CAPÍTULO 29
O segredo
DURANTE MEUS CAÓTICOS ÚLTIMOS MESES como governador, Maria e eu fomos procurar um terapeuta de casais. Ela queria conversar sobre o fim do meu mandato, e nos concentramos em questões que vários casais enfrentam na meia-idade, como o fato de nossos filhos estarem começando a viver as próprias vidas. Katherine já estava com 21 anos e cursava o terceiro ano na Universidade do Sul da Califórnia, enquanto Christina estava no segundo ano na Universidade de Georgetown. Dali a alguns anos, Patrick e Christopher também sairiam de casa. Como ficariam nossas vidas?
No entanto, Maria marcou uma sessão logo para o dia seguinte à minha saída do governo, quando me tornei outra vez um cidadão comum (era uma terça-feira), e pressenti que dessa vez era outra coisa. Agora minha mulher tinha algo muito específico em mente.
O consultório tinha uma iluminação fraca e era mobiliado com peças minimalistas e de cores neutras – não era o tipo de sala em que eu gostaria de passar muito tempo. Havia um sofá, uma mesa de centro e a poltrona do terapeuta. Assim que nos sentamos, ele virou-se para mim e falou:
– Maria quis vir aqui hoje para perguntar sobre um filho... para perguntar se você teve um filho com Mildred, sua empregada. Foi por isso que ela marcou esta sessão. Então vamos falar sobre isso.
No primeiro instante, quando o tempo pareceu parar, pensei comigo mesmo: “Bom, Arnold, você queria contar para ela. Surpresa! Está contado. Agora a bola está com você. Talvez esse fosse o único jeito de você tomar coragem.”
– É verdade – falei para o terapeuta. Então me virei para Maria. – O filho é meu. Aconteceu há 14 anos. No início eu não sabia sobre ele, mas já faz vários anos que sei.
Disse a ela quanto estava arrependido, quanto aquilo tinha sido errado, e que era culpa minha. Simplesmente descarreguei tudo.
Fora uma daquelas coisas idiotas que eu prometera a mim mesmo nunca fazer. Durante a vida inteira, jamais tinha me envolvido com alguém que trabalhasse para mim. Tinha acontecido em 1996, quando Maria e as crianças estavam viajando de férias e eu permaneci em Los Angeles terminando Batman & Robin. Mildred já trabalhava em nossa casa havia cinco anos, e de repente nos vimos sozinhos na casa de hóspedes. Em agosto do ano seguinte, quando ela deu à luz, batizou o menino de Joseph e o registrou como filho de seu marido. Foi nisso que eu quis acreditar e, de fato, foi nisso que passei muitos anos acreditando.
Joseph tinha ido várias vezes à nossa casa para brincar com nossos filhos. No entanto, a semelhança física comigo só ficou evidente na época em que ele chegou à idade escolar, quando eu já era governador e Mildred me mostrou as fotos mais recentes dele e de seus outros filhos. A semelhança era tão grande que me dei conta de que não restava dúvida: o menino era meu filho. Embora Mildred e eu mal tenhamos abordado o assunto, a partir daí passei a pagar os estudos dele e a ajudar financeiramente na sua criação e na dos irmãos. O marido de Mildred fora embora de casa poucos anos depois de Joseph nascer, mas seu namorado Alex assumira o papel de pai das crianças.
Muitos anos antes, Maria já tinha me perguntado se Joseph era meu filho. Na época, eu não sabia que era o pai e neguei. Minha impressão agora era que ela e Mildred, que a essa altura já trabalhava na nossa casa havia quase 20 anos, tinham conversado a respeito. De toda forma, muito pouco do que eu tinha a dizer pareceu novidade para Maria. O assunto tinha sido trazido à baila e ela queria respostas.
– Por que não me contou antes?
– Por três motivos – respondi. – Primeiro, eu não sabia como contar. Estava muito envergonhado, não queria magoar você e não queria estragar nosso casamento. Em segundo lugar, eu não tinha ideia de como contar e ao mesmo tempo manter a história como um assunto particular, porque você divide tudo com sua família, e nesse caso gente de mais ficaria sabendo. O terceiro motivo é que manter segredo faz parte de quem eu sou. Não importa o que aconteça, eu guardo as coisas para mim mesmo. Não fui criado com o costume de conversar. – Falei isso mais para o terapeuta, que não me conhecia muito bem.
Eu poderia ter citado mais 10 motivos, e todos eles teriam soado como desculpas esfarrapadas. O fato era que eu havia prejudicado a vida de todos os envolvidos e deveria ter contado a Maria muito antes. Em vez de fazer a coisa certa, porém, eu simplesmente guardara a verdade dentro de um compartimento mental e a trancara lá, onde não precisava lidar com ela no dia a dia.
Em geral eu tento me defender, mas dessa vez não fiz isso. Tentei cooperar o máximo possível. Expliquei que o erro tinha sido meu, que Maria não deveria pensar que tivera algo a ver com ela.
– Eu pisei na bola. Você é a mulher perfeita. Não foi porque alguma coisa estava errada, nem porque você passou uma semana fora de casa nem nada do tipo. Esqueça tudo isso. Você é linda, é sexy, e me sinto tão atraído por você hoje quanto em nosso primeiro encontro.
Maria decidiu que precisávamos nos separar. Não pude culpá-la. Como se não bastasse eu tê-la enganado em relação ao menino, Mildred continuara trabalhando em nossa casa durante todos aqueles anos. Foi Maria quem decidiu sair de casa. Concordamos em montar um esquema que não fosse perturbar demais a vida de nossos filhos. Embora nosso futuro como marido e mulher estivesse incerto, ambos tínhamos o forte sentimento de que ainda éramos pais e continuaríamos a tomar juntos todas as decisões relacionadas à nossa família.
A crise em nosso casamento tornou ainda pior um ano já difícil para Maria. Ela ainda estava abalada com a morte da mãe, um ano e três meses antes. Além disso, junto com os irmãos, tivera que tomar a difícil decisão de internar Sarge, então com 95 anos, em uma instituição especializada para pacientes com mal de Alzheimer.
Tínhamos apenas começado a organizar nossa separação e a falar sobre o assunto com nossos filhos quando Sarge morreu. Foi uma perda terrível. Ele era o último remanescente da geração de grandes figuras públicas do clã Shriver e Kennedy. A missa do funeral, em Washington, no dia 22 de janeiro de 2011, foi celebrada praticamente 50 anos depois de Sarge ter fundado o Peace Corps. Joe Biden, a primeira-dama Michelle Obama, Bill Clinton e muitos outros líderes compareceram, e Maria homenageou o pai com uma fala eloquente e tocante na qual contou como ele havia ensinado seus irmãos a respeitar as mulheres. As palavras talvez tenham sido dirigidas em parte a mim, mas eu já ouvira Maria elogiar o pai muitas vezes em termos semelhantes.
Depois do funeral, Maria voltou para Los Angeles comigo e nossos filhos, a não ser por Christina, que ficou em Georgetown. Fomos muito discretos quanto à separação. Em abril, ela se mudou para um condomínio anexo a um hotel vizinho à nossa casa, onde havia bastante espaço para as crianças ficarem ao se revezarem entre a casa da mãe e a minha.
Perguntei a mim mesmo o que me motivara a ser infiel e como eu pudera ter deixado de contar a Maria sobre Joseph por tantos anos. Não importa quão bem-sucedidas na vida as pessoas são, muitas delas fazem más escolhas quando o assunto é sexo. Você acha que pode ignorar as regras e se safar, mas na realidade suas ações podem ter consequências duradouras. Provavelmente minha história de vida, assim como o fato de eu ter saído de casa muito cedo, também teve sua influência. Essas coisas me deixaram calejado emocionalmente e moldaram meu comportamento de modo a me tornar menos cuidadoso em relação a questões íntimas.
Como eu disse ao terapeuta, manter as coisas em segredo tem a ver com quem eu sou. Por mais que eu ame os outros e busque companhia, parte de mim sente que vou surfar sozinho as grandes ondas da vida. Em momentos cruciais, tomei as decisões sozinho – como quando adiei a decisão de me candidatar a governador até a tarde em que subi ao palco do programa de Jay Leno. Usei o segredo – ou a negação – para lidar com desafios complexos, como quando preferi não falar nada sobre a cirurgia no coração e fingir que aquilo era uma espécie de férias. No caso de Mildred, estava usando o segredo para evitar uma confissão que eu sabia que iria ferir Maria, embora esconder o problema tenha acabado piorando a situação. Na época em que tive certeza de que Joseph era meu filho, não quis que isso afetasse minha capacidade de fazer um governo eficiente. Decidi guardar segredo não apenas de Maria, mas também de meus amigos e consultores mais próximos. Politicamente, não achava que isso fosse da conta de ninguém, pois minha campanha não fora baseada em valores familiares. Reprimi o fato de que, como marido e pai, estava decepcionando as pessoas. Desapontei todo mundo. Joseph também – não fui presente na vida dele como o pai de que um garoto precisa. Quis que Mildred continuasse trabalhando em nossa casa porque pensei que assim pudesse controlar melhor a situação, mas isso também foi um erro.
O mundo só ficou sabendo que Maria e eu tínhamos nos separado em maio, quando o Los Angeles Times ligou para fazer perguntas. Respondemos com uma declaração de que havíamos “nos separado amigavelmente” e de que estávamos avaliando o futuro de nossa relação. Como era previsível, a notícia gerou um frenesi da imprensa, amplificado pelo fato de não termos dado qualquer explicação.
O terapeuta achou que deveríamos dizer a verdade, “para ficar claro quem é a vítima e quem é o infrator”. Fui contra, alegando que não ocupava mais nenhum cargo público e que nada me obrigava a compartilhar minha vida pessoal com ninguém. No entanto, tive também que admitir para mim mesmo: “Eu revelei ao público tudo a meu respeito, então por que esconder o lado negativo?” Se fosse para falar sobre mau comportamento, porém, eu queria fazê-lo no meu próprio ritmo.
Foi besteira pensar que eu teria escolha. Pessoas falaram, outras mandaram e-mails, e em poucos dias o Movie Channel começou a fazer perguntas sobre um filho nascido fora do casamento. Então o LA Times ficou sabendo da história.
Na véspera da publicação da notícia, um jornalista ligou para nos avisar e perguntar se tínhamos alguma declaração a dar. Minha resposta dizia, em linhas gerais: “Entendo e mereço os sentimentos de raiva e decepção de meus amigos e familiares. Não há desculpa possível para o que fiz, e assumo total responsabilidade pela mágoa que causei. Já pedi desculpas a Maria, a meus filhos e a meus parentes. Sinto muitíssimo. Peço à imprensa que respeite minha mulher e meus filhos neste momento extremamente difícil. Quem merece suas perguntas e críticas sou eu, não minha família.” Quis proteger a privacidade deles, algo que até hoje é uma de minhas prioridades.
Ao saber que a história iria vazar na manhã seguinte, tive que contar aos meus filhos. Falei com Katherine e Christina por telefone, pois as duas estavam em Chicago com Maria para o programa de despedida de Oprah Winfrey. Patrick e Christopher estavam em casa comigo, então contei pessoalmente. Em cada uma dessas conversas, expliquei que havia cometido um erro. Falei: “Eu sinto muito. Aconteceu isso com Mildred há 14 anos, ela engravidou e agora existe um menino chamado Joseph. Isso não muda o meu amor por vocês, e espero que não mude o amor de vocês por mim. Mas aconteceu. Sinto muitíssimo por isso. Sua mãe está muito chateada e decepcionada. Vou me esforçar muito para tornar a reunir todos nós. Vai ser um período difícil, e espero que a reação dos colegas de vocês na escola não seja muito ruim, assim como a dos pais dos seus amigos quando vocês forem à casa deles, ou quando ligarem a TV ou lerem o jornal.”
Deveria ter dito também “ou quando acessarem a internet”, pois uma das primeiras coisas que Katherine e Patrick fizeram foi tuitar sobre o que estavam sentindo. Patrick citou a letra do rock “Where’d You Go”: “Tem dias em que você se sente uma merda, quer jogar tudo para o alto e ser normal por um tempo”, e acrescentou: “mas eu amo a minha família até que a morte nos separe”. Katherine escreveu: “Com certeza a situação não é fácil, mas agradeço o carinho e o apoio de vocês enquanto começo a melhorar e tocar a vida. Sempre amarei minha família!”
Semanas se passaram antes que eles acreditassem no fato de que a nossa família não estava totalmente destruída. Nossos filhos viam que Maria e eu nos falávamos quase todos os dias. Viam-nos sair para almoçar ou jantar juntos. Patrick e Christopher criaram certa rotina de revezamento entre a casa e o condomínio. Tudo isso ajudou a restaurar um pouco de estabilidade.
Também lamentei o impacto da história toda em Mildred e Joseph. Eles não estavam acostumados com uma vida pública e de repente se viram importunados por advogados ávidos por publicidade e por jornalistas de programas e tabloides de fofocas. Mantive contato com Mildred e a ajudei a encontrar um lugar mais discreto para a família morar. Ela nunca se comportou como uma adversária e lidou de forma honesta com a situação. Ao ir embora de nossa casa, disse à imprensa que tínhamos sido justos com ela.
Embora Maria e eu continuemos separados na data em que estas linhas estão sendo escritas, ainda tento tratar todo mundo como se estivéssemos juntos. Ela tem o direito de estar amargamente decepcionada e de nunca mais olhar para mim da mesma forma. O caráter público da separação torna a situação duas vezes mais difícil para nós. O divórcio está encaminhado, mas ainda espero que Maria e eu possamos voltar a ser marido e mulher e a formar uma família com nossos filhos. Podem chamar isso de negação, mas é assim que minha mente funciona. Ainda amo minha esposa. E sou um otimista. Passei toda a minha vida me concentrando nos pontos positivos. Tenho esperança de que vamos voltar a ficar juntos.
Durante o último ano, ela algumas vezes me perguntou: “Como é que você consegue tocar a vida, enquanto eu tenho a sensação de que tudo desmoronou? Como é que não se sente perdido?” Ela já sabe a resposta, claro, pois me compreende melhor que qualquer outra pessoa no mundo. Eu preciso continuar seguindo em frente. E ela também continuou tocando a vida e se envolveu cada vez mais em causas associadas a seus pais. Percorreu o país inteiro para promover o combate ao mal de Alzheimer e é muito ativa no conselho da Special Olympics, no qual está ajudando a preparar os Jogos Internacionais de 2015, em Los Angeles.
Fiquei contente por ter uma agenda lotada depois de nos separarmos, pois caso contrário teria mesmo me sentido perdido. Continuei trabalhando e não parei um minuto. No verão, já tinha feito alguns discursos na condição de ex-governador no norte dos Estados Unidos e no Canadá. Fui ao Xingu com Jim Cameron, a Londres para a festa de aniversário de 80 anos de Mikhail Gorbachev, a Washington para uma cúpula sobre imigração e a Cannes para receber a medalha da Légion d’Honneur e promover novos projetos. No entanto, ainda que estivesse atarefado como nunca, nada parecia estar no seu devido lugar. O que havia tornado minha carreira divertida ao longo de mais de 30 anos fora poder compartilhá-la com Maria. Nós tínhamos feito tudo juntos, e agora minha vida parecia fora dos trilhos. Não havia ninguém me esperando quando eu chegava em casa.
Na primavera de 2011, quando o escândalo veio à tona, eu havia me comprometido a fazer o discurso inaugural em um fórum internacional de energia em Viena, organizado junto com o Programa de Desenvolvimento da ONU. Fiquei com medo de o frenesi midiático prejudicar minha eficácia como defensor do meio ambiente e cheguei a pensar que o convite fosse ser retirado. No entanto, os organizadores de Viena quiseram manter o combinado. “Isso é um assunto pessoal”, disseram. “Não achamos que vá afetar o grande exemplo que o senhor estabeleceu em matéria de políticas ambientais. Os milhões de telhados solares não vão ser desmontados...” No discurso, prometi abraçar a missão de convencer o mundo de que uma economia global sustentável é desejável, necessária e possível.
Ao deixar Sacramento, eu sabia que iria querer retomar minha carreira no entretenimento. Não havia recebido salário nenhum durante meus sete anos como governador, e já estava na hora de voltar a fazer trabalhos remunerados. No entanto, o ataque dos meios de comunicação em abril e maio tornou isso temporariamente impossível. Para minha vergonha e meu arrependimento, as dolorosas consequências do escândalo extrapolaram os limites da minha família e atingiram muitas das pessoas com as quais eu trabalhava.
Anunciei que iria interromper minha carreira para cuidar de assuntos pessoais. Adiamos The governator (O governador), série de desenhos animados e livros de quadrinhos que eu vinha preparando em parceria com Stan Lee, lendário criador do Homem-Aranha. Outro projeto a sair dos trilhos foi Cry Macho, filme que eu quisera fazer durante todo o meu mandato. Al Ruddy, produtor de O poderoso chefão e Menina de ouro, estava segurando esse projeto para mim havia muitos anos. Quando o escândalo estourou, porém, o material se tornou delicado demais – a trama gira em torno da amizade de um treinador de cavalos com um menino latino de 12 anos que vive nas ruas. Liguei para Al e falei:
– Talvez outra pessoa possa estrelar o filme, não faz mal, ou então você pode segurá-lo para mim um pouco mais.
Ele já havia falado com os investidores.
– Eles topam fazer outro filme com você. Mas não esse – disse ele.
Como depois da minha cirurgia no coração, Hollywood no início me rejeitou. O telefone não tocava. Quando o verão chegou, porém, meu sobrinho Patrick Knapp, que era meu advogado na área de entretenimento, informou que os estúdios e as produtoras haviam começado a entrar em contato de novo. “Arnold ainda está dando um tempo na carreira?”, perguntavam eles. “Não precisamos falar com ele diretamente, pois entendemos que ele ainda está passando por uma crise familiar, mas podemos pelo menos conversar com o senhor? Temos um filme incrível que gostaríamos que ele fizesse...”
No outono, eu já estava rodando filmes de ação outra vez – Os mercenários 2 com Sylvester Stallone na Bulgária, The Last Stand (O último bastião) no Novo México com o diretor Jee-Woon Kim, e The Tomb (O túmulo), outro filme com Stallone, perto de Nova Orleans. Perguntei-me como seria ficar diante das câmeras outra vez. Sempre que visitava algum set de filmagem durante minha época como governador, eu pensava: “Puxa, que bom que não estou pendurado de cabeça para baixo pela cintura tendo que fazer uma cena de luta.” Meus amigos perguntavam se eu não sentia falta disso e eu respondia: “Nem um pouco. Estou muito feliz por usar terno e gravata, prestes a entrar em uma reunião sobre ensino e livros escolares digitais, seguida de um discurso sobre controle da criminalidade.” Mas a mente sempre nos surpreende. Você começa a ler roteiros, a visualizar a cena e a forma de dirigi-la, a imaginar a coreografia da ação, e então entra no clima e fica ansioso para filmar. A mente se desliga dos assuntos políticos e se transfere para novos desafios.
Quando cheguei à locação de Os mercenários 2 na Bulgária, em setembro de 2011, foi a primeira vez que trabalhei como ator depois de ter sido governador, tirando participações especiais em O garoto & eu e Os mercenários enquanto ainda ocupava o cargo. Estava parado havia oito anos e fora de forma para tiroteios e cenas de ação. Os outros atores veteranos do elenco – Sly, Bruce Willis, Dolph Lundgren, Jean-Claude van Damme e Chuck Norris – foram muito legais comigo e de certa forma se tornaram meus protetores. Em geral, os astros de filmes de ação se mantêm discretos no set: ficam treinando suas artes marciais e andando para lá e para cá com ar de machão. Mas os caras realmente se esforçaram. Sempre aparecia alguém para dizer: “A trava de segurança da arma fica aqui... E é assim que você tem que carregar as balas.” Tive a sensação de estar sendo acolhido de volta ao ofício da ação e da interpretação.
As filmagens foram difíceis. É um trabalho muito físico e é preciso estar condicionado, pois as mesmas cenas têm que ser repetidas várias vezes: trombar com a mesa de alguém, sair correndo com armas em punho, jogar-se no chão, ficar abaixado porque alguém o está alvejando. Você percebe que existe uma diferença entre ter 35 anos e quase 65. Fiquei feliz com o fato de Os mercenários 2 ser um filme de grupo, no qual eu era apenas um astro em meio a oito ou 10 outros. Passei apenas quatro dias no set, e em momento algum senti a pressão de carregar o filme nas costas.
Da Bulgária, fui para o sudoeste dos Estados Unidos filmar The Last Stand. Nesse filme, grande parte da pressão recaiu sobre mim. Na verdade, o roteiro fora escrito para mim: nele interpreto um oficial do departamento de narcóticos da polícia de Los Angeles prestes a se aposentar. Quando meu parceiro vira deficiente físico após uma missão malsucedida, decido que não consigo mais lidar com o trabalho. Assim, volto para minha cidade natal, na fronteira do Arizona com o México, e lá me torno xerife. Então, de repente, uma gangue de traficantes que está fugindo do FBI surge vindo na minha direção. São bandidos violentos e ex-combatentes das Forças Armadas, e eu preciso impedi-los de chegar ao México. Para isso, disponho apenas de três assistentes inexperientes. Nós formamos “o último bastião”, o nome do filme. O xerife sabe que seu sucesso será muito importante para a cidade. É a sua reputação que está em jogo. Será que ele chegou mesmo ao fim da linha ou vai conseguir dar conta do recado?
No filme seguinte, The Tomb (O túmulo), deixo de ser um agente da ordem para me tornar um fora da lei. Meu personagem é Emil Rottmayer, especialista em segurança que é preso e interrogado por planejar atos de terrorismo cibernético. A prisão é uma masmorra particular de altíssima tecnologia, um verdadeiro pesadelo, situada em um local desconhecido, para onde governos ocidentais mandam pessoas que representam risco ao sistema vigente. Rottmayer é torturado porque se recusa a trair seu chefe, líder rebelde ainda em liberdade. Nessa hora aparece Sylvester Stallone na pele de Ray Breslin, o maior especialista em “segurança estrutural” do mundo prisional. Ele é mestre em se disfarçar para entrar em prisões de segurança máxima e fugir, expondo as falhas das instalações. Dessa vez, porém, ele é traído por um sócio que pode ganhar uma fortuna se a prisão for à prova de fugas, e Breslin não consegue escapar. Depois de um confronto, ele e eu nos unimos e a trama parte daí. Para alcançar o visual de uma imensa prisão, nosso diretor, o sueco Mikael Håfström, resolveu rodar a maior parte do filme em uma antiga instalação da NASA na Louisiana. A área comum dos detentos, chamada Babylon, ou Babilônia, é uma câmara cavernosa, com 70 metros de altura, na qual até recentemente fabricantes de foguetes acoplavam o tanque externo de combustível às naves espaciais. O espaço, hoje vazio e intimidador, é o cenário perfeito para um filme que opõe os heróis aos males do establishment mundial.
Na vida real, estou assumindo um novo e enorme desafio. No último verão, anunciamos a criação de uma importante nova organização na Universidade do Sul da Califórnia, o Instituto Schwarzenegger para Estudos de Políticas de Estado e Globais. Assim, mesmo tendo deixado a vida pública, continuarei a promover as ideias que me eram mais caras: reforma política, mudanças climáticas e meio ambiente, reforma do ensino, reforma econômica e pesquisas sobre saúde e com células-tronco.
Assim como as bibliotecas presidenciais perpetuam o legado de ex-presidentes com pesquisas e bolsas de estudos, o objetivo de nosso instituto é contribuir para o discurso público e inspirar mudanças. Trabalharemos com algumas das melhores mentes na área de políticas públicas para produzir estudos e fazer recomendações em âmbito mundial.
A USC é um ambiente perfeito para isso, porque se trata de uma instituição que se orgulha de não ser nem conservadora nem liberal, mas de ter a mente aberta. Ela promove discussões para obter as melhores ideias das figuras mais inteligentes do espectro político. Organizaremos congressos e oficinas e patrocinaremos pesquisas em áreas nas quais me concentrei quando era governador e nas quais a Califórnia fez progressos históricos.
Terei também a grande honra de ser nomeado o primeiro ocupante da cátedra Governador Downey de Políticas de Estado e Globais, criada em homenagem ao primeiro governador imigrante da Califórnia, o cofundador da USC John G. Downey. O posto me dará a oportunidade de viajar pelo mundo e proferir palestras em nome da Universidade do Sul da Califórina e do Instituto Schwarzenegger.
Meu mandato como governador tinha que acabar, mas, com o instituto, poderei continuar e expandir o trabalho que comecei no governo. Considero isso fascinante, pois não fico satisfeito a não ser que possa compartilhar o que aprendi e vivenciei. Penso sempre em Sarge e Eunice e na forma como os dois sempre me incentivaram a me concentrar em causas maiores do que eu mesmo. A melhor formulação que Sarge deu a essa ideia foi em um discurso que fez em Yale, em 1994. Eles disse aos formandos: “O que conta não é o que vocês obtêm da vida”, disse ele. “Quebrem seus espelhos! Nesta nossa sociedade tão autocentrada, comecem a olhar menos para si mesmos e mais para os outros. Terão mais satisfação se conseguirem melhorar seu bairro, sua cidade, seu estado, seu país e seus semelhantes do que jamais poderão obter de seus músculos, aparência, carro, casa ou dinheiro. A recompensa por ser pacifista é maior do que aquela por ser guerreiro.” Penso nessas palavras diariamente. Os grandes líderes sempre falam sobre coisas muito maiores do que eles próprios. Segundo eles, trabalhar por uma causa que vá durar mais que nós é o que dá à vida significado e alegria. Quanto mais coisas consigo realizar no mundo, mais concordo com isso.