CAPÍTULO 21

Questões do coração

GANHAR DINHEIRO NUNCA FOI MEU único objetivo. Apesar disso, sempre considerei minha capacidade de faturamento um indicador de sucesso, e o dinheiro abria portas para investimentos interessantes. Tanto True Lies quanto Júnior foram sucessos em 1994, e com eles minha carreira cinematográfica tornou a entrar nos eixos. Trabalhei bastante e os resultados apareceram: durante o restante da década de 1990, ganhei quase 100 milhões de dólares só com os cachês das produções de que participei. A cada ano, faturava outros milhões de dólares em vídeos, distribuição em TV a cabo e reapresentação de filmes antigos. Até meu primeiro trabalho no cinema, Hércules em Nova York, estava dando lucro como filme cult, embora eu não recebesse nada por isso. Os imóveis, a cadeia Planet Hollywood, os livros e meus outros negócios rendiam mais dezenas de milhões.

Assim como muitos astros de Hollywood, eu também ganhava dinheiro fazendo comerciais na Ásia e na Europa. Nos Estados Unidos isso teria prejudicado a imagem e a marca Arnold, mas comerciais estrelados por celebridades americanas tinham prestígio no exterior, sobretudo no Extremo Oriente. Fabricantes de produtos como macarrão instantâneo, café, cerveja e Vffuy, uma bebida vitaminada japonesa, dispunham-se a me pagar até 5 milhões de dólares por anúncio. E o comercial geralmente era gravado em um dia só. O acordo sempre incluía uma “cláusula de confidencialidade” segundo a qual o anunciante não podia deixar a peça de publicidade chegar ao Ocidente. Hoje essa possibilidade não existe mais – basta gravar um comercial para ele aparecer no YouTube –, mas em meados da década de 1990 a internet não passava de uma ideia nova e esquisita.

À medida que meus interesses profissionais se diversificavam, comecei a perceber que acabaria chegando um momento em que eu não teria mais tempo de cuidar de todos eles e Ronda ficaria sobrecarregada. É bem verdade que ela estava tendo aulas de administração, mas no fundo era uma artista. Foi exatamente isso que aconteceu em 1996. Ela me procurou e disse: “É tanto dinheiro agora que não consigo dar conta. Não me sinto mais à vontade.” Eu adorava Ronda e estava decidido a jamais lhe dar a impressão de que ela estivesse sendo substituída. Prometi-lhe que ela poderia manter uma quantidade de trabalho com a qual se sentisse confortável e que, enquanto isso, eu iria arranjar alguém para me ajudar com os projetos maiores, nos quais houvesse mais dinheiro em jogo.

Sempre achei que o mais importante não é a quantidade de dinheiro que você ganha, mas quanto investe e quanto poupa. Nunca quis entrar para a longa relação de personalidades do entretenimento e do esporte que torraram toda a sua fortuna. Essa lista, assustadoramente comprida, inclui nomes como Willie Nelson, Billy Joel, Zsa Zsa Gabor, Bjorn Borg, Dorothy Hamill, Michael Vick e Mike Tyson. Todos eles tinham pessoas que cuidavam de seus negócios. Lembro-me de Burt Reynolds e seu administrador chegando a Palm Springs, cada qual ao volante de um Rolls-Royce – depois, o dinheiro acabou. Faça o que fizer na vida, você precisa ter uma mentalidade empresarial e se educar em relação ao dinheiro. Não pode simplesmente delegar tudo a alguém e dizer: “Metade tem que ficar aplicada, para podermos pagar os impostos, e a outra metade fica para mim.” Meu objetivo era ficar rico e manter minha fortuna. Não queria, de jeito algum, receber um telefonema do administrador dizendo: “Alguma coisa deu errado com a aplicação. Não vamos poder pagar seus impostos.” Eu fazia questão de conhecer cada detalhe dos negócios.

Meus interesses eram tão diversos que eu poderia ter acabado cercado por uma coleção de especialistas para me aconselhar. Em vez disso, contratei um investidor extremamente inteligente chamado Paul Wachter, meu conhecido havia muitos anos, e acompanhava o trabalho dele de perto. Paul era amigo de longa data de meu cunhado Bobby Shriver – os dois tinham ficado mais íntimos quando trabalharam como assistentes de juízes em Los Angeles, depois da faculdade de direito, que cursaram nos anos 1970 – e tínhamos nos tornado bem próximos. Não seria de imaginar que eu fosse ter grandes coisas em comum com um banqueiro e advogado judeu do Upper East Side de Manhattan, que jamais, em toda a sua vida, pusera o pé em uma sala de musculação ou em um set de filmagem. Os outros achavam estranho que nos déssemos tão bem. Só que Paul tinha uma herança austríaca forte: seu pai era um vienense que sobrevivera ao Holocausto e sua mãe vinha de uma região da Romênia na qual se falava alemão, e esse fora o principal idioma de Paul quando criança. Além disso, ao contrário de muitos imigrantes que chegaram aos Estados Unidos após a Segunda Guerra, o pai dele mantivera fortes laços com o Velho Mundo. Na realidade, ele importava e exportava presunto e outros derivados de carne entre os Estados Unidos e lugares como Polônia e Bavária. Na infância, Paul costumava passar os verões na Europa, e já mais velho tinha trabalhado como instrutor de esqui nos Alpes austríacos.

Em comparação com a maioria dos americanos, ele pensava de forma bem parecida com a minha. Ambos tínhamos o cenário alpino correndo nas veias: paisagens cheias de neve, florestas de pinheiros, imensas lareiras e chalés. Quando eu disse a Paul que sonhava construir para minha família um grande chalé com vista para Los Angeles, por exemplo, ele entendeu. Éramos, os dois, extremamente competitivos, e eu costumava desafiá-lo no tênis e no esqui. Graças a seu pai, de quem eu também gostava muito, Paul entendia a mentalidade de um imigrante que chegava aos Estados Unidos, começava um negócio e alcançava o sucesso.

Portanto, Paul era um cara em quem eu confiava e que também era engraçado e atlético – alguém com quem eu podia conversar, praticar esqui, tênis e golfe, viajar e fazer compras. Essas coisas são importantes para mim. Nunca gostei de relações de negócios que se limitassem a trabalho. Nisso, Maria e eu somos muito diferentes. Ela foi criada em um mundo no qual uma linha clara separava os amigos dos empregados. No meu caso, esse limite praticamente não existe. Acho ótimo trabalhar com pessoas das quais também posso ser amigo, com quem posso fazer rafting, visitar a Áustria e subir trilhas em montanhas. Além disso, pareço uma criança: adoro me exibir e compartilhar experiências. Se eu for até o alto da Torre Eiffel e tiver um almoço extraordinário lá, e se depois da refeição aparecer alguém com um carrinho contendo 5 mil charutos e eu gostar do modo como o charuto for apresentado e aceso, quero que todos os meus amigos vivam a mesma experiência. Então, em minha visita seguinte ao exterior para promover um filme, dou um jeito de levar alguns deles ao mesmo lugar. Quero que visitem a Ópera de Sydney, que conheçam Roma. Quero que assistam a um jogo da Copa do Mundo de futebol.


QUANDO EU ESTAVA NO MEIO DA negociação da cadeia Planet Hollywood, Paul fez o papel de meu rabino extraoficial. Apesar de todas as pessoas envolvidas no processo estarem usando o advogado da empresa, ele me aconselhou a levar o meu. Também insistiu que tivéssemos calma e fechássemos o acordo do jeito certo. Passamos quase dois anos negociando minha participação na sociedade. Enquanto a principal preocupação dos outros sócios era incluir em seus contratos cláusulas de gratuidade e lucros adicionais, acabei fechando um acordo mais lucrativo e com mais salvaguardas para o caso de o empreendimento dar errado. Depois disso, Paul e o banco de investimentos para o qual ele trabalhava, o Wertheim Schroder & Co., ajudaram-me com outros contratos. Oficialmente, Paul atuava na área de jogos e hotéis no Wertheim – já vendera campos de golfe, clubes de tênis e resorts de esqui. No entanto, eu o vira em ação um número suficiente de vezes para saber que sua capacidade ia muito além disso. Não importava o que o acordo envolvesse – um estúdio de produção, um vinhedo em Napa, um empreendimento para a construção de um shopping –, Paul sempre conseguia chegar ao cerne da questão. Era o cara de raciocínio mais rápido que eu já conhecera.

Paul e eu já trabalhávamos juntos informalmente havia alguns anos quando Ronda chegou ao seu limite. Meu bom senso já vinha me dizendo que eu precisava diversificar meus negócios para além do setor imobiliário, o único que conhecia a fundo. A economia estava aquecida, novas empresas e indústrias surgiam e o mercado de ações se expandia loucamente. Comprar e vender ações, por si só, não me interessava, assim como passar meu tempo pesquisando sobre empresas. Eu sabia, porém, que o mercado de modo geral tinha se valorizado em termos reais mais de seis vezes desde que Jimmy Carter fora eleito. Queria aproveitar esse crescimento. Paul organizou para mim a compra de uma participação em um fundo privado chamado Dimensional Fund Advisers (DFA), com escritório ali mesmo em Santa Monica. Conheci o fundador da empresa, David Booth, aluno de meu herói Milton Friedman, e Paul tecia elogios rasgados ao empreendimento.

“Já vi centenas de empresas na vida, mas nunca um grupo de pessoas como esse”, afirmou ele. “São todos extremamente éticos, com uma capacidade intelectual brilhante e tino para negócios.” Embora ainda fosse pequena e pouco conhecida, a DFA estava se preparando para dominar a fatia do setor de fundos mútuos indexados que a gigante da indústria, a Vanguard, não contemplava. Agarrei a oportunidade e a empresa rapidamente se tornou um de meus bens mais valiosos.

Eu já vinha pressionando Paul para se tornar autônomo, e em 1997 ele abriu no meu prédio um escritório de investidor independente com um único cliente inicial: eu. A essa altura, nós já nos dávamos tão bem que só precisei lhe dar umas poucas instruções. A primeira foi meu velho lema: “Pegue um dólar e transforme em dois.” Queria investimentos grandes que fossem interessantes, criativos e diferentes. Apostas conservadoras – do tipo que renderia, digamos, 4% ao ano – não me interessavam. Empresas offshore e outras estripulias também não chamavam minha atenção. Eu tinha orgulho de pagar impostos sobre o dinheiro que ganhava. Na verdade, quanto mais impostos pagasse, melhor, pois isso apenas mostrava que eu estava ganhando mais dinheiro. Também não queria saber dos investimentos que em geral atraíam os administradores das grandes fortunas de Hollywood, como por exemplo hotéis ou boates de luxo. Podia assumir grandes riscos em troca de grandes retornos e queria saber o máximo possível sobre o que estava acontecendo. Minha disponibilidade para ouvir novas ideias, meu envolvimento e a quantidade de dinheiro que entrava atraíram Paul. Ele sabia que haveria muito a fazer.

A ideia de comprar um Boeing 747 foi se formando aos poucos. Tínhamos um conhecido em São Francisco, chamado David Crane, cuja empresa de investimentos começara a atuar na área de leasing de aeronaves. Esse negócio existe porque as companhias aéreas nem sempre querem ser donas de seus aviões. Ter um avião imobiliza muito capital e pode ser um grande transtorno quando o seu verdadeiro negócio é o transporte de passageiros e cargas. Portanto, as empresas aéreas muitas vezes fazem leasing de aviões de terceiros. Em um contrato desse tipo, a empresa aérea é responsável pela operação e manutenção da aeronave por, digamos, oito anos, e em seguida a devolve ao dono, que fica livre para vendê-la ou cedê-la novamente em outro leasing.

A companhia de David trabalhava com a Singapore Airlines, que eu sabia ter a melhor reputação no setor aéreo. Ela planejava expandir agressivamente sua malha e, para liberar capital, estava vendendo aeronaves e passando a usá-las em leasing por meio de contratos baseados nas garantias do governo de Cingapura. Li um pouco sobre companhias aéreas e leasing e deixei essas informações amadurecerem na minha mente. Um belo dia, quando acordei, a visão surgiu, cristalina: “Preciso comprar um daqueles 747!”

Até onde eu podia avaliar, era uma ótima oportunidade. Também senti, de certa forma, o mesmo impulso que tive ao ver meu primeiro Humvee. O 747 era o mais robusto dos aviões comerciais, e o preço combinava com seu tamanho. Um 747 novo custava entre 130 e 150 milhões de dólares, dependendo do modelo e de opcionais como cabine e área de assentos, capacidade de carga, instrumentação e outras coisas do tipo. Naturalmente, você não precisava pagar o valor inteiro, já que comprar uma aeronave para ceder em leasing é como adquirir um prédio comercial para alugar. Você investe, digamos, 10 milhões e faz empréstimos em bancos para financiar o restante.

Entramos em contato com David Crane. Ele se mostrou cético. Acordos de leasing de aeronaves eram território de instituições financeiras imensas, como a GE Capital. Investidores particulares jamais tinham feito aquilo.

– Duvido que seja possível, mas vou verificar – disse ele, e prometeu mencionar o assunto com seus clientes de Cingapura.

Uma semana mais tarde, ele me procurou.

– Impossível. Não dá. Eles não querem pessoas físicas, só jurídicas.

– Bom, posso entender por quê – retruquei. – Eles provavelmente imaginam que eu sou algum aventureiro de Hollywood que enriqueceu da noite para o dia e de repente acha que pode comprar um 747. Devem pensar que, quando o contrato for assinado, meu filme vai ser um fracasso ou algo do tipo e eu vou dar para trás. Não estão querendo lidar com os viciados e esquisitões típicos de Hollywood. Entendo. Mas será que eles topam fazer uma reunião? Costumam vir a Los Angeles a trabalho?

– Vou verificar.

No dia seguinte, soubemos que seus clientes tinham uma viagem à Costa Oeste marcada para dali a duas semanas e estavam dispostos a passar no meu escritório. “Ah”, pensei. “Como tantas vezes acontece, algo que era impossível está aos poucos se tornando possível.” Quando os executivos da Singapore Airlines chegaram, tínhamos feito nosso dever de casa e foi fácil vender-lhes nossa ideia. Passei o início da reunião revendo as cláusulas do acordo, sobretudo para lhes mostrar que entendia como tudo funcionava. Deu para vê-los relaxarem imediatamente. Meia hora mais tarde, já estávamos tirando fotos juntos e o acordo, em princípio, estava fechado. Dei-lhes de lembrança jaquetas de O exterminador do futuro 2, além de bonés do Predador e camisetas de fisiculturismo. Sabia que, lá no fundo, eles eram meus fãs.

Foi então que veio a parte difícil – para Paul. Às vezes, quando você avalia um acordo sem ter todo o conhecimento sobre o assunto ou sem saber exatamente tudo o que está envolvido, sua capacidade de enxergar o perigo se reduz e sua disposição para se arriscar aumenta. Eu via apenas o que estava à minha frente, e tudo parecia bom. É claro que eu também sentia o cheiro do risco. Só que, quanto mais arriscadas as coisas são, maior é a possibilidade de lucro.

Meu papel era dizer: “Gostei desse negócio.” O de Paul, por sua vez, era se certificar de que tudo estivesse realmente em ordem e de que compreendíamos os riscos. Ser dono de algo gigantesco como um avião... Você assina uns documentos e acha que não tem nenhuma desvantagem porque a manutenção e a segurança são garantidas pela companhia aérea – mas será que isso era totalmente verdade? Paul descobriu detalhes bizarros. Por exemplo: se o avião que você tinha comprado sofresse um acidente, você com certeza teria dificuldade para dormir à noite, mas, ao mesmo tempo, havia dinheiro de seguro mais que suficiente para cobrir as despesas. Por outro lado, se outras aeronaves da Singapore Airlines sofressem algum acidente e a reputação da companhia ficasse arruinada, o valor do seu investimento seria prejudicado. Outras empresas poderiam não querer mais o seu avião ao final do leasing, quando a Singapore o devolvesse.

– Essa é uma das formas como esse investimento pode dar errado – explicou David Crane. – Você ficaria encalhado com um 747 que ninguém mais quer, mas mesmo assim teria que continuar pagando as parcelas do empréstimo bancário.

De fato, a rentabilidade daquele investimento dependia muito do chamado “valor residual”. E este poderia ser afetado por diversos fatores, desde a reputação da companhia aérea à situação econômica mundial, do preço do petróleo a inovações tecnológicas que só iriam surgir dali a 10 anos. Quando ouvi David descrever o pior que poderia acontecer, porém, tive que rir.

– Tá bom! – falei. – É exatamente isso que vai me acontecer.

Eu simplesmente tinha fé de que não aconteceria.

Por fim, ficamos os dois à vontade com o acordo. Eu estava animado.

– Você deveria conversar com outras pessoas em Hollywood – falei para Paul. – Talvez elas também gostem da ideia e você possa fechar mais negócios.

Ele falou com uns cinco ou seis executivos e astros importantes, mas saiu de mãos abanando.

– Todos me olharam como se eu fosse um monstro aterrorizante – contou-me. – O que mais vi nos olhos deles foi medo. Como se a coisa toda fosse esquisita demais e grande demais para eles.

O avião que acabamos comprando custou 147 milhões de dólares. Antes de assinar os documentos, fomos ao aeroporto para vê-lo. Existe uma foto em que estou literalmente chutando os pneus do meu 747. Assinamos vários tipos de acordo de confidencialidade, claro, mas os bancos não conseguiram se segurar e a notícia vazou no primeiro dia. Eu adorei, porque todo mundo pensou que eu tivesse comprado o 747 para ficar voando por aí feito o xeique de Dubai. Não ocorreu a ninguém que pudéssemos ter feito um acordo extravagante desses como investimento. O negócio acabou rendendo belos frutos em lucros e isenções fiscais, sem falar no orgulho de ser dono de uma máquina daquelas. Eu ouvia alguém se gabar de um novo Gulfstream IV ou IV-SP e dizia: “Que legal! Mas agora vamos falar sobre o meu 747...” Essa frase interrompia qualquer conversa.


COMPRAR O AVIÃO FOI UM FEITO feliz em meio a uma época conturbada sob outros aspectos. Durante as filmagens de Batman & Robin, no final do ano anterior, eu ficara sabendo durante meu check-up anual que teria que arranjar tempo para fazer uma cirurgia cardíaca séria.

O momento era inesperado, mas o problema em si não – já fazia 20 anos que eu sabia ter um defeito hereditário que algum dia precisaria ser operado. Na década de 1970, em uma das visitas de minha mãe durante a primavera, ela sentiu tontura e enjoo e eu tive que levá-la ao hospital. Os médicos descobriram que ela era portadora de um sopro no coração decorrente de uma deformidade na válvula da aorta, a principal válvula de saída de sangue do coração. Algum dia essa válvula teria que ser substituída. Segundo o médico, esses problemas em geral são detectados na meia-idade, e minha mãe estava com 50 e poucos anos. Eu tinha apenas 31, mas mesmo assim eles me examinaram e constataram que eu tinha a mesma imperfeição.

Na época, o médico tinha me dito: “Sua válvula só vai precisar de tratamento daqui a muito tempo. Vamos apenas ficar de olho.” Assim, todo ano eu fazia um check-up cardíaco. O médico escutava o sopro e dizia: “Não há nada com que se preocupar, basta manter a forma e controlar o colesterol”, e todo esse blá-blá-blá. E eu esquecia a questão por mais um ano.

Muito tempo depois, quando avisaram à minha mãe que estava na hora da cirurgia, ela se recusou a fazê-la.

– Quando Deus quiser me levar, estou pronta para ir – declarou.

– Engraçado, não foi o que você disse quando fez a histerectomia – comentei. – E até hoje cuida de todos os outros problemas de saúde que tem. Por que veio falar em Deus justo agora que se trata do coração? Foi Deus quem tornou a ciência possível. Foi Ele quem formou os médicos. Está tudo nas mãos Dele. Você pode estender seu tempo de vida.

– Não, eu não quero.

A atitude de minha mãe era uma coisa bem europeia. Mesmo sem a cirurgia, porém, ela parecia razoavelmente saudável, e tinha 75 anos.

Eu, porém, não estava bem. O primeiro indício de problema de verdade surgiu após a conclusão de True Lies. Eu estava em casa, nadando na piscina, quando senti uma estranha queimação no peito. Era um sinal de que a válvula estava começando a falhar. O médico falou: “A situação agora vai piorar aos poucos e depois de algum tempo vai começar a piorar bem depressa. O melhor a fazer é acabar logo com isso. Esta é a hora mais indicada e mais segura para fazermos a cirurgia. Se esperarmos, a aorta vai começar a ser afetada e o coração vai aumentar de tamanho. Não queremos que isso aconteça, mas não tenho como lhe dizer quando esse momento vai chegar. Pode ser no ano que vem, ou então daqui a cinco anos. Cada pessoa é diferente.”

Não tive mais nenhum sintoma e continuei tocando a vida. Fui esquiar, fiz filmes, compareci a inaugurações do Planet Hollywood, fiz meus trabalhos sociais. No entanto, no check-up anual de 1996 o médico falou: “Chegou a hora. Você terá que ser operado. Não precisa ser amanhã, mas tem que ser este ano.”

Fui a três hospitais conversar com cirurgiões. Sempre acreditei que, antes de tomar qualquer decisão médica importante, era preciso ter três opiniões. O cirurgião que acabei escolhendo chamava-se Vaughn Starnes e trabalhava no hospital da Universidade do Sul da Califórnia. Era um homem de boa aparência que usava óculos sem armação e falou comigo de forma totalmente direta sobre o problema e os riscos. Ele também compreendia a especificidade do meu caso.

“Adoro seus filmes de ação e quero que continue a fazê-los”, afirmou. “Portanto, não quero você andando por aí com uma válvula artificial.” A melhor opção seria implantar uma válvula substituta feita de tecido vivo, explicou. Com uma válvula mecânica, eu teria que tomar remédios para afinar o sangue, e isso limitaria minhas atividades para o resto da vida. Com uma válvula orgânica, não. “Assim, você vai poder continuar a fazer cenas de ação, a praticar esportes, esquiar, andar de moto, montar a cavalo... tudo o que quiser.”

Esse era o lado positivo. O lado negativo era o risco. Essa operação que ele estava propondo só funcionava em seis a cada 10 casos. “Quero que você entenda que em 60% a 70% dos casos a cirurgia dá certo, mas que nos outros 30% a 40% a válvula substituta não funciona”, disse ele. “Nesse caso, temos que operar de novo para tentar outra vez.”

Grandes riscos, grandes recompensas. Para mim fazia sentido.

– Tudo bem – falei. – Vou arriscar.

Marcamos a cirurgia para logo depois das filmagens de Batman & Robin, a fim de que eu pudesse voltar ao trabalho sem demora. Após a operação, em abril, eu queria divulgar o filme durante o verão e depois rodar o próximo, fosse ele qual fosse, no final de 1997.

Não falei com ninguém sobre a operação. Ninguém ficou sabendo. Nem minha mãe, nem meu sobrinho, nem meus filhos. Ninguém. Não contei porque não queria falar sobre o assunto. Para diminuir a ansiedade, fingi que na verdade não era uma cirurgia no coração. Seria mais como arrancar um dente de siso. Eu iria lá, faria a operação e voltaria para casa.

Não quis contar nem para minha mulher. Maria estava no meio de uma quarta gestação complicada e eu não queria deixá-la preocupada. Mesmo que não fosse questão de vida ou morte, sua tendência era tratar as coisas de forma exagerada e transformá-las em um grande drama, enquanto eu minimizava tudo. Por exemplo, eu jamais dizia a ela: “Daqui a três meses vou à Noruega fazer um discurso”, porque ela já ficava nervosa com o fato de eu viajar naquela semana e deixá-la sozinha. Ela ficava muito ansiosa: “Que voo você vai pegar? Por que ir no sábado e não no domingo? Precisa mesmo passar tanto tempo fora? Que duas reuniões extras são essas?” Quando eu entrava no avião, não conseguia relaxar, porque tinha falado demais sobre o assunto. Então sempre pedia a Ronda e Lynn que nunca informassem minha agenda a ninguém e só avisava Maria alguns dias antes. Sou uma pessoa que não gosta de ficar falando mil vezes sobre as coisas. Tomo decisões bem depressa, não peço a opinião de muita gente e não faz meu feitio pensar sem parar sobre o mesmo assunto. Quero seguir em frente. É por isso que Maria sempre disse que eu era igual à sua mãe.

Ela é o contrário. Quando se trata de medicina, é um verdadeiro gênio, e seu método é discutir cada assunto à exaustão e conversar com várias pessoas. Ela processa as coisas externamente, enquanto eu internalizo tudo. Tive medo de que, caso ela agisse assim, a notícia se espalhasse antes mesmo de eu ser operado. Também receei que ela fosse ficar me criticando e que, por isso, todos os dias houvesse um bate-boca. Eu precisava negar a realidade. Tinha tomado minha decisão no consultório do médico e nunca mais queria lidar com ela. Se Maria ficasse tocando no assunto o tempo inteiro, meu truque de negar a realidade não iria funcionar. Minha forma de lidar com a vida e a morte seria prejudicada. Desse modo, sempre achava melhor só avisar Maria na véspera da viagem ou, nesse caso específico, logo antes de ir para o hospital.

Quando o dia da cirurgia se aproximou, comentei sobre meu plano com o Dr. Starnes.

– Vou dizer à minha família que estou indo para o México – falei. – Que preciso tirar uma semana de férias. Aí fazemos a cirurgia. O senhor disse que eu vou ter alta em cinco dias, então depois desse período vou para um hotel. Vou ficar me bronzeando para recuperar minha cara saudável, e aí, quando voltar para casa, ninguém nunca vai saber que operei o coração. Que tal?

O médico pareceu meio espantado. Olhou para mim e disse, em seu habitual estilo direto:

– Não vai dar certo. Você vai sentir dor, vai precisar de ajuda, não vai conseguir fingir. Recomendo fortemente que avise à sua mulher. Ela está grávida. Tem que saber. Eu contaria agora.

Então, nessa mesma noite, em tom casual, falei para Maria:

– Você lembra que eu comentei que, em algum momento, teria que trocar a tal válvula do coração? O médico tem uma vaga disponível para mim daqui a duas semanas e pensei que seria uma boa época, porque estou no intervalo entre um filme e outro e só vou ter que ir à Europa para a promoção do Batman daqui a seis ou sete semanas. Então poderia encaixar a cirurgia. Só queria avisar você.

– Espere aí – respondeu ela. – Espere um instante... Está me dizendo que vai ter que operar o coração?

Foi como se eu nunca tivesse tocado no assunto antes. Daí em diante, ela não parou de falar nisso um só instante, mas também me ajudou a guardar o segredo. Minha mãe estava hospedada conosco em sua visita anual, e nem para ela nós contamos.

Na véspera de minha ida para o hospital, fiquei até uma da manhã bebendo e jogando sinuca com Franco e um grupo de amigos. Foi muito divertido. Não contei a nenhum deles para onde iria no dia seguinte. Então, às quatro da manhã, Maria acordou e me levou de carro para o hospital. Fomos na van que usávamos quando saíamos com as crianças, em vez de no chamativo Mercedes. Por sugestão de Maria, eu tinha preenchido minha ficha no hospital com outro nome. O atendente do estacionamento estava à nossa espera e nos conduziu pela garagem. Às cinco da manhã, eu estava sendo preparado e ligado aos aparelhos, e às sete o procedimento já estava bem encaminhado. Fiquei satisfeito com o modo como as coisas aconteceram. Entrar às cinco, começar a cirurgia às sete e ao meio-dia já estar tudo terminado. Às seis da tarde, acordei pronto para jogar outra partida de sinuca.

Bom, pelo menos era essa a ideia. Eles haviam concordado em me vestir com uma camisa havaiana depois da cirurgia para que, quando eu acordasse, parecesse que na verdade não estava no hospital. Foi tudo feito para dar essa impressão. De fato, funcionou. Despertei, vi Maria sentada ao meu lado, me senti bem e voltei a dormir. Na manhã seguinte, quando acordei de novo, ela continuava ali, e ao olhar para o lado eu vi uma bicicleta ergométrica que fora encomendada para eu usar dali a alguns dias. Duas horas depois, eu já tinha me levantado da cama e estava em cima da bicicleta. O médico entrou no quarto e ficou estupefato.

– Por favor, vocês têm que tirar essa bicicleta daqui – pediu.

– Está sem carga nenhuma – falei. – É só para eu poder dizer a mim mesmo que estou sentado em uma bicicleta logo depois da cirurgia.

Ao me examinar, ele ficou satisfeito com minha evolução. Nessa noite, porém, comecei a tossir. Meus pulmões estavam acumulando líquido. O médico voltou às nove da noite e pediu uma bateria de exames. Um pouco mais tarde, depois que Maria foi para casa a fim de ver as crianças, tentei dormir. A tosse, no entanto, só fez piorar, e logo comecei a ter dificuldade para respirar. Às três da madrugada, o médico tornou a aparecer. Sentou-se na cama e segurou minha mão.

– Sinto muitíssimo, mas a cirurgia não deu certo – disse ele. – Temos que operá-lo outra vez. Vou reunir a melhor equipe possível. Não vamos perder você.

Me perder? – estranhei.

– Não vamos perder você. É só aguentar firme esta noite. Que tal lhe darmos um remédio para dormir? Onde está Maria?

– Foi para casa.

– Bom, você vai ter que ligar para ela.

– Não, ela vai ter um troço. Não comente nada com ela.

– Não, ela precisa estar aqui.

Há um momento da cirurgia que eu realmente detesto. É quando a anestesia começa a fazer efeito, quando você sabe que está apagando e vai perdendo a consciência sem saber se algum dia voltará a acordar. A máscara de oxigênio parecia estar me sufocando – eu arquejava em busca de ar, ofegante.

Era uma versão bem mais intensa da claustrofobia que senti quando tive que usar máscaras sobre o rosto e o corpo para interpretar o Exterminador ou o Homem de Gelo de Batman & Robin. Para mim, o estúdio de efeitos especiais de Stan Winston era uma verdadeira tortura. Quando precisam de um molde para fabricar as máscaras, eles colocam uma quantidade enorme – e pesada – de cimento em cima da cabeça dos atores. Muitas pessoas detestam esse processo, então Stan e seus ajudantes bolaram um procedimento.

Quando você chega ao estúdio, tem música tocando e todo mundo está feliz e animado, dizendo: “Ora, que prazer ver você aqui!” Então pedem que você se sente e falam: “Vai ser meio chatinho. Você tem claustrofobia?”

Eu sempre respondia que não, tentando bancar o corajoso.

Eles então começam a enrolar você em faixas de tecido umedecidas com cimento. Em pouco tempo, seus olhos ficam inteiramente cobertos e você não consegue ver mais nada. Então suas orelhas se fecham e você para de escutar. Um a um, seus sentidos vão sendo neutralizados. A boca é fechada, impedindo-o de falar. Por fim, o nariz é tapado, com exceção de dois canudos que saem das narinas para que você consiga respirar.

É preciso esperar cerca de meia hora para o cimento secar. Sua mente começa a lhe pregar peças. E se você não conseguir respirar uma quantidade de ar suficiente? E se um pouco de cimento entrar em um dos canudos e fechar a narina? Como muitos atores já surtaram durante o processo, eles tentam manter o clima descontraído com música e conversas sobre amenidades. Mesmo depois que para de ouvir, você ainda pode sentir as pessoas se movimentando à sua volta para aplicar as faixas. Elas avisam antes que estarão bem ao seu lado, então, se você sentir que vai mesmo ter um troço, basta fazer um gesto com a mão ou tocar seu braço.

Depois de algum tempo, o medo se instala para valer. Você sente o cimento começar a endurecer, o que significa que não é mais possível simplesmente arrancá-lo da cabeça. Agora vai ser preciso cortar. Você já reparou nas ferramentas ao se sentar – uma pequena serra elétrica circular que se usa para cortar os moldes –, mas não fez perguntas suficientes quando ainda tinha oportunidade.

Então você pensa: “Peraí. Como é que eles vão saber a que profundidade cortar? E se essa serra pegar no meu rosto?”

Na primeira vez que passei por isso, fiquei tão aflito com a serra que comecei a hiperventilar. Não conseguia inspirar uma quantidade suficiente de ar pelos canudos e comecei a surtar para valer. Tentei me acalmar. “Pare de pensar nisso, pare de visualizar o canudo”, ordenei a mim mesmo. “Tire isso da cabeça... Pronto, tudo bem, já tirei. Isso, agora vamos pensar em outra coisa. Quem sabe no mar? Ou quem sabe em uma grande floresta, alguma coisa agradável? Quem sabe em pássaros gorjeando e folhas farfalhando ao vento, e ao longe pessoas trabalhando e um ruído de... serra elétrica!” E voltei a ficar nervoso. É claro que, a essa altura, não havia mais nenhum ajudante por perto. Talvez eles ainda estivessem no recinto, mas eu não sabia onde. Podia ser que estivessem me dizendo: “Calma, só mais 10 minutos”, mas eu não conseguia escutar. Estava trancado dentro de mim mesmo. Não havia ninguém por perto. Então eu simplesmente torci para dar tudo certo.

Ser operado me fez lembrar disso.

Maria ficou tão assustada ao receber o telefonema do Dr. Starnes às quatro da manhã que ligou para sua amiga Roberta Hollander e pediu que ela a acompanhasse ao hospital. Roberta, produtora de jornalismo da CBS, fora como uma irmã para Maria no início de sua carreira diante das câmeras – uma líder decidida e mulher forte que sabia realmente como lidar com as pessoas. Algumas horas depois, as duas estavam sentadas no consultório do meu médico enquanto eu voltava para a mesa de operação. Havia um monitor enorme lá dentro que permitia que o Dr. Starnes visse e ouvisse o que acontecia na sala de cirurgia, já que ele não executava pessoalmente determinadas partes da intervenção, como por exemplo retirar o paciente do aparelho de circulação extracorpórea. Nesses momentos, ele voltava ao consultório, visitava outros pacientes e fazia reuniões, mas continuava acompanhando o procedimento, caso precisassem da sua ajuda. Mais tarde, Maria me disse que teve que virar o rosto para o outro lado várias vezes. Não conseguiu ver quando abriram meu peito, nem quando soltaram, com alicates cirúrgicos, as suturas usadas para fechar minha caixa torácica depois da primeira intervenção, nem quando expuseram meu coração. Roberta, porém, puxou a cadeira bem para junto da tela. “Está vendo isso?”, perguntou. “Eles acabaram de cortar a aorta e estão inserindo a válvula nova!”

Assim, tive uma segunda ou terceira chance de vida, dependendo da contagem. Quando acordei da cirurgia, vi Maria ao meu lado com Roberta, dando-lhe apoio moral. Estava me sentindo bem outra vez. A tosse dolorida havia passado e eu conseguia respirar. “Incrível!”, exclamei. “Isso é maravilhoso! Quando o médico disse mesmo que posso ir para casa?”

Tínhamos encontrado um austríaco que trabalhava na cozinha do hospital e sabia fazer Wienerschnitzel, e foi isso que comi nos dois primeiros dias. Estava uma delícia. No terceiro dia, porém, quando entraram com a comida, falei: “Por favor, dá para tirar isso daqui? Não estou suportando o cheiro.” Eu estava sentindo fedor de lixo.

A partir daí, tudo o que consegui ingerir foi sorvete e frutas. Tudo parecia estar fedendo. Perdi completamente o paladar. Odiava tudo o que punham na minha frente e comecei a ficar bastante desanimado.

O médico tinha avisado que uma cirurgia cardíaca a céu aberto muitas vezes deixa o paciente deprimido. No entanto, depois de tudo por que acabáramos de passar, Maria ficou muito preocupada. “Você não é assim”, comentou ela comigo. Alguns dias depois, ao ver que eu não estava me recuperando emocionalmente, ela passou a achar os médicos descansados demais. “Vocês têm que fazer alguma coisa”, pediu. “Ele não pode ficar assim. Amanhã, quando eu voltar, espero que tenham conseguido alegrá-lo.”

Os residentes tiveram a ideia de me dar um charuto escondido, pois sabiam que eu adorava fumar. Acharam que isso fosse melhorar a situação. Havia uma área no telhado com cestas de basquete que eles podiam usar para relaxar, e foi lá que me levaram. Mal sabiam eles que eu não conseguia sentir gosto de nada e estava achando tudo detestável. Pus o charuto na boca e quase vomitei. “Não, obrigado, não consigo”, falei. Acabei sentado na cadeira de rodas vendo-os jogar basquete, como um dos personagens de Um estranho no ninho. Tinha o olhar perdido, parado. Sequer sabia o que estava vendo – não passavam de corpos pulando para lá e para cá. Com certeza aquilo não adiantou nada. Depois de alguns minutos, eles me levaram de volta para o quarto. Mas acho que ter passado algum tempo ao ar livre fez com que eu me sentisse um pouquinho mais animado.

Acabei melhorando, sobretudo depois de ir para casa. Brinquei com as crianças e gradualmente comecei a malhar na academia. É claro que não fiz supinos logo de cara, mas pedalava um tempinho na ergométrica, depois comecei a subir a encosta até o Parque Will Rogers com Conan e Strudel, nosso labrador preto que Franco me dera de presente em um de meus aniversários. Dali a mais um pouco, consegui voltar aos pesos, mas treinos mais fortes estavam fora de cogitação, pois fariam pressão na válvula. “Nada de pegar pesado”, dissera o médico. Nunca mais.

Não me dei conta de quanto a notícia da minha operação seria prejudicial para mim em Hollywood. Como os boatos já haviam começado a circular mesmo, fizemos o anúncio. Teria parecido estranho não avisar o público. Na mesma hora, comecei a receber telefonemas de executivos dos estúdios com os quais trabalhava. “Não se preocupe com o roteiro”, diziam eles. “Vamos segurá-lo para você. Cuide da sua saúde. Quando estiver pronto para voltar, é só avisar.”

Eu deveria ter adivinhado que não seria tão simples. Quanto mais você se promove como o maior de todos os heróis de ação, quanto mais alardeia sua forma física e o fato de não usar dublês nas cenas de montaria, salto e luta, mais as pessoas imaginam que você seja indestrutível. Elas passam a vê-lo como um herói de ação de verdade, não apenas um cara fantasiado na tela do cinema. E o símbolo de tudo isso é o coração. É o centro do corpo, da força física. A base da coragem e da determinação. O coração também representa emoção – amor, desejo, compaixão. É o centro de tudo.

Então, de repente, as pessoas ficam sabendo que você foi operado. Esse órgão que durante muitas décadas conduziu sua vida sofreu uma cirurgia. E elas se perguntam: “O que será que aconteceu? Será que ele teve um enfarte? Ah, trocou uma válvula... Bem, eu não sei o que isso significa, mas, puxa, uma cirurgia cardíaca a céu aberto... Tiveram que parar o coração dele, abrir tudo lá dentro e trocar umas coisas... E duas cirurgias, ainda por cima. Isso quer dizer que tem alguma coisa muito errada. Parece uma péssima notícia. Coitado. Porra, é o fim da linha!”

Dez anos depois, a reação das pessoas à cirurgia de ponte de safena de David Letterman foi totalmente diferente. Em duas semanas ele voltou ao programa e a vida seguiu seu curso. Só que ninguém esperava que ele levantasse o set nas costas, corresse no meio de chamas ou se pendurasse no telhado. Em geral, o paciente pode voltar à vida normal depois de uma cirurgia cardíaca. Mas a vida que eu tinha antes da operação estava longe de ser normal. As cenas que eu rodava não eram normais, meus filmes não eram normais, e isso me fazia ser visto de forma diferente. Era como se um físico teórico passasse por uma cirurgia no cérebro. Todo mundo se precipita e começa a comentar: “Ih, estão dizendo que um terço do cérebro dele foi afetado. Que tragédia.”

O Access Hollywood e outros programas de fofocas sobre celebridades foram à loucura com a notícia. Supostos especialistas em medicina que sequer me conheciam e não sabiam sobre meu problema hereditário nem sobre as particularidades do meu tratamento deram entrevistas na TV e disseram coisas do tipo: “Em circunstâncias normais, quando se passa por uma cirurgia dessas, os médicos colocam uma válvula artificial no paciente, que tem que tomar remédios para afinar o sangue e evitar atividades pesadas que possam causar ferimentos, como por exemplo cenas de ação no cinema, que têm a possibilidade de provocar forte hemorragia interna e acarretar morte imediata.” Poderíamos ter esclarecido que eu não recebera uma válvula mecânica nem precisava de remédios para afinar o sangue, claro, mas o estrago estava feito. Os estúdios passaram a tomar decisões com base em informações imprecisas. O público pensou: “Não vamos mais ver Arnold em filmes de ação.”


APESAR DE TUDO ISSO, EU DE FATO passei pela fantástica recuperação física que muitas vezes se segue a uma cirurgia cardíaca. Senti-me vigoroso como um Hércules, pronto para voltar ao trabalho com força total. Em julho, já estava correndo o mundo para promover Batman & Robin. Além disso, como sempre acontecia, tinha vários projetos em diferentes estágios de desenvolvimento, com papéis que me interessavam. With Wings as Eagles (Com asas como as águias) era um filme no qual eu teria interpretado um oficial alemão da Segunda Guerra Mundial que, nos últimos meses do conflito, ignora as ordens de matar prisioneiros de guerra aliados e os salva. Minority Report – A nova lei estava sendo concebido como uma continuação de O vingador do futuro, com roteiro assinado pelo mesmo escritor. Eu teria feito o policial que acabou sendo de Tom Cruise. Em Noble Father (Nobreza de um pai), teria interpretado um policial viúvo que tenta combater o crime ao mesmo tempo que cria três filhas. Havia propostas de uma versão para o cinema de S.W.A.T., série televisiva dos anos 1970; de um filme chamado Crossbow (O arco), baseado na lenda de Guilherme Tell; e de outro filme chamado Desbravadores, sobre um órfão viking criado por índios americanos na época das primeiras explorações europeias do continente.

No início, nem reparei na reticência dos estúdios. No entanto, quando comecei a apresentar ideias e roteiros que desejava realizar, as pessoas demoravam a responder. Percebi que os estúdios agora pareciam relutar em investir grandes quantias. A Fox estava dando para trás no projeto de O exterminador do futuro 3. A Warner freou a produção de Eu sou a lenda, roteiro sobre vampiros pós-apocalípticos com direção de Ridley Scott que eu deveria rodar no outono daquele ano. O diretor queria um orçamento de 100 milhões de dólares, mas a Warner só queria gastar 80 milhões. Pelo menos foi essa a justificativa que eles deram para desistir do projeto – o verdadeiro motivo foi a minha cirurgia.

No meio disso tudo, eu me esforçava para impedir o Planet Hollywood de afundar. Será que a cadeia fora um mero modismo ou um negócio de verdade? Para usar um eufemismo, a iniciativa havia se transformado em uma louca aventura. Nos últimos 18 meses, eu participara de aberturas de restaurantes em Moscou, Sydney, Helsinque, Paris e em mais de uma dúzia de outras cidades pelo mundo. Muitas vezes, essas inaugurações mais pareciam eventos de âmbito nacional. Em Moscou, 10 mil pessoas compareceram; em Londres, 40 mil. Nossa inauguração em San Antonio, no Texas, acabou virando uma verdadeira celebração, com mais de 100 mil pessoas festejando nas ruas. Foi um evento sensacional, coberto por todos os veículos de imprensa. A cadeia Planet Hollywood era como os Beatles: uma ideia genial aliada a uma promoção sofisticada e ao melhor marketing possível.

À medida que a empresa foi crescendo, um número impressionante de astros embarcou no negócio como proprietário ou sócio: Whoopi Goldberg, Wesley Snipes, Antonio Banderas, Cindy Crawford, George Clooney, Will Smith, Jackie Chan... a lista era interminável. Nosso time de atletas, igualmente fantástico, incluía Shaquille O’Neal, Tiger Woods, Wayne Gretzky, Sugar Ray Leonard, Monica Seles e Andre Agassi. Os atletas estavam ligados ao Official All Star Cafe, a cadeia de celebridades esportivas vinculada ao Planet Hollywood. Quando a companhia lançou suas ações no mercado, em 1996, teve o primeiro dia mais movimentado da história da Nasdaq e seu valor total chegou a 2,8 bilhões de dólares.

Ficou claro que os restaurantes Planet Hollywood eram um ótimo lugar para se dar uma festa. Quando comemoramos a estreia de Queima de arquivo no Official All Star Cafe da Times Square, o trânsito ficou congestionado por muitos quarteirões. Lá dentro, por 15 dólares, era possível comprar um hambúrguer e uma cerveja e ver George Clooney, Vanessa Williams, a mim e o resto do elenco nos divertindo com nossos convidados no andar principal, abaixo. Havia itens interessantes e nostálgicos expostos no restaurante, como parte da coleção de objetos de beisebol de Charlie Sheen e uma fatia do bolo de casamento de Joe DiMaggio e Marilyn Monroe. Havia também balcões nos quais se podiam comprar roupas e suvenires criados especialmente para a ocasião.

As viagens, as inaugurações e os eventos do Planet Hollywood eram divertidos. Às vezes eu levava Maria e as crianças e transformávamos a viagem em miniférias. Sly, Bruce e eu sempre saíamos juntos. E era interessante conhecer as celebridades locais, que eram uma parte essencial do negócio. Toda cidade tem seus nativos famosos, sejam estrelas do futebol, cantores de ópera ou qualquer outra coisa. Ao inaugurarmos casas em Munique, Toronto, Cidade do Cabo ou Cancún, fazíamos questão de que tanto estrelas internacionais quanto nacionais comparecessem, e era isso que assegurava o sucesso da festa. As celebridades locais iam porque era uma chance de elas conhecerem as estrelas estrangeiras e muitas vezes, também, porque tinham uma participação financeira naquele restaurante específico. Depois da grande inauguração, os famosos de outros países voltavam para casa e os locais passavam a promover o lugar como ponto de encontro, como um local para dar festas e para exibir sessões de filmes – quase todos os restaurantes Planet Hollywood tinham uma sala de projeção.

O lançamento das ações na bolsa proporcionou capital para a empresa se expandir. No entanto, logo vimos também as desvantagens de ter acionistas. Em comparação com cadeias de restaurantes normais, o Planet Hollywood tinha despesas altas, e, se você não fizesse parte da empresa, se não estivesse envolvido na promoção, era difícil ver por que algumas coisas caras faziam sentido.

Um exemplo eram os jatinhos corporativos: o Planet Hollywood gastava muito dinheiro transportando celebridades. Na verdade, essa era a melhor forma de conquistar a fidelidade dos astros, mais eficaz ainda do que as opções de compra de ações que eles também recebiam. Celebridades do primeiro escalão não gostam de voos comerciais, mas poucas têm avião próprio. Foi por esse motivo que o estúdio Warner Bros. teve sua própria frota por 20 ou 30 anos, mantendo aeronaves para transportar Clint Eastwood e outros atores e diretores importantes. O estúdio também tinha casas em Acapulco, no México, e em Aspen, além de apartamentos em Nova York. Eram agrados para os famosos. Quando você fazia parte da família Warner, podia usar tudo isso de graça. Então esses atores e diretores continuavam no estúdio, assinando um contrato atrás do outro, pois sabiam que se fossem para a Universal, por exemplo, não haveria mais jatinhos. Esse mesmo truque funcionava para nós, mas os acionistas reclamavam: “Esperem aí, por que estão gastando esse dinheiro todo com celebridades? Eu não quero pagar por isso.”

Eles também reclamavam das despesas com design. Todos os restaurantes vendiam mercadorias da rede que eram atualizadas o tempo todo: estilosas jaquetas de aviador, bonés, chaveiros etc. Os fãs colecionavam camisetas do Planet Hollywood de várias cidades. Às vezes, um cliente aparecia na inauguração de um restaurante com 30 camisetas para eu autografar, porque tinha visitado 30 cidades pelo mundo. Era uma ótima estratégia. Mesmo assim, porém, os acionistas perguntavam: “Por que vocês vivem refazendo essas jaquetas e outras mercadorias? Por que não manter os mesmos itens?”

A maior pressão do mercado de ações era para que houvesse expansão. Wall Street estava no auge do boom da internet, e os investidores exigiam um crescimento rápido. Robert Earl e Keith Barish, os dois criadores da cadeia, possuíam agora um valor teórico de cerca de 500 milhões de dólares cada um, porque ainda detinham 60% das ações. Eles prometeram aumentar tanto as vendas totais quanto o número de restaurantes de 30% a 40% por ano. Isso significava construir casas em várias cidades americanas menos importantes como Indianápolis, Saint Louis e Columbus, sem falar em dezenas de outros lugares no exterior. Em abril de 1997, mês em que passei pela cirurgia cardíaca, a empresa fechou um acordo com o príncipe Alwaleed bin Talal, um bilionário saudita, para abrir mais de 30 Planet Hollywood no Oriente Médio e na Europa, começando por Bruxelas, Atenas, Cairo, Lisboa, Istambul e Budapeste. Além disso, fez outro acordo com um magnata de Cingapura chamado Ong Beng Seng para construir mais de 20 restaurantes na Ásia.

Falei diversas vezes para Robert e Keith que isso era um grande erro. Eles estavam perdendo o controle sobre o conceito principal da cadeia. Quem fosse ao Planet Hollywood de Beverly Hills tinha mesmo a chance de ver Arnold Schwarzenegger. Quem fosse ao de Paris tinha mesmo a chance de ver o aclamado ator francês Gérard Depardieu. No All Star Cafe de Tóquio, podia-se mesmo ver o grande astro do beisebol Ichiro Suzuki. E em Orlando era mesmo possível ver Shaquille O’Neal nos anos em que ele jogou na cidade. Se você fosse ao Planet Hollywood de Indianápolis, porém, por acaso veria Bruce Willis almoçando? A coisa toda estava começando a parecer enganação. Não éramos mais capazes de cumprir nossas promessas. Em outubro, fiquei tão preocupado que chamei Robert e Keith ao meu escritório para conversar. Sentamo-nos em volta da grande mesa de reuniões, apenas nós e Paul Wachter, e eu disse a eles o que pensava sobre ajustar a estratégia. Falei que agora nós tínhamos restaurantes no mundo inteiro, em lugares excelentes, com um potencial imenso ainda inexplorado. Eu havia preparado uma apresentação sobre estratégias para aproveitar esse potencial. Por exemplo, tínhamos uma grande oportunidade de trabalhar com os estúdios em estreias de filmes. “Hollywood produz 50 filmes por ano”, argumentei. “Todos eles são lançados nos Estados Unidos e no exterior. E onde vai ser a festa de lançamento?”

Eu queria incluir os executivos dos estúdios no negócio: levá-los de avião às estreias, oferecer-lhes benefícios, tratá-los feito reis para que, nas reuniões de marketing, eles pudessem dizer: “Vamos estrear esse filme em parceria com o Planet Hollywood em Moscou, Madri, Londres, Paris e Helsinque – 10 cidades ao todo. Em cada uma delas, faremos uma sessão no restaurante, depois uma grande exibição em um cinema da cidade, seguida por uma festa no Planet Hollywood. E o melhor é o seguinte, gente: a rede vai levar as celebridades de avião e bancar a festa. Nós vamos ficar com as despesas da hospedagem e as da estreia em si. Dividindo os custos, vamos economizar e, ainda assim, atrair uma enorme atenção.”

Fechar acordos desse tipo significava que precisávamos de uma pessoa especial para conversar com o estúdio. Minha primeira opção teria sido Jack Valenti, presidente da Motion Pictures Association of America (Associação de Cinema dos Estados Unidos) havia muitos anos e principal lobista de Hollywood em Washington. Jack era meu amigo e fora um de meus principais conselheiros quando eu chefiava o President’s Council on Physical Fitness and Sports. Por mim, nós o teríamos procurado e dito: “Jack, você está com 75 anos. Fez um trabalho incrível pela indústria do cinema, mas quanto estão lhe pagando? Um milhão de dólares por ano? Nós oferecemos 2. Você vai ter também um plano de pensão e benefícios para seus netos.” De repente, teríamos Jack Valenti conversando com todos os estúdios e fechando os acordos.

Também levantei outra questão crucial: nossos hambúrgueres e pizzas eram bons, mas eu queria que servíssemos pratos mais interessantes. E eu via grande potencial no merchandising. Em vez de cortar nossos gastos com isso, eu achava que deveríamos aumentá-los. Era fascinado pela maneira como o estilista Tom Ford havia entrado na Gucci e transformado a marca de empresa antiquada em produtora de jaquetas e sapatos disputados pelo público descolado. Antes dele, eu nunca havia comprado nada da Gucci. De uma hora para outra, passei a frequentar a loja.

“Vocês precisam de um cara assim para criar os produtos do Planet Hollywood”, falei para Robert e Keith. “Têm que fazer verdadeiros desfiles de moda no Japão, na Europa e no Oriente Médio, para que as pessoas queiram ter os novos objetos da nossa marca. Em vez de vendermos sempre a mesma jaqueta de aviador, temos que mudá-la sempre, colocar fivelas diferentes e pendurar outros tipos de corrente. Se tivermos novidades constantemente e disponibilizarmos produtos modernos e estilosos, vamos vender aos montes.”

Durante todo o meu discurso, Robert e Keith não paravam de dizer: “Claro, claro, ótima ideia.” No final, prometeram me dar uma resposta sobre os pontos que eu havia levantado. No entanto, Paul fora o único a fazer anotações. “Não acho que eles tenham entendido”, comentou ele quando os outros dois foram embora. Eu esperava que essa fosse uma reunião decisiva, porque promoção e merchandising eram áreas que eu realmente dominava. Mas tive a sensação de que aquilo tudo era muita coisa para Robert e Keith absorverem. A pressão do mercado os estava afetando. Embora Robert devesse supostamente se concentrar na parte operacional e Keith, na visão estratégica, eles falaram sobretudo a respeito de acordos com investidores. E o Planet Hollywood havia chegado a um nível em que apenas dois empreendedores não conseguiam mais dar conta do recado. A empresa precisava de estrutura, assim como de pessoal com experiência na administração de uma operação global. Sou um cara leal e continuei comprometido com o Planet por vários anos. No entanto, a popularidade dos restaurantes foi decaindo continuamente e as ações foram perdendo valor até a empresa falir. No fim das contas, graças às cláusulas de proteção que havíamos conseguido incluir no contrato, não tive prejuízos, mas não cheguei nem perto de ganhar os quase 120 milhões de dólares que outrora eram o valor teórico de minhas ações. Porém consegui me sair melhor que os muitos acionistas que perderam dinheiro, e que vários dos outros atores e atletas.

Mesmo assim, adoraria fazer tudo outra vez, só que com uma administração melhor. Whoopi, Bruce, Sly e todos os outros sócios famosos diriam que o Planet Hollywood foi uma curtição. As grandes festas, inaugurações e estreias nos permitiram conhecer gente do mundo inteiro, e nós realmente nos esbaldamos.

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