LV

O toque suave na porta despertou-o. O quarto estava escuro, mas Magus conseguiu espreitar o relógio; eram oito da manhã, só poderia ser Balam que viera para receber as instruções. Deslizou da cama, estremunhado, vestiu o roupão e lançou uma olhadela à loura com a qual passara a noite; apesar de ter a pele pálida coberta de vergastadas e de feridas, a prostituta dormia profundamente, efeito do sedativo e do analgésico que tivera de tomar após a segunda dose que ele lhe aplicara.

A visão da mulher alquebrada na cama despertou-o da letargia de quem acabara de acordar e arrancou-lhe um trejeito de satisfação.

"Estiveste à altura, minha linda", murmurou. "Aposto que não me vais esquecer tão cedo..."

Antes que se excitasse de novo, e fiel ao princípio de que o trabalho 369


estava sempre à frente cio prazer, dirigiu-se à porta e espreitou pelo óculo; do outro lado aguardava-o de facto o seu chefe de segurança. Abriu a porta e, sem uma palavra, fez sinal a Balam de que entrasse.

"Tenho novidades, poderoso Magus."

"Tens?", respondeu o chefe, fazendo um sinal a indicar os sofás da suíte. "Senta-te e conta-me tudo."

O subordinado obedeceu e encaminhou-se directamente para o lugar. Não conseguiu reprimir a curiosidade e, tal como na véspera, lançou um olhar indiscreto para a cama; viu os lençóis manchados de sangue e as algemas, enquanto o chicote e as correias jaziam espalhados pelo chão. Nada daquilo constituía novidade, já muitas vezes em ocasiões anteriores se tinha deparado com preparos semelhantes nos aposentos do chefe; apenas as raparigas eram diferentes. Duas vezes tivera mesmo de as levar para o hospital; desta feita, contudo, isso não lhe pareceu necessário, bastaria comprar o silêncio da camareira com uma centena de euros.

"Identifiquei o IP do computador utilizado pelo português para enviar o e-mail", anunciou, voltando a concentrar-se no assunto do momento. "Tra ta-se de um po rtátil."

"Porra!", praguejou Magus, contrariado com a novidade. "O gajo está a proteger-se."

Balam levantou a mão, a sinalizar que ainda não havia terminado.

"Mas o tipo cometeu um erro, poderoso Magus." "A sério? O que fez ele?"

"Fui verificar o registo comercial do portátil e descobri que só foi vendido ontem." Fez uma pausa, como se quisesse sublinhar a importância da informação seguinte, e inclinou-se para a frente. "Em Barcelona."

Os olhos do chefe iluminaram-se.

"Não me digas!", exclamou. "Boa, Balam!"

O esbirro recostou-se no sofá e cruzou a perna, muito satisfeito 370


com a sua descoberta e sobretudo com a reacção de agrado do dirigente máximo da organização.

"Que poderemos concluir daqui, poderoso Magus?"

A pergunta era desnecessária porque, confortável no seu assento, o chefe já equacionava a situação.

"Sabemos neste momento duas coisas muito importantes sobre os nossos pombinhos", considerou, pensativo. "Ontem estavam em Barcelona e hoje estarão aqui, em Florença, não é verdade? Esses factos são seguros. A questão é esta: como se farão transportar de Barcelona para Florença?"

"De avião não pode ser", lembrou Balam. "Precisariam de mostrar os documentos de identificação. Uma vez que estão referenciados pela polícia, sabem que seriam localizados se apanhassem um voo."

Magus fez um gesto impaciente.

"Claro que o avião está fora de questão, isso é óbvio." Soergueu o sobrolho. "Só vejo duas hipóteses: ou vêm à boleia ou de comboio. A boleia parece-me mais segura, mas tem o inconveniente de não garantir que estarão aqui a horas." Abriu as mãos como se expusesse uma evidência. "Portanto vêm de comboio."

O responsável da segurança assentiu com a cabeça. "Deverei vigiar a estação?"

Magus levantou-se do sofá e aproximou-se da janela para espreitar o Amo. O dia nascera sombrio, com uma neblina prateada a erguer-se lentamente do rio como vapor, e uma luz metálica rodeava a Ponte Vecchio e conferia-lhe um aspecto vagamente espectral.

Permaneceu vários segundos entre as cortinas a contemplar a paisagem e a tentar imbuir-se da serenidade que a cidade irradiava, consciente de que precisava de cabeça fria para enfrentar o que aí vinha; o dia seria longo e muita coisa se jogaria nas vinte e quatro horas seguintes.

Virou-se para trás e, com os olhos cruéis a reflectirem o gelo da decisão, 371


fitou o seu subordinado.

"Acaba com eles."

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