CAPÍTULO 28
Kelly olhava fixamente para Diane, sem palavras.
- Mas você foi espantosa. Quem me dera ter pensado nisso.
- Vai pensar - respondeu secamente Diane.
- E agora, o que é que vai fazer?
- Vou sair de Manhattan.
- Mas como? - perguntou Kelly. - Eles vão vigiar todas as estações de comboios, os aeroportos, as camionetas e as empresas de aluguel de automóveis...
- Podemos ir até Brooklyn - alvitrou Diane depois de pensar um pouco. - Aí, não nos vão procurar.
- Óptimo. Então, vá andando - respondeu Kelly.
- Como?
- Eu não vou consigo.
Por segundos, pareceu que Diane ia dizer qualquer coisa, mas em seguida mudou de idéias.
- Tem a certeza?
- Tenho sim, senhora Stevens.
- Muito bem - respondeu Diane. - Então adeus.
- Adeus.
Kelly ficou a ver enquanto Diane fazia sinal a um táxi e entrava nele. Kelly ali estava, hesitante, a tentar decidir-se. Estava sozinha, numa rua desconhecida, sem nenhum lugar para onde ir, nem ninguém à sua espera.
- Espere! - gritou. O táxi parou e Kelly correu para ele. :
Diane abriu a porta e Kelly entrou e sentou-se.
- O que a fez mudar de idéias?
- De repente lembrei-me que nunca fui a Brooklyn.
Diane olhou para Kelly e abanou a cabeça.
O motorista perguntou:
- Para onde?
- Leve-nos até Brooklyn, por favor - pediu Diane.
O táxi começou a andar.
- Algum lugar em especial?
- Vá andando.
Kelly olhava para Diane, incrédula.
- Não sabe para onde vamos?
- Não se preocupe. Quando lá chegarmos, eu saberei.
Mas porque é que eu voltei ?, interrogava-se Kelly.
Durante a viagem, as duas sentaram-se silenciosamente lado a lado. Ao fim de vinte minutos estavam a atravessar a ponte de Brooklyn.
- Andamos à procura de um hotel - disse Diane ao motorista. - Não sei qual...
- Minha senhora, quer um hotel simpático? Eu conheço um. Chama-se Adams. Tenho a certeza de que vão gostar.
O Adams Hotel era um edifício de cinco andares com um avançado na frente e um porteiro à entrada.
Quando o táxi chegou à curva, o motorista perguntou: - Que tal lhes parece?
- Parece-nos bem - respondeu Diane.
Kelly não fez comentários.
Saíram do táxi e o porteiro saudou-as.
- Bom dia, minhas senhoras. Vão-se hospedar?
- Sim - respondeu Diane.
- E têm bagagem?
- A companhia de aviação perdeu as nossas bagagens - respondeu Diane sem hesitar. - Conhece algum lugar aqui perto onde possamos comprar umas roupas?
- Ali ao fundo do quarteirão há uma loja de roupa de senhora bastante boa. Talvez prefiram registar-se primeiro e nós depois mandamos as vossas coisas para cima.
- Óptimo. Acha que têm quarto?
- Nesta época do ano, não há problema.
O recepcionista deu-lhes as fichas para preencherem. Enquanto Kelly assinava a sua, disse alto "Emily Brontê".
Diane olhou rapidamente para o recepcionista para ver se ele reagia.
Nada. E Diane escreveu "Mary Cassat".
O empregado recebeu as duas fichas e perguntou:
- Como vão pagar? Com cartão de crédito?
- Sim. Nós...
- Não - interrompeu Diane rapidamente.
Kelly ficou a olhar para ela e com relutância concordou.
- Têm bagagem?
- Vai chegar. Nós já voltamos.
- Suite número 515.
O empregado ficou a olhar para elas, enquanto saíam a porta. Duas belezas. E sozinhas. Que desperdício.
A loja For Madame era um manancial. Havia roupas de senhora de todos os tipos e uma secção de couros com carteiras e malas.
- Parece que acertámos em cheio - comentou Kelly depois de olhar em volta.
Uma vendedora aproximou-se delas.
- Posso ajudar?
- Estamos só a ver - respondeu Diane.
A vendedora olhava enquanto cada uma delas tirava um carrinho de compras e partia pela loja.
- Olha! - exclamou Kelly. - Meias! - E agarrou numa meia dúzia de pares. Diane seguiu-lhe o exemplo.
- Collants...
- Sutiãs.
- Cuecas.
Depressa os seus carrinhos começaram a transbordar de lingerie. A vendedora trouxe solicitamente outros dois carrinhos.
- Eu ajudo.
- Muito obrigada. .
Diane e Kelly começaram a encher os novos carros. !
Kelly examinava um expositor com calças. Escolheu quatro pares e virou-se para Diane:
- Nunca se sabe quando teremos oportunidade de voltar a fazer compras.
Diane escolheu algumas calças e um vestido de verão de riscas.
- Não vai poder usar isso - disse Kelly. - As riscas vão fazer com que pareça gorda.
Diane ia a repor o vestido no expositor, depois olhou para Kelly e deu o vestido à vendedora:
- Vou levar este.
A empregada olhava espantada enquanto Diane e Kelly vasculhavam tudo, expositor por expositor. Quando deram a sua busca por terminada, o que tinham escolhido encheu quatro malas.
Kelly olhou para elas e sorriu.
- Acho que nos vai chegar por uns tempos.
Quando chegaram junto da caixa para pagar, a vendedora perguntou:
- Vão pagar em dinheiro ou com cartão de crédito?
- Cartão...
- Dinheiro - interrompeu Diane.
Kelly e Diane abriram as bolsas e dividiram a conta. Ambas tiveram o mesmo pensamento Estamos a ficar sem dinheiro.
- Nós estamos instaladas no Hotel Adams. Será que podiam...? - perguntou Kelly à caixa:
- Entregar as vossas coisas? Mas com certeza. Os vossos nomes, por favor?
Kelly hesitou uns segundos:
- Charlotte Brontè.
Diane olhou para ela e corrigiu rapidamente: - Emily. Emily Brontê.
- É isso - lembrou-se Kelly.
A caixa olhava para elas com um ar espantado. Em seguida virou-se para Diane:
- E o seu?
- Eu... bem, eu... - Diane pensava a toda a velocidade. Qual fora o nome que dera? Georgia O'Keeffe... Frida Kahlo... Joan Mitchell?
- O nome dela é Mary Cassatt - interveio Kelly.
- Com certeza - respondeu a empregada engolindo em seco.
Ao lado da For Madame havia uma drugstore.
- Hoje é o nosso dia de sorte - comentou Diane sorrindo.
Entraram apressadamente e deram início a uma segunda voragem de compras.
- Rímel.
- Blush.
- Escovas de dentes.
- Pasta de dentes.
- Tampões e pensos diários.
- Batons.
- Ganchos para o cabelo.
- Pó.
Quando Diane e Kelly regressaram ao hotel, as quatro malas já tinham sido entregues no quarto. Kelly ficou a olhar para elas.
- Gostava de saber quais são as suas e quais são as minhas.
- Isso não interessa - comentou Diane. - Vamos ficar aqui pelo menos uma semana, ou talvez mais, por isso o melhor é pendurarmos as coisas.
- Também acho que sim.
E começaram a pendurar os vestidos e as calças, a arrumar a lingerie nas gavetas e os artigos de toilette na casa de banho.
Assim que as malas ficaram vazias e tudo estava nos seus lugares, Diane descalçou os sapatos, despiu o vestido e, satisfeita, deixou-se cair sobre uma das camas.
- Isto soube-me muito bem - e suspirou de satisfação. - Não sei quais são as suas intenções, mas, quanto a mim, vou jantar na cama. Em seguida vou tomar um longo banho. Daqui já não saio.
Uma simpática criada fardada bateu à porta e entrou na suite, com um braçado de toalhas limpas. Dois minutos depois, saiu da casa de banho.
- Se precisarem de alguma coisa, por favor toquem para me chamar. Tenham uma boa noite.
Diane lia um folheto do hotel que estava na mesa de cabeceira.
- Sabe em que ano foi construído este hotel?
- Vista-se - disse Kelly. - Vamo-nos embora.
- Foi construído em...
- Vista-se. Nós vamo-nos pirar daqui para fora.
- Está a brincar comigo? - perguntou Diane a olhar para ela.
- Não. Vai acontecer uma coisa horrível. -A voz dela transbordava de pânico.
Diane sentou-se, alarmada.
- Mas o que é que vai acontecer?
- Não faço idéia, mas ou nos vamos embora daqui depressa ou morremos ambas.
O medo dela era contagioso, mas não fazia qualquer sentido.
- Kelly, não está a ser razoável. Se...
- Diane, peço-lhe.
Quando Diane mais tarde relembrou a situação, não percebeu se tinha cedido devido à tensão que havia na voz de Kelly, ou se fora por ela lhe ter chamado pela primeira vez Diane.
- Tudo bem - respondeu Diane levantando-se. - Arrumamos as nossas roupas e...
- Não! Deixe tudo para trás.
Diane olhava para Kelly sem querer acreditar:
- Deixar tudo? Mas acabámos de comprar...
- Depressa! Já!
- Está bem.
Só espero que ela saiba o que está a fazer, pensava Diane enquanto, relutante, se voltava a vestir.
- Mais depressa! - Era como um grito estrangulado.
Diane vestiu-se rapidamente.
- Embora!
Pegaram nas carteiras e correram pelo corredor.
Eu devo estar doida para estar afazer isto, pensava Diane, aborrecida. Quando chegaram ao átrio do hotel, Diane deu por si a correr para conseguir acompanhar Kelly.
- Importa-se de me dizer onde raio é que nós vamos?
Na rua, Kelly olhou para ambos os lados.
- Há um parque ali do outro lado, em frente do hotel. Eu... eu preciso de me sentar.
- Mas, o que é que estamos nós a fazer? - perguntou Diane.
Nesse instante, ouviu-se uma enorme explosão vinda de dentro do hotel e, de onde estavam sentadas, Diane e Kelly viram as janelas do quarto onde tinham estado instaladas a saltar e detritos a voarem pelos ares.
Muda de espanto, Diane olhava o que estava a acontecer.
- Aquilo... aquilo foi uma bomba - o terror instalara-se-lhe na voz. - No nosso quarto. Como é... como é que sabia? - perguntou, virando-se para Kelly - A criada.
- O que é que ela tinha? - perguntou, intrigada, Diane.
- As criadas de hotel não usam sapatos de trezentos dólares do Manolo Blahnik - respondeu Kelly num murmúrio.
Diane sentia dificuldade em respirar.
- Como é que eles nos descobriram?
- Não faço idéia - respondeu Kelly. - Mas não se esqueça com que tipo de pessoas estamos a lidar.
E ali ficaram sentadas, as duas, aterrorizadas.
- Tanner Kingsley deu-lhe alguma coisa quando esteve no gabinete dele? - perguntou Diane.
- Não. E a si? - respondeu Kelly abanando a cabeça.
- Também não.
Lembraram-se ambas ao mesmo tempo.
- O cartão!
Abriram as bolsas e tiraram para fora os cartões que Tanner Kingsley lhes dera.
Diane tentou rasgar o seu ao meio, mas ele nem sequer dobrava.
- Tem uma espécie de chip lá dentro - disse, furiosa.
Kelly também tentou dobrar o seu.
- O meu também tem. É assim que os filhos da mãe nos têm conseguido localizar.
Diane pegou no cartão de Kelly e disse, zangada:
- Pois agora acabou-se.
Kelly ficou a olhar enquanto Diane caminhava até à rua e lançava os cartões para o meio da faixa de rodagem. Em poucos minutos já tinham passado por cima deles uma boa dúzia de carros e camiões. À distância, o som das sirenes que se aproximavam enchia o ar.
Kelly levantou-se:
- O melhor é desaparecermos daqui, Diane. Agora já não vão poder mais localizar-nos. Vamos estar em segurança. Eu vou regressar a Paris, e você, o que vai fazer?
- Tentar descobrir porque é que tudo isto está a acontecer.
- Tenha cuidado.
- Você também.
Diane hesitou uns segundos:
- Kelly, muito obrigada. Salvou-me a vida.
- Há uma coisa com que não me sinto bem. Eu menti-lhe - disse Kelly atrapalhada.
- Mentiu?
- Lembrasse do que eu lhe disse sobre o seu quadro?
- Lembro.
- Eu gostei dele, gostei mesmo muito. Pinta muito bem.
- Obrigada - e Diane sorriu. - Receio que também eu tenha sido muito brusca consigo.
- Diane?
- Sim?
- Eu não cresci rodeada de criados.
Diane riu e as duas abraçaram-se.
- Fico satisfeita por nos termos conhecido - disse Diane calorosamente.
- Eu também.
Ali ficaram a olhar uma para a outra, com dificuldade em dizer adeus.
- Tenho uma idéia - disse Diane. - Se precisar de mim, aqui tem o meu número de celular. - Escreveu-o num pedaço de papel.
- E este é o meu - respondeu Kelly e deu-o a Diane.
- Então... Uma vez mais adeus.
- Pois. Eu... Bom, adeus Kelly - respondeu Diane, hesitante.
Diane ficou a ver Kelly afastar-se. A esquina, ela virou-se e acenou com a mão. Diane retribuiu o aceno. Assim que Kelly desapareceu, Diane olhou para o buraco enegrecido que deveria ter sido o seu túmulo e sentiu um arrepio.