XVIII

Uma vez dentro da rede interna do banco, o acesso às gravações das câmaras de videovigilância daquela sucursal em particular revelou-

-se relativamente simples. Depois de desencriptar a palavra-chave, Decarabia inseriu-a no sistema e entrou na página de segurança.

Procurou a ligação à sucursal e entrou.

"Então vamos lá a ver!...", disse para si próprio, entrelaçando os dedos e fazendo-os estalar pelas articulações enquanto contemplava a informação que enchia o ecrã. "O primeiro levantamento foi feito pouco depois das três e meia da tarde de ontem..." Passeou os olhos pelo banco de imagens e procurou o registo da câmara que gravara as operações àquela hora. "Ora bem... ora bem... o que queremos é o que a câmara da caixa multibanco registou. Ora deixa cá ver."

Clicou no arquivo da câmara da caixa e escolheu as imagens gravadas entre as três e as quatro da tarde de segunda-feira. Uma imagem vídeo encheu de imediato o ecrã.

Via-se um plano largo que mostrava o passeio e a rua, com circulação normal de peões e viaturas de um lado para o outro. De repente um peão dirigiu-se à câmara, inseriu um cartão multibanco na ranhura da caixa, digitou o código de acesso e as instruções, retirou o dinheiro e o cartão e abalou dali, os bolsos mais aconchegados.

"Vamos lá, vamos lá!...", impacientou-se o intruso. "Quando é que aparece o nosso homem?"

O vídeo de segurança continuou a rolar no ecrã, mostrando cenas 141


repetitivas. O passeio, pessoas a passarem para a esquerda e para a direita, a rua, automóveis e autocarros e motos de um lado para o outro, um cliente que se dirigia à máquina, levantava o dinheiro e se ia embora, depois mais passeio e mais rua, outro cliente, e assim sucessivamente. Tudo muito monótono.

Decarabia bocejou.

"Shit! Isto anda ou não anda?"

O hacker mantinha um olho na imagem e o outro preso à contagem dos minutos.

15:23:15.

Ainda mais doze minutos de espera! Se pudesse, faria fast forward para chegar rapidamente à hora que desejava, mas o dispositivo que o permitia não estava disponível no ecrã.

Decididamente a rede interna do banco ainda tinha coisas a melhorar.


Foi buscar um café. Não quis estar ausente muito tempo, não fosse o seu alvo aparecer na imagem antes do previsto, pelo que depressa voltou ao lugar. A imagem parecia normal e verificou de novo a contagem do relógio.

15:26:47.

Mais do mesmo. Passeio, rua, transeuntes, automóveis, clientes. E

tudo a passar incrivelmente devagar, dava a impressão de que o tempo fazia de propósito para o irritar. Estudou a imagem que enchia o ecrã.

Felizmente a câmara da caixa multibanco parecia usar uma grande angular, pensou; isso permitia-lhe ter uma visão ampla do que se passava naquele espaço e estudar cada uma das pessoas que por ali deambulavam, da origem ao destino.

O olhar baixou para o relógio.

15:32:03

Três minutos. O tédio desapareceu, substituído por um assomo de concentração. A todo o instante o seu alvo iria aparecer na 142


imagem. Viria da esquerda ou da direita? Estaria já acompanhado?

Decarabia fazia votos ardentes de que sim; isso poupar-lhe-ia imenso esforço. Não que temesse o trabalho; o que se passava é que a rapidez era essencial.

15:34:11.

Um minuto. Varreu o ecrã com atenção redobrada, detendo-

-se no rosto de cada pessoa que passava. Segundos depois viu um homem aproximar-se do ecrã, o cabelo em desalinho, a barba por fazer, o olhar cansado, a ansiedade estampada na face.

"Ah, cabrão!", exclamou. "Apanhei-te!"

Era Filipe Madureira.

Viu-o inserir o cartão na ranhura, digitar o código, pedir a quantia, ver a recusa no ecrã e a face contorcer-se de frustração e gritar algo que não se percebia. A gravação não tinha som mas também não era preciso, era evidente que insultava o banco ou quem quer que lhe tinha interditado o acesso ao seu próprio dinheiro.

"Estás à rasca, hem?", sorriu Decarabia, divertido com a reacção que via na imagem. "Pois isso não é nada comparado com o que te espera, grande camelo!..."

A gravação mostrou Filipe a guardar o cartão, contrariado, e a fazer meia volta. O hacker seguiu-lhe os movimentos com grande atenção. O seu alvo afastou-se para a direita, tapou a cabeça com um capuz de chuva, encostou-se a uma tília e consultou o relógio, como se estivesse a passar o tempo. Com o olhar, porém, pôs-se a varrer todo o espaço em redor, procurando à direita e à esquerda, sem cessar. Volta e meia baixava a cabeça, umas vezes para descansar e outras para olhar de novo para o relógio, mas logo a seguir e voltava a espreitar em volta dele.

Este comportamento arrancou um sorriso satisfeito a Decarabia.

"Estás à espera de alguém..."


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O ficheiro de vídeo correspondente ao período entre as três e as quatro da tarde esgotou-se sem que houvesse novidade. O intruso clicou no da hora seguinte e deixou correr as imagens. Filipe permanecia à sombra da tília, evidentemente a aguardar num misto de paciência e impaciência, a mesma mistura que nesse instante assaltava Decarabia. Mas o que poderia fazer? Tinha de ver o vídeo em tempo real para captar o momento crucial, aquele em que terminava a espera do seu alvo e tudo se decidia; desejava ardentemente que as imagens fossem elucidativas e lhe dessem a pista de que precisava.

16:08:28.

A espera prolongou-se. Transeuntes, automóveis, o alvo encostado à árvore, os clientes que se dirigiam sucessivamente ao multibanco para levantar dinheiro ou fazer outras operações. Tudo se repetia com monotonia inenarrável, extraindo do intruso bocejos sucessivos e mais café para os combater.

16:27:03.

De repente viu Filipe sair disparado do lugar onde estava e dirigir-se em passo rápido a um homem que acabava de saltar de um autocarro. O seu alvo puxou o braço do desconhecido, este voltou a cara e, após uma hesitação, reconheceu a pessoa que o interpelara e começou a falar com ela. Decarabia clicou sucessivamente num dispositivo para registar a imagem no ecrã. Viu os dois homens darem meia volta e dirigirem-se à porta de um edifício de apartamentos. O

desconhecido meteu uma chave na fechadura, a porta abriu-se e ambos desapareceram para lá dela.

"Apanhei-te!", exultou, pondo-se de pé para descontrair depois da pasmaceira da longa espera. "Apanhei-te, cabrão!"

Fora melhor do que alguma vez se atrevera a esperar. Não só registara a imagem da pessoa que o seu alvo contactara como conseguira ver para onde ambos se dirigiram, decerto o lugar onde o homem que procurava se escondia. Que mais poderia desejar?

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Pousou o olhar no ecrã do seu computador e estudou as imagens que gravara no momento em que Filipe Madureira interpelara o desconhecido. Ampliou o segmento referente ao rosto deste e estudou-o com cuidado.

"Quem és tu?", perguntou num murmúrio, os olhos fixos naquela cara. "Quem és tu?"

Não tinha dúvidas de que em breve saberia a resposta.



































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