CAPÍTULO 14
O que não nos mata nos fortalece
CONAN, O BÁRBARO É AMBIENTADO EM UMA Europa primitiva durante a fictícia Era Hiboriana, após o naufrágio de Atlantis, mas milhares de anos antes do alvorecer da história documentada. Cheguei à Madri contemporânea no início de dezembro, quando o projeto estava ganhando forma. John Milius dizia às pessoas que nós queríamos fazer um filme que proporcionasse “uma boa diversão pagã, que fosse em primeiro lugar uma história de amor, uma aventura, um filme em que algo grande acontece” – e também cheio de ação e sangue. “Vai ser bárbaro”, prometeu ele. “Não vou poupar esforços.”
Para levar esse sonho às telas, ele havia recrutado um time de primeira categoria: mestres como Terry Leonard, o diretor de dublês que acabara de trabalhar em Os caçadores da arca perdida; Ron Cobb, diretor de arte responsável por Alien; e Colin Arthur, ex-funcionário do museu de cera Madame Tussaud, para supervisionar a fabricação de manequins e partes de corpos humanos. Quando cheguei, o filme já tinha movimentado uma pequena indústria. A maioria dos atores e os principais membros da equipe estavam hospedados em um elegante hotel na área central de Madri, mas a ação de verdade acontecia em locações espalhadas por toda a Espanha. Duzentos operários trabalhavam na montagem dos sets em um enorme galpão a 11 quilômetros da cidade. As sequências externas seriam filmadas nas montanhas próximas a Segóvia, e também nas espetaculares dunas e nos pântanos de água salgada da Almería, província espanhola localizada no litoral mediterrâneo. Um empório marroquino da capital de Almería seria transformado em cidade hiboriana, e iríamos filmar em uma antiga fortaleza vizinha e outros sítios históricos.
O orçamento da produção, 20 milhões de dólares, era generoso: equivaleria a 100 milhões de dólares hoje em dia. Milius usou o dinheiro para reunir um impressionante arsenal de pessoas e efeitos especiais. Além das dezenas de espanhóis que trabalhavam no filme, ele contratou artesãos, instrutores e coordenadores de dublês da Itália, da Inglaterra e dos Estados Unidos. O roteiro demandava cavalos, camelos, cabras, abutres, cobras, cachorros, um falcão e um leopardo. Mais de 1.500 figurantes foram contratados. A trilha sonora seria executada por uma orquestra de 90 instrumentos e um coro de 24 integrantes, que cantaria em uma língua latina inventada.
Milius fez questão de que cada peça de roupa e cada equipamento estivessem de acordo com o universo fantasioso dos quadrinhos. Todos os objetos de couro ou tecido tinham sido arrastados pelo chão por carros até ficarem sujos e com aparência envelhecida. Selas tinham que ser escondidas debaixo de cobertores e peles, pois, segundo John, na época em que o filme se passava não havia seleiros que costurassem couro. As armas exigiram enorme atenção. As duas espadas de Conan foram forjadas sob medida a partir dos desenhos de Ron Cobb e gravadas com palavras em uma língua inventada. Foram feitos quatro exemplares de cada uma, por 80 mil dólares no total. Naturalmente, John insistiu que essas espadas e todas as outras armas tivessem um aspecto usado, não reluzente. Segundo ele, elas deviam matar, não brilhar. Matar era o mais importante.
Passei o mês de dezembro ocupado decorando as falas, ajudando a planejar as cenas de ação e conhecendo os outros integrantes da equipe.
Milius teve uma abordagem pouco ortodoxa em relação à escolha do elenco: para os outros papéis importantes, selecionou atletas em vez de atores. Para viver meu comparsa, o arqueiro Subotai, ele contratou Gerry Lopez, campeão de surfe havaiano que já interpretara a si mesmo no filme anterior de Milius, Amargo reencontro. Para viver o amor de Conan, a ladra e guerreira Valeria, o diretor escolheu Sandahl Bergman, bailarina profissional recomendada pelo diretor e coreógrafo Bob Fosse. John acreditava que os rigores da musculação e da dança, ou de passar sete horas por dia surfando ondas capazes de matar, forjavam o caráter das pessoas, e estava certo de que isso iria transparecer na tela. “É só olhar para o rosto de quem passou por provações terríveis, gente da Iugoslávia ou da Rússia, por exemplo”, dizia. “Observem as rugas, a personalidade que esses rostos têm. É algo impossível de fingir. Essas pessoas têm princípios em nome dos quais se dispõem a viver ou morrer. Elas são duronas por causa de tudo o que tiveram que enfrentar.”
No entanto, até mesmo um fanático feito John entendia que nossa falta de experiência diante das câmeras talvez fosse constituir um problema. Para nos inspirar e ajudar a neutralizar o risco, contratou também alguns veteranos. James Earl Jones estava acabando de encerrar uma temporada na Broadway como protagonista de A Lesson from Aloes (Uma lição dos aloés), de Athol Fugard, e entrou no projeto para interpretar Thulsa Doom, o malvado feiticeiro e rei que mata os pais de Conan e transforma o jovem herói em escravo. Max von Sydow, astro de muitos filmes de Ingmar Bergman, faria o papel do rei que deseja recuperar a filha que fugiu de casa para se juntar ao culto à serpente de Thulsa Doom.
Uma das preocupações de Milius era encontrar caras maiores do que eu que interpretassem os inimigos de Conan, para não ficar parecendo que seria fácil para o guerreiro derrotar todo mundo. Disto o diretor fazia questão: os atores tinham que ser mais altos e mais musculosos que eu. No circuito do fisiculturismo, eu conhecera um dinamarquês chamado Sven-Ole Thorsen, que media 1,96 metro e pesava mais de 136 quilos. Thorsen era faixa preta de caratê. Entrei em contato com ele a pedido de Milius e o encarreguei de encontrar outros caras grandes. No início de dezembro, apareceram todos em Madri – meia dúzia de dinamarqueses imensos, com um ar realmente ameaçador: praticantes de levantamento de peso, lançamento de martelo e arremesso de peso, além de especialistas em artes marciais. Ao seu lado, eu me sentia um cara pequeno, sensação que jamais tivera na vida. Passamos a nos preparar juntos, treinando técnicas de combate com machados e espadas e praticando montaria. Eu já estava bem adiantado em relação a eles, claro, mas quando as filmagens começaram, em janeiro, os dinamarqueses tinham se aperfeiçoado bastante e contribuíram muito para as cenas de batalha.
Adorei ver tudo isso acontecer à minha volta. Exatamente como previra meu instrutor de dublê em Los Angeles, a máquina do cinema estava girando a meu favor. Eu era Conan, e milhões de dólares estavam sendo gastos para me fazer brilhar. É claro que o filme tinha outros personagens importantes, mas no fim das contas tudo aquilo estava sendo feito para me fazer parecer um guerreiro de verdade. Os sets também tinham sido construídos com esse intuito. Pela primeira vez, eu estava me sentindo um astro.
Era diferente de ser campeão de fisiculturismo. Milhões de pessoas iriam assistir àquele filme, enquanto naquele esporte o maior público ao vivo era de 5 mil pessoas e o número de telespectadores atingia de 1 a 2 milhões. Aquilo ali era um grande acontecimento. As revistas especializadas iriam escrever sobre Conan, o caderno cultural do LA Times publicaria matérias sobre o filme e revistas e jornais mundo afora editariam resenhas sobre ele – e gerariam polêmicas a respeito, com certeza, pois o universo imaginado por Milius era muito violento.
Depois de passar o Natal com os pais, Maria foi me fazer uma visita de alguns dias no final de dezembro. Assim pude apresentá-la à equipe e ao elenco, para ela não pensar que eu havia desaparecido da face da Terra. Ela riu ao ver como eu já tinha reunido todo um grupo de amigos do mundo dos músculos: não só os dinamarqueses, mas também Franco, para quem eu conseguira um pequeno papel.
Fiquei contente por Maria não estar mais na Espanha quando começamos a filmar, uma semana depois. Na primeira cena prevista, Conan, desarmado e recém-libertado da escravidão, é perseguido por lobos em uma planície rochosa. Consegue fugir escalando um promontório, onde se depara com a entrada de uma tumba que abriga uma espada. Em preparação para essa sequência, eu vinha trabalhando todas as manhã com lobos, só para perder o medo. Na verdade, eram quatro cachorros da raça pastor-alemão, só que, sem me avisar, Milius mandara um dos coordenadores de dublês arranjar animais que fossem mestiços de lobo. Achava que assim as cenas ficariam mais realistas. “Nós vamos cronometrar tudo”, prometeu ele. “Você já vai estar correndo quando soltarmos os cães, então eles não vão ter tempo de atravessar a planície e alcançá-lo antes que você escale as pedras.”
Na manhã da filmagem, para atrair os cães, eles costuraram carne crua dentro da pele de urso que eu usava nas costas. Quando as câmeras foram ligadas, saí correndo pelo descampado. Só que o treinador soltou os cachorros antes da hora e não tive tempo suficiente para me distanciar deles. As feras me alcançaram antes que eu conseguisse subir até o alto das pedras. Morderam minha calça e me arrastaram de cima das pedras, fazendo-me cair de costas de uma altura de 3 metros. Tentei ficar em pé e arrancar a pele de urso, mas caí por cima de um arbusto cheio de espinhos. O treinador então gritou um comando e os cães pararam o que estavam fazendo e ficaram estáticos ao meu lado, babando.
Eu estava ali no chão, todo espetado e sangrando por causa de um corte ao cair em cima de uma pedra. Mas Milius não teve pena. “Agora você sabe como vai ser o filme”, disse. “Foi isso que Conan teve que enfrentar!”
Precisei levar pontos para fechar o corte e quando o vi mais tarde, no almoço, o diretor estava de ótimo humor. “Conseguimos o que queríamos. Começamos com o pé direito”, afirmou ele.
No dia seguinte, acabei precisando de mais pontos, porque cortei a testa ao pular em uma piscina cheia de pedras. Quando Milius viu o sangue escorrendo, perguntou: “Quem fez essa maquiagem? Está incrível. Parece sangue de verdade.”
Ele se recusava a pensar no que teria acontecido com a produção caso eu tivesse ficado aleijado ou morrido. Naturalmente, não havia dublê nessas cenas, pois teria sido muito difícil encontrar alguém com um corpo feito o meu.
O restante da semana foi dedicado a uma complexa cena de ação que apareceria bem mais tarde na história. Em nosso galpão nos arredores de Madri, as equipes tinham construído a Câmara das Orgias do templo de Thulsa Doom nas montanhas. Visto de fora, o galpão era um prédio grande e sem graça, de dois andares, feito de aço corrugado e cercado por um estacionamento poeirento, tendas e uma placa grosseira na qual se lia “Conan” escrito em tinta vermelha. Lá dentro, porém, depois de passar pelos departamentos de maquiagem, figurino e adereços, você era transportado para o esplendor devasso do culto à serpente canibal do feiticeiro. A Câmara das Orgias era um salão de pé-direito alto, com sacadas e escadarias de mármore, iluminado por tochas e enfeitado com lindos panos de cetim e seda, com uma dezena de mulheres nuas e seus consortes esparramados sobre almofadas fofas dentro de um fosso central, cochilando e se regalando. No meio do fosso erguia-se uma pilastra de mármore cor-de-rosa e cinza com 4 metros de altura e quatro gigantescas cabeças de cobra esculpidas no alto. O banquete era oferecido por serviçais que o retiravam de um caldeirão borbulhante no qual se viam mãos decepadas e outros pedaços de corpos humanos.
Segundo o roteiro, Conan, Valeria e Subotai invadiam essa orgia, matavam os guardas e resgatavam a princesa foragida que sucumbira ao feitiço de Thulsa Doom. Os guardas, claro, eram brutamontes sub-humanos, alguns usando máscaras de cobra, e eu estava nu da cintura para cima, com o rosto e o tronco pintados com assustadoras listras pretas de camuflagem que pareciam raios. Sandahl e Gerry também estavam pintados dessa forma. Foi fantástico poder usar nosso treinamento com armas, e Milius foi ficando satisfeito à medida que filmávamos dezenas de tomadas.
ENTRE UMA TOMADA E OUTRA, SETS de filmagem são lugares barulhentos onde as pessoas não param de falar, os equipamentos são ruidosos e as equipes estão sempre correndo de um lado para outro. Na quarta manhã, estávamos nos preparando para uma cena na alcova particular de Thulsa Doom, escavada bem no alto da parede da Câmara das Orgias, quando alguém disse: “Dino chegou”, e de repente ouvi toda a movimentação cessar. Olhei para o pé do largo lance de escada e lá embaixo, no fosso, em meio às garotas nuas, estava nosso lendário produtor em sua primeira aparição no set. De Laurentiis exibia um visual impecável: usava um terno elegantíssimo e um lindo sobretudo de caxemira pendurado em volta dos ombros feito uma capa, ao estilo italiano.
Depois de observar a cena toda, ele subiu a escada até onde nós estávamos. Deviam ser uns 20 degraus, mas pareceram 100, porque ele demorou a subir. Fiquei observando enquanto ele se aproximava, com as mulheres nuas ao fundo. Quando ele enfim chegou ao alto, foi direto falar comigo. “Schwarzenegger, você é Conan”, disse ele.
Dito isso, deu meia-volta, tornou a descer a escada e saiu do set.
Milius estava perto da câmera, e os microfones estavam ligados. Ele então veio na minha direção. “Ouvi o que ele falou. Sabe que esse é o maior elogio que você vai ganhar desse cara, não sabe? Hoje de manhã ele assistiu aos três dias que já filmamos, e agora acredita no projeto”, comentou ele.
Senti que aquele tinha sido o jeito de Dino me dizer que eu estava perdoado por ter sido grosseiro com ele quatro anos antes. A partir desse dia, ele passou a ir à Espanha mais ou menos uma vez por mês e sempre me convidava para tomar café em seu hotel. Aos poucos, começamos a nos dar bem.
Dino delegou a tarefa de produzir de fato o filme à filha Raffaella e a Buzz Feitshans, que já trabalhara com Milius em outros projetos. Raffaella era uma espoleta: filha do meio do produtor com a atriz italiana Silvana Mangano, desde pequena já sabia que seguiria a profissão do pai. Embora fosse tão jovem quanto Maria, Dino vinha lhe ensinando os macetes da profissão havia 10 anos, e aquele já era seu segundo longa de importância.
Àquela altura, eu já sabia o suficiente sobre produção de cinema para ficar impressionado com o trabalho que ela e Buzz fizeram. Eles tiveram que se virar para encontrar um país onde pudéssemos filmar depois que a Iugoslávia saíra do páreo. Cada país tem a sua comissão de cinema, e em geral, quando se produz um filme, a primeira medida a tomar é ligar e dizer: “Queremos fazer um filme no seu país. A que acordo podemos chegar?” No caso de Conan, a Espanha havia agarrado a oportunidade. A comissão dissera a Raffaella e Buzz: “Nós temos um ótimo galpão que podemos transformar em estúdio. Tem água corrente, banheiros e chuveiros. E tem espaço para os geradores que vocês terão que instalar. Além disso, existe um outro galpão que vocês também podem alugar, e um hangar vazio em uma base da Força Aérea. Temos um luxuoso complexo de apartamentos em Madri que é perfeito para os atores e para os membros mais importantes da equipe. É ligado a um hotel cinco estrelas, então vocês vão poder usufruir, sempre que quiserem, dos restaurantes e do serviço de quarto. E existe também, bem pertinho de lá, um espaço para os escritórios da produção.”
Tudo isso tinha um custo. Conan era um projeto complicado, de modo que Buzz, Raffaella, o diretor de arte, o produtor de locação e outros membros da equipe tinham que levar em conta diversos outros fatores. De quantos cavalos iríamos precisar, e de quantos dublês de cavaleiros? Eles poderiam ser obtidos na Espanha ou teriam que ser levados da Itália ou de outros lugares? A Espanha tinha o tipo de deserto, montanha e litoral de que precisávamos? Teríamos autorização para filmar nesses lugares? E as ruínas históricas? Naturalmente, Raffaella e Buzz também queriam ficar dentro do orçamento, então viviam à procura de oportunidades interessantes.
Depois de avaliar outros países em um período de tempo espantosamente curto, eles conseguiram apresentar um resumo dos custos ao estúdio. “Na Espanha, a produção inteira sairá por 18 milhões”, disseram. “Na Itália, por 32. Podemos também filmar em Las Vegas e construir os sets no deserto de Nevada, mas vai ser mais caro ainda. E existe a possibilidade de usarmos estúdios de filmagem em Los Angeles, porém será ainda mais dispendioso.”
As opções eram as mesmas de todas as produções modernas: havia países com uma indústria cinematográfica estabelecida e sindicatos, como a Itália, e países empreendedores, sem sindicatos, como a Espanha. Com ou sem sindicatos, porém, Dino tinha fama de conseguir as coisas. Quando queria filmar 16 horas por dia, ele filmava 16 horas por dia. Nesse sentido, era um cara muito poderoso. As pessoas em Hollywood sabiam disso e não o contrariavam. Se um estúdio queria que uma produção fosse feita por determinado preço, era Dino que ele contratava. No caso de Conan, Dino apoiou a escolha da Espanha feita por Raffaella e Buzz. “Vamos ter que construir o set inteiro dentro de um galpão”, informaram eles ao estúdio, “mas mesmo assim vai sair bem mais barato do que usar estúdios de filmagem de verdade, onde a mão de obra pode nos atrasar.” Nós certamente não tivemos nenhum problema de mão de obra em Conan. Todo mundo trabalhou junto. Quando era preciso mudar um cenário depressa, todos ajudavam transportando equipamentos e trocando as coisas de lugar.
Na realidade, a Espanha era um ótimo lugar para se filmar sob todos os aspectos, com uma pequena exceção: os dublês demoravam demais para morrer. Milius não parava de repetir isto para eles: “Quando ele cortar vocês com a espada, caiam no chão.” Em vez disso, eles exageravam na queda, tornavam a se levantar parcialmente, caíam de novo, arquejavam... Era sua chance de aparecer, então eles queriam aproveitá-la ao máximo. Eu já estava ocupado matando o adversário seguinte quando ouvia Milius gritar para o cara atrás de mim: “Você morreu! Fique no chão! Ele cortou você com a espada, não se mexa!” Mas os dublês pareciam zumbis. Por fim, Milius lhes ofereceu um extra no cachê se eles morressem imediatamente e ficassem mortos.
Esse era o tipo de coisa que ninguém ensina, por mais que você passe anos tendo aulas de interpretação. Apesar de todo aquele papo sobre lembranças sensoriais e sobre entrar no personagem, ninguém o prepara para saber o que fazer quando a máquina de vento está soprando neve na sua cara e deixando você congelado. Nem para quando alguém está segurando uma fita métrica em frente ao seu nariz para medir o foco de um plano. Nessas horas, como é que você vai conseguir pensar naquela bobajada toda de lembranças sensoriais? Toda a ideia de estar no momento presente vai por água abaixo.
Enquanto você tenta atuar, toda uma produção está acontecendo à sua volta. Você tem que lidar com o fato de que há 150 pessoas trabalhando e falando no set. O cara da luz instala escadas na sua frente e pede: “Dá para sair da frente? Não quero que uma lâmpada caia em cima de você.” O responsável pelo som mexe no cós da sua roupa para instalar uma bateria e grita para o cara da câmera sair da frente. O produtor de arte diz: “Gente, preciso de mais plantas no fundo.” O diretor tenta coordenar tudo. O produtor grita: “Daqui a cinco minutos vamos ter que parar para almoçar! Se quiserem filmar, vai ter que ser agora!”
Então o diretor diz: “Arnold, encare seu adversário nos olhos. Com a cabeça bem erguida. Domine essa cena.” Legal: nós trabalhamos isso nas aulas de interpretação. Mas e se ele mandou você montar um cavalo que não para quieto e o bicho fica rodando e empinando? Como fazer cara de dominador quando está com medo de o animal enlouquecer e derrubá-lo no chão? Então você tem que parar e ensaiar com o cavalo. Em circunstâncias assim, como fazer para ser verossímil?
Eu nunca tinha feito uma cena de sexo diante das câmeras e achei isso bastante estranho. Um set fechado significa que ninguém de fora pode entrar, mas mesmo assim há várias pessoas presentes: o supervisor de roteiro, técnicos de iluminação, assistentes de câmera... E você está nu. Nas aulas de interpretação, ninguém fala sobre o que fazer em uma cena de nudez quando você fica excitado. Na vida real, uma coisa conduz naturalmente a outra. No set isso pode ser muito constrangedor. Dizem que você deve continuar no personagem, mas acredite, não é isso que eles realmente querem. Tudo o que lhe resta é tentar pensar em outra coisa.
Embora o set estivesse supostamente fechado, as cenas de sexo pareciam ter o efeito de um ímã. Depois de escapar dos lobos, Conan é seduzido por uma bruxa que o põe no encalço de Thulsa Doom. A atriz que interpretava a bruxa se chamava Cassandra Gava, e nós estávamos rolando pelo chão, nus, em frente ao fogo alto da lareira em seu casebre de pedra. Com o canto do olho, reparei que as paredes do casebre se moveram. Uma frestinha se abriu no canto, e pude ver um par de olhos cintilando à luz do fogo.
– Corta! – gritou Millius. – Arnold, para onde você estava olhando?
– Bom, aconteceu uma coisa engraçada – respondi. – Eu vi aquele canto da parede se abrir, e acho que tinha um par de olhos espiando pelo buraco.
Um cara correu para trás do set e ouvimos vozes. Então Raffaella apareceu, toda envergonhada.
– Desculpe, mas não pude resistir! – disse ela.
O verdadeiro amor de Conan no filme é Valeria. Sandahl Bergman também nunca tinha feito uma cena de amor e ficou tão constrangida quanto eu. Não se sabe como, eu devia ser uma estranha mistura de bárbaro e cavalheiro, sem exagerar em nenhum dos dois. Era difícil entrar no clima, porque você nunca tinha a oportunidade de praticar com sua companheira de cena; precisava começar de forma mecânica e fria. Para completar, Sandahl e o coordenador de dublês Terry Leonard haviam se apaixonado, e eu tinha plena consciência de que ele estava assistindo a tudo, certamente pronto para arrancar minha cabeça. Enquanto isso, Milius se esforçava ao máximo para se livrar da censura, dizendo coisas do tipo: “Arnold, pode posicionar sua bunda até ela ficar naquela sombra ali? E não se esqueça de esconder os seios dela com o braço, porque não podemos ter mamilos nesse plano.”
As cenas de ação também tinham os seus riscos. Conan vive em um ambiente de perigos constantes. No mundo da fantasia, nunca sabemos o que vai nos atacar. Um dia pode ser uma cobra, no outro uma bruxa-lobo. Quando gravava essas cenas, eu tinha que ficar sempre alerta.
Lutar com uma cobra mecânica gigantesca me deixou dolorido por uma semana. A sequência acontecia no meio do filme, quando Conan e seus aliados conseguem se esgueirar para dentro da Torre da Serpente e roubam algumas das preciosas joias do culto. Tínhamos que escalar a torre (na verdade, um set de 12 metros de altura construído no hangar abandonado da Força Aérea), depois descer até uma masmorra coberta de lixo e ossos de virgens sacrificadas até a altura do tornozelo. A cobra, que tinha 11 metros de comprimento e 76 centímetros de largura, era uma réplica de algum tipo de jiboia operada por controle remoto e animada por cabos de aço e bombas hidráulicas capazes de exercer uma força de 9 toneladas. A engenhoca se revelou bem difícil de controlar, e o operador não havia treinado o suficiente. Em uma das tomadas, a cobra se enroscou à minha volta e começou a me jogar contra a parede da masmorra. Eu gritava com o cara para pegar mais leve. No roteiro, é claro, Conan mata a cobra: Subotai sai rastejando de um túnel, vê o amigo em apuros e lhe atira uma espada, que Conan, com um único gesto ágil, segura pelo cabo e crava no animal. Eu tinha que segurar a pesada espada e golpear um ponto preciso atrás da cabeça da cobra para fazer com que a bolsa de sangue explodisse. Conan, claro, precisa parecer totalmente confiante ao fazer tudo isso. Mas parte de mim pensava: “Espero que corra tudo bem.” Tenho orgulho de dizer que dois anos e meio de treinos deram resultado e consegui acertar na primeira tomada.
James Earl Jones só começou a participar das filmagens mais tarde, porque estava terminando uma temporada na Broadway, mas, quando chegou, nós logo ficamos amigos. Em meados de março, quando a produção se mudou de Madri para Almería a fim de filmar as cenas de batalha e o confronto final na fortaleza de Thulsa Doom no alto da montanha, passei várias horas por dia com ele em seu trailer. James queria manter a forma, então eu o ajudava a malhar e, em troca, ele me dava dicas de interpretação. Com sua potente voz de baixo, James era um ator shakespeariano estupendo e já ganhara um Tony e um Oscar por sua atuação no drama sobre racismo e boxe A grande esperança branca. (Seu personagem era baseado em Jack Johnson, campeão mundial dos pesos pesados de 1908 a 1915.) Recentemente, ele havia conquistado fama internacional como o vilão Darth Vader, de Guerra nas estrelas. Contou-me uma história incrível sobre como havia começado a atuar. Quando era menino, no Mississippi, James gaguejava tanto que se recusou a falar a partir dos 5 anos, quando começou a ir à escola, até os 14. Os colégios o qualificavam como mudo funcional. Então, no ensino médio, ele se apaixonou pela literatura e sentiu vontade de ler os grandes clássicos em voz alta. Seu professor de inglês o incentivou: “Se você gosta das palavras, tem que ser capaz de aprender a pronunciá-las.”
Milius quis que eu acrescentasse a uma de minhas falas meia página de texto que ele havia escrito durante as filmagens. A cena acontecia no período de calmaria logo antes do clímax do longa, que ocorre na batalha de Mounds, antigo cemitério à beira-mar de guerreiros e reis que lembrava Stonehenge. Conan e seus aliados fortificaram o monumento e estão esperando o ataque de Thulsa Doom e um grande contingente de seguidores selvagens a cavalo. O feiticeiro já matou Valeria, e Conan e seus amigos estão em forte desvantagem numérica, então imaginam que vão morrer. Antes da batalha, o bárbaro está sentado na encosta de um morro, com a mão no queixo, olhando para o mar e para o lindo céu azul com ar melancólico.
– Lembro-me de dias como o de hoje, quando meu pai me levava à floresta para comermos mirtilos silvestres – diz ele a Subotai. – Isso faz mais de 20 anos. Eu tinha só uns 4 ou 5. As folhas naquela época eram muito escuras e verdes. O vento da primavera deixava o capim com um cheiro doce. Quase 20 anos de obstáculos implacáveis! Sem descansar, sem dormir como os outros homens. Mas mesmo assim o vento da primavera continua a soprar, Subotai. Você já sentiu um vento assim?
– Esses ventos também sopram onde eu moro – responde Subotai. – Ao norte do coração de cada homem.
Conan dá ao amigo a chance de ir embora e voltar para casa.
– Nunca é tarde demais, Subotai.
– Não. Isso só me faria voltar para cá algum dia. Em companhia ainda pior.
– Para nós não existe primavera – diz Conan, desanimado. – Só o vento com seu cheiro fresco antes da chuva.
Eu havia ensaiado esse diálogo dezenas de vezes, como sempre fazia antes de uma filmagem. No entanto, falei para Milius:
– Dizer isso não me parece natural. Não parece que fui realmente eu que pensei e falei isso, entende?
Não se pode apenas recitar um monólogo assim. É preciso de fato parecer que você está imaginando o passado, que está relembrando e as ideias estão surgindo em sua mente. Em determinados momentos, você fala depressa; em outros, apenas fita o vazio. A questão é como criar essa naturalidade.
– Por que não pede a opinião de Earl? – sugeriu Milius. – Ele faz isso no palco, onde a pressão é maior ainda, porque você não pode cortar os erros na edição.
Então fui ao trailer de Earl e perguntei se ele se importaria em dar uma olhada no diálogo.
– Não, não, claro que não. Sente-se – disse ele. – Vamos ver o que você tem aí.
Ele leu o texto e pediu que eu dissesse as falas.
Quando terminei, Earl assentiu e falou:
– Bom, eu faria o seguinte: mandaria datilografarem essas falas de novo, de duas maneiras. Primeiro, de modo que as linhas fiquem bem curtas e desçam até o final da página. Depois, com a folha ao comprido, para que as linhas fiquem o mais longas possível. – Ele explicou que, de tanto ensaiar, eu inconscientemente havia decorado as quebras de linhas. Assim, sempre que chegava ao final de uma linha, meu pensamento também se interrompia. – Você precisa se livrar desse ritmo – completou.
Ver as linhas digitadas de forma diferente me vez ouvi-las de outro modo também, e isso ajudou muito. Voltei ao seu trailer mais tarde no mesmo dia e juntos desconstruímos e ensaiamos o diálogo fala a fala. “Bom, normalmente, depois de uma frase assim você faria uma pausa, porque esse pensamento é bem pesado”, dizia ele. Ou então: “Neste ponto, talvez você queira mudar um pouco de posição. Pode ser qualquer coisa que lhe ocorrer: se espreguiçar, balançar a cabeça, ou só fazer uma pausa. Mas você não deveria se programar”, enfatizou, “porque as coisas podem sair diferentes entre uma tomada e outra, a menos que John lhe diga que algo vai dar problema na edição. Mas em geral eles mantêm o mesmo plano até o seu pensamento mudar, depois passam para outro ângulo.”
Max von Sydow também foi generoso e atencioso. Foi ótimo poder ver dois atores de teatro incríveis ensaiarem e aperfeiçoarem suas cenas até chegarem ao tom certo. Trabalhar com profissionais permite aprender várias sutilezas. Percebi, por exemplo, que os atores muitas vezes mudam de postura quando o diretor passa de um plano aberto para um plano médio, um close ou um microplano (que mostra, digamos, uma expressão dos olhos). Alguns atores prestam muito pouca atenção no plano aberto, porque sabem que ele serve apenas para estabelecer sua localização física na cena. Quanto mais fechado ele se torna, porém, melhor precisa ser a interpretação. É aí que você percebe como é importante se poupar: não dê tudo de si nas primeiras tomadas; dê apenas 80%. A hora do seu close vai acabar chegando, e é aí que você vai precisar realmente agir. Entendi também que isso é um jeito de fazer mais closes seus entrarem no filme, porque a edição muitas vezes seleciona a tomada que tem a melhor atuação.
Fazer Conan me fez relembrar os loucos verões em que eu e meus amigos austríacos fingíamos ser gladiadores às margens do Thalersee. Ali, o que ditava o ritmo era a fantasia de Milius. Antes de filmarmos uma cena, ele contava diversos episódios históricos sobre como os bárbaros comiam, como lutavam, como montavam a cavalo, quais eram suas religiões e as crueldades que cometiam. Para a sequência da orgia, falou sobre a decadência da Roma antiga, sobre mulheres, nudez, sexo, violência, intrigas e banquetes. Estávamos cercados pelos melhores especialistas em armas, em cavalos, em design, em figurino e em maquiagem, tudo para nos fazer entrar no mundo do guerreiro bárbaro.
Adorei a experiência de filmar em locações: dividir os apartamentos do Villa Magna com os outros atores, ir de carro de lá até o galpão, aprender toda uma outra forma de vida durante seis meses. Era a primeira vez que atuava em um país estrangeiro. Como poucas pessoas no set falavam inglês, aprendi bastante espanhol. No início, o trabalho era intenso demais para que eu pudesse me dar ao luxo de fazer algo que não fosse malhar, ensaiar e filmar. Depois de um mês ou dois, porém, comecei a relaxar. Pensei: “Espere aí. Estou em Madri! Preciso visitar museus, ver construções de arquitetura interessante, andar pelas ruas, comer em restaurantes famosos e jantar às onze da noite, como os espanhóis.” Descobrimos fabricantes de botas e roupas de couro e alfaiates e começamos a comprar artigos tipicamente espanhóis, como cinzeiros de prata trabalhada e lindos cintos artesanais de couro.
Trabalhar com Milius era uma aventura constante. Tive que estraçalhar um abutre com os dentes, por exemplo. Foi na cena em que os inimigos de Conan o crucificam no deserto, na Árvore Maldita. A árvore era um imenso artefato montado ao ar livre sobre uma base giratória, para manter os ângulos do sol e das sombras constantes. Conan está quase morrendo no calor escaldante e abutres começam a voar em círculos e a pousar nos galhos ao redor dele. Quando um dos animais tenta pousar em seu rosto e bicá-lo, eu o mordo no pescoço e o despedaço com os dentes. É claro que com Milius as aves pousadas nos galhos eram de verdade – abutres treinados, é verdade, mas mesmo assim abutres, infestados de piolhos. Durante os três dias que levamos para filmar a cena, as aves eram levadas até uma tenda de hora em hora para descansar, enquanto eu permanecia na árvore em brasa com cinco outras. A que estraçalhei com os dentes era um robô feito com partes de abutres mortos. Depois da cena, tive que lavar a boca e a pele com sabonetes antibacterianos.
Também tivemos que lidar com camelos. Eu nunca havia chegado perto de um, muito menos montado um, mas era justamente isso que o roteiro exigia. Uma semana antes da filmagem da cena, pensei: “É melhor você fazer amizade com o camelo antes para entender como vai ser.” Logo descobri que camelos são bem diferentes de cavalos. Quando se levantam, eles erguem primeiro as patas traseiras, fazendo você cair para a frente. E não dá simplesmente para puxar as rédeas deles como se fossem cavalos, porque nesse caso eles viram a cabeça 180 graus, até ficar cara a cara com você. Eles podem cuspir no seu olho, e a saliva é tão cáustica que, se isso acontecer, você precisa ir ao médico na mesma hora. E camelos mordem – em geral na nuca, bem na hora em que você esquece que eles estão por perto.
Além da cobra mecânica que havia acabado comigo, também tive que lidar com cobras de verdade. Elas eram de uma espécie aquática, e, quando o adestrador achou que estavam ficando desidratadas, resolveu colocá-las na piscina do prédio em que estávamos hospedados. Nos Estados Unidos, o departamento de saúde pública ou alguma sociedade protetora dos animais teria aparecido em dois segundos, sem falar que a água devia estar cheia de cloro, o que não deve ter feito bem para a pele das cobras. Na Espanha, porém, e com Milius como diretor, esse tipo de coisa acontecia o tempo todo.
Milius vivia indo além dos limites. Ambientalistas reclamaram que nossas filmagens estavam prejudicando os pântanos de água salgada, então os produtores tiveram que prometer que deixariam esses locais como os encontramos. Defensores dos direitos dos animais reclamaram das cenas de Conan em que um cachorro leva um chute, um camelo leva um soco (meu, mas de mentira) e cavalos tropeçam. Nada disso teria sido permitido nos Estados Unidos. A produção tinha excelentes dublês, que sabiam como virar o cavalo na hora da queda para fazer o bicho rolar e não quebrar o pescoço, mas mesmo assim as cenas eram perigosas tanto para os animais quanto para quem os montava – testemunhei muitos hematomas, cortes e cabeças rachadas. Desde então, esse tipo de cena com dublê foi banido dos filmes.
Apesar disso tudo, o derramamento de sangue de Conan parece brando comparado aos padrões de hoje em dia. Na época, porém, o filme inaugurou uma nova dimensão de violência nas telas. Até aquele momento, as lutas com espadas sempre tinham sido um pouco certinhas demais: os personagens desabavam no chão e às vezes se via um pouco de sangue. Milius, porém, mandava prender no peito dos atores bolsas com quase 5 litros de sangue, quase o volume total que circula num corpo humano. Quando um machado de batalha acertava uma dessas bolsas, esguichava sangue para todo lado, e sempre que isso acontecia ele insistia que o fundo fosse claro, para que o massacre tivesse bastante destaque.
Milius não achava que devesse se desculpar por isso. “O filme se chama Conan, o bárbaro. O que vocês esperavam?”, perguntava ele aos jornalistas. Mas em maio, quando as filmagens terminaram e voltamos para casa, a questão continuou a ser mencionada. Os altos executivos da Universal ficaram preocupados que a notícia antecipada sobre a violência excessiva afastasse os espectadores.
A essa altura, eles estavam pensando em lançar Conan entre o Dia de Ação de Graças e o Natal, em novembro ou dezembro. Isso até Sid Sheinberg, presidente da Universal, famoso por ter descoberto o diretor Steven Spielberg, assistir a um copião, em agosto. Ele me viu esquartejando pessoas, sangue por toda parte, e, no meio da sessão, se levantou e disse com sarcasmo para os outros executivos: “Feliz Natal, gente.” Depois disso, saiu da sala. Assim, a estreia de Conan foi adiada e os lançamentos de Natal da Universal em 1981 foram Num lago dourado, drama familiar estrelado por Henry Fonda, Jane Fonda e Katharine Hepburn, e um filme de terror.
TODOS SABÍAMOS QUE CONAN SERIA um filme controverso, e o desafio era descobrir como fazer o marketing do lançamento e apresentá-lo à imprensa. Assisti a Milius dar algumas das primeiras entrevistas, atraindo os jornalistas para sua fantasia viril. Um dos principais tópicos de seu discurso era Friedrich Nietzsche – a epígrafe de Conan, “O que não nos mata nos fortalece”, parafraseia o livro Crepúsculo dos ídolos, do filósofo alemão, publicado em 1889. O outro grande tópico era a propriedade do aço. “Quanto mais você malha o aço, mais duro e mais durável ele fica”, dizia Milius aos jornalistas. “O mesmo acontece com um ser humano. Ele precisa ser temperado, tem que superar a resistência. Quanto mais um homem luta, mais forte ele se torna. Veja as pessoas que vêm de países em guerra ou moram em bairros carentes de cidades grandes. É possível ver a batalha em seus rostos. Um maquiador não consegue reproduzir essa expressão. E é isto que faz de Conan o mais implacável e poderoso dos guerreiros: o que ele sofreu na infância. Luxo e conforto fazem mal às pessoas.” Para Milius, Conan afirmava algo que ia muito além dos filmes de ação e histórias em quadrinhos. Estava tudo relacionado a Nietzsche.
Ele mostrava aos jornalistas uma de suas espadas de samurai e dizia: “Sabiam que uma espada como esta é aquecida e malhada sobre uma bigorna sete vezes até ter a força necessária? Os guerreiros samurais treinavam com criminosos. Eles os pegavam, mandavam que ficassem parados e os decapitavam com um só golpe.” Ele encenava a situação inteira enquanto os jornalistas tomavam notas. E eu pensava: “De onde é que ele tira essas merdas?” Minha abordagem era muito mais direta. Eu vendia o aspecto do entretenimento, o valor do filme como diversão e aventura épica, como um Guerra nas estrelas ambientado na Terra.
Para promover a produção, era importante trabalhar todos os aspectos possíveis. Usamos publicações especializadas para formar um público, criando matérias para revistas de artes marciais, de equitação, de fantasia. Elaboramos matérias também para revistas de fisiculturismo, falando sobre como era necessário ter um ótimo condicionamento físico para ser Conan.
Antes de poder ser lançado, é claro, o filme precisava de uma classificação etária. Fiquei muito irritado com a forma como os poderosos executivos do estúdio cederam às vontades dos membros do comitê de classificação. O órgão era formado por indivíduos nomeados pela Associação de Cinema dos Estados Unidos cujos nomes sequer eram divulgados para o público. A maioria era composta por pessoas de meia-idade com filhos já criados, mas elas reagiram a Conan como um bando de senhorinhas: “Ai, quanto sangue! Tenho que fechar os olhos!” Recebemos a notícia de que tínhamos que cortar um pouco da violência explícita.
Pensei: “Onde é que foram arrumar esses imbecis cheios de frescura? Vamos pedir que pessoas jovens e estilosas classifiquem o filme.” Perguntei a um dos caras do estúdio:
– Quem é o responsável por isso? Tem que haver um responsável. Por que vocês não fazem essa pessoa ser demitida?
– Não, não, não, não – respondeu ele. – Não vale a pena mexer nesse vespeiro.
Ninguém estava disposto a lutar por qualquer coisa que fosse.
Eu não entendia que aquilo era um jogo de interesses. A Universal estava produzindo E.T., de Spielberg, que era sua aposta para o verão de 1982. Não queria fazer nada que irritasse o comitê de classificação. O estúdio queria ser amado, queria que Spielberg fosse amado e que E.T. fosse amado também. Aí apareceram Milius e Schwarzenegger matando aquela gente toda na tela. Milius já era o bad boy de Hollywood: um republicano de direita com fama de só dizer barbaridades. E é claro que a Universal nem piscou antes de dizer “Vamos cortar logo essas cenas de Conan para não sermos crucificados na apresentação de E.T. ao comitê semana que vem”, embora E.T. não tivesse nada de mais.
Fiquei muito bravo, porque, na minha opinião, cada uma das mortes de Conan tinha sido bem filmada e estava extraordinária. E daí se a primeira coisa que se via na tela era Thulsa Doom atacando a aldeia de Conan e a cabeça da mãe dele voando pelos ares? Poderíamos dizer que precisávamos dessa cena para que Thulsa Doom fosse visto como o maior dos vilões e para que fizesse sentido Conan ir atrás dele. Mas a verdade é que você se apaixona pelo próprio trabalho. Hoje, pensando bem, acho que o fato de eles terem nos obrigado a atenuar a violência ajudou a aumentar o público do filme.
Essa foi minha primeira experiência com o marketing de um grande estúdio. Uma turnê de coletivas de imprensa estava sendo planejada para a promoção internacional de Conan. Na primeira reunião de que participei, os marqueteiros disseram:
– Nós vamos à Itália e à França.
– Tuuuudo bem – respondi –, mas, se vocês olharem o globo, vão ver que existem outros lugares além desses dois países.
Por ser europeu, eu tinha plena consciência de que havia um mundo inteiro além dos Estados Unidos. No início dos anos 1980, dois terços da receita gerada pelo cinema provinham do público nacional e um terço, do público estrangeiro, mas já dava para ver essa situação começando a mudar. Se você não fizesse uma promoção internacional, quem saberia quanto dinheiro estaria deixando de ganhar?
– Pessoal, por que não fazemos as coisas de modo mais sistemático? – perguntei. – Passamos dois dias em Paris, dois em Londres, dois em Madri, dois em Roma, e em seguida vamos para o norte. Depois podemos ir, por exemplo, a Copenhague, então a Estocolmo, e depois descer até Berlim. O que há de errado nisso?
– Bem, não é assim que nós costumamos fazer. Como você sabe, o filme é lançado em datas diferentes em cada país, e não queremos dar as entrevistas com muita antecedência.
– Então que tal fazer um acordo com as revistas e os jornais desses países para eles só publicarem as matérias depois do lançamento?
– Teríamos que ver se isso é possível.
Eu sabia que outro motivo de sua relutância em me mandar numa turnê promocional era que muito poucos atores gostam de vender. Já tinha visto a mesma coisa acontecer com autores no mercado editorial. A atitude típica parecia ser: “Eu não quero me prostituir. Eu crio, não quero ser um instrumento de propaganda. Não estou nem aí para a questão do dinheiro.”
Tudo mudou de verdade quando eu falei: “Vamos a todos os lugares possíveis, porque isso não é bom apenas para mim financeiramente, é bom também para o público, que vai poder ver um bom filme!” O estúdio acabou concordando em me deixar promover Conan em cinco ou seis países. Interpretei isso como um grande avanço.
Era a mesma discussão que eu tinha tido com meu editor no lançamento do livro Arnold: The Education of a Bodybuilder. Os Estados Unidos representam apenas 5% da população mundial, então por que ignorar os outros 95%? Ambas as indústrias estavam se autossabotando. Joe Weider me ensinara a pensar sempre no mercado global.
Eu sempre me vi, em primeiro lugar, como um homem de negócios. Muitos atores, escritores e artistas se consideram acima do marketing. No entanto, seja qual for o seu ramo de atuação, vender faz parte do pacote. É impossível fazer filmes sem dinheiro. Mesmo que eu não tivesse nenhuma obrigação contratual relativa à publicidade, era do meu interesse promover o filme e garantir que ele gerasse o máximo de dinheiro possível. Eu queria participar das reuniões. Queria que todos vissem que eu estava trabalhando duro para conseguir retorno para o investimento do estúdio. Sentia que era minha responsabilidade inflar a bilheteria.
A virada de Conan veio em 1982, logo depois do Dia dos Namorados nos Estados Unidos, 14 de fevereiro. A primeira sessão de teste, em Houston, foi um sucesso tão grande que a Universal não conseguiu acreditar nos números: em uma escala de 1 a 100, os espectadores deram ao filme a nota 93, o que quase sempre anuncia um grande sucesso. Nessa noite, o estúdio me ligou e disse: “O negócio está fervendo. Queremos fazer outra sessão em Las Vegas amanhã. Se conseguirmos, você pode ir?” Na tarde seguinte, ao passar de carro em frente ao cinema, vi que aquela não era uma sessão comum. A fila dava a volta no quarteirão – além dos fãs de quadrinhos, que a Universal já esperava, havia fisiculturistas de camisa apertada e músculos saltados, gays, esquisitões de cabelos e óculos estranhos, gente fantasiada de Conan... Havia algumas mulheres, mas o público parecia ser majoritariamente masculino, incluindo um grupo grande de motociclistas, todos com roupas de couro. Alguns pareciam dispostos a se rebelar caso não conseguissem um lugar na plateia. A Universal simplesmente foi abrindo outras salas até todos poderem sentar – foram necessárias três para acomodar todo mundo.
O estúdio estava apostando nos fãs inveterados de Conan nos quadrinhos e nos romances de fantasia para fazer do filme um sucesso. Essas pessoas deveriam constituir a principal fatia do público – gente que, quando gosta de um filme, vai assistir várias vezes e conta para todos os amigos. Só que a Universal não havia previsto o meu pessoal: os fisiculturistas. Nessa noite, em Vegas, eles deviam representar um terço dos espectadores, e dá para imaginar as notas que deram a Conan. Sem eles, o filme talvez tivesse alcançado uma nota 88, mas com sua presença chegamos de novo a 93, como em Houston. O estúdio ficou muito animado. E Dino de Laurentiis surtou. Ele veio me procurar e falou que tinha me transformado, ou ia me transformar, em um astro – por causa de seu sotaque, não consegui entender se ele tinha usado o verbo no passado ou no presente, mas dessa vez não fiz nenhuma piada a respeito.
Depois dessa noite, Conan tornou-se um sucesso incontrolável. Um mês depois, sessões de teste em 16 cidades do país tinham atraído multidões. Em Manhattan foi preciso que a polícia aparecesse, pois as pessoas na fila literalmente brigavam para entrar. Em Washington, a fila se estendeu por vários quarteirões e provocou um imenso engarrafamento. Em Los Angeles, foi necessário fazer três sessões sucessivas em vez de uma só, como fora planejado – houve quem ficasse esperando oito horas na fila.
Os elogios na imprensa especializada, depois dessas sessões, nos ajudaram a garantir sua exibição em centenas de salas. Quando Conan estreou para valer, em 14 de maio, tornou-se o primeiro sucesso daquele verão, que ainda é lembrado como o melhor da história do cinema. Na mesma época foram lançados Mad Max 2 – A caçada continua, Rocky III, Jornada nas estrelas II – A ira de Khan, Blade Runner – Caçador de androides, Picardias estudantis, O mundo segundo Garp, Poltergeist, A força do destino, Tron, A coisa e, é claro, E.T. Conan, o bárbaro soube garantir seu lugar entre todos eles.