LIII

Através das cortinas da janela do hotel, situado mesmo por cima da Ponte de Santa Trinitá, Magus apreciava a Ponte Vecchio em todo o seu esplendor; tratava-se da mais antiga das estruturas florentinas sobre o Amo, os pilares e as arcadas devidamente iluminadas na noite, uma maravilha em forma de arquitectura medieval. Um rio de gente fluía pelas ruas da cidade, mas a alma do Amo parecia concentrar-se naquela ponte do século XIV carregada de antiquários e joalheiros como se de uma mera rua de comércio se tratasse.

Alguém bateu à porta do quarto.

"Que raio...?"

Magus consultou o relógio; era uma da manhã, não lhe parecia hora para ser incomodado.

"Quer que vá abrir, signore?"

A pergunta foi formulada entre gemidos pela loira vaporosa que lhe 355


enchia a cama com um olhar dorido. Balam tinha-a recrutado no melhor bordei da cidade e apresentara-a como a cortesã mais estóica de Florença, especialista em fantasias sado-masoquistas e afins. Lançou-lhe um olhar de puro desejo. A verdade é que a rapariga havia aguentado bem o primeiro round e tinha-se portado à altura da sua reputação. Gemera durante as chicotadas e as bastonadas, como aliás convinha, mas nada a desanimou; nem as estaladas, nem os arranhões, nem os insultos.

Suportara com galhardia o feroz e selvático ataque sexual que sobre ela lançara. Valente moça!

"Deixa estar", acabou ele por dizer, afastando-se da janela a apertar o roupão. "Eu vou lá."

Chegou à porta da suíte e espreitou pelo óculo; reconheceu Balam a aguardar no corredor. Destrancou a porta e abriu-a, atirando um olhar interrogativo para o exterior.

"Peço perdão, poderoso Magus", desculpou-se o chefe de segurança no seu habitual tom submisso. "Temos uma resposta."

"Uma resposta a quê?"

"Ao e-mail que enviou ao nosso amigo", esclareceu Balam, exibindo o seu portátil já ligado. "Quer saber o que ele disse?"

Magus escancarou a porta do quarto.

"Entra."

O subordinado penetrou no quarto e pousou o computador sobre a escrivaninha. Lançou um olhar quase indiferente à prostituta deitada na cama. Ela tinha a pele cortada por marcas e em sangue, mas isso não o impressionou, já havia visto aquilo muitas vezes e, no fim de contas, a rapariga era paga a peso de ouro para aguentar.

Pois então que aguentasse.

Concentrou-se no ecrã e digitou o nome e a password de Filipe Madureira. Instantes mais tarde já estava no inbox do seu endereço electrónico. Clicou na mensagem de Tomás e voltou o ecrã na direcção do chefe.

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"Isto está em português", protestou Magus. "Traduz-me lá essa treta."

"Peço perdão, poderoso Magus", desculpou-se, recuperando o computador portátil. "Vou ler-lhe a mensagem."

Leu o texto em português e traduziu-o, hesitando apenas nas palavras "camelo" e "ordinário"; não tinha a certeza de que pudessem ser traduzidas literalmente.

"O gajo caiu que nem um patinho", sentenciou Magus quando o seu esbirro concluiu a tradução. "Virá direitinho à armadilha que lhe montámos."

"Assim é, poderoso Magus."

O chefe indicou o computador.

"É melhor mandarmos-lhe uma resposta."

"Sim, poderoso Magus."

Balam premiu a tecla reply e preparou-se para escrever em português o que o seu superior hierárquico lhe ia ditar.

"Olá, Tomás e Raquel." Fez uma pausa para dar tempo ao subordinado para escrever. "Ainda bem que vocês estão a caminho."

Nova pausa. "O Mefistófeles é óptimo e vai tratar bem de vocês."

Mais uma pausa. "Fico contente por teres decifrado o criptograma, Tomás." Ainda uma pausa. "Belos tempos, o Liceu Afonso de Albuquerque, hem?" Outra pausa. "Hoje estou cheio de dores e mandaram-me dormir." Última pausa. "Um abraço do Filipe."

"Excelente, poderoso Magus", elogiou o subordinado quando concluiu o texto. "Se me permite, este pormenor do liceu é a cereja em cima do bolo. Uni toque de génio."

Magus ronronou com agrado; partilhava a opinião. Releram a mensagem e no final o chefe aprovou.

"Manda -a."

"Sim, poderoso Magus."

Obediente, Balam carregou no send e enviou o e-mail. Acto 357


contínuo, desligou o computador, pegou nele e dirigiu-se à porta para sair, mas o chefe travou-o no momento em que abandonava o quarto.

"Temos de tratar dos pormenores da recepção aos dois pombinhos", disse. "Amanhã quero-te aqui no quarto, ouviste?"

"A que horas?"

"Oito da manhã em ponto". Fez uni gesto a indicar o portátil que o seu esbirro levava nas mãos. "E não te esqueças de identificar a origem desse e-mail."

"Sim, poderoso Magus."

A porta fechou-se e Magus atirou um olhar lúbrico para a cama.

A loura vaporosa gemia baixinho com as dores. Como habitualmente, aquilo excitou-o. Deixou o roupão cair na alcatifa, foi buscar o chicote e, nu e erecto de desejo, abeirou-se da cama.

"Anda, minha cabra", rosnou, desenrolando o chicote.

"Prepara-te para o segundo assalto."



















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