XLIV

A sua experiência de combate era extensa e digna de respeito, com múltiplas operações das forças especiais no Iraque, no Afeganistão e até no Iémen, mas nada disso impediu que, no momento em que entrou no gabinete e encarou o seu superior hierárquico, Decarabia se sentisse muito mais nervoso do que alguma vez imaginara possível.

O espaço era o mesmo, só que mais escuro. As persianas haviam sido corridas e, como um juiz instalado no lugar supremo do tribunal, Magus aguardava-o por detrás da sua secretária com cara de poucos amigos. Ao seu lado, de pé, encontrava-se o brutamontes que também estivera envolvido na operação e que o chefe supremo quisera ouvir em primeiro lugar. Decerto o desmiolado não dissera coisas agradáveis, considerou Decarabia, sentindo-se um réu prestes a ser julgado num processo cujas regras não dominava.

"Aproxima-te."

A ordem de Magus foi proferida com a voz rouca de uma fera e um gesto imperial. O operacional obedeceu e aproximou-se da secretária, plantando-se diante do chefe. O brutamontes saiu do lado de Magus e posicionou-se atrás do seu companheiro de operação. Decarabia não gostou 288


daquele movimento, achou-o muito hostil e deixou-o transparecer no olhar de esguelha que lançou ao energúmeno nas suas costas, mas não se mexeu.

"Falhaste mais uma vez", disse Magus com uma expressão pesada. Ergueu dois dedos. "Duas operações, dois fracassos. Como raio justificas isto?"

"Já lhe disse, grande Magus", defendeu-se Decarabia. "As operações, para não terem falhas, requerem informação completa e detalhada. Não tive nada disso. Na primeira operação, em Lisboa, não fui devidamente informado do perfil do sujeito que acompanhava o alvo. Acabei por ser apanhado de surpresa e..."

"Isso foi a operação de Lisboa", cortou o chefe. "E esta? Qual é a desculpa?"

O operacional abanou a cabeça.

"Não há desculpas, apenas explicações", disse. "Vocês informaram-me de que o nosso homem tinha o DVD. A operação foi desencadeada com sucesso nesse pressuposto. Apanhámo-lo como previsto. O que falhou foi a informação que nos foi dada. O tipo não tinha o DVD com ele, só umas indicações quaisquer que supostamente guardou no banco. A partir daí tive de improvisar e, quando isso acontece, os factores de risco multiplicam-se por mil, uma vez que temos de entrar num novo teatro de operações sem qualquer planificação."

Magus semicerrou Os olhos, claramente pouco convencido.

"É essa a tua desculpa?"

"Não é desculpa, já disse", retorquiu Decarabia com firmeza. "É a explicação para este... enfim, para o que se passou. Se a informação que me foi dada tivesse sido exacta, a planificação teria sido diferente e o sucesso assegurado. Não posso é garantir sucesso quando me confronto com..."

O chefe desferiu um murro inesperado no tampo da secretária.

"Isso não passa de conversa!", vociferou, perdendo de repente a calma. "Desculpas esfarrapadas para justificar o injustificável!" Apontou-lhe 289


com veemência o dedo acusador. "O facto é que falhaste! Falhaste como um miserável! Garantiste-me que tudo iria correr bem e voltaste aqui de mãos a abanar! Falhaste! Admite-o, cobarde! Tu falhaste!"

Fez-se um silêncio pesado no gabinete, o ambiente esmagado pela violência inaudita da erupção furiosa de Magus. Intimidado, o operacional engoliu em seco c, depois de tentar suster o esgar colérico do chefe, baixou os olhos em sinal de submissão.

"Sim, grande Magus."

Passada a explosão de ira, Magus inspirou e expirou ruidosamente, retomando o domínio das emoções. Endireitou-se, ajeitou o casaco e, apoiando os cotovelos sobre a mesa, juntou as palmas das mãos e fitou o subordinado.

"Tens de perceber uma coisa, Decarabia", afirmou num tom de novo tranquilo, talvez até demasiado sereno. "A nossa pequena organização é muito exclusiva. Não entra qualquer pessoa no Cultus Sathanas, entendes? É

a elite da elite."

"Sim, grande Magus", voltou o operacional a assentir. "Tenho plena consciência disso e sinto-me orgulhoso pela suprema honra que me foi concedida."

O chefe manteve as palmas das mãos coladas uma à outra.

"Recrutámos-te com um único objectivo: resolver os problemas operacionais que nos afectam. O teu passado nas SAS

britânicas faziam de ti a solução perfeita." Abriu as mãos, como se estivesse profundamente desapontado. "Mas, hélas, os acontecimentos provaram que não era assim. Independentemente das desculpas, as duas operações em que te envolveste revelaram-se fracassos absolutos."

Suspirou. "Lamento, mas vamos ter de dispensar os teus serviços."

A decisão apanhou Decarabia de surpresa.

"Perdão?", admirou-se, sem entender plenamente onde queria o líder máximo chegar. "Dispensar os meus serviços? O que quer dizer com isso? Está a despedir-me?"

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Magus recostou-se na sua poltrona e Decarabia sentiu movimento atrás de si. Percebeu quase instintivamente que estava sob grave ameaça, mas a reacção foi tardia. Uma corda fina e cortante, decerto metálica, rodeou-lhe o pescoço e cortou-lhe a respiração de um momento para o outro. Percebeu que era o brutamontes que o estrangulava. Tentou gritar, mas a garganta sem ar não emitiu um único som. Desferiu duas cotoveladas, num esforço desesperado para se libertar, mas foi como se tivesse agredido almofadas; os golpes foram amortecidos pelo corpo compacto do seu assassino. A falta de ar enfraqueceu-o; sentiu uma dor lancinante nos pulmões e os olhos encheram-se de milhares de luzinhas encandeantes, como se a própria galáxia lhe enchesse o cérebro moribundo.

A noite eterna abateu-se então sobre Decarabia.


























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