XIV

A caneta de tinta permanente deslizava pelo documento, rabiscando a assinatura em tinta negra, quando alguém bateu na madeira da porta do gabinete. O homem sentado à secretária ignorou o toque e continuou a garatujar assinaturas; havia muita burocracia a despachar e ele tinha reservado aquela hora para essa função. A batida, suave e seca, voltou a assinalar a presença de alguém do outro lado da porta; era um toque-toque mudo mas inequívoco.

O homem das assinaturas suspendeu a caneta e respirou fundo, desagradado com a interrupção.

"O que é?", rosnou em direcção à entrada do gabinete, a irritação a espreitar-lhe na voz. "Que se passa?"

A porta abriu-se devagar, quase a medo, e um homem engravatado espreitou para o interior.

"Poderoso Magus, perdoe a interrupção", disse o homem num tom submisso, receando até fitar o chefe nos olhos. "Está muito ocupado?"

"Claro que estou muito ocupado!", disparou Magus com mal contida agressividade. "Que me queres tu, Balam? Não sabes que dei instruções rigorosas para ninguém me incomodar? Como te atreves a desobedecer? Espero que tenhas uma boa desculpa."

O subordinado quase se encolheu; as mãos tremiam-lhe e o rosto assumira a expressão aterrorizada de um animal encurralado.

"É que... recebemos agora uma comunicação de prioridade máxima", balbuciou. "É dirigida exclusivamente a si com encriptação de alta segurança."

A informação acalmou o olhar escuro e selvagem de Magus. O

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mestre recostou-se na cadeira e, passando os dedos pelo rosto, serenou.

"Quem a enviou?"

"A equipa Alfa, poderoso Magus", informou-o o subordinado com presteza, mais tranquilizado pela reacção do chefe. "Quer que lhe passe a comunicação?"

"Passa."

A ordem mais pareceu um grunhido, mas o subordinado entendeu à primeira. Fechou a porta com uma vénia e por momentos fez-se silêncio absoluto no gabinete.

O telefone tocou.

"Decarabia, és tu?"

"Sim, grande Magus."

A voz do outro lado da linha estava longe, mas soou tão forte que parecia encontrar-se na sala ao lado; era incrível a qualidade das linhas de comunicação nos dias que corriam.

"Encontraste o português?"

"Sim, grande Magus."

Magus ronronou com agrado. Este Decarabia fora uma excelente aquisição para o grupo; tinha talentos imprescindíveis que até à sua entrada haviam faltado na organização. A dificuldade em concluir este assunto desde o interrogatório e execução dos dois franceses em Nice era de resto prova disso. Com Decarabia e toda a sua vasta expertise tudo seria diferente daí em diante.

"Onde está ele?"

"Em Lisboa, grande Magus."

"Ah, voltou a casa!", exclamou o líder da organização. "Tens a localização exacta?"

"Ainda não, grande Magus. Estou neste momento a ver no sistema o registo do bilhete de avião que ele comprou para Portugal com um nome falso."

A informação suscitou espanto do outro lado da linha.

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"Ele comprou um bilhete?! Mas... como? Não lhe cortámos o acesso à conta?"

"Deve ter sido com o dinheiro do último levantamento que conseguiu fazer. De qualquer modo, já acedi ao sistema de vídeo-segurança do aeroporto de Lisboa e confirmei visualmente que ele de facto desembarcou no destino. A seguir vou tratar de identificar com precisão o seu paradeiro."

Magus descontraiu.

"Excelente!", disse em tom de aprovação, claramente impressionado com a eficiência do novo recruta; entregara-lhe o caso havia apenas vinte e quatro horas e já apresentava resultados palpáveis. "Pareces estar muito bem encaminhado, sim senhor. Há alguma coisa em que te possa ser útil?"

"A rapidez é essencial", indicou a voz do outro lado da linha.

"Preciso de autorização para partir imediatamente para Lisboa. Depois de o localizar, não lhe quero dar tempo de reagir."

"Com certeza", indicou o chefe. "Avança quando entenderes e usa os fundos que forem precisos, ouviste? O importante é deitar a mão a esse canalha!"

"Sim, grande Magus."

Fez-se silêncio na linha e por momentos apenas se ouviu o estralejar indiferenciado da estática.

"Decarabia?"

"Sim, grande Magus?"

"Depois de lhe sacares tudo o que precisamos, fá-lo sofrer, ouviste?

Fá-lo sofrer bem."

"Sim, grande Magus."

Com um movimento da língua, Magus aspirou um pedaço de carne que lhe tinha ficado preso entre os dentes depois do almoço, emitindo assim um silvo inesperado.

"Mata-o bem devagarinho."

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