bom nisto e eu sentia enormes ciúmes de ti. É um GPS. Com isto, podemos localizar seja quem for pelo mundo. Lembras-te?

Andrew acenou, lutando para se manter acordado.

- Quando as senhoras saíram do meu gabinete dei a cada uma delas um cartão meu. Ambos têm gravado um chip do tamanho de um grão de areia. O sinal por eles emitido é captado por um satélite e o GPS é activado e dá-nos a exacta localização. - Virou-se para o irmão. - Estás a perceber?

- Sim... sim... Tanner. -Andrew engoliu em seco.

Tanner virou-se outra vez para o ecrã e premiu um segundo botão. Pequenas luzes surgiram a brilhar no mapa e começaram a descer. Avançaram mais devagar numa pequena zona e em seguida fluíram de novo para cima. Um traço iluminado a luz vermelha ondulou através de uma rua, deslocando-se tão devagar que os nomes das lojas eram visíveis.

Tanner apontou.

- Esta aqui é a West Fourteenth Street. - A luz vermelha continuou a deslocar-se. - Aqui temos o restaurante Tequila... Uma farmácia... O Saint Vincent Hospital... A Banana Republic... A igreja de Nossa Senhora de Guadalupe... E a luz parou.

Uma nota de vitória notou-se na voz de Tanner.

- E aqui está o Wilton Hotel Para Mulheres. Isto acaba de confirmar a minha lógica. Eu tinha razão, estás a ver?

Andrew passou a língua pelos lábios.

- Pois. Tu tinhas razão...

- Agora, já te podes ir embora - disse Tanner olhando Andrew, e, pegando no telefone, marcou um número.

- Senhor Flint, elas estão no Wilton Hotel Para Mulheres, Thirty-fourth Street. - E desligou.

Olhou para cima e viu o irmão de pé junto da porta.

- O que é? - perguntou Tanner, impaciente.

- Eu vou... sabes... à Suécia, para receber o prémio Nobel que eles acabaram de me dar?

- Não, Andrew. Isso foi há sete anos.

- Oh! - Andrew virou-se e partiu, arrastando os pés, para o seu escritório.

Tanner pensou na viagem urgente que tivera de fazer à Suécia três anos atrás...

Estava embrenhado num problema de logística complicado quando a voz da sua secretária chegou até ele vinda do intercomunicador:

- Tenho Zurique em linha para si, senhor Kingsley.

- Estou demasiado ocupado agora para... Ora, deixe lá que eu falo com eles.

Pegou no telefone e, impaciente, disse:

- Sim? - Enquanto ouvia, o seu rosto foi ficando sombrio. - Sim... Estou a ver... Tem a certeza?... Não, não interessa. Eu próprio trato disto. - E premiu o botão do intercomunicador:

- Menina Ordonez, avise o piloto para preparar o Challenger.

Vamos ter que ir a Zurique. Seremos dois passageiros.

Madeleine Smith estava sentada num privado do La Rotonde, um dos melhores restaurantes de Zurique. Andava pelos trinta anos, um belo rosto oval, cabelo apanhado e uma pele maravilhosa. Era visível a sua gravidez.

Tanner dirigiu-se à mesa e Madeleine Smith levantou-se.

Tanner Kingsley tomou-lhe a mão.

- Por favor, sente-se. - E instalou-se na frente dela.

- Tenho muito prazer em conhecê-lo. - Ela tinha um leve sotaque suíço. - Inicialmente, quando recebi o telefonema, pensei que se tratava de uma brincadeira.

- Porquê?

- Bom, o senhor é um homem muito importante e, quando me disseram que vinha a Zurique unicamente para falar comigo, não consegui perceber...

Tanner sorriu.

Eu explico-lhe porque é que estou aqui. Porque ouvi falar de si como uma cientista brilhante, Madeleine. Posso Chamar-lhe assim?

- Por favor, senhor Kingsley.

- No KIG apreciamos o talento. Você é o tipo de pessoa que devia estar a trabalhar para nós, Madeleine. Há quanto tempo trabalha para o Tokyo First Industrial Group?

- Há sete anos.

- Bom. Sete é o seu número de sorte, porque eu estou aqui para lhe oferecer um emprego no KIG, pagando-lhe o dobro do que recebe agora, e tendo a seu cargo o seu próprio departamento e...

- Oh, senhor Kingsley! - O sorriso dela era rasgado.

- Madeleine, está interessada?

- Mas é claro! Estou muito interessada. É claro que não posso começar imediatamente...

A expressão de Tanner alterou-se:

- O que quer dizer com isso?

- Bom, é que vou ter um bebé e casar...

Tanner sorriu.

- Mas isso não é problema. Nós tratamos de tudo.

Madeleine Smith acrescentou:

- Mas existe uma outra razão pela qual eu não posso sair imediatamente. Estou a trabalhar num projecto no nosso laboratório e estamos quase a chegar... estamos quase a terminá-lo.

- Madeleine, eu não sei que projecto é, nem me interessa. Mas a verdade é que a oferta que lhe faço tem de ser aceita imediatamente. Para lhe ser franco, estava à espera que viesse no meu avião com o seu noivo - sorriu, - ou, melhor dizendo, o seu futuro marido, de volta para a América comigo.

- Eu posso ir assim que o projecto terminar. Seis meses, talvez um ano.

Tanner ficou silencioso por momentos.

- Tem a certeza de que não há maneira de vir comigo agora?

- Tenho. Eu chefio este projecto. Não seria leal da minha parte sair neste momento. - E entusiasmou-se. - No próximo ano..?

Tanner sorriu:

- Com certeza.

- Lamento tanto que tenha feito esta viagem em vão.

Tanner respondeu calorosamente:

- Não foi nada em vão. Tive a oportunidade de a conhecer.

- É muito simpático da sua parte - ela corou.

- A propósito, trouxe-lhe um presente. Um meu associado vai-lho levar ao seu apartamento por volta da seis da tarde. Ele chama-se Harry Flint.

Na manhã seguinte, o corpo de Madeleine Smith foi encontrado no chão da cozinha de sua casa. O fogão fora ligado e o apartamento estava cheio de gás.

Os pensamentos de Tanner voltaram ao presente. Flint nunca falhara. Dentro de bem pouco tempo, Diane Stevens e Kelly Harris estariam tratadas e, com elas fora do caminho, o projecto podia prosseguir.


Lá em cima, na suite, Kelly ligou o rádio numa estação popular e o quarto encheu-se, de repente, com o som alto de música rap.

- Como é que consegue ouvir uma coisa dessas? - perguntou Diane, irritada.

- Não gosta de música rap?

- Isso não é música. Isso é barulho.

- Quer dizer que não gosta de Eminem? Nem de LLCool? R. Kelly? Ludacris?

- É isso que gosta ouvir?

- Não - respondeu Kelly abruptamente. - Gosto da Sinfonia 166.


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