XLI

Encontraram abrigo no banco de um parque, onde se sentaram ofegantes depois da longa corrida. O lugar parecia um refúgio seguro, uma vez que estava protegido dos olhares indiscretos por uma fileira de arbustos. Dali viram o Mercedes negro dos vidros fumados esquadrinhar apressadamente as ruas, como se tentasse localizá-los ao mesmo tempo que se assegurava de que não era seguido, e desaparecer por fim em direcção a sul.

"Perderam-nos o rasto", bufou Tomás com alívio. "Acho que estamos safos..."

Ouviram sirenes uivarem no ar e, segundos mais tarde, viram três carros da polícia passar na rua vizinha ao parque com as luzes de emergência a girarem sobre o tejadilho, seguidos por uma ambulância, todos a correrem em direcção ao banco. Já com a respiração regular, Raquel pôs-se de pé " Vamos. "

O português lançou-lhe um olhar admirado, dir-se-ia até alarmado.

"Onde quer ir?"

A agente da Interpol devolveu-lhe o ar surpreendido. "Ter com a polícia, claro", retorquiu. Hesitou perante a expressão inquieta do seu interlocutor. "Porquê?"

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"Está louca?"

"Qual é o problema?"

Tomás apontou com o polegar na direcção onde os carros da polícia tinham desaparecido.

"Se nos pomos nas mãos da polícia, estamos tramados."

A espanhola revirou os olhos, de súbito impaciente.

"Oh, não diga tonterías!", admoestou-o. "Temos de ir ter com a polícia e contar o que aconteceu. Eles vão de imediato lançar um alerta para localizar o Mercedes e deitar a mão àqueles bandidos."

A agente da Interpol fez tenção de se afastar, mas o português agarrou-a pela mão e travou-a.

"Pense, Raquel", implorou. "Estamos a meter-nos com gente muito poderosa. Eles vão virar o bico ao prego e... e acusar-nos de termos morto o segurança do banco."

"Que disparate!"

"Acha que sim? Então deixe-me fazer-lhe uma pergunta: depois de tudo o que aconteceu nas últimas horas ainda acha que matei o Filipe?"

"Claro que não. No apartamento em Sesefia eu própria ouvi um dos tipos dizer que tinha sido ele quem..."

"Então por que razão ando fugido?", perguntou Tomás, desferindo o seu ataque. "Então por que razão a polícia portuguesa está à minha procura e enviou para a Interpol informações a dizer que eu era um homicida? Porquê?"

Os dois ficaram de olhar trancado um no outro, ele a fazer valer os seus argumentos, ela a ponderá-los. O seu interlocutor tinha acabado de lembrar razões muito pertinentes, percebeu Raquel. Havia verdade no que acabara de ouvir.

"Acha mesmo que eles nos vão acusar de... de ter morto o segurança do banco?"

Tomás manteve o olhar firmemente cravado nela.

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"Tenho a certeza", garantiu. "Provavelmente não de imediato. Os tipos estão em fuga e ainda têm de informar os seus chefes do sucedido. Mas daqui a algumas horas verá como a posição da polícia mudará. Vão logo aparecer testemunhas de que eu ou você abatemos o segurança e quando dermos por ela estamos apanhados." Pousou a palma da mão no peito. "Eles conseguiram pôr a minha fotografia na televisão, veja lá! O Filipe foi morto pelo fulano que comandava este grupo e os gajos conseguiram transformar-me em principal suspeito!"

Apontou na direcção onde os carros da polícia haviam mergulhado.

"Se nós nos apresentarmos, estamos tramados. Ouviu? Tramados!"

A agente da Interpol amadureceu estes argumentos. Fugir à polícia ia contra todos os seus instintos. No fim de contas, ela própria era polícia. Como poderia desconfiar da sua gente? No entanto, o que Tomás lhe dizia fazia sentido. O DVD que todos procuravam devia comprometer gente muito importante; só assim se explicava que tivesse sido sequestrada por um comando de profissionais no seu próprio apartamento, todos em busca do material que Filipe tinha escondido. O próprio Filipe lhe falara da extrema sensibilidade da operação para a qual pedia a sua ajuda. Não era isso prova de que algo de importante se passava? Feitas as contas, o que eram uma simples agente da Interpol e um historiador desempregado ao pé dos poderosos interesses instalados que, pelos vistos, o tal DVD punha em causa?

Rendeu-se com um suspiro.

"O que sugere que façamos?"

Foi a vez de Tomás se pôr de pé, pronto para retomar a marcha.

"Temos de fugir."

Abriram a porta do apartamento, situado no bairro madrileno de Tres Olivos, e espreitaram para o interior. A sala estava mergulhada na sombra e apenas meia dúzia de pequenos focos de luz logravam atravessar as persianas fechadas, iluminando pelo caminho pontinhos 275


de poeira que flutuavam no ar, pareciam pó de diamante em suspensão. Cheirava a mofo e era evidente que o espaço estivera fechado durante muitos dias, provavelmente semanas.

"De quem é esta casa?"

"De uma colega da Interpol que foi fazer um trabalho em Haia", respondeu Raquel. "Só volta na próxima semana e pediu-me que lhe regasse as plantas."

O apartamento tinha de facto um toque feminino de bom gosto, com plantas junto às janelas e cortinados a condizer com o tecido do sofá e dos abat-jours. Nas paredes havia pequenos quadros e várias fotografias emolduradas estavam espalhadas pelos móveis a mostrar uma trintona magra sozinha ou com outras pessoas, talvez familiares. Tomás pegou numa delas.

"É ela?"

"Sim. Chama-se Marilú." Deteve-se e olhou para ele. "Porquê? É

bonita?"

Tomás levantou os olhos das molduras e apresentou-lhe o seu melhor sorriso.

"Não tanto como você."

O piropo arrancou uma gargalhada a Raquel.

"Ah, os Portugueses não resistem a um galanteio, não é?" "Não me diga que não gostou..."

A face da espanhola enrubesceu e os seus dedos enrodilharam-se no fio de prata que trazia ao pescoço.

"Não digo que não."

O historiador preparou-se para atacar com mais um piropo, não era todos os dias que se encontrava a sós num apartamento com uma beldade daquelas e preparou-se para lhe elogiar os olhos, mas a sua atenção ficou presa num objecto pousado sobre um móvel.

Um telefone fixo.

"Acha que o posso usar?", perguntou, deitando já a mão ao 276


aparelho. "A sua amiga importar-se-á?"

Raquel arqueou as sobrancelhas, surpreendida.

"O que diabo está a fazer?", quis saber. "Quer ligar a quem?"

O português pegava já no auscultador do telefone.

"Ao lar onde a minha mãe está internada", disse. "Tenho um problema sério para resolver. Cortaram-lhe a pensão e os donos do lar exigem que eu pague a..."

A agente da Interpol arrancou-lhe o telefone da mão e devolveu-o ao seu lugar.

"Não toque nisso!"

Tomás arregalou os olhos, estupefacto com a proibição. "Porquê?

Qual é o problema?"

"Não vê que eles devem ter o telefone do lar da sua mãe sob escuta?", perguntou. "Se ligar para lá, localizam-nos logo!"

"O quê?"

"É um procedimento elementar, Tomás. Sempre que andamos atrás de um fugitivo vigiamos os familiares. Quando o contacto é estabelecido... pimba, apanhamo-lo. Funciona sempre." Pousou o olhar no telefone fixo. "De certeza que estão a fazer o mesmo."

O português recuou um passo, desconcertado, olhando para o telefone como se ele emitisse radiações letais.

"Esta manhã liguei para o lar", disse. "Acha que... que..." A espanhola revirou os olhos luminosos.

"Está explicado!", exclamou. "Foi assim que souberam que você estava aqui em Madrid. Provavelmente descobriram a minha ligação ao Filipe e bastou-lhes somar dois e dois."

Estas palavras soaram como uma repreensão e Tomás baixou a cabeça, acabrunhado e preocupado. Sentia-se vexado por ter cometido um erro tão elementar, atraindo o inimigo para o apartamento de Raquel em Sesefia. Pior do que isso, no entanto, era o sentimento de impotência perante a situação da mãe. Havia um 277


problema sério para resolver com o pagamento da mensalidade do lar e, se as suas circunstâncias já eram difíceis, tinham-se tornado ainda piores. Se não podia contactar o lar, como poderia manter-se a par do que se passava com ela? E se os donos do lar pusessem mesmo a mãe na rua? Poderia perdoar-se pela sua negligência? Mas, e vendo a situação friamente, que poderia ele realmente fazer? Render-se? Em que medida isso ajudaria a resolver o problema? Apenas o agravaria, até porque era quase certo que, uma vez nas mãos da polícia, seria entregue àquele bando de gente poderosa.

Ergueu a cabeça e fitou Raquel.

"Temos de resolver isto", disse. "E eu tenho um plano."





























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