CAPÍTULO 24
A eleição revogatória
COMO TODOS QUE SÃO CASADOS SABEM, é preciso escolher o momento certo para abordar um assunto espinhoso. No início de julho, quando viajei para divulgar O exterminador do futuro 3, a eleição revogatória de Gray Davis era apenas uma possibilidade, e durante as três semanas que passei fora Maria e eu não falamos sobre o assunto nem sobre o que isso poderia significar para mim. Em casa, depois que as crianças iam dormir, nós muitas vezes relaxávamos na banheira de hidromassagem, e foi esse o momento que escolhi.
– A eleição revogatória está chegando – falei.
– É, está todo mundo falando que você vai concorrer, e eu digo que eles estão doidos – retrucou ela. – Você jamais faria uma coisa dessas.
– Bom, na verdade eu queria conversar com você sobre isso. O que você acharia se eu entrasse no páreo? – Maria me olhou fixamente. Antes que ela pudesse abrir a boca, porém, continuei falando: – Olhe só o que está acontecendo com o estado! Estamos virando motivo de chacota. Quando viemos para cá, a Califórnia era um farol que atraía todo mundo. Eu sei que tenho capacidade de corrigir essa situação.
– Está falando sério?
– Estou.
– Não, sem brincadeira, por favor me diga que não está falando sério. Não faça isso comigo.
– Olhe, eu estava só... não assumi nenhum compromisso – prossegui. – Estou só pensando no assunto. É claro que, se você não quiser, não vou me candidatar. Mas eu estava pensando que é uma oportunidade perfeita. É uma eleição revogatória, e a campanha vai durar apenas dois meses. Isso não é tanto tempo. Acho que podemos sobreviver a esses dois meses. E aí serei governador! Maria, eu já posso até ver isso acontecendo. Posso sentir. É possível, de verdade! – O simples fato de falar no assunto provocou em mim uma onda de entusiasmo. – Estou cansado dessa história de ser ator – prossegui. – Preciso de um desafio novo. Já faz algum tempo que estou com vontade de fazer algo diferente. Essa é a oportunidade de prestar o tipo de serviço de que seu pai vive falando. E eu acho que poderia fazer um trabalho muito, muito melhor que o de Gray Davis.
Enquanto falava, fiquei espantado ao ver minha mulher começar a tremer e chorar. Simplesmente não pude acreditar. Acho que estava esperando que ela se transformasse em uma Eunice e dissesse: “Tudo bem, se é isso mesmo que você quer, vamos debater e tomar algumas decisões. Vamos chamar os especialistas e começar as reuniões.” Esperava esse tipo de resposta à la Kennedy. Queria ouvi-la dizer: “Inacreditável. Nós inspiramos você a entrar para o ramo da família. Como você cresceu desde que o conheci. Veja só: está disposto a abrir mão de milhões de dólares para servir ao público. Que orgulho!”
Mas eu estava sonhando se achava que isso ia acontecer.
– Por que está chorando? – perguntei.
Maria começou a falar sobre a dor de ter crescido em uma família de políticos. Eu sabia que ela odiava ser arrastada para os eventos, ter que aparecer sempre nas fotos, ver a casa ser invadida no domingo à noite por consultores e assessores e ser obrigada a se vestir adequadamente para isso. Odiava as campanhas do pai, durante as quais tinha que estar em frente às fábricas às cinco da manhã dizendo: “Votem no papai, votem no papai.”
Mas o que eu nunca chegara a registrar fora o trauma que ela havia sofrido quando criança. Já estávamos juntos havia 26 anos, dos quais 17 casados, e foi um choque constatar que sua infância na família Kennedy – com suas intrusões, humilhações e seus dois assassinatos – a deixara abalada até a alma. Sim, seu pai perdera as campanhas para se candidatar a vice-presidente e presidente. Mas eu colocava essas experiências na categoria das que tornavam a pessoa mais forte. O que não entendia era o constrangimento público que Maria sentia. Em política, todo mundo sabe tudo. Você fica totalmente exposto. Todas as suas amigas do colégio falam sobre a sua vida. Maria havia sofrido muito, não só com o fato de o pai ter perdido duas campanhas, mas também com as mortes trágicas dos tios John e Bobby. Houvera também o acidente de seu tio Teddy em Chappaquiddick, que repercutiu em matérias horríveis na imprensa. Então vieram as provocações na escola, nos estádios esportivos e em todos os lugares públicos que ela frequentava. As crianças faziam comentários cruéis: “Seu pai perdeu. Qual é a sensação de ser uma derrotada?” A cada vez, era como levar uma punhalada.
Considerando tudo isso, o fato de eu lhe dizer que queria ser governador foi como sofrer um acidente: ela viu sua vida inteira passar diante de seus olhos como um filme. Todas as preocupações, todos os medos voltaram. Era por isso que ela tremia e chorava.
Abracei-a e tentei acalmá-la. Pensamentos de todo tipo passavam pela minha cabeça. Em primeiro lugar, um choque absoluto por vê-la sentir toda aquela dor. Eu sabia que Maria já atravessara muitas situações dramáticas, mas pensei que isso pertencesse ao passado. Quando a conheci, ela era cheia de vida, animada, ávida pelo mundo. Queria ser rebelde, não ter um emprego público em Washington. Foi por isso que ela decidiu ser produtora de noticiários, ir para a frente das câmeras e se superar no que fazia. Não pretendia ser mais uma no meio dos Kennedy; sua intenção era ser Maria Shriver – entrevistadora de Castro, Gorbachev, Ted Turner, Richard Branson. No começo, eu pensava: “Sou igualzinho a ela. Realmente temos isso em comum! Ambos desejamos ser excelentes naquilo que fazemos, queremos ser únicos e nos destacar.” Mais tarde, quando nosso relacionamento foi ficando mais sério, senti que não importava qual fosse o meu desejo, não importava qual fosse o objetivo, ela era uma mulher que poderia me ajudar a alcançá-lo. E também senti que, fosse qual fosse o seu desejo, eu a ajudaria a chegar lá.
Para ser honesto, porém, a política nunca fizera parte do acordo. Muito pelo contrário. Quando Maria me conheceu, tinha 21 anos e estava convicta de que queria um homem que não tivesse absolutamente nada a ver com política. Então surgi eu, um rapaz da zona rural austríaca dono de músculos imensos, campeão de fisiculturismo, que sonhava em ir para Hollywood, virar astro de cinema e enriquecer no mercado imobiliário. Ela pensou: “Ótimo! Isso vai nos afastar o máximo possível da política e de Washington.” No entanto, quase 30 anos depois, o círculo estava se fechando e eu lhe perguntava: “O que acha da ideia de eu me candidatar a governador?” Não era de espantar que minha mulher estivesse abalada. Percebi que ela já havia compartilhado parte daquelas coisas comigo antes, mas eu não prestara atenção.
Mais tarde nessa noite, fiquei deitado na cama pensando: “Cara, isso não vai dar certo. Se Maria não abraçar a ideia, não vai ser possível fazer a campanha.” Eu jamais pretendera lhe causar esse tipo de dor.
O que não havia contado a ela era que já me comprometera a participar do programa de Jay Leno. No dia em que a eleição revogatória fora confirmada, esbarrei com o produtor do Tonight Show no cabeleireiro. “Quer você vá concorrer ou não, gostaríamos de ser o primeiro programa em que vai abordar o assunto”, disse ele. Pensei: “Se eu for mesmo concorrer, essa poderia ser uma forma bacana de anunciar a candidatura.” Assim, aceitara, e combináramos a entrevista para o dia 6 de agosto, uma quarta-feira, três dias antes do prazo limite de inscrição.
Não foi uma noite legal: quase não dormimos em meio a muitas lágrimas e muitas perguntas. “Se ela não quiser que eu faça isso, não vou fazer e pronto.” Isso significava que eu teria que desistir do objetivo que havia estabelecido, o que seria bem difícil, pois ele agora estava gravado na minha mente. Precisaria desligar o piloto automático e conduzir o avião manualmente de volta ao aeroporto.
Na manhã seguinte, falei para Maria:
– Concorrer a esse cargo não é a coisa mais importante para mim. O mais importante é a família. O mais importante é você, e, se achar isso um fardo muito grande, então não vamos em frente. Só quero que saiba que é uma oportunidade incrível, e acho que se você quiser que a Califórnia melhore...
– Não – respondeu ela. – Seria horrível. Não quero que você faça isso.
– Tudo bem, assunto encerrado. Não vou fazer.
Nessa noite, à mesa do jantar, ela anunciou às crianças:
– Vocês todos deveriam agradecer ao papai, porque ele tomou uma decisão boa para nossa família: não se candidatar a governador. Porque o papai queria concorrer ao governo do estado.
Nossos filhos, é claro, começaram todos a falar ao mesmo tempo.
– Obrigado, papai – disse um deles.
Então outro falou:
– Uau, seria muito legal se candidatar a governador.
Ao longo dos dias seguintes, várias coisas aconteceram. Primeiro, Jay Leno ligou para confirmar a entrevista e me senti obrigado a lhe dizer que eu provavelmente não iria me candidatar. “Não tem problema”, respondeu ele. A especulação sobre a minha candidatura tinha sido tamanha que ele sabia que minha participação garantiria uma grande audiência de qualquer forma. “Você vai ser o primeiro entrevistado”, falou.
Enquanto isso, Maria conversou com a mãe e Eunice não ficou nada satisfeita. Ela e Sarge acreditavam muito em mim e viviam me incentivando a entrar para o serviço público. Na realidade, em junho, quando eu dissera aos jornalistas que estava pensando em me candidatar, Sarge tinha me mandado o seguinte recado: “Você está me dando uma grande alegria. Não consigo pensar em ninguém que eu gostaria mais de ver ocupar um cargo público. Se eu fosse morador da Califórnia, saiba que eu votaria no Partido Republicano pela primeira vez na vida!” Eunice, por sua vez, sempre tivera vocação para a vida pública e determinação para superar derrotas e tragédias. Maria sempre brincava: “Eu me casei com minha mãe.” Portanto, quando minha mulher disse a ela que não queria que eu me candidatasse, Eunice mandou que ela parasse com aquela bobagem.
“O que houve com você?”, perguntou. “Nós, as mulheres dessa família, sempre apoiamos os homens quando eles querem fazer alguma coisa!” Não participei da conversa, naturalmente, mas Maria me contou depois. “Além do mais”, acrescentou minha sogra, “quando um homem começa a ter essa ambição de concorrer, não dá mais para revertê-la. Se você o impedir, ele vai passar o resto da vida zangado. Então não reclame. Vá lá e ajude o seu marido.”
Durante esse período, tive conversas quase diárias com meu amigo Dick Riordan, ex-prefeito de Los Angeles. Ele e a mulher, Nancy, moravam a menos de 2 quilômetros de nós. Assim como eu, Dick era um republicano moderado, que fora derrotado nas primárias para governador no ano anterior. A maioria das pessoas imaginava que ele fosse se candidatar à eleição revogatória, e suas chances de vencer eram boas. Ele tinha um incrível administrador de campanha chamado Mike Murphy, que já tornara a convocar. Mas então começaram a circular boatos de que Dick começara a faltar a reuniões políticas em troca de partidas de golfe.
Liguei para saber o que estava acontecendo. “Não devo me candidatar”, falei para ele. “Nesse caso, quero dizer que vou apoiar você.”
Ele me agradeceu e mais tarde nos convidou para jantar com ele e a mulher em sua nova casa de praia em Malibu. Passamos a refeição inteira falando sobre os Riordan concorrerem e nós não. Foi então que percebi que a posição de Maria tinha se suavizado ligeiramente.
– Arnold quase decidiu concorrer, depois acabou resolvendo que não, porque nós não gostamos nem um pouco da ideia – disse ela.
– Faz parte da vida – acrescentei. – Estou feliz por ter decidido não concorrer.
Maria se virou para mim.
– Bom, sei que isso deve estar sendo bastante difícil para você. Mas no fim das contas a decisão é sua, e você deveria fazer o que quer.
Fiquei espantado. Será que ela estava dizendo “Eu surtei quando você me disse que iria concorrer, mas agora estou me sentindo melhor em relação ao assunto”?
Depois do jantar, Dick me levou até a varanda como quem não queria nada. Deu-me um soquinho de leve na barriga e falou, direto:
– Você deveria se candidatar.
– Como assim?
– Para ser bem sincero, não tenho esse fogo dentro de mim que você tem. – Dick estava com 73 anos. – Você deveria se candidatar – repetiu ele. – Que tal eu apoiar você?
No carro, a caminho de casa, falei para Maria:
– Você não vai acreditar no que acabou de acontecer.
Contei-lhe sobre a conversa com Dick.
– Bem que eu achei que ele estava meio esquisito durante o jantar! – comentou ela. – Mas o que você respondeu?
– Falei de você, sobre como você é totalmente contra...
– Olhe aqui – interrompeu-me ela. – Eu não quero ser uma desmancha-prazeres. Não quero essa responsabilidade. Talvez você devesse mesmo concorrer.
Então eu disse:
– Maria, você precisa se decidir até a semana que vem.
E foi esse vai não vai durante muitos dias. Pude ver o dilema que ela estava vivendo. Maria tinha um lado atrevido e corajoso e queria ser uma companheira forte, mas outro lado seu dizia: “Vai ser aquela montanha-russa que você já conhece. Ele provavelmente vai perder, e você também vai virar uma derrotada. Vai acabar se vendo em uma enorme confusão que não foi você que causou.” Ela me dizia para tomar minha própria decisão, porém, sempre que eu parecia estar levando mais a sério a possibilidade de me candidatar, tornava a ficar chateada.
Também estava sendo complicado para mim. Até então, tomar qualquer resolução relacionada à carreira sempre tinha sido algo incrivelmente empolgante, como quando eu começara a carreira de ator e decidira não competir mais como fisiculturista. A ideia se formava, eu ia atrás dela e pronto. Só que tomar uma decisão de carreira como marido e pai eram outros quinhentos.
Normalmente eu teria ligado para meus amigos e conversado sobre o assunto. Mas a candidatura a um cargo político era algo tão sério que eu não podia comentar com ninguém. “Esse assunto é só entre nós dois”, frisei para Maria. “Vamos acabar encontrando uma solução.”
No meio disso tudo, Danny DeVito me chamou para ir à sua casa. Queria me apresentar três projetos de filme, entre os quais Irmãos gêmeos II e um outro que ele próprio havia escrito e queria dirigir.
– Que ótima ideia, Danny. Adoraria trabalhar com você outra vez. Mas, Danny, você sabe que a Califórnia está em péssima situação – acrescentei.
– É, deve estar mesmo. Mas o que isso tem a ver com meus filmes?
– Bom, é que, se minha mulher concordar, eu talvez me candidate a governador.
– O quê? Ficou maluco? Vamos fazer um filme juntos!
– Danny, isso é mais importante que um filme. A Califórnia é mais importante que a sua carreira, que a minha, que a de todo mundo. Se Maria deixar, eu tenho que entrar nesse páreo.
Ele disse que tudo bem, imaginando que aquilo não fosse acontecer de verdade.
DE REPENTE JÁ ERA 6 DE AGOSTO, uma quarta-feira, dia marcado para minha aparição na TV. Eu ainda não sabia o que iria anunciar. Nessa manhã, eu estava no banheiro quando ouvi Maria dizer do outro lado da porta: “Estou indo para a NBC. Escrevi uma coisa que vai ajudá-lo no Tonight Show.” Então empurrou dois pedacinhos de papel por baixo da porta.
Um deles era uma lista de tópicos que dizia, em linhas gerais: “Sim, Jay, você tem toda a razão. A Califórnia está em uma situação desastrosa e precisamos de uma liderança nova. Não há como fugir desse fato. É por esse motivo que estou aqui para anunciar que vou apoiar a candidatura de Dick Riordan a governador e trabalhar com ele, mas não vou concorrer.” Dick ainda não havia se inscrito, mas Maria imaginava que isso fosse acontecer.
O outro pedacinho de papel dizia, também em linhas gerais: “Sim, Jay, você tem toda a razão, a Califórnia está em uma situação desastrosa e precisamos de uma nova liderança. É por isso que anuncio aqui, hoje, que vou me candidatar a governador do estado. Vou garantir que os problemas sejam sanados.”
Quando terminei de ler, Maria já tinha saído de casa. “Então tá”, pensei. “Ela está deixando a decisão nas minhas mãos. Já faz uma semana que estamos falando sobre isso. Não vou mais pensar no assunto até chegar ao programa. O que sair da minha boca é o que vai ser.” É claro que eu estava inclinado a declarar que iria me candidatar.
Nenhum consultor político jamais recomendaria anunciar uma candidatura séria no Tonight Show, mas eu já tinha ido ao programa dezenas de vezes e me sentia à vontade lá. Jay era um bom amigo. Sabia que ele iria me amparar, que faria perguntas interessantes e envolveria a plateia na conversa. Em uma coletiva de imprensa não dá para ouvir a reação do público.
Leno já tinha dito inúmeras vezes que eu iria ao programa fazer um anúncio importante. Todo mundo, dos meus amigos mais chegados ao motorista que me levou até o estúdio, queria saber: “O que você vai dizer?” Leno entrou na sala de espera e me fez a mesma pergunta. Mas tudo no mundo da política sempre vaza: há sempre um jornalista pronto para escrever qualquer coisa e todo jornalista vive atrás de um furo. O único jeito de eu fazer um anúncio de verdade era não falar nada a ninguém. Então fiquei na minha até o programa começar.
Quando o sol se pôs, estava feito: eu entrara na disputa. O Tonight Show vai ao ar às onze da noite, mas é gravado às cinco e meia da tarde, horário da Califórnia. Depois de fazer meu anúncio, respondi às perguntas de uma centena de jornalistas e equipes de TV reunidas do lado de fora.
A eleição revogatória maluca da Califórnia de repente tinha um rosto! Poucos dias depois, saí na capa da Time com um sorriso enorme estampado no rosto e uma única linha de texto: “Hãnold!?”
No dia seguinte, meu escritório em Santa Monica se transformou no centro de comando da candidatura Schwarzenegger ao governo do estado. Quando você lança uma campanha, espera-se que já tenha mil coisas preparadas: temas, mensagens, plano de arrecadação de fundos, equipe, site na internet. No entanto, como eu mantivera o suspense até o final, não tinha nada disso. Até mesmo uma equipe de arrecadação de fundos teria denunciado minhas intenções. Assim, tudo o que eu tinha era meu pessoal da Proposta 49. Tivemos que organizar tudo às pressas.
Foi inevitável que a situação gerasse momentos de tensão. Na sexta-feira, levantei-me às três da manhã para dar entrevistas aos programas Today, Good Morning America e CBS This Morning. Começamos com Matt Lauer, do Today. Quando ele me pediu detalhes sobre como eu iria recuperar a economia da Califórnia e quando liberaria minha declaração de imposto de renda, percebi que não estava preparado para aquilo. Incapaz de responder, fui obrigado a apelar para o velho truque de Groucho Marx de fingir que a ligação estava ruim.
– Pode repetir? – Levei a mão ao fone de ouvido. – Não ouvi direito.
Lauer encerrou a entrevista dizendo, com sarcasmo:
– Parece que estamos perdendo a conexão com Arnold Schwarzenegger em Los Angeles.
Esse foi o pior desempenho público da minha vida.
Até então, Maria se mantivera distante enquanto se adaptava àquela nova etapa de emoção em nossas vidas. No entanto, ver-me titubear na TV despertou a leoa Kennedy adormecida. No final dessa mesma manhã, ela chegou para participar de uma reunião com os consultores que estavam quebrando a cabeça para bolar minha campanha.
“Qual é o seu plano?”, perguntou Maria, com voz suave. “Onde está sua equipe? Qual é a sua mensagem? Qual é o objetivo dessas aparições na TV? Em que direção sua campanha está indo?” Sem levantar a voz, ela levou para o escritório muitas gerações de autoridade e experiência.
Terminada a reunião, Maria decidiu: “Precisamos de mais gente, e logo. E precisamos de alguém que lidere e estabilize o processo.” Ela telefonou para Bob White, em Sacramento; ele ajudara a lançar minha campanha em prol dos programas extracurriculares e recomendara a maioria das pessoas com quem eu trabalhava agora. “Você tem que vir nos ajudar”, disse-lhe ela. Bob então nos indicou um administrador de campanha, um estrategista, um diretor de políticas públicas e um diretor de comunicação. Além disso, ele mesmo entrou para a equipe, supervisionando tudo de maneira informal. O ex-governador Pete Wilson também colaborou: não apenas me deu seu apoio como se ofereceu para promover um evento de arrecadação de fundos no Regency Club e me ajudou a conseguir importantes doadores pelo telefone.
UMA DE MINHAS PRIMEIRAS ATITUDES como candidato foi procurar Teddy Kennedy. Conseguir seu apoio estava fora de cogitação; na verdade, Teddy havia divulgado uma declaração por escrito que dizia: “Tenho apreço e respeito por Arnold... mas sou democrata. E tampouco apoio a eleição revogatória.” Apesar disso, por recomendação de Eunice, fui procurá-lo. Quando ela soube que eu iria a Nova York para participar de um evento da associação de atividades extracurriculares After-School All-Stars, no Harlem, logo depois de anunciar a candidatura – compromisso assumido meses antes –, convenceu-me a ir a Hyannis Port a fim de conversar com seu irmão. “Vocês não têm as mesmas opiniões políticas”, disse minha sogra, “mas ele já fez muitas campanhas e ganhou todas elas, exceto a eleição para presidente, de modo que eu levaria em consideração tudo o que ele tiver a dizer.”
Teddy e eu passamos horas conversando, e um dos conselhos que ele me deu teve um efeito profundo: “Arnold, nunca entre em detalhes.” Para ilustrar, contou-me uma pequena história: “Ninguém sabe mais sobre saúde do que eu, certo? Bom, um dia fui participar de uma audiência pública de quatro horas na qual a questão da saúde foi discutida nos mínimos detalhes. Quando saí e voltei para minha sala, os mesmos jornalistas que estavam assistindo à audiência foram atrás de mim: ‘Senador Kennedy, senador Kennedy, podemos conversar com o senhor sobre saúde?’ Então eu respondi: ‘Pois não, o que querem saber?’ E eles: ‘Quando é que finalmente vamos conhecer os detalhes?’” Teddy riu. “Isso só mostra que nunca é possível dar detalhes suficientes: as pessoas sempre vão querer mais. Porque o que elas realmente querem é que você se enrole e diga algo que possa ser transformado em notícia. Cobrir uma audiência de quatro horas no Congresso é uma coisa, mas o que os jornalistas querem é gerar manchetes. É isso que os faz brilhar.”
Teddy seguiu falando: “Por enquanto, no começo, diga apenas: ‘Estou aqui para resolver o problema.’ Faça disso a sua bandeira. Na Califórnia, você precisa declarar: ‘Sei que temos problemas graves – apagões, desemprego, empresas se mudando para outros lugares, muitas pessoas que precisam de ajuda... e eu vou resolver isso tudo.’” Ouvir essas palavras me causou forte impressão. Sem os conselhos de Teddy, eu provavelmente teria me sentido intimidado sempre que um jornalista perguntasse: “Quando vamos saber os detalhes?” O que me deixara constrangido no programa Today fora justamente Matt Lauer me pedir detalhes. Teddy, contudo, mostrou-me que, em vez de responder à pergunta, eu podia afirmar com segurança: “Vou expor a você uma visão clara sobre a Califórnia.”
Foi Paul Wachter, meu consultor financeiro, quem sinalizou que meu primeiro desafio de campanha era a credibilidade. Ele, Maria e Bonnie Reiss eram meus consultores mais próximos, e Paul voltara de suas férias em família assim que soubera que eu havia anunciado a candidatura. Quando a campanha entrou na segunda semana, ele relatou que estava recebendo telefonemas de amigos empresários e financistas que diziam sobre mim: “Na boa, ele não pode estar falando sério.” Todos sabiam quem eu era, claro, e pelo menos algumas pessoas conheciam meu longo histórico de serviço público, mas, em meio ao circo da eleição revogatória – que era como os jornalistas gostavam de chamar o processo –, eu precisava mostrar que me candidatar a governador não era apenas o projeto de uma celebridade vaidosa. Como convencê-los de que eu não era apenas mais um palhaço no meio de tantos outros?
Minha equipe de campanha insistiu que eu ligasse para George Shultz. Ele parecia o Poderoso Chefão. Secretário de Estado no governo Reagan e do Tesouro sob a administração Nixon, Shultz agora trabalhava na Hoover Institution, em Stanford, e talvez fosse o republicano sênior mais prestigioso do país. Já sabia que eu entraria em contato, mas ainda assim, quando consegui falar com ele, vociferou:
– Você tem dois minutos para me dizer por que eu deveria apoiar sua candidatura.
– O estado não deve gastar mais dinheiro do que tem e precisa de um líder para isso – falei, em linhas gerais. – Eu quero ser esse líder e prezaria muito a sua ajuda.
Foi a resposta certa.
– Pode contar comigo – respondeu Shultz.
Eu lhe disse, ainda, que gostaria de organizar uma coletiva de imprensa com ele.
– Vou pensar e ligo para você mais tarde.
No telefonema seguinte, ele falou:
– Tive uma ideia. Warren Buffett já disse coisas boas a seu respeito e é democrata. Talvez fosse bom ligar para ele e chamá-lo para a coletiva também. Isso vai transmitir a mensagem de que você não liga para partidos e quer apenas resolver os problemas. Vamos falar dos objetivos que põem você acima das questões políticas.
Eu conhecera o lendário investidor Buffett em uma conferência particular, e nos déramos muito bem. Para minha alegria, mesmo sendo democrata, ele se oferecera para me apoiar caso eu decidisse concorrer. Mas é claro que, no momento em que você se lança, as pessoas podem recuar. Então pedi a Paul – que conhecia Warren – que verificasse se ele ainda estava disposto a se comprometer. Warren concordou na mesma hora.
Faltando menos de dois meses para a eleição, a equipe de campanha começou a me pressionar para ir às ruas e aparecer diante do público. No entanto, embora eu tivesse paixão, visão e dinheiro, sabia que precisava entender mais a fundo as complexas questões enfrentadas pelo estado antes de poder ir muito longe como candidato. Shultz pediu que um colega seu da Hoover Institution me desse uma aula intensiva de cinco horas sobre as dívidas e os déficits da Califórnia. A aula foi uma combinação de gráficos, conversas e leituras, tão útil e agradável que na mesma hora pedi à minha equipe que agendasse outros encontros do mesmo tipo sobre questões igualmente importantes.
“Quero aprender com os melhores especialistas do mundo”, falei. “Não importa de que partido eles sejam.” Ao longo das semanas seguintes, absorvi todo o conhecimento que pude. A equipe batizou essa fase de Universidade Schwarzenegger, e nossa casa parecia uma estação de trem, com especialistas entrando e saindo o tempo todo. Recebi Ed Leamer, economista liberal e diretor da Anderson School of Management, faculdade de administração da UCLA, e o ex-governador Pete Wilson. Políticos republicanos que quase haviam entrado na disputa se dispuseram generosamente a compartilhar suas informações comigo: Dick Riordan, Darrell Issa, Dave Dreier. Aprendi sobre tudo, de energia a indenizações trabalhistas, passando pelas anuidades universitárias. A equipe vivia tentando abreviar as aulas para que eu pudesse sair às ruas e fazer campanha, mas eu resisti. Precisava daquele conhecimento, não apenas para a candidatura, mas também para administrar o estado – isso porque, em uma parte da minha mente, eu já havia ganhado a eleição.
O fato é que o governador da Califórnia tem mais autoridade para nomear pessoas para cargos de confiança do que qualquer outro representante eleito nos Estados Unidos, com exceção do presidente do país e do prefeito de Chicago. Ele pode, também, suspender qualquer lei ou regulamento estadual ao declarar estado de emergência, além de convocar uma votação especial ou plebiscito caso queira apresentar alguma proposta diretamente aos eleitores – duas alavancas de poder que podiam se revelar muito importantes.
Quando a Universidade Schwarzenegger foi perdendo fôlego, minha equipe montou uma pasta branca com o conteúdo mais importante das aulas. Essa pasta me acompanhou durante toda a campanha – nela estavam as ações que eu desejava implementar como governador. No verso, eu mantinha uma lista atualizada de todas as promessas que fazia.
Buffett e Shultz não eram do tipo que apoiava alguém e simplesmente saía de cena. Como estava chegando o dia de nossa coletiva de imprensa, eles lançaram a ideia de convocar uma cúpula bipartidária de líderes empresariais para explorar maneiras de recolocar a economia nos eixos. Nós a batizamos de Conselho para a Recuperação Econômica da Califórnia.
Os dois concordaram em copresidir a reunião, que consistiria em uma sessão fechada de duas horas antes da coletiva de imprensa, e apresentaram uma lista de mais de 20 nomes. Paul e eu convidamos todos eles pessoalmente, telefonando para cada um da cozinha da minha casa. Havia pesos pesados como Michael Boskin, ex-consultor econômico de Bush pai; Arthur Rock, cofundador da Intel Corp. e investidor pioneiro de capital de risco no Vale do Silício; Bill Jones, ex-secretário de Estado da Califórnia; e Ed Leamer, da UCLA. Evidentemente, não eram nomes que um típico fã de O exterminador do futuro 3 ou Irmãos gêmeos fosse conhecer, mas seu envolvimento iria assinalar para a imprensa especializada e o establishment político que minha candidatura era para valer.
A cúpula, realizada em 20 de agosto, gerou ideias úteis, e a coletiva de imprensa que se seguiu foi um sucesso. O local escolhido foi o salão de baile do hotel Westin, perto do Aeroporto Internacional de Los Angeles, que ficou lotado de repórteres e equipes de gravação do mundo inteiro e tomado por um burburinho de animação. Eu acabara de participar da coletiva de O exterminador do futuro 3 em Cannes, em maio anterior, e aquilo era muito maior.
“Perfeito!”, pensei. O democrata Buffett e o republicano Shultz se posicionaram ao meu lado, uma representação concreta de que eu era um candidato para toda a Califórnia. Depois das palavras inaugurais ditas por eles, passei 45 minutos respondendo a perguntas e esboçando meus objetivos caso os eleitores me escolhessem para substituir Gray Davis. Recuperar a saúde econômica da Califórnia era a prioridade, frisei, e tomar medidas rápidas para equilibrar o orçamento seria fundamental para implementar esse plano. “Isso quer dizer que faremos cortes nos gastos do estado? Sim. Significa que os gastos com educação estão em risco? Não. Significa que estou disposto a aumentar os impostos? Não. Mais impostos são o último fardo que precisamos impor aos cidadãos e às empresas da Califórnia.”
Eu havia ficado nervoso antes dessa reunião: aquilo era a imprensa séria, não a do entretenimento. Então me perguntei: “Será que eu deveria mudar de tom? Será que deveria tentar soar mais como um governador?” Mas Mike Murphy, que acabara de entrar para a equipe como meu administrador de campanha, aconselhou: “Mostre a eles que está tendo um momento agradável. Que ama o que está fazendo. Seja simpático, autêntico e bem-humorado, e se divirta. Não se preocupe se vai falar besteira, só esteja pronto para brincar com isso logo em seguida. As pessoas não se lembram do que você diz, só se lembram se gostaram ou não de você.” Então não havia problema em ser eu mesmo. Fui lá e me diverti a valer. Uma das primeiras perguntas foi sobre Warren Buffett e a Proposta 13. Na semana anterior, ele dissera ao Wall Street Journal que uma boa maneira de a Califórnia gerar mais receita seria rever essa lei, que mantinha os impostos sobre bens imobiliários em um nível tão baixo que chegava a ser irrealista. “Não faz sentido”, afirmara ele.
Então, durante a coletiva, um jornalista perguntou:
– Warren Buffett disse que o senhor deveria mudar a Proposta 13 e aumentar os impostos sobre os bens imobiliários. O que tem a dizer sobre isso?
– Em primeiro lugar, falei para Warren que, se ele mencionasse a Proposta 13 outra vez, teria que fazer 500 abdominais.
Todo mundo riu, e Warren, que tem espírito esportivo, também abriu um sorriso. Então falei com todas as letras que não iria aumentar os impostos sobre bens imobiliários.
Houve perguntas sobre todo tipo de assunto: de imigração a como eu iria conviver com os democratas que dominavam o legislativo estadual. “Tenho muita experiência em lidar com democratas”, falei, assinalando que era casado com uma.
Como não podia deixar de ser, um jornalista perguntou quando eu iria dar detalhes sobre meus planos econômicos e orçamentários. “O público não liga para fatos e números”, respondi. “As pessoas passaram os últimos cinco anos ouvindo falar em números. O que o povo quer saber é se você tem pulso para fazer a faxina de que a casa precisa. De uma coisa os cidadãos da Califórnia podem ter certeza: eu vou agir.” Acrescentei que não fazia sentido assumir posições definitivas em relação a questões complexas antes de ter condição de conhecer os fatos.
Outro jornalista perguntou se eu iria dar mais detalhes antes do dia da eleição, 7 de outubro. Agradecendo a Teddy em silêncio, respondi apenas: “Não.”
Meus consultores ficaram entusiasmados, e a cobertura da imprensa sobre meus comentários nas horas e nos dias que se seguiram foi majoritariamente positiva. No entanto, tive que rir ao ler a manchete do San Francisco Chronicle na manhã seguinte:
ATOR FALA GROSSO PARA DOMAR DÉFICIT
MAS SCHWARZENEGGER NÃO ENTRA EM DETALHES
Maria, recém-chegada de férias em Hyannis Port com as crianças, disse que eu havia me saído bem. Também ficou satisfeita ao constatar que a campanha agora estava bem mais ordenada e coerente – graças, em grande parte, às mudanças iniciadas por ela naqueles primeiros dias. E havia outra coisa, também: acho que, pela primeira vez, ela sentiu cheiro de vitória; sentiu que era realmente possível que eu ganhasse.
A PARTIR DESSE DIA, A CAMPANHA GANHOU FORÇA. Escolhemos um tema por semana: economia, educação, emprego, meio ambiente. Convocamos também uma coletiva de imprensa na estação de trem de Sacramento, onde o lendário governador Hiram Johnson fizera um discurso histórico para denunciar os barões das ferrovias e defender o processo das votações populares como uma forma de os cidadãos recuperarem o controle do estado. Escolhi a estação para destacar que iria lutar contra problemas políticos sistêmicos como o chamado gerrymandering, que permite que os políticos eleitos estabeleçam, eles próprios, as fronteiras de seus distritos eleitorais de modo que possam mantê-los sob seu jugo para sempre.
Maria deixou a relutância de lado e mergulhou de cabeça na corrida ao governo. Quando ela chegava ao quartel-general da campanha, dava para ver que aquele era seu habitat. Minha mulher participava de reuniões de todo tipo, de estratégia a slogans. Dava ideias e fazia propostas, às vezes para a equipe inteira, outras vezes para mim pessoalmente.
Maria fizera uma sugestão à qual, não sei por quê, não tínhamos dado atenção: recomendara que abríssemos um escritório de campanha no primeiro andar, no nível da rua, para as pessoas poderem entrar. “Vocês não podem ficar aqui no terceiro andar”, disse ela. “As pessoas gostam de poder passar na rua e ver o que está acontecendo. Gostam de conversar, tomar um café e receber panfletos que possam distribuir.” Encontramos um grande espaço comercial vazio perto do quartel-general e o proprietário se dispôs a emprestá-lo para a campanha. Decoramos o local com bandeirinhas, cartazes e balões. Então fizemos uma grande festa de inauguração que ficou lotada. Eu já vira multidões reunidas pelo cinema, pelo fisiculturismo e pelos programas extracurriculares, mas aquilo ali tinha uma energia diferente. Era uma campanha política de verdade.
Em setembro, Maria e eu fomos a Chicago para a estreia da nova temporada do Oprah Winfrey Show. Achei ótimo participar, pois os republicanos vinham cometendo a burrice de isolar as mulheres, e era fundamental contar com o apoio delas. Eu, em especial, precisava conquistá-las, pois meu público de cinema sempre fora majoritariamente masculino. Eu tinha opiniões progressistas sobre questões de importância crucial para as eleitoras – reforma do ensino, reforma do sistema de saúde, meio ambiente, aumento do salário mínimo –, e o programa de Oprah era o veículo perfeito para defender minhas ideias.
Enquanto isso, democratas de peso faziam campanha para Gray Davis. Bill Clinton passou um dia inteiro com ele no bairro de Watts e no centro-sul de Los Angeles. O senador John Kerry, Jesse Jackson e Al Sharpton estavam entre os presentes. O único democrata importante que não apareceu foi Teddy.
Tanto o presidente Bush quanto seu pai se ofereceram para participar da minha campanha, mas recusei educadamente. Queria ser o candidato pouco expressivo a suplantar a máquina de Gray Davis.
Maria acompanhava as pesquisas de opinião como uma especialista. Estava sempre atenta, por exemplo, a como o ultraconservador Tom McClintock, senador estadual da Califórnia, não parava de roubar meu apoio entre os republicanos. É claro que havia gente na equipe dissecando e analisando esses mesmos dados, mas Maria focava em elementos que não apareciam nos números. Em determinado momento, ela me surpreendeu ao dizer:
– Não há ninguém importante atacando você. É um bom sinal.
– Como assim? – estranhei. Como é que a falta de ataque podia significar alguma coisa?
Ela explicou que, se as pessoas achassem que eu era maluco, ou tão picareta que o fato de eu ser eleito fosse prejudicar o estado, a oposição seria bem mais ampla e cruel.
– Você só está sendo atacado pela extrema esquerda e pela extrema direita – observou ela. – Isso significa que foi aceito como candidato viável.
O que as pesquisas de opinião mostravam em meados de setembro era que Gray Davis estava frito: os eleitores eram a favor de sua destituição em uma proporção de quase dois contra um.
O favorito para substituí-lo não era eu, contudo, e sim o vice-governador Cruz Bustamante, que tinha as intenções de voto de 32% dos eleitores consultados. Eu tinha 28% e Tom McClintock, 18%, enquanto os 22% restantes estavam indecisos ou tendiam votar em um de nossos 132 rivais no circo.
Bustamante era um adversário difícil – não porque fosse muito carismático, mas porque agradava aos democratas que não gostavam de Gray Davis. Ele se apresentava como a alternativa mais segura e experiente, com o sofrível slogan de campanha “Não à eleição revogatória, sim a Bustamante”. Em outras palavras: não vim aqui prejudicar meu colega democrata Gray Davis, mas, se vocês decidirem tirá-lo do cargo, votem em mim!
A essa altura, nossa campanha estava com força total. Usando meu jatinho particular, eu conseguia percorrer grandes distâncias em apenas um dia. Íamos de aeroporto em aeroporto, e às vezes o comício acontecia ali mesmo, com mil pessoas reunidas dentro de um hangar. O avião pousava, estacionava, eu ia até o hangar, animava o público e então embarcava rumo à cidade seguinte. Também fizemos ações malucas, como passear pela cidade em um ônibus de campanha chamado “O Sobrevivente” ou esmagar um carro com uma bola de demolição para simbolizar o que eu faria com a taxa de emplacamento de Gray Davis caso fosse eleito.
Todos os dias eu aprendia algo sobre política e governo. A dinâmica de minhas coletivas de imprensa estava melhor: aprendi a diminuir meu tempo de preparação para discursos importantes de uma semana para apenas uma noite, e meu raciocínio também ficou mais rápido. Nossos anúncios na TV estavam funcionando muito bem. Meu preferido começava mostrando um caça-níqueis com os dizeres “Cassinos Indígenas da Califórnia”, no qual se via surgir o número 120.000.000 – 120 milhões de dólares era a quantia com a qual as tribos haviam contribuído para campanhas políticas durante o governo de Gray Davis. Então eu aparecia e dizia: “Todos os outros candidatos aceitam dinheiro deles em troca de favores. Eu não participo desse jogo. Votem em mim e eu garanto que as coisas vão mudar.” As pessoas ficaram chocadas com o fato de eu estar atacando a jogatina das tribos. “Ele é mesmo o Exterminador”, pensavam.
Em vez de tentar dissuadir os eleitores de Bustamante, nossa meta era atrair os milhões de eleitores independentes e indecisos. A melhor oportunidade para isso seria o debate de 24 de setembro, apenas 15 dias antes da eleição. Pela primeira e única vez, todos os cinco principais candidatos ao cargo de Gray Davis iriam se encontrar num estúdio: eu, Cruz Bustamante, o senador estadual Tom McClintock, Peter Camejo, do Partido Verde, e a colunista política Arianna Huffington.
A preparação para o debate foi engraçada. Escalamos integrantes de nossa equipe para fazer o papel dos meus oponentes. Todos os candidatos receberiam perguntas com antecedência, mas o debate em si seria livre e os participantes poderiam intervir quando quisessem. Treinamos perguntas relacionadas a decisões políticas, simulando todos os ataques e réplicas possíveis:
“Como o senhor pode ser a favor do meio ambiente se tem um jatinho particular?”
“O senhor ganha 30 milhões de dólares por filme. Como pode se identificar com a situação dos pobres?”
“Seus filmes são violentos. Como o senhor pode afirmar que apoia a segurança pública?”
Eu também tinha que estar pronto para atacar. Sabia que não poderia derrotar McClintock em matéria de políticas públicas – ele era um verdadeiro CDF – e tampouco seria capaz de competir com a eloquência de Arianna. Minha chance de acabar com eles era meu senso de humor. Assim, bolamos frases curtas engraçadas e encomendamos piadas de John Max, redator de Jay Leno. Ensaiamos até que eu as soubesse de cor. Se Arianna me perguntasse sobre impostos, eu teria uma resposta pronta. Se ela começasse a dramatizar demais, eu teria outra, e assim sucessivamente.
Alugamos um estúdio e treinamos bastante, sentados em V diante do ponto no qual ficaria a plateia do debate. Passamos três dias só ensaiando. Lembrei a mim mesmo que eu não deveria me prender a detalhes. Tinha que ser simpático e bem-humorado. Deixar os outros tropeçarem sozinhos. Criar armadilhas para fazê-los dizer bobagens.
O debate atraiu muitos jornalistas. Quando cheguei, o estacionamento já estava lotado – parecia uma final de basquete. Em meio a um mar de caminhonetes e trailers da imprensa despontavam antenas de satélite de TVs japonesas, francesas e britânicas, além de todas as redes nacionais americanas. Foi assustador e inacreditável ver tanta atenção concentrada em um único evento.
Quando subimos ao palco para ocupar nossos lugares, não pudemos levar anotações. Sessenta segundos antes de começar, fiz uma recapitulação mental. “Saúde: o que o senhor mudaria?”, perguntei a mim mesmo. De repente, porém, não consegui me lembrar de absolutamente nada sobre esse tópico! “Está bem”, pensei, “vamos passar para a questão das aposentadorias.” De novo, nada me ocorreu. Fiquei totalmente paralisado. Já tivera um branco daqueles uma ou duas vezes atuando, mas era muito raro. Além disso, nas filmagens você sempre pode pedir a alguém que lhe sopre a fala. Por sorte, restava-me o senso de humor. “Vai ser interessante”, pensei.
O DEBATE COMEÇOU COM CADA CANDIDATO dizendo se achava que a eleição revogatória deveria ou não ocorrer. Todos concordamos que sim, com exceção de Bustamante, que a classificou como uma “péssima ideia”, enfatizando sua posição precária de opositor do pleito especial ao mesmo tempo que promovia a própria campanha, “só para garantir”.
A conversa foi ficando “acalorada” e “animada”, como os jornalistas viriam a descrevê-la depois. Bustamante logo atacou minha falta de experiência, introduzindo quase todos os comentários que fez para mim com a frase “Talvez o senhor não saiba, mas...”. Mostrar-se superior foi um tiro que saiu pela culatra, pois fez o público antipatizar com ele e me deu a oportunidade de mostrar que sabia do que ele estava falando. Isso causou boa impressão, assim como o meu senso de humor. Quando o debate ficava especialmente exaltado e todos começavam a gritar uns com os outros, eu dizia alguma barbaridade que fazia a plateia rir.
Arianna e eu batemos boca algumas vezes. Em determinado momento, ela estava pondo a culpa da crise orçamentária do estado nas brechas fiscais e na imoralidade dos republicanos e das empresas. Falei: “Como assim, Arianna? Vocês estão usando brechas fiscais tão grandes que eu poderia passar por elas com meu Hummer.” No dia seguinte, apareci na frente nas pesquisas de opinião. Pulei de 28% para 38% das intenções de voto, enquanto Bustamante caiu de 32% para 26%.
No entanto, embora Bustamante e eu tivéssemos sido os principais concorrentes, a cobertura da imprensa após o debate se concentrou nos embates entre mim e Arianna. Em determinado momento, quando os candidatos debatiam o orçamento estadual, ela reclamou que eu a estava interrompendo e me acusou de sexista.
– É assim que você trata as mulheres – disse ela. – Nós já sabemos. Mas desta vez vai ser diferente.
Respondi com uma brincadeira:
– Acabo de me dar conta de que tenho um papel perfeito para você em O exterminador do futuro 4.
Quis dizer que ela poderia interpretar o papel da cruel Exterminadora. Arianna, porém, interpretou isso como uma ofensa e no dia seguinte disse à imprensa que as mulheres haviam ficado indignadas com meu comentário. “Acho que aquilo o deixou de fato mal com as mulheres, o que já era mesmo o seu ponto fraco”, afirmou ela.
Arianna estava chamando atenção para as alegações de mau comportamento que já tinham vindo à tona diversas vezes ao longo dos anos em relação a mim. Na semana seguinte, faltando apenas cinco dias para a eleição, essas acusações foram tema de uma denúncia no Los Angeles Times: “Mulheres afirmam que Schwarzenegger as bolinou e humilhou”. Minha equipe ficou ensandecida: parece que, segundo uma regra tácita da política, era proibido fazer denúncias sobre candidatos na última semana de campanha. Mas eu não havia entrado naquele páreo com a esperança de não levar nenhuma pancada. Como dissera a Jay Leno no dia em que anunciara minha candidatura na TV: “Eles vão dizer que eu não tenho experiência, que sou mulherengo, um cara horrível, e eu vou ter que lidar com uma porção de coisas desse tipo... mas quero fazer uma faxina em Sacramento.” Minha campanha não era a de um conservador social, defensor dos bons costumes. Assim que anunciei minha candidatura, o Los Angeles Times destacou uma equipe de repórteres para escrever uma série de matérias investigativas a meu respeito. Várias delas já tinham sido publicadas, entre as quais uma sobre o passado nazista do meu pai e outra sobre meu uso de anabolizantes quando era fisiculturista. Minha regra em relação a acusações prejudiciais era que, caso fossem falsas, eu lutaria com unhas e dentes para que fossem retiradas, e, se fossem verdadeiras, admitiria e me desculparia assim que tivesse oportunidade. Portanto, quando as primeiras matérias saíram, eu reconhecera o uso de anabolizantes no começo da carreira, como já tinha feito antes, e informara que trabalhara em parceria com o Simon Wiesenthal Center para localizar documentos disponibilizados recentemente sobre o histórico de guerra do meu pai.
Nenhuma daquelas acusações de abuso eram verdadeiras. Apesar disso, eu algumas vezes já agira de forma inapropriada e tinha de fato motivos para me desculpar por meu comportamento no passado. Em meu primeiro pronunciamento, no dia seguinte, diante de uma plateia em San Diego, falei: “Muitas dessas histórias não são verdadeiras. Ao mesmo tempo, sempre digo que onde há fumaça há fogo. Então, sim, eu já agi mal no passado. Sim, já me meti em confusões em alguns sets de filmagem, fiz coisas que não eram certas e que na ocasião considerei brincadeiras, mas que hoje reconheço terem ofendido terceiros. E, a essas pessoas que ofendi, gostaria de dizer que estou profundamente arrependido pelo que fiz e peço desculpas.”
Como já havia acontecido antes, muitas pessoas se manifestaram em minha defesa, e minha aliada mais importante foi Maria. Nesse dia, ao fazer um discurso em uma organização feminina republicana, ela afirmou deplorar a política e o jornalismo sensacionalistas. “Vocês podem dar ouvidos a todas essas declarações negativas e podem dar ouvidos a pessoas que nunca conheceram Arnold, ou então que estiveram com ele por cinco segundos 30 anos atrás. Ou então podem escutar a mim”, disse ela, e me elogiou pela minha coragem de me desculpar.
Como nossas pesquisas de opinião sugeriam desde o início, os eleitores da Califórnia estavam bem mais preocupados com outras questões, como por exemplo a economia. Meu discurso em San Diego foi o pontapé inicial de uma última turnê de ônibus para fazer comícios em vários pontos do estado. Nessa manhã, 3 mil pessoas compareceram. No evento seguinte, na região conhecida como Inland Empire, a leste de Los Angeles, 6 mil estiveram presentes. Na manhã de sábado, em Fresno, o público chegou a 8 mil. No domingo, quando finalmente chegamos a Sacramento, havia quase 20 mil pessoas reunidas em frente ao Capitólio para me receber, comemorar e participar do comício. Em pé na escada da sede do governo estadual, fiz um discurso de cinco minutos. Então a banda começou a tocar – um grupo descolado, com o qual os jovens pudessem se identificar –, eu peguei uma vassoura, e foi essa a foto que a imprensa tirou: Schwarzenegger chegou para fazer a faxina. Dava para sentir a energia. Pronto! Estávamos preparados para decidir o páreo.
Na noite da eleição, eu estava me vestindo para ir à festa. Ainda era muito cedo, então eu não sabia o resultado, mas sentia que minhas chances de vencer eram bastante altas. Quando entrei no quarto para calçar os sapatos, ouvi um apresentador da CNN dizer: “Podemos considerar a eleição decidida. O novo governador é Arnold Schwarzenegger.” Lágrimas começaram a rolar pelo meu rosto. Não pude acreditar. Estava contando com aquilo, mas ouvir a notícia na CNN foi demais – era o reconhecimento oficial de uma rede de TV a cabo internacional. Nunca pensei que fosse passar em frente a uma TV e ouvir as palavras “Schwarzenegger é o novo governador da Califórnia”.
Fiquei algum tempo sentado no quarto. Katherine entrou e perguntou: “Pai, o que você acha deste vestido?” Enxuguei as lágrimas. Não queria que minha filha me visse chorando. Maria, que estava se vestindo em outro banheiro, entrou para assistir ao noticiário comigo e também ficou radiante: não só por gostar da ideia de se tornar a primeira-dama do estado da Califórnia, mas porque aquela vitória política poderia ajudá-la a esquecer antigas derrotas familiares.
A população havia votado pela destituição de Gray Davis por 55% contra 45% e me escolhera como governador por uma margem significativa em detrimento de Cruz Bustamante e dos outros candidatos. O resultado da votação foi 49% para mim, 31% para Bustamante, 13% para McClintock, 3% para Camejo e 4% divididos entre os outros candidatos.
Um dos momentos mais agradáveis da vitória aconteceu uma semana depois, quando o presidente George W. Bush me fez uma visita a caminho de uma viagem diplomática à Ásia. Encontramo-nos no Mission Inn, hotel histórico da cidade californiana de Riverside que já hospedou 10 presidentes dos Estados Unidos. Karl Rove estava lá com Bush quando fui conduzido até a suíte. Depois que todos nos cumprimentamos, Rove disse: “Vou deixá-los a sós.”
O presidente, que sabia que o seu arquiteto político me aconselhara a não concorrer, tentou remediar a situação:
– Não fique chateado com Rove pelo que ele lhe disse lá em Washington. Karl é assim mesmo. Ele é um bom sujeito. Temos que trabalhar juntos.
Respondi que nunca deixaria conflitos de personalidade atrapalharem o que precisávamos fazer pelo país e pela Califórnia.
– Será um prazer colaborar com ele no futuro – acrescentei. – Sei que ele está fazendo um bom trabalho.
Bush então tornou a chamar Rove e disse:
– Ele gosta de você.
Karl apertou minha mão e sorriu.
– Estou ansioso para trabalharmos juntos – afirmei.
Eles provavelmente sabiam o que eu diria a seguir. Depois do debate, eu reclamara na imprensa da quantidade de impostos paga pelos californianos ao governo federal e de quão pouco desse dinheiro voltava para a Califórnia em comparação com outros estados do país, como o Texas. “Não sou só o Exterminador, sou também o Coletor”, declarei à CNN e jurei conseguir de Washington, quando fosse governador, aquilo a que tínhamos direito.
Então falei:
– Podemos ter um bom relacionamento, mas preciso da sua ajuda. Como o senhor sabe, para cada dólar de imposto que nós pagamos, só recebemos de volta 75 centavos. Quero que mais dinheiro volte para o estado, porque estamos com problemas.
– Bem, eu também estou sem dinheiro – retrucou o presidente.
Mesmo assim, tivemos um bom diálogo, no qual ele prometeu encontrar maneiras de ser útil, sobretudo por meio de programas de infraestrutura.
Três semanas depois, voltei a Sacramento – e aos mesmos degraus do Capitólio nos quais havia empunhado a vassoura – para tomar posse como o 38o governador do estado da Califórnia. Vanessa Williams, que havia atuado comigo em Queima de arquivo, cantou o hino nacional americano durante a cerimônia. Maria segurou a Bíblia antiga encadernada em couro sobre a qual pus a mão para fazer o juramento.
No discurso de posse, fiz uma reflexão sobre as lições que havia aprendido durante as aulas para me naturalizar: como a soberania reside no povo, não no governo, e como os Estados Unidos surgiram em uma época conturbada graças à convergência de facções inimigas. Esse fato havia entrado para a história como o milagre de Filadélfia, afirmei, e “agora o legislativo estadual e eu precisamos operar o milagre de Sacramento. Um milagre baseado em cooperação, boa vontade, novas ideias e dedicação ao bem da Califórnia a longo prazo”. Enfatizando o fato de ser um recém-chegado, disse que precisaria de muita ajuda. No entanto, deixei o público ver quanto estava ansioso para encarar aquele gigantesco desafio. Queria que o nosso estado se tornasse um farol para o mundo, como era para o imigrante que eu fora um dia. A multidão aplaudiu e um coro entoou canções de A noviça rebelde quando começaram as congratulações. Gray Davis, que me cedera o bastão com muita elegância, estava lá para assistir à minha posse, bem como seus três antecessores: George Deukmejian, Jerry Brown e Pete Wilson. Quando começamos a nos encaminhar para a recepção, eles me puxaram de lado. Estavam bem-humorados.
– Aproveite o dia de hoje – disse Deukmejian, o mais velho dos três. – Só existe outro dia em que você vai se sentir tão bem assim.
– Quando?
– O dia em que for embora.
Os outros sorriram e assentiram. Ao ver minha expressão de ceticismo, começaram a se explicar:
– Em pouco tempo, você vai ter que ir a velórios de bombeiros e agentes de segurança pública, e seus olhos vão se encher de lágrimas. Você vai ficar arrasado ao ter que apertar a mão de um menino de 3 anos que acabou de perder o pai. Aí vai ficar preso aqui em Sacramento por todo o verão, sem poder sair de férias com sua família, porque os babacas do legislativo não querem aprovar o orçamento. Vai ficar sentado aqui, sentindo-se frustrado e com raiva.
Por fim, com um tapinha no ombro, completaram:
– Então, aproveite! Vamos tomar um drinque.