XLV
Era como se um magneto irresistível os unisse.
Numa explosão incontrolável do desejo até aí reprimido, os corpos de Tomás e Raquel colaram-se, boca com boca, gemendo e arfando, agarrados num abraço de carne, ele a afagar-lhe as costas, ela a despenteá-lo na nuca. Rolaram pelo sofá até ao tapete, sôfregos, gulosos, na voracidade do prazer, o calor de um a incendiar o outro, as línguas ardentes a entaramelarem-se, a lutarem, a saborearem-se, melancolia portuguesa e paixão espanhola, mar lusitano e fogo castelhano, veludo e ferro, sal e sangue, olá e bola.
Tacteando às cegas o corpo dele, Raquel agarrou-lhe o cinto e começou a abri-lo; Tomás respondeu arrancando-lhe a blusa e soltando-lhe o soutien, trapalhão e impaciente. Sentiu os seios quentes e gelatinosos encherem-lhe as palmas das mãos, não pareciam grandes mas eram bem desenhados, altivos, os mamilos largos e rosados como biberões suculentos que, num acometimento irrefreável de lascívia, abocanhou com sofreguidão.
"Dulce", sussurrou ela, ofegante, os olhos cerrados na volúpia do momento. "Dulce, dulce."
292
Tomás lambeu-lhe a boca e depois os mamilos e depois a boca, o corpo ateado pelo desejo cego, pareciam dançarinos a executar uma coreografia instintiva, as mãos dele a acariciarem-lhe as formas, as narinas dela a encherem-se com Os cheiros, ambos a partilharem o calor palpitante do outro. Teria alguma vez Filipe provado aquela mulher?, foi a pergunta que, vinda do nada, passou pela mente de Tomás. Se não o fizera, era um tolo. Um tolo. Ele, no lugar de Filipe, não a teria largado. No lugar de Filipe ele teria... teria...
Parou.
Raquel abriu os olhos, estranhando a pausa súbita, e fitou-o com as sobrancelhas a desenharem uma expressão interrogativa de incompreensão.
"Qué pasa, cariño?"
De olhos arregalados e perdidos num ponto indefinido na parede, como se de repente se tivesse transferido para uma outra dimensão, o português sentou-se no tapete.
"Se estivesse no lugar de Filipe, o que teria feito?"
Formulou a pergunta numa voz estranha, como se a questão não fosse dirigida a ninguém senão a ele próprio; parecia que de repente havia ficado sozinho na sala, Tomás e as suas perplexidades, mergulhado num mundo onde ninguém senão ele podia entrar.
"Qué?", admirou-se a espanhola, ainda sem nada entender.
Pegou na blusa caída aos pés do sofá e tapou com ela os seios nus. "O
que aconteceu? Porque... porque paraste? Sentes-te bem?"
O beijo quebrara a formalidade entre eles, a barreira do tu fora vencida. Ao ver o seu novo amante sentado sobre o tapete, hirto, os olhos vidrados, mergulhado num mundo só seu, distante e impenetrável, contudo, Raquel ainda duvidou. Ter-se-iam mesmo aproximado?
As feições de Tomás exibiam a rigidez de um autómato. "No lugar dele, o que teria eu feito?"
"Por Dios, estás a falar de quê?"
293
O historiador estremeceu e deu sinais de voltar a si, o olhar abraseado pela luz que acabara de se acender no seu cérebro.
"O criptograma!", exclamou, estendendo a mão para o envelope ainda pousado sobre o sofá. "Já sei como é que o Filipe ocultou a mensagem no criptograma!"
Raquel abriu a boca e esboçou uma expressão de pasmo absoluto.
"Mas... mas estás a pensar no criptograma? Agora? No criptograma?" A sua estupefacção não conhecia limites. "Por Dios, Tomás, isso não pode esperar para depois de... enfim, para depois?
Tem mesmo de ser agora, madre mia?"
0 seu amante, contudo, não parecia sequer ouvi-la. Com a determinação cega de um sonâmbulo, Tomás levantou-se e, nu e pouco preocupado com isso, mergulhou na charada que o amigo havia garatujado no envelope.
"Um itinerário", disse. "Quando éramos miúdos, os anagramas que fazíamos eram elaborados com um itinerário e depois partidos ao meio." Pegou na caneta e no bloco de notas e sentou-se no sofá. "Se eu estivesse no lugar dele e quisesse mandar uma mensagem para mim, teria elaborado uni itinerário igual àqueles que nós fazíamos no tempo do liceu."
"Mas que itinerário? Explica-te!"
Com movimentos quase frenéticos da mão, experimentou colar as quatro linhas numa única linha.