LXXII

A sala dos Uffizi estava reduzida ao silêncio absoluto enquanto Tomás procurava localizar a sequência seguinte. Quando a imagem apareceu, o historiador carregou no pause e o fotograma imobilizou-se, mostrando dois homens em pé. O grupo em redor do historiador, e em particular os dois procuradores do Tribunal Penal Internacional, seguira com grande atenção todo o diálogo registado pela câmara e pelo microfone ocultos.

"Antes de comentar o que acabámos de escutar vamos ver a gravação seguinte", sugeriu ele. "Esta reunião decorreu na mesma sala da delegação portuguesa, mas com diferentes protagonistas. De um lado o primeiro-ministro português, do outro o então comissário europeu Axe!

Seth, aqui a falar em representação do governo francês. Esta reunião bilateral ocorreu em privado horas antes de uma cimeira europeia."

Carregou no play e a imagem rolou.

"Então, Axel, vai ser uma cimeira dura, hem?"

"Qual quê, mon cher Gonçalo! Já está tudo cozinhado, como sempre.

Quando sentarmos os rabos na sala só temos de ratificar o que já foi acordado pelas nossas delegações. Depois basta sorrir perante os fotógrafos e apertar o bacalhau. Voilà!"

"Isso é verdade", assentiu o chefe de governo português, sentando-se no sofá. "Oiça, disseram-me que você tinha uma coisa importante para discutir comigo."

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"Ah, oui! O TGV."

"Pois, essa história das redes transeuropeias." Esboçou uma careta.

"Pensa mesmo que é necessário montar redes de alta velocidade pela Europa toda?"

"O TG V é essencial para o progresso económico."

"Acha que sim?", admirou-se o português, ainda céptico. "A América não tem TG V e que eu saiba é um país desenvolvido. Os escandinavos também não possuem alta velocidade e isso não os impediu de se desenvolverem. Porque raio é agora o TGV assim tão prioritário?"

Axel Seth fez um gesto difuso no ar.

"Já vi que você é um vivaço, mon cher Gonçalo!", exclamou. "Não se lhe pode esconder nada!" Suspirou. "Sabe, a história do TGV e do progresso que ele desencadeia é uma balela que inventámos para pôr o fabricante a vender comboios a toda a gente. Está a ver como é, o fabricante financiou o meu partido na última campanha e agora temos de o recompensar..."

"Nem me fale nisso, Axel! Em Portugal tenho sempre os financiadores do meu partido à perna, é um horror..."

"Pois é." O comissário europeu afinou a voz. "Estamos a vender comboios de alta velocidade para a Europa toda, já convencemos os Espanhóis e queria saber como vai ser com Portugal."

"Quanto custa uma brincadeira dessas?"

"O meu pessoal já fez as contas. Comboios, mais construção da linha e ainda a terceira ponte sobre o Tejo, é coisa aí para uns oito mil milhões de euros."

O primeiro-ministro esbugalhou os olhos.

"Oito mil milh... você está doido?"

"É o preço do progresso, mon cher."

"Nem pensar, Axel! Só se eu estivesse maluco de todo! Se gastarmos oito mil milhões de euros no projecto do TG V, fazemos um rombo nas contas públicas maior do que o buraco aberto pelo icebergue no Titanic. Não há 482


dinheiro para uma loucura dessas!"

"Nós financiamos, Gonçalo."

"Quanto?"

"Vinte por cento."

O primeiro-ministro esboçou nova careta e abanou a cabeça.

"E nós entramos com oitenta por cento? Não dá..."

"Meta ao barulho uma dessas parcerias público-privadas que vocês têm em abundância aí em Portugal e digam que, para além dos vinte por cento da União, outros quarenta por cento virão do cash flow gerado pela operação. Isso permitir-vos-á alegar que o estado português só paga uns quarenta por cento do projecto. Os papalvos irão engolir essa, fique descansado."

"Esse dinheiro não é recuperável."

"Claro que não, mas vocês não vão dizer isso a ninguém, pois não?

Basta encomendarem uns estudos de viabilidade financeira que digam o que vocês querem que eles digam, designadamente que o projecto pode ser rentável, metam no meio a expressão cash flow para ninguém entender patavina e a coisa fica resolvida."

"Mas, Axel, se nós avançarmos para isso vamos ter um problema sério de défice das contas públicas."

Axe! Seth respirou fundo, a impaciência a espreitar-lhe na voz.

"Oiça, Gonçalo, nós precisamos de arranjar negócio ao nosso fabricante de comboios de alta velocidade", disse num tom subitamente muito assertivo. "Andámos muito tempo a subsidiar a vossa economia com fundos de coesão, dinheiro dos nossos contribuintes que vocês entregaram às construtoras que vos financiavam os partidos, e agora queremos o retorno. Arranjem-se como quiserem, mas têm mesmo de nos comprar o TGV. Chegou a hora de os vossos contribuintes ajudarem quem financia o meu partido lá em França."

"Mas gastar oito mil milhões de euros num investimento que não é reprodutivo vai deixar-nos com a corda ao pescoço!..."

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"Não se preocupe com isso, mon cher! Agora estamos todos no euro e isso põe-vos ao abrigo das desconfianças do mercado. Além do mais, você estará no governo quando, daqui a alguns anos, chegar a hora de pagar?"

O primeiro-ministro português ajeitou a gravata. "Pois é, tem razão."

"Não se apoquente, mon cher! Quem vier a seguir que resolva o problema! E se os contribuintes tiverem de pagar ainda mais, azar deles!"

Gonçalo da Cunha riu-se.

"Contribuintes? O que é isso? Quando estamos no poder, Axel, todo o dinheiro ao nosso dispor pertence-nos a nós! A nós! Isso dos contribuintes é conversa para papalvos. O dinheiro é nosso e servimo-nos dele como muito bem entendermos!"

"É mesmo assim!", assentiu o francês com entusiasmo. "Se vier a faltar dinheiro, cortam-se salários, aumentam-se impostos, despedem-se pessoas, far-se-á o que tiver de ser feito! O importante é sermos uns para os outros, não é verdade?"

O seu interlocutor assentiu.

"Tem razão, tem razão." Considerou as vantagens da ideia. "Além do mais, isto é obra que impressiona o eleitorado. Se meter as parcerias público-privadas no projecto, a factura só virá daqui a alguns anos. Isso permitir-me-á dizer que o estado português paga pouquíssimo e outras tretas do género. Por outro lado, posso ainda alegar que o TGV traz progresso e dá emprego a muita gente..."

"Vai resultar! Você manda fazer, os palermas pagam e, a cereja em cima do bolo, ainda votam em si! É perfeito, mon cher Gonçalo! Parfait!"

As imagens no ecrã do computador portátil mostraram os dois homens a despedir-se, o primeiro-ministro a acompanhar o comissário europeu à porta e, uma vez só, a voltar para o sofá e a pegar no telemóvel. Digitou um número e aguardou que atendessem do outro lado.

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"Está? Comendador Pereira? Daqui Gonçalo da Cunha. Tirei um minutinho antes do conselho europeu, aqui em Bruxelas, para lhe dar uma palavrinha, meu caro. Como vai isso?" Fez uma pausa, a escutar o que dizia o seu interlocutor. "Pois muito bem, muito bem." Segunda pausa. "Ah é? Aquela auto-estrada que vos dei a construir lá na Beira Baixa vai bem? Olhe que vocês estão a arrecadar uma boa maquia dos cofres do estado, hem? Essa auto-estrada não vai ter tráfego nenhum, mandei-a fazer de propósito para vos ajudar..." Nova pausa. "Fique descansado, homem, eu trato disso. Como o tráfego será tão insignificante que não vos dará dinheiro, a gente mete no contrato que o estado paga para que vocês tenham lucro. Comigo, já sabe, a sua empresa nunca terá dificuldades." Fez uma pausa para escutar o seu interlocutor. "Qual terreno agrícola? O de Vila Nova de Mexilhões? Fale com o nosso autarca, ele é um bom tipo.

O gajo altera o plano director municipal e passa-lhe isso a terreno urbano, fique descansado. Terá é de desembolsar mais uns tustos, já sabe."

Afinou a voz. "Oiça, chegou-me agora às mãos um projectozinho que é bem capaz de render uns carcanhóis valentes, e é justamente por isso que lhe estou a ligar. Diga-me uma coisa, meu caro: o que percebe você de comboios de alta velocidade?" Outra pausa. "Pois, é uma coisa dessas.

Acontece que vamos avançar aqui com um projecto e... e quero que você faça parte do consórcio. É muita massa envolvida, meu caro amigo. Vai dar dinheiro para toda a gente." Nova pausa. "Não, é evidente que a alta velocidade não é rentável, meu caro comendador. Também estas auto-estradas não são rentáveis nem necessárias e isso não nos impediu de as fazer, pois não? Era preciso ajudar as construtoras amiguinhas e nós ajudámos, ou não ajudámos? Neste caso é o mesmo. A malta faz um contrato dos habituais, daqueles em que o estado paga para assegurar o lucro do consórcio encarregado do projecto. Será uma parceria público-

-privada segundo o esquema habitual, fique tranquilo." Ainda uma pausa.

"Isso, isso. Mas, oiça lá, quero um bom financiamento para o partido, 485


ouviu? Olhe que estou a dar-lhe muito dinheiro a ganhar." Mais outra pausa. "Está bem, depois falamos. Quando tivermos definido o itinerário que o TGV vai ter, dar-lhe-ei adiantadamente a informação para que possa comprar os terrenos a bom preço e ganhar uma bela maquia com as expropriações."

Respeitou uma nova pausa e, esboçando de repente uma careta, bateu com a palma da mão na testa. "Ah, pois, tem razão! Você já conhece bem esse esquema, quando foi do traçado das Scut, já nem me lembrava..." Afinou a voz. "Não se esqueça que esta história dos comboios vale milhares de milhões de eur... uh... quilómetros. Por isso, não aceito menos de umas dezenas de milhões de eur... quer dizer, de quilómetros para o partido, está a ver? Tenho eleições à porta e..." Pausa. "Está bem, está bem. Os homens da mala depois passam por aí para receber o dinheiro. A chatice é a comissão que eles levam, hem? Mas, enfim, tem de ser. É o preço para apagar o rasto dos... dos quilómetros." Suspirou. "Depois falamos melhor, meu caro comendador, ao telefone convém ser prudente, não é verdade? Além disso, vai agora começar o conselho europeu e não posso chegar atrasado, senão a gorda ainda me passa uma descasca em alemão." Riu-se.

"Cumprimentos à malta aí da sua construtora. Especialmente ao tesoureiro, ouviu?" Nova risada. "Bom rapaz, esse Teodoro! Uma maravilha a passar cheques, hem?" Ainda outra gargalhada. "Um abraço, um abraço..."

O chefe do governo português desligou o telemóvel e a imagem foi a negro, sinal de que a sequência de gravação estava concluída.

Depois de carregar no pause, Tomás voltou-se para os procuradores do Tribunal Penal Internacional. "São três conversas muitos instrutivas, não vos parece?"

Agnès Chalnot e Cano dei Ponte ainda estavam estarrecidos com o que haviam visto e ouvido.

"Muito", murmurou a procuradora-geral, o assombro a empalidecer-lhe a face. "Muito mesmo."

"Não é que não suspeitássemos que as grandes decisões se tomassem assim, mas uma coisa é imaginarmos e outra é vermos e 486


ouvirmos", considerou o historiador. "Há várias coisas essenciais que estas conversas nos mostram. A primeira é que existe um problema sério nas nossas democracias no que diz respeito ao financiamento dos partidos políticos. Quem dá dinheiro aos partidos não o faz por idealismo, mas para colher vantagens. E o que é grave é que as colhe de facto. O sistema está montado de tal maneira que, a troco de financiamentos para serem eleitos, os políticos tomam importantes decisões em função dos interesses dos seus financiadores e em grave prejuízo dos interesses dos seus cidadãos. Fazem-se obras que não são necessárias só para dar dinheiro aos financiadores. Uma inspecção do Tribunal de Contas permitiu concluir que quase setenta por cento das despesas de consultoria efectuadas num ano em Portugal eram por recurso a ajuste directo. Só em menos de três por cento dos casos houve consulta a mais de um prestador de serviços.

"Como é possível?", questionou-se Agnès Chalnot. "Portugal não é um país da União Europeia?"

"Oiça, este problema existe em Portugal, existe no resto da Europa, existe na América e existe em qualquer país onde haja democracia. Calcula-se que cada congressista americano, por exemplo, passe entre trinta e setenta por cento do seu tempo a angariar fundos para as suas campanhas eleitorais. Os políticos são muito mais sensíveis às necessidades dos financiadores do que do país e chegam a cooperar com os seus rivais, como aconteceu nesta negociata dos submarinos, para garantir o acesso tranquilo ao dinheiro. O actual sistema de financiamento partidário é altamente corruptor e, se não for seriamente reformado, não vamos a lado nenhum."

"É um facto", assentiu a procuradora-geral. "Já dizia o Garganta Funda do Watergate: sigam o dinheiro. Quem quiser identificar a fonte de todos os males só tem de seguir o rasto dos financiamentos."

Tomás apontou para o ecrã onde haviam visto as conversas.

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"A segunda coisa que estas conversas nos mostram é que a corrupção em Portugal é um problema sério. Repararam naquela conversa sobre os terrenos agrícolas passarem para urbanos? Isso é um grande esquema de corrupção em Portugal. Os tubarões compram a um agricultor pobre um terreno agrícola que custa vinte mil euros, pagam por baixo da mesa para que as câmaras alterem os planos directores municipais e transformem esses terrenos em urbanos, e as propriedades passam assim a custar duzentos mil euros."

"Grande golpada..."

"Então não é? Este esquema tem diversas variantes e ouvimos uma delas na conversa entre o primeiro-ministro português e o construtor civil. O governante revela ao seu financiador o itinerário do TGV antes de essa informação ser pública, o financiador compra os terrenos agrícolas que se encontram no trajecto previsto e corrompe os autarcas para estes passarem esses terrenos a urbanos. Como por lei as expropriações dos terrenos urbanos são muito mais caras do que as dos terrenos agrícolas, os financiadores ganham uma fortuna quando o estado usa o dinheiro dos contribuintes para expropriar os terrenos agora urbanos onde vai circular o TGV. Este esquema, que envolveu governantes e financiadores, foi muito usado quando da construção das estradas, incluindo as Scut. Só à custa das expropriações de terrenos passados apressadamente a urbanos, a construção de estradas em Portugal deve ter custado o dobro do seu valor real."

Os magistrados entreolharam-se, estupefactos.

"Isso é... incrível."

"Outra variante deste negócio serviu para sacar dinheiro aos bancos em quantidades industriais. Os construtores compravam um terreno agrícola baratucho e, corrompendo os autarcas, passavam-no a urbano e obtinham licenciamento para um projecto. Depois pediam aos bancos que lhes financiassem trinta por cento da construção e 488


ofereciam o terreno como garantia. Como o crédito estava barato, os bancos davam o dinheiro e os construtores, em vez de fazerem a obra, ficavam com a massa. Quando os construtores deixavam de pagar o que deviam, o banco ia buscar o terreno que ficara de garantia e descobria que ele afinal estava algures no meio de um campo e não valia nada.

Só lá tinha umas hortas."

"Pois, mas isso é um negócio que não envolve dinheiros públicos, pelo que não está no âmbito da nossa investigaç..."

"Está enganada", corrigiu Tomás, interrompendo a procuradora do TPI. "Metade da dívida privada deve-se às famílias que compraram casa e não a conseguem pagar, não é verdade? Mas e a outra metade da dívida privada que deixou Portugal com a corda no pescoço? São dívidas criadas por estes esquemas. Os bancos estão à beira da falência porque emprestaram dinheiro para obras em terrenos que afinal não valem nada. Como os bancos se encontram aflitos, quem os veio salvar?"

A pergunta ficou por um momento a pairar no ar até que o olhar de Marilú se acendeu com a resposta.

"O estado."

"E com que dinheiro?"

A procuradora suspirou, vendo a evidência.

"O dinheiro dos contribuintes, claro."

O historiador sorriu.

"Está a ver como os dinheiros públicos foram arrastados para este esquema? Os governos estão a cortar salários e pensões e a aumentar os impostos também para arranjar dinheiro para meter nos bancos que emprestaram milhares de milhões de euros e ficaram nas mãos com terrenos que afinal não valem nada."

"Pois, estou a ver."

"Outro pormenor interessante desta última conversa registada no DVD é a referência aos homens da mala. Trata-se dos angariadores do 489


financiamento partidário, que cobram comissões de quarenta por cento. O dinheiro que eles angariam é depois despejado aqui e ali, de tal modo que nos cofres dos partidos acabam por só entrar quinze por cento."

"Mon Dieu!", exclamou a procuradora-geral, abanando a cabeça.

"Só negociatas!"

"É verdade. Mas a verdadeira negociata é a dos corruptores, claro. A conversa entre o primeiro-ministro e o dono da construtora é, a todos os títulos, ilustrativa. Graças ao dinheiro que dão aos partidos e aos decisores corrompidos, os grandes tubarões conseguem verdadeiros negócios mirabolantes. As PPP são exemplos de negociatas suspeitas, em que o risco foi transferido do privado para o contribuinte, o qual assegura ao privado rentabilidades de quinze por cento ao ano. Ou os governantes que decidiram isso são totalmente parvos, coisa de que tenho as maiores dúvidas, ou então fizeram-no porque havia interesses ocultos em jogo. Não há provas de nada, claro, mas não consigo imaginar outra explicação para decisões tão ruinosas. Reparem que, quando a legislação das PPP foi aprovada, seis deputados da comissão parlamentar de obras públicas eram administradores de empresas de construção envolvidas nestas parcerias..."

Agnès Chalnot sorriu.

"Deve ter sido coincidência..."

"Pois deve", devolveu Tomás. "A terceira coisa que estas conversas mostram é que os países do centro, como a França e a Alemanha, têm também uma importante fatia de responsabilidade na crise da dívida dos países da periferia. Quando a crise começou, os Alemães acusaram a periferia de gastar à tripa-forra, e tinham razão. O que eles não disseram é que eles próprios, Alemães e Franceses, encorajaram os periféricos a endividar-se para além do que podiam. A Alemanha e a França usaram a periferia para financiar indirectamente as suas 490


próprias empresas, pressionando os países periféricos, em particular a Grécia e Portugal, para avançarem com projectos ruinosos que evidentemente não conseguiriam pagar. Ou seja, toda a retórica moral que agora apresentam, retórica que é aliás correctíssima, está impregnada da mais pura das hipocrisias. Os governantes dos países periféricos europeus merecem sentar-se no banco dos réus no processo de crimes contra a humanidade por decisões danosas que tomaram e que conduziram a esta crise, mas os governantes dos países do centro também. É importante lembrar que Portugal, sendo o país mais antigo da Europa, faliu menos vezes que a Alemanha e a França, por exemplo. Portanto, a falência não é algo que esteja necessariamente nos genes portugueses, como andam a insinuar."

Os dois procuradores do Tribunal Penal Internacional cruzaram o olhar; ambos tinham plena consciência de que não os aguardava tarefa fácil. Como iriam eles sentar no banco dos réus, além dos sucessivos governantes da Grécia, de Portugal e de Espanha, os presidentes de França e os chanceleres da Alemanha?

"Tudo isto é muito interessante", disse Agnès Chalnot. "Mas, com o que temos, receio que o processo não tenha pernas para andar."

A conclusão surpreendeu o historiador português. "Não? Porquê?

"Porque não conhecemos a origem do dinheiro com que os países periféricos financiaram estes projectos", indicou ela. "No fim de contas, os financiamentos comunitários só cobrem uma parte das despesas, não é verdade? Sem termos uma coisa dessas apurada, não é possível processo nenhum..."

Tomás inclinou a cabeça.

"Acha que os dois técnicos franceses não gravaram nada sobre isso?", perguntou em tom de desafio. Desviou o olhar para o computador onde o DVD estava inserido. "Pois engana-se..."


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