CAPÍTULO 17
Casamento e filmes
QUANDO VOCÊ MARCA A DATA E DIZ “Então tá, vamos nos casar no dia 26 de abril do ano que vem”, não tem como prever se vai estar filmando ou não. Quando 1986 foi se aproximando, tentei adiar por algumas semanas a produção de Predador, mas o produtor Joel Silver ficou com medo de esperar e correr o risco de pegar a estação chuvosa. Foi assim que me vi embrenhado na floresta mexicana perto das ruínas maias de Palenque menos de 48 horas antes de subir ao altar. Pela primeira vez na vida, tive que fretar um jatinho para conseguir chegar a tempo do tradicional jantar com a família e os padrinhos na véspera da cerimônia, em Hyannis Port.
No dia programado para minha partida, o lutador profissional Jesse Ventura ficou me seguindo pelo set. Estávamos filmando uma sequência de ação na selva e ele, que não participava da cena, ficou escondido nos arbustos. Quando eu deveria gritar para os outros “Abaixem-se! Abaixem-se!”, ouvimos Jesse entoar com sua voz grave: “Sim, sim, aceito!” Rimos feito uns doidos e erramos várias tomadas. O diretor não parava de perguntar: “Por que vocês não estão se concentrando?”
Maria não gostou de eu ter perdido os preparativos finais. Queria que eu focasse no casamento, mas, quando cheguei, minha cabeça ainda estava no trabalho. Predador tinha graves problemas e, na mente do público, o protagonista é o responsável pelo sucesso de um filme – esteja isso certo ou não. Falou-se até em interromper a produção, e quando isso acontece sempre existe a possibilidade de o filme nunca mais ser retomado. Foi um momento arriscado da minha carreira. Mudei meu foco, claro, mas não consegui me concentrar totalmente no casamento. Enquanto isso, os convidados se perguntavam por que o noivo tinha aparecido com um corte de cabelo militar, à escovinha. Dei o melhor de mim. Embora a situação não fosse ideal, fazer as coisas daquela maneira foi uma aventura divertida.
Não dei ouvidos às histórias de terror que os amigos contavam sobre a vida de casado. “Ah! Agora vocês vão brigar para ver quem vai trocar a fralda.” “Sabe o que faz a mulher inventar que está com dor de cabeça para não ir para a cama com você? Casamento!” “Cara, você não viu nada. Espere só ela entrar na menopausa.” Não liguei para essas coisas. “Deixem que eu descubra tudo isso sozinho”, pedi. “Não quero que me contem nada com antecedência.”
Não se deve pensar demais nas coisas. Tudo tem seu lado negativo. Quanto mais você sabe, menos tende a agir. Se eu soubesse tudo de antemão sobre o mercado imobiliário, o cinema e o fisiculturismo, não teria me envolvido em nenhum dos três. Pois eu sentia o mesmo em relação ao casamento. Talvez eu não tivesse dado esse passo se soubesse tudo o que teria que enfrentar. Eu não estava nem aí! Eu sabia que Maria era a melhor mulher para mim, e só isso importava.
Vivo comparando a vida a uma escalada, não só porque ela envolve esforço, mas também porque a subida me dá tanta alegria quanto alcançar o topo. Imaginava o casamento como uma verdadeira cordilheira de fantásticos desafios, uma sequência interminável de cumes: planejar o casamento, comparecer à cerimônia, escolher onde iríamos morar, decidir quando e quantos filhos teríamos, onde eles iriam estudar e como pagaríamos pelos estudos – a lista era infindável. Eu já havia escalado a primeira montanha ao planejar o casamento, aceitando que aquele era um processo que não podia deter nem modificar. Não importava o que eu pensava das toalhas de mesa, o que iríamos comer, ou quantos convidados deveria haver na festa. Você simplesmente aceita que essas coisas estão fora do seu controle. Estava tudo em boas mãos, e eu sabia que não precisava me preocupar.
Tanto Maria quanto eu tínhamos sido cautelosos em relação ao casamento, e esperado muito tempo: ela estava com 30 anos e eu, com 37. A essa altura ambos parecíamos foguetes em nossas respectivas carreiras. Logo depois do noivado, ela fora promovida a uma das âncoras do noticiário televisivo CBS Morning News e logo iria trocar de emprego para ocupar um cargo igualmente bem remunerado e prestigioso na rede NBC. Os dois empregos eram em Nova York, mas eu já tinha deixado claro que jamais iria prejudicar sua carreira. Se nosso casamento tivesse que ser a distância, daríamos um jeito, de modo que nem sequer precisamos conversar sobre isso na época.
Sempre achei que uma pessoa devesse esperar até se estabelecer financeiramente e deixar para trás o período mais difícil da carreira antes de se casar. Já escutara inúmeros atletas, profissionais do entretenimento e empresários dizerem: “O principal problema é que minha mulher quer que eu fique mais em casa, e eu preciso passar mais tempo no trabalho.” Eu odiava pensar isso. Não é justo pôr sua mulher em uma situação na qual ela precise perguntar “E eu, onde fico?” porque você está trabalhando de 14 a 18 horas por dia para alavancar sua carreira. Sempre quis me estabelecer antes de me unir a alguém, porque a maioria dos casamentos acaba por causa de questões financeiras.
Quando se casa, a maioria das mulheres espera receber determinada atenção, e elas muitas vezes têm como referência o casamento dos próprios pais e a relação que eles tinham. Em Hollywood, o padrão ouro da dedicação matrimonial era Marvin Davis, bilionário do petróleo dono da 20th Century Fox, do resort Pebble Beach e do hotel Beverly Hills. Ele foi casado por 53 anos com Barbara, mãe de seus cinco filhos. Todas as mulheres se derretiam por ele. Durante os jantares em sua casa, Barbara se vangloriava: “Marvin nunca, jamais passou uma única noite longe de mim. Sempre que viaja a trabalho, ele volta para casa no mesmo dia. Nunca dormiu fora de casa. E, quando dorme, ele me leva junto.” E as mulheres diziam a seus maridos: “Por que você não pode ser assim?” Ou então, se a sua mulher estivesse por perto, depois de ouvir isso ela o cutucava ou chutava por baixo da mesa. Pouco depois de Marvin morrer, a revista Vanity Fair publicou uma reportagem revelando que ele estava falido e que Barbara agora se esforçava para tentar dar continuidade a suas causas filantrópicas e arcar com uma série de dívidas. Essa revelação deixou uma porção de esposas de Hollywood muito brava com o seu exemplo.
Eu tinha prometido a mim mesmo que jamais teríamos que usar o dinheiro de Maria – nem o que ela ganhava nem o de sua família. Eu não estava me casando porque ela vinha de uma família rica. A essa altura, o cachê que tinham me oferecido por Predador era de 3 milhões de dólares e, se o filme se saísse bem nas bilheterias, eu embolsaria 5 milhões pelo segundo filme e 10 milhões pelo terceiro, porque tínhamos praticamente conseguido dobrar meu cachê a cada filme. Eu não sabia se me tornaria mais rico que seu avô, Joseph P. Kennedy, mas tinha a forte sensação de que nunca teríamos que recorrer ao dinheiro dos Shriver nem ao dos Kennedy. O dinheiro de Maria era só dela. Nunca lhe perguntei quanto ela tinha. Nunca quis saber qual era o patrimônio dos seus pais. Esperava que fosse tanto quanto eles haviam sonhado em ter, mas não estava interessado nisso.
Também sabia que Maria não iria querer um estilo de vida do tipo apartamento de dois quartos alugado. Eu tinha que lhe proporcionar um nível de vida parecido com o que ela sempre tivera.
Nós dois sentíamos enorme orgulho do que já havíamos conquistado. Depois do noivado, ela escolheu uma casa para que eu comprasse, bem maior e mais luxuosa que aquela em que morávamos. A nova residência, uma mansão em estilo espanhol de 1.115 metros quadrados em um terreno de quase um hectare no alto de Pacific Palisades, tinha cinco quartos e quatro banheiros. Era cercada por lindos sicômoros e sua vista abrangia toda a área de Los Angeles. Nossa rua, a Evans Road, subia o cânion até o Parque Nacional Histórico Will Rogers, com fantásticas trilhas de cavalgada e caminhada, além de um terreno de polo. O parque ficava tão próximo que Maria e eu íamos até lá montados em nossos cavalos – era como uma grande área de lazer que podíamos usar dia e noite.
Nos meses anteriores ao casamento, eu estava ocupado com a promoção de Comando para matar e filmando Jogo bruto – o filme de ação que prometera fazer para Dino de Laurentiis –, além da preparação para começar Predador. Maria, em Nova York, estava mais ocupada ainda. Mesmo assim, conseguimos arrumar um tempo para reformar e decorar a casa. Aumentamos a piscina, instalamos uma banheira de hidromassagem, construímos a lareira que queríamos, arrumamos as telhas, a parte de iluminação e as árvores. Debaixo da casa, onde o terreno descia em direção à quadra de tênis, cavamos para construir mais um piso, que na época servia de vestiário para as quadras, área de lazer e espaço extra para os hóspedes.
Maria escolhera as cortinas e os estofados, mas no final de maio, quando voltei das filmagens de Predador, eles ainda não estavam prontos. Ela só chegaria de Nova York dali a três semanas. Eu queria ter certeza de que a reforma ficaria exatamente como ela havia imaginado, para que pudéssemos nos mudar e ter uma casa perfeita para morar como casal. Portanto, pressionei o decorador para terminar o serviço e se seguiu um frenesi de pintura, montagem de móveis e instalação de obras de arte. Enquanto estava no set de Predador, eu controlava os prestadores de serviço a distância e voltava para Los Angeles nos fins de semana para conferir o andamento da obra. Também tinha um Porsche 928 esperando por Maria na garagem.
Na parede da sala de estar, o lugar de honra foi reservado para meu presente de casamento para ela: um retrato dela em silkscreen que tinha encomendado a Andy Warhol. Eu gostava das gravuras famosas que ele fizera de Marilyn Monroe, Elvis Presley e Jackie Onassis nos anos 1960. Sua técnica era tirar fotos em Polaroid, depois escolher uma para ampliar e servir de base ao silkscreen. Liguei para ele e disse: “Andy, você tem que me fazer um favor. Tive uma ideia maluca. Sabe aqueles quadros de gente famosa que você faz? Bom, quando Maria se casar comigo, ela vai ser famosa! Você vai pintar o retrato de uma celebridade! Vai pintar o retrato de Maria!” Andy riu. “Então eu gostaria de mandá-la ao seu estúdio para posar, aí você tira a foto dela e depois pinta o retrato.” A imagem que ele criou de Maria era um impressionante quadrado com 107 centímetros de lado que reproduzia toda a sua beleza selvagem e toda a sua intensidade. Ele acabou fazendo várias cópias em cores diferentes: uma para o meu escritório, uma para a casa dos pais dela, uma para ele próprio e quatro para a parede da nossa casa, reunidas para formar um gigantesco quadrado de quase 2,5 metros de altura. Litografias e quadros de Pablo Picasso, Miró, Chagall e outros artistas da nossa coleção particular foram pendurados em outros pontos da sala. Entre todas essas lindas imagens, porém, a mais preciosa era a de Maria.
PARTICIPEI BASTANTE DA DECORAÇÃO de nossa casa, mas no casamento em si não dei nenhum pitaco. Os Kennedy têm um sistema já estabelecido para as bodas em Hyannis Port. Contratam os cerimonialistas certos, sabem quais limusines e micro-ônibus devem ser usados e cuidam para que a lista de convidados não fique tão comprida a ponto de as pessoas saírem pelos fundos da igreja. Para a recepção, sabem o lugar exato do terreno no qual instalar as tendas aquecidas para os drinques, o jantar e a pista de dança. Administram o acesso do público e da imprensa para os curiosos poderem ver as pessoas saindo e entrando e os fotógrafos poderem fotografar e filmar o que precisam sem atrapalhar o evento. Nenhum detalhe da comida, da diversão ou da hospedagem dos convidados escapa à organização. E todos se divertem muito.
Franco foi meu padrinho, e convidei algumas dezenas de parentes e amigos, além das pessoas que mais tinham me ajudado na vida: Fredi Gerstl, Albert Busek, Jim Lorimer, Bill Drake e Sven Thorsen, o fortão dinamarquês de quem eu ficara amigo durante as filmagens de Conan. A lista de Maria tinha quase 100 pessoas só da família. Além destas, havia também suas amigas mais antigas, como Oprah Winfrey e Bonnie Reiss, e colegas de trabalho próximos, como o âncora Forrest Sawyer. Havia também nossos amigos em comum e uma galáxia inteira de pessoas maravilhosas que conheciam Rose Kennedy, Eunice ou Sarge: Tom Brokaw, Diane Sawyer, Barbara Walters, Art Buchwald, Andy Williams, Arthur Ashe, Quincy Jones, Annie Leibovitz, Abigail van Buren (a “Dear Abby”), cerca de 50 pessoas ligadas à instituição responsável pelos Jogos Mundiais Olímpicos Especiais, a Special Olympics – a lista era infindável. Ao todo, foram mais de 450 convidados, dos quais eu só devia conhecer um terço.
Ver tantos rostos novos não me distraiu do casamento. Pelo contrário, tornou o evento ainda mais animado para mim. Foi uma chance de conhecer muita gente, desfrutar de momentos divertidos e brindar à vida. Todo mundo estava muito feliz. A família Shriver e os parentes de Maria foram extremamente gentis. Meus amigos não paravam de vir me dizer: “Arnold, está tudo incrível!” Foi uma festa e tanto para todos.
Minha mãe já conhecia Eunice e Sarge – encontrava-os durante as visitas que fazia aos Estados Unidos toda primavera. Sarge passava o tempo todo brincando com ela. Ele adorava a Alemanha e a Áustria, falava alemão com minha mãe e sabia exatamente como fazê-la se sentir bem. Cantava-lhe canções de cervejaria e a tirava para dançar valsas. Os dois rodopiavam juntos pela sala. Ele sempre comentava como ela havia me educado bem. Falava sobre detalhes da Áustria, sobre as várias cidades que visitara de bicicleta, sobre A noviça rebelde, a história do país, a partida dos russos e a independência, o ótimo trabalho de reconstrução feito pelo povo, sobre como adorava os vinhos austríacos e a ópera. Minha mãe sempre comentava depois: “Que homem agradável. Tão educado... Como eu sei pouco sobre os Estados Unidos em comparação com o que ele sabe sobre a Áustria!” Sarge era um sedutor, um verdadeiro profissional.
No casamento, minha mãe também conheceu Teddy e Jackie. Os dois se mostraram incrivelmente galantes. Teddy lhe ofereceu o braço e saiu com ela da igreja depois da cerimônia. Ele tinha muito talento para gestos gentis e significativos como esse. Cuidar assim da família era a sua especialidade. Quando fomos à sua casa na tarde anterior ao casamento, Jackie se desdobrou para tratar bem da minha mãe. Caroline, sua filha, era a madrinha principal e estava promovendo um almoço para as madrinhas, os padrinhos e os parentes próximos, um total de 30 pessoas. Todo mundo que conhecia Jackie pela primeira vez ficava impressionado, do mesmo modo que eu ficara no restaurante Elaine’s. Ela falava com todo mundo e realmente prestava atenção na conversa. Já fazia alguns anos que eu acompanhava sua trajetória e podia ver por que ela fora uma primeira-dama tão popular. Jackie tinha uma capacidade incrível de fazer perguntas que deixavam você pensando: “Como ela sabia disso?” Sempre fazia meus amigos se sentirem bem recebidos quando eu os levava a Hyannis Port. Minha mãe também se apaixonou por ela.
Nessa noite, minha mãe promoveu o tradicional jantar da véspera do casamento no Hyannisport Club, clube de golfe com vista para a casa dos Shriver. Oferecemos frutos do mar assados à moda austríaca, e a proposta foi misturar a cultura americana com a da nossa terra natal. Cobrimos as mesas com toalhas quadriculadas de vermelho e branco emprestadas por uma cervejaria austríaca e eu apareci vestido com trajes e chapéu típicos de tirolês. O cardápio foi uma combinação de iguarias austríacas e americanas: Wienerschnitzel (costeleta de porco empanada) e lagosta de prato principal, Sachertorte (torta de chocolate com recheio de geleia de damasco) e strawberry shortcake (torta de morangos com creme) de sobremesa.
Houve brindes incríveis nessa noite. Os convidados de Maria falaram sobre a pessoa maravilhosa que ela é e quanto eu ganharia me tornando seu marido. Do meu lado, foi o inverso: que cara incrível e que ser humano perfeito eu sou, e como ela ganharia com isso. Juntos, formaríamos um casal perfeito. Os Kennedy sabem mesmo como celebrar essas ocasiões. Todos entram na dança e se esbaldam. Foi bem divertido para as pessoas de fora. Quanto a meus amigos, era a primeira vez que eles tinham contato com esse mundo. Nunca tinham visto tantos brindes, nem convidados tão animados. Aproveitei a ocasião para dar a Eunice e Sarge sua cópia do retrato de Maria assinado por Andy Warhol.
– Na verdade, não estou levando Maria embora. Isto aqui é para que possam tê-la sempre com vocês – falei. Então fiz uma promessa aos convidados: – Eu amo Maria e sempre vou cuidar bem dela. Ninguém precisa se preocupar.
Sargent também falou:
– Você é o cara mais sortudo do mundo por se casar com Maria, mas eu sou o filho da puta mais sortudo que existe por estar com Eunice. Nós dois temos sorte!
A cerimônia foi na igreja St. Francis Xavier, uma construção de ripas de madeira brancas no centro de Hyannis, a alguns quilômetros da casa. Era sábado de manhã e, quando chegamos, literalmente milhares de pessoas esperavam do lado de fora para nos desejar felicidades. Abaixei o vidro da limusine e acenei para a multidão atrás das barreiras de isolamento. Também havia dezenas de repórteres e equipes de gravação.
Adorei ver Maria atravessar a igreja até o altar. Ela parecia uma rainha, com um lindo vestido rendado, uma cauda bem comprida e 10 damas de honra, irradiando felicidade e calor humano. Todos se acomodaram para a formalidade da missa, na qual os votos matrimoniais são ditos ao final do primeiro terço. Quando chegou o momento, Maria e eu ficamos em pé diante do padre. Estávamos prestes a dizer sim quando de repente a porta dos fundos da igreja fez pá!
Todos se viraram para ver o que estava acontecendo. O padre olhou por cima de nossas cabeças, e nós também nos viramos para olhar. Recortados na contraluz do vão da porta da igreja, vi um cara magrelo, de cabelos espetados, e uma negra altíssima com um chapéu de pele de marta tingido de verde na cabeça: eram Andy Warhol e Grace Jones.
Os dois pareciam pistoleiros em um faroeste entrando pelas portas de vaivém de um saloon, ou pelo menos foi isso que pensei, pois estava vendo tudo de maneira exagerada. Pensei: “Porra, não acredito que esse cara veio roubar a cena no meu casamento!” Mas, de certa forma, foi maravilhoso. Andy era um cara extraordinário e Grace Jones não conseguia fazer nada com discrição. Maria e eu ficamos contentes por eles terem conseguido chegar, e quando, durante o sermão, o padre recomendou que ríssemos pelo menos 10 vezes por dia quando fôssemos um casal, já estávamos bem encaminhados.
Pouca gente qualificaria sua recepção de casamento de enriquecedora e educativa, mas a minha foi. Quando meu sogro me pegou pelo braço para me apresentar aos convidados, fiquei mais uma vez assombrado com a quantidade de ambientes diferentes que Sarge e Eunice já haviam frequentado. “Este aqui era o chefe da minha operação do Peace Corps no Zimbábue, que na época se chamava Rodésia...” “Você vai adorar este cara: foi ele quem assumiu a operação na época das rebeliões em Oakland, e tivemos que mandar o Vista e o Head Start”, referindo-se aos programas federais de combate à pobreza e de auxílio à infância.
Eu me senti bastante à vontade, pois me considerava um cidadão do mundo, sempre disposto a conhecer o máximo possível de pessoas de diferentes áreas e origens. Foi Sarge quem chamou a maioria dos convidados do mundo da política, do jornalismo, dos negócios e das organizações sem fins lucrativos. Um grupo de pessoas com quem já trabalhara no Peace Corps e no governo Kennedy, ao longo de seus anos na política, em Moscou com a missão comercial que chefiara lá, em Paris quando fora embaixador etc. Outro cara que ele queria que eu conhecesse era de Chicago: “Ele é incrível, Arnold. Uma pessoa extraordinária. Administrou sozinho todo o programa de auxílio humanitário jurídico que iniciei, e agora pessoas sem dinheiro nenhum podem obter aconselhamento e representação jurídica.” E foi assim o dia inteiro. “Arnold, venha cá! Deixe eu lhe apresentar um amigo de Hamburgo. Ah, você vai adorar conversar com ele... esse cara fez um acordo com os russos...”
Quando chegou a hora de dançar, Maria trocou os escarpins por tênis brancos para proteger um dos dedos do pé que havia quebrado na semana anterior. Então, quando Peter Duchin e sua orquestra começaram a tocar uma valsa, ela enrolou a cauda do vestido umas cinco ou seis vezes em volta do pulso e dançamos os passos que tínhamos ensaiado, ganhando muitos aplausos. Meu amigo Jim Lorimer, de Columbus, tinha nos matriculado em aulas de dança de salão, que nos foram muito úteis.
O bolo, de oito andares, era uma réplica do lendário bolo servido no casamento de Eunice e Sarge: de cenoura com glacê branco, mais de 1,20 metro de altura e 284 quilos. Sua aparição provocou uma nova rodada de aplausos.
Durante a recepção, fiz um comentário que pareceu sem importância na hora, mas que iria me atormentar por muitos anos. Teve a ver com Kurt Waldheim, ex-secretário-geral da ONU, que estava concorrendo à presidência da Áustria. Nós o convidáramos para o casamento, assim como outros líderes, entre os quais o presidente Reagan, o presidente da Irlanda – até o papa. Não achávamos que fossem comparecer, mas seria ótimo receber cartas suas para o álbum de casamento. Eu havia apoiado Waldheim como líder do Partido Popular conservador, ao qual era ligado desde os meus tempos de fisiculturista em Graz.
Algumas semanas antes do casamento, o Congresso Judaico Mundial acusou Waldheim de ocultar um passado de oficial nazista na Grécia e na Iugoslávia, na época em que judeus eram enviados para os campos da morte e nacionalistas eram fuzilados. Para mim, foi difícil aceitar isso. A exemplo da maioria dos austríacos, eu o considerava uma grande personalidade – como secretário-geral da ONU, ele fora não apenas um líder nacional, mas também um líder mundial. Como poderia esconder qualquer tipo de segredo nazista? Já teria sido investigado tempos antes. Muitos austríacos acharam que aquilo fosse uma tática dos rivais social-democratas para prejudicá-lo em ano de eleição – um ato idiota, que constrangeu a Áustria aos olhos do mundo. Pensei comigo mesmo: “Vou continuar a apoiá-lo.”
Embora Waldheim não tenha ido ao nosso casamento, o Partido Popular enviou à recepção dois representantes com um presente que chamou atenção: uma caricatura feita em papel machê, em tamanho real, de mim e de Maria vestindo trajes típicos austríacos. Em um brinde que fiz agradecendo a todos pelas cartas e pelos presentes, citei esse em especial: “Quero agradecer aos representantes do Partido Popular austríaco por estarem aqui e pelo presente que nos deram, e sei que isso expressa também os votos de Kurt Waldheim. Quero agradecer a ele e dizer que acho uma pena ele estar tendo que enfrentar os ataques pelos quais tem passado, mas campanhas políticas são assim mesmo.”
Alguém repetiu meu discurso para o USA Today, que o incluiu em uma reportagem sobre o casamento, me envolvendo em uma polêmica internacional que se arrastou por anos. Quando finalmente ficou provado que Waldheim havia mentido sobre seu histórico militar, ele passou a simbolizar a recusa da Áustria em encarar seu passado nazista. Eu mesmo ainda estava me esforçando para entender os horrores do nazismo e, se soubesse a verdade sobre ele, não teria mencionado seu nome.
Esse arrependimento, porém, viria a surgir com o tempo. Maria e eu entramos na limusine e seguimos para o aeroporto com a sensação de que aquele era o melhor casamento do qual já tínhamos participado. Foi um dia muito especial. Todo mundo ficou feliz. Foi tudo nota 10.
MARIA TINHA DITO A SEUS FÃS NO CBS Morning News que iria tirar apenas poucos dias de férias. Eu tampouco dispunha de muito tempo para a lua de mel. Ficamos três dias em Antígua e depois ela me acompanhou até o México para passar alguns dias no set de Predador. Eu já tinha mandado preparar tudo para quando chegássemos: havia flores no quarto, e levei Maria para um jantar romântico ao som de uma banda de mariachis. Quando voltamos ao hotel, abri uma garrafa de um ótimo vinho californiano, o que supus fosse desencadear alguns bons momentos de sensualidade. A noite foi toda perfeita – até ela ir tomar um banho. Foi então que ouvi gritos muito altos vindos do banheiro, como em um filme de terror.
Já deveria ter imaginado. Joel Kramer e sua equipe de dublês tinham decidido pregar uma peça nos recém-casados. Na verdade, eles estavam revidando, pois alguns dublês e eu tínhamos posto aranhas na camisa de Joel e cobras dentro de sua bolsa. O set tinha um quê de colônia de férias estudantil. Assim, quando Maria abriu a cortina do chuveiro, deparou com vários sapos pendurados. Seria de esperar que ela fosse entender o espírito da coisa, pois seus primos viviam fazendo brincadeiras em Hyannis. Mas ela tem uma particularidade: embora seja fisicamente audaz – não pensaria duas vezes antes de pular de um penhasco de 10 metros para dentro do mar –, quando vê uma aranha, ou quando há uma abelha no quarto, ela dá um chilique. Os irmãos dela também são assim. Os sapos, então, causaram um grande alvoroço. Parecia que uma bomba tinha acabado de ser detonada. Joel não tinha como saber disso, mas sua brincadeira deu supercerto. O filho da mãe estragou por completo a minha noite.
Maria então voltou para casa e chegou a hora de eu retornar às filmagens de Predador. Como se sabe, trata-se de um filme de ficção científica no qual lidero uma equipe na selva da Guatemala, onde pessoas estão sumindo e sendo esfoladas vivas por um inimigo desconhecido. (Na verdade, como acabamos descobrindo, trata-se de um alienígena, equipado com armas de alta tecnologia e aparelhos que o tornam invisível, que veio à Terra caçar humanos por esporte.) Os produtores Joel Silver, Larry Gordon, John Davis e eu assumimos um risco alto ao escolher John McTiernan como diretor. Ele havia feito apenas um filme, um terror de baixo orçamento chamado Delírios mortais, sobre algumas pessoas que criam o caos ao volante de uma van. O que distinguia o filme era a tensão que McTiernan conseguira manter com um orçamento de menos de 1 milhão de dólares. Pensamos que, para criar esse tipo de atmosfera com tão pouco dinheiro, ele devia ter muito talento. Predador precisaria de suspense desde o primeiro momento em que os personagens chegam à selva – queríamos que os espectadores sentissem medo mesmo nas cenas em que o predador não aparecia, só com a névoa, os movimentos de câmera e a maneira como as coisas surgiam bem em cima das pessoas. Então apostamos que McTiernan conseguiria lidar com uma produção mais de 10 vezes mais cara.
Assim como em qualquer outro filme de ação, as filmagens de Predador foram mais difíceis que prazerosas. Havia todas as dificuldades habituais de uma selva: sanguessugas, areia movediça, cobras peçonhentas, além de umidade e calor sufocantes. O terreno que McTiernan escolheu para filmar era tão acidentado que mal havia um centímetro sequer de solo plano. A maior dor de cabeça, porém, acabou sendo o próprio predador. Na maior parte das vezes, ele se mantém invisível. Quando aparece na tela, porém, precisa ter um aspecto alienígena e assustador o suficiente para aterrorizar e vencer um bando de caras grandes e viris. O predador que tínhamos não dava conta do recado. Fora projetado por uma empresa de efeitos especiais contratada pelo estúdio para economizar dinheiro – Stan Winston, que havia criado o Exterminador, teria lhes custado 1,5 milhão de dólares, e o concorrente cobrou metade desse preço. Só que, em vez de ameaçadora, a criatura ficou ridícula: parecia um cara usando uma roupa de lagarto com cabeça de pato.
Começamos a nos preocupar assim que iniciamos os testes de filmagem, e bastaram algumas cenas para confirmar que a preocupação era real. A criatura não funcionava, era fajuta, não transmitia credibilidade. Além do mais, Jean-Claude van Damme, que interpretava o predador, era um reclamão de marca maior. Ficamos tentando contornar o problema. Ninguém entendia que as imagens da criatura só poderiam ser consertadas depois que voltássemos do México, quando o filme já estivesse na ilha de montagem. No fim das contas, os produtores decidiram chamar Stan Winston para refazer o projeto do predador, então nos mandaram de volta a Palenque para refilmar o clímax do confronto: uma sequência noturna em que o predador aparece de corpo inteiro e trava um combate corpo a corpo com Dutch no pântano.
A essa altura já estávamos em novembro, e à noite na selva fazia um frio desgraçado. O predador de Stan era bem maior e mais assustador que o primeiro: um extraterrestre verde, com 2,60 metros de altura, olhos fundos e miúdos e mandíbulas de inseto no lugar da boca. No escuro, ele recorre à visão térmica para localizar sua presa, e Dutch, que nesse momento do filme já perdeu todas as roupas, passa lama no corpo para se camuflar. Para filmar isso, tive que cobrir o corpo inteiro com uma lama fria e molhada. Só que, em vez de lama, o maquiador usou argila, e me alertou: “Este material vai baixar em alguns graus a temperatura do seu corpo. Talvez você fique tremendo.”
Eu não conseguia controlar a tremedeira. Foi preciso usar lâmpadas de calefação para me aquecer, mas, como elas faziam a argila secar, não foram muito úteis. Fiquei bebendo Jägertee, o chamado chá dos caçadores, uma mistura à base de Schnapps que se toma ao praticar curling. A bebida ajudava um pouco, mas embebedava tanto que ficava difícil fazer a cena. Eu tentava conter os tremores quando a câmera estava ligada, ou me segurava com força em algo para impedir os calafrios, porque, assim que soltava, eles recomeçavam. Me lembrei de quando cobria o corpo inteiro de lama quando era criança, no Thalersee, e pensei: “Como é que algum dia pude gostar de fazer isso?”
Kevin Peter Hall, o ator de 2,18 metros que assumira a fantasia de predador, também enfrentava suas próprias dificuldades. Ele não conseguia ver nada com aquela máscara, e tinha que parecer ágil, mas a fantasia era pesada e o fazia perder o equilíbrio. Então ele ensaiava sem a máscara e depois tentava se lembrar de onde estava cada coisa. Na maior parte do tempo, funcionava. Em uma das lutas, porém, Kevin tinha que me golpear com a mão sem acertar minha cabeça. De repente, ouviu-se um “pou!”: a mão dele acertou minha cara em cheio, com garras e tudo.
A chateação toda foi recompensada nas bilheterias no verão seguinte. Predador teve o segundo melhor fim de semana de estreia de todos os filmes de 1987 – depois de Um tira da pesada II – e acabou arrecadando 100 milhões de dólares. No fim das contas, McTiernan se revelou uma excelente escolha. No ano seguinte, Duro de matar mostrou que seu sucesso com Predador não tinha sido nenhum acaso. Na verdade, se um diretor com o seu talento tivesse feito a continuação de Predador, o filme poderia ter se transformado em uma série importante, comparável a O exterminador do futuro ou Duro de matar.
Tive uma briga com os executivos do estúdio por causa disso. O que ocorreu com Predador acontece com vários filmes de sucesso assinados por cineastas iniciantes. O diretor continua dirigindo sucessos e o cachê dele aumenta: depois de Duro de matar, o de McTiernan pulou para 2 milhões de dólares. Além disso, é claro, os custos haviam aumentado desde Predador, mas os executivos do estúdio queriam fazer uma continuação com o mesmo orçamento do primeiro filme. Isso deixou McTiernan de fora. Para substituí-lo, contrataram outro diretor relativamente inexperiente e barato, que havia dirigido A hora do pesadelo 5. Joel Silver queria que eu fizesse Predador 2, mas eu lhe disse que o filme seria um fracasso. Não era só o diretor que estava errado, mas também o roteiro. A história se passava em Los Angeles, e eu disse a ele: “Ninguém quer ver predadores correndo pelo centro de Los Angeles. Nós já temos predadores aqui. A guerra de gangues vive causando mortes. Não precisamos de extraterrestres para tornar a cidade perigosa.”
Eu sentia que, a menos que eles metessem a mão no bolso para conseguir um bom diretor e um bom roteiro, não adiantaria nada me contratar. Como Joel não cedeu, saí do projeto. Predador 2 e todos os outros filmes da série fracassaram, e ele e eu nunca mais voltamos a trabalhar juntos.
Hoje em dia, os estúdios entendem melhor como o negócio funciona. Eles agora investem na continuação de um filme de sucesso. Aumentam o cachês dos atores, dos roteiristas, e contratam o mesmo diretor. Pouco importa se a continuação for custar 160 milhões de dólares. Franquias como Batman e Homem de ferro chegam a arrecadar 350 milhões por filme nas bilheterias. Com as produções da série Predador poderia ter sido assim. No entanto, com um diretor, roteiristas e atores mais baratos, o filme se tornou uma das maiores bombas de 1990. O estúdio não aprendeu e, 20 anos depois, cometeu o mesmo erro com o terceiro Predador. Mas é claro que, quando se olha para o passado, é sempre fácil bancar o esperto.
EU ESTAVA SURFANDO A GRANDE ONDA dos filmes de ação, gênero inteiramente novo que se tornou a sensação nessa época. Quem dera a partida fora Stallone, com a série Rocky. No filme original, de 1976, ele tinha a aparência de um lutador normal. Já em Rocky II, porém, seu corpo estava bem melhor. Seus filmes da série Rambo, em especial os dois primeiros, também tiveram forte impacto. Em 1985, meu filme Comando para matar continuou essa tendência, sendo lançado no mesmo ano do segundo Rambo e de Rocky IV. Então O exterminador do futuro e Predador ampliaram o gênero, acrescentando elementos de ficção científica. Alguns desses filmes foram sucessos de crítica, e todos ganharam tanto dinheiro que os estúdios não podiam mais simplesmente classificá-los como filmes B. As produções de ação se tornaram tão importantes nos anos 1980 quanto os faroestes nos 1950.
Os estúdios mal podiam esperar para desenvolver novos roteiros, tirar da gaveta tramas antigas e contratar roteiristas para escrever sob medida para mim. Stallone e eu éramos os dois maiores nomes do gênero – embora Sly, na verdade, estivesse à minha frente e ganhasse mais. Havia mais trabalho para atores de ação do que ele ou eu conseguíamos dar conta, e essa demanda fez surgir outros nomes: Chuck Norris, Jean-Claude van Damme, Dolph Lundgren, Bruce Willis. Até mesmo caras como Clint Eastwood, que sempre tinham feito filmes de ação, começaram a ficar mais marombados e a arrancar a camisa para exibir os músculos.
Em todo esse processo, o corpo era o elemento principal. Havia chegado o tempo em que homens musculosos eram considerados atraentes. Ter um aspecto físico de herói passou a ser o padrão estético. Esses caras transmitiam poder. Era inspirador: o simples fato de olhar para eles fazia você pensar que seriam capazes de dar conta do recado. Por mais impossível que fosse a missão, pensava-se: “É, ele conseguiria.” Predador foi um sucesso em parte porque os caras que entraram na selva comigo tinham um físico impressionante, grande e musculoso. Foi nesse filme que Jesse Ventura estreou como ator. Eu estava nos estúdios da Fox no teste dele para o papel e, quando ele saiu, comentei: “Gente, acho que não há dúvida de que devemos contratar esse cara. Sério: ele é mergulhador de combate da marinha, lutador profissional e tem o visual perfeito para o papel. É um cara grande, com a voz grave, bem másculo.” Eu sempre achara que faltavam homens de verdade no cinema, e para mim Jesse era o cara.
Meu plano era sempre dobrar de cachê a cada filme. Não que isso funcionasse sempre, mas em geral eu conseguia. Depois de começar com 250 mil dólares por Conan, o bárbaro, no fim dos anos 1980 eu havia alcançado a marca dos 10 milhões. A progressão foi a seguinte:
O exterminador do futuro (1984)
750 mil
Conan, o destruidor (1984)
1 milhão
Comando para matar (1985)
1,5 milhão
“Participação especial” em Guerreiros de fogo (1985)
1 milhão
Predador (1987)
3 milhões
O sobrevivente (1987)
5 milhões
Inferno vermelho
5 milhões
O vingador do futuro
10 milhões
Daí passei para 14 milhões de dólares por O exterminador do futuro 2 e 15 milhões por True Lies. Nesses, o aumento foi bem rápido.
Em Hollywood, você recebe de acordo com o que é capaz de arrecadar. Qual vai ser o retorno do investimento? O motivo pelo qual eu conseguia dobrar o cachê eram as arrecadações internacionais. Eu cuidava bem dos mercados estrangeiros. Vivia perguntando: “Esse filme vai ter apelo para um público internacional? O mercado asiático, por exemplo, não gosta muito de pelos no rosto, então por que preciso ter barba nesse papel? Quero mesmo abrir mão de tanto dinheiro assim?”
O que me distinguia dos outros protagonistas de filmes de ação como Stallone, Eastwood e Norris era o senso de humor. Meus personagens eram sempre um pouco atrevidos, e frequentemente eu improvisava piadas curtas e ditos espirituosos. Em Comando para matar, depois de quebrar o pescoço de um dos caras que sequestraram minha filha, eu o coloco sentado ao meu lado na poltrona do avião e peço à aeromoça: “Não incomode o meu amigo. Ele está morto de cansaço.” Ou então, em O sobrevivente, depois de estrangular com arame farpado um dos bandidos que estão me perseguindo, comento com a maior cara de pau: “Que sujeito chato, dá vontade de esganar!”, e saio correndo.
Usar piadas curtas e engraçadas para fazer o espectador relaxar depois de uma sequência intensa começou por acaso, em O exterminador do futuro. O filme tem uma cena em que o Exterminador se refugia em uma espécie de pensão para se regenerar. Um zelador barrigudo chega empurrando um carrinho de lixo pelo corredor, bate na sua porta e pergunta: “Ei, cara. Tem um gato morto aí dentro ou o quê?” Então vemos, do ponto de vista do Exterminador, uma lista de “possíveis respostas apropriadas” entre as quais ele vai escolhendo:
SIM/NÃO
OU O QUÊ
VÁ EMBORA
VOLTE MAIS TARDE, POR FAVOR
VÁ SE FODER
VÁ SE FODER, BABACA
O espectador então o escuta dizer a opção escolhida: “Vá se foder, babaca.” O público dos cinemas morria de rir com isso. Seria o zelador a vítima seguinte? Será que eu o explodiria? Ou quem sabe o esmagaria? Será que o mandaria para o inferno? Só que nada disso acontece: o Exterminador simplesmente fala “Vá se foder, babaca” e o cara vai embora. É o contrário do que o público espera, e fica engraçado porque quebra toda aquela tensão.
Entendi que momentos assim podiam ser importantíssimos em um enredo e inventei tiradas engraçadas para meu filme de ação seguinte, Comando para matar. Lá pelo final, o arquivilão Bennett quase consegue acabar comigo, mas eu enfim venço e o empalo em um duto de vapor quebrado. “Não fique soltando fumaça”, eu brinco. O público adorava. Ouvi comentários do tipo: “Uma das coisas de que gosto nesse filme é que tem sempre algo para fazer a gente rir. Às vezes os filmes de ação são tão tensos que você não consegue nem piscar. Quando alguém consegue quebrar isso e incluir um pouco de humor, é como uma lufada de ar fresco.”
Daí em diante, passamos a pedir que os roteiristas acrescentassem pitadas de humor a todos os meus filmes de ação, mesmo que fossem apenas duas ou três frases. Às vezes contratávamos um roteirista especialmente com esse intuito. Essas piadas curtas se tornaram minha marca registrada, e o humor ingênuo ajudou um pouco a proteger os filmes de ação da crítica, que os considerava excessivamente violentos e superficiais. Elas ampliavam o apelo do filme, tornando-o mais atraente para uma quantidade maior de pessoas.
Eu ia listando na minha cabeça os diferentes países do mundo – de forma bem parecida com o Exterminador e sua lista de “possíveis respostas apropriadas” na tal cena da pensão. “Como é que isso vai soar em alemão?”, eu me perguntava. “Será que no Japão as pessoas vão entender? E como vai ficar no Canadá? E na Espanha? E no Oriente Médio, como vai ser?” Na maioria dos casos, meus filmes arrecadavam mais no exterior que nos Estados Unidos. Isso se devia em parte ao fato de eu viajar para todo lado feito um doido promovendo cada um deles. Um outro fator, entretanto, era que os filmes em si eram muito diretos. Faziam sentido independentemente do lugar. O exterminador do futuro, Comando para matar, Predador, Jogo bruto, O vingador do futuro – todos eles falavam de temas universais como a batalha entre o bem e o mal, a vingança ou uma visão do futuro capaz de meter medo em qualquer um.
Inferno vermelho foi meu único filme a ter uma breve alusão à política – foi a primeira produção americana a receber autorização para filmar na Praça Vermelha de Moscou. Isso aconteceu durante a détente, em meados dos anos 1980, quando a União Soviética e os Estados Unidos tentavam entender como poderiam buscar juntos um fim para a Guerra Fria. Minha principal intenção, porém, era fazer um filme sobre amizade, no qual eu interpretaria um policial moscovita e Jim Beslushi, um de Chicago, obrigados a se unir para impedir que traficantes de cocaína mandem a droga para o território americano. Nosso diretor, Walter Hill, havia escrito e dirigido 48 horas, e a proposta agora era combinar ação e comédia.
No início, tudo o que Walter tinha era uma cena de abertura. Muitas vezes é assim que se faz um filme: a pessoa tem uma ideia, depois inventa o que entra nas cerca de 100 páginas do roteiro. Faço o papel de Ivan Danko, um inspetor de polícia soviético, e nessa primeira cena estou perseguindo outro cara. Eu o encontro em um bar de Moscou, mas ele resiste à prisão e nós brigamos. Quando finalmente consigo imobilizá-lo e ele está indefeso no chão, levanto sua perna direita e a quebro com brutalidade, para horror das outras pessoas no bar. Uma cena assim deixaria o público dos cinemas chocado. Por que alguém quebraria a perna de outra pessoa? Bom, um segundo depois você vê que a perna é artificial e está cheia de um pó branco: cocaína. Era essa a ideia de Walter e, assim que a ouvi, falei: “Adorei, estou dentro.”
Tivemos várias conversas enquanto ele escrevia o roteiro e decidimos que seria bom mostrar um relacionamento entre dois amigos que refletisse a relação de trabalho entre Oriente e Ocidente. Ou seja: Danko e Art Ridzik, o sargento da polícia de Chicago interpretado por Belushi, têm muitos atritos. Deveríamos agir juntos, mas não parávamos de implicar um com o outro. Ele zomba do meu uniforme verde e do meu sotaque. Temos um bate-boca para decidir qual é a pistola mais potente do mundo. Eu afirmo que é a Patparine, de fabricação soviética.
– Ah, faça-me o favor! – diz ele. – Todo mundo sabe que a Magnum .44 é a melhor de todas. Por que você acha que Dirty Harry usa essa pistola?
E eu pergunto:
– Quem é Dirty Harry?
Mas só o nosso trabalho conjunto poderá deter os traficantes.
Walter me mandou assistir a Ninotchka, filme de 1939 estrelado por Greta Garbo, para ter uma noção do que Danko deveria fazer como um soviético leal em visita ao Ocidente. Pude aprender um pouquinho de russo, e para esse papel meu sotaque foi um ponto positivo. Adorei filmar em Moscou e também gostei muito de fazer a cena da sauna, quando um gângster desafia Danko dando-lhe um carvão em brasa para segurar. Ele fica pasmo quando Danko não hesita: simplesmente pega o carvão e o aperta com a mão. Então dá um soco no sujeito que o faz sair voando pela janela e pula atrás dele para seguir brigando na neve. Filmamos a primeira metade dessa cena nas Termas de Rudas, em Budapeste, e a segunda metade na Áustria, pois não havia neve em Budapeste.
Com uma arrecadação de 35 milhões de dólares nos Estados Unidos, Inferno vermelho foi um sucesso, mas não o gol de placa que eu esperava. É difícil tentar dizer por quê. Talvez o público não estivesse pronto para um filme que se passa na Rússia, ou minha atuação e a de Jim Belushi não tenham sido engraçadas o suficiente, ou o diretor não tenha feito um trabalho bom o bastante. Seja qual for o motivo, o filme não chegou aonde podia chegar.
Sempre que terminava de filmar um novo trabalho, eu sentia que estava apenas na metade do caminho. Cada produção precisa de um cuidado especial ao ser lançada no mercado. Você pode ter o filme mais incrível do mundo, mas, se não o divulgar bem, se as pessoas não souberem que ele existe, não vai adiantar nada. O mesmo vale para a poesia, a pintura, a literatura ou as invenções. Sempre fiquei chocado com o fato de alguns dos melhores artistas que já existiram, de Michelangelo a Van Gogh, nunca terem vendido muitas obras por não saberem como proceder. Tinham que confiar em algum paspalho – agente, empresário ou galerista – para fazer isso por eles. Picasso entrava no restaurante e criava um desenho ou uma pintura em troca de uma refeição. Hoje em dia, você vai a restaurantes em Madri e essas obras dele estão penduradas na parede e valem milhões de dólares. Eu não deixaria que isso acontecesse com meus filmes. Era como no fisiculturismo, como na política: em tudo o que me propunha a fazer, eu tinha consciência de que era preciso vender.
Como bem disse Ed Turner: “Durma com as galinhas, madrugue, sue a camisa e anuncie.” Portanto, eu sempre fazia questão de estar presente nas exibições de teste. O público de uma sala de cinema lotada preenchia questionários dando notas para o filme e em seguida 20 ou 30 espectadores eram escolhidos para ficar e debater as reações que tinham tido. Os especialistas do estúdio tinham dois objetivos principais: primeiro, ver se o filme precisava ser modificado. Se os questionários indicassem que o público não tinha gostado do final, os marqueteiros pediam que o grupo focal explicasse melhor suas opiniões para podermos pensar em mudá-lo. “Achei inverossímil o herói sobreviver depois daquele tiroteio todo”, alguém podia dizer, ou então: “Queria que a filha dele tivesse aparecido mais uma vez para podermos ver o que aconteceu com ela.” Às vezes o público apontava questões nas quais você não tinha pensado enquanto filmava.
O segundo objetivo era buscar pistas de como posicionar o filme no mercado. Caso ficasse claro que a maior parte do público apreciava a ação, ele era classificado como filme de ação. Se as pessoas adorassem o menininho que aparecia no começo, ele entrava no trailer. Se reagissem bem a determinado tema – a relação da atriz principal com a mãe, por exemplo –, ele era enfatizado.
Eu gostava de assistir aos testes para ter o feedback das pessoas. Queria ouvir o que a plateia pensava sobre meu personagem, a qualidade da interpretação e o que gostariam de me ver fazer com mais ou menos frequência. Assim, sabia os pontos em que eu precisava me esforçar e que tipos de personagem devia interpretar dali para a frente. Muitos atores se baseiam no que diz o departamento de marketing, mas eu queria ouvir direto dos espectadores, sem intermediários. Escutar também me ajudava a ser mais eficaz na promoção. Se alguém dizia “Esse filme não é sobre vingança. É sobre superar obstáculos difíceis”, eu anotava essas informações para usá-las nas entrevistas à imprensa.
É preciso cultivar seu público e ampliá-lo a cada filme. Ao fim de todo trabalho, é fundamental ouvir parte da plateia dizer: “Veria outro filme com ele, sem dúvida.” São essas pessoas que vão dizer aos amigos: “Você tem que ver esse cara.” Dedicar o devido cuidado a um filme significa também prestar atenção na distribuição: os intermediários que convencem os donos das salas a exibir o seu filme, e não outro. Os distribuidores precisam saber que você não vai deixá-los trabalhar sozinhos. Assim, você vai à ShoWest, a convenção da Associação Nacional de Proprietários de Cinemas, em Las Vegas, para tirar fotos com os donos das salas, receber um troféu, fazer uma apresentação sobre o filme e participar da entrevista coletiva. Faz o que os distribuidores consideram importante, porque assim eles se esforçam ao máximo para pressionar as salas. Mais tarde na mesma semana, talvez um deles lhe telefone para dizer: “Sabe aquela apresentação que você fez outro dia? Só queria dizer quanto nos ajudou. Os donos daquela cadeia multiplex aceitaram nos dar duas salas de cada cinema, em vez de uma só, porque acharam que você estava promovendo o filme para valer, que acredita no filme, e porque prometeu ir ao lançamento na cidade deles.”
No início da minha carreira de ator, o mais difícil era entender que eu não podia controlar tudo. No fisiculturismo, tudo dependia de mim. Embora eu pudesse contar com a ajuda de Joe Weider e de meus parceiros de treino, tinha total controle sobre meu corpo, ao passo que no cinema você depende dos outros desde o começo. Quando o produtor o procura com um projeto, você confia nele para escolher o diretor certo. Quando chega a um set de filmagem, passa a confiar completamente no diretor e em uma série de outros profissionais. Aprendi que, quando eu trabalhava com um diretor do calibre de John Milius ou James Cameron, meus filmes eram um sucesso estrondoso, porque eu era bem dirigido. No entanto, se pegasse um diretor confuso ou que não tivesse uma visão convincente do filme, o resultado era um fiasco. Eu era sempre o mesmo Arnold, de modo que tudo dependia do diretor. Depois de entender isso, não pude mais me levar tão a sério, nem mesmo quando me cobriam de elogios. Não fui eu quem transformou O exterminador do futuro no sucesso que foi. O que fez a diferença foi a visão de James Cameron: ele escreveu o roteiro, ele dirigiu e ele tornou o filme excelente.
Cheguei a participar do processo decisório de vários filmes, com poder para aprovar o roteiro, o elenco e até mesmo para escolher o diretor. No entanto, minha regra era que, uma vez que este tivesse sido decidido, era preciso confiar nele completamente. Se você questionar tudo o que ele fizer, só vai criar dificuldade e provocar brigas. Muitos atores trabalham assim, mas eu não. Faço tudo o que posso para levantar informações sobre o diretor antes de a decisão ser tomada. Ligo para outros atores e pergunto: “Ele sabe lidar com estresse? Costuma gritar?” Depois que a escolha é feita, porém, é preciso seguir as decisões dele. Você pode até ter escolhido o cara errado, mas mesmo assim não pode passar o filme inteiro brigando com ele.
Em 1987, após apenas uma semana de filmagem de O sobrevivente, o diretor Andy Davis foi demitido. Os produtores e os executivos do estúdio montaram um golpe no set enquanto eu estava fora por alguns dias para promover os campeonatos de fisiculturismo em Columbus, Ohio, realizados durante a primavera. Quando voltei, já tinham substituído Andy por Paul Michael Glaser, que começara a dirigir programas na TV depois de ter sido ator de televisão. (Ele era o inspetor David Starsky da série de TV dos anos 1970 Starsky & Hutch – Justiça em dobro.) Nunca havia dirigido nenhum filme, mas estava disponível, então foi contratado.
Foi uma péssima decisão. Glaser era um cara de TV e trabalhou como se o filme fosse um programa televisivo, deixando escapar todas as temáticas mais profundas. História de ficção científica baseada em um romance de Stephen King, O sobrevivente articula-se em torno de uma visão de pesadelo dos Estados Unidos em 2017 – 30 anos no futuro em relação à data da filmagem. A economia está em recessão e o país se tornou um Estado fascista em que o governo usa a televisão e gigantescos telões instalados nos bairros para desviar a atenção das pessoas do fato de estarem todas desempregadas. Essa espécie de entretenimento público vai muito além de comédia, drama ou esporte. O programa mais popular é O sobrevivente, concurso ao vivo em que criminosos condenados têm uma chance de tentar fugir para a liberdade, mas são caçados e mortos em cena como animais. O protagonista é Ben Richards, policial condenado injustamente que acaba virando um “sobrevivente” na luta pela vida.
Para ser justo, a verdade é que Glaser não teve tempo de pesquisar ou pensar no que o filme tinha a dizer sobre a direção que o entretenimento e o governo americanos estavam tomando, ou o que significava chegar a ponto de literalmente matar pessoas diante das câmeras. Na televisão, você é contratado em uma semana e na seguinte já está filmando, e foi só isso que ele conseguiu fazer. Como consequência, O sobrevivente não teve um resultado tão bom quanto poderia. Com uma premissa boa como essa, deveria ter sido um filme de 150 milhões de dólares. Mas não: foi destruído completamente pela contratação de um diretor estreante no cinema que não teve tempo para se preparar.
JÁ FAZIA TANTO TEMPO QUE ROTEIROS de O vingador do futuro circulavam por Hollywood que as pessoas diziam que o projeto estava amaldiçoado. Dino de Laurentiis deteve os direitos por boa parte da década de 1980 e em duas ocasiões tentou produzir o filme – primeiro em Roma, depois na Austrália. Na época, era diferente do que acabou se tornando: menos violento e mais sobre a fantasia de fazer uma viagem virtual a Marte.
Fiquei bravo por Dino não me oferecer o trabalho, pois tinha dito a ele que gostaria de fazer o papel. Mas ele pensava diferente. Contratou Richard Dreyfuss para a tentativa em Roma e Patrick Swayze para a da Austrália. Enquanto isso, me chamou para Jogo bruto. Eles chegaram a construir estúdios na Austrália e estavam prestes a iniciar as filmagens de O vingador do futuro quando Dino começou a ter problemas financeiros. Isso já tinha acontecido várias vezes na sua carreira, e por essa razão ele precisou interromper alguns dos projetos.
Liguei para Mario Kassar e Andy Vajna, da Carolco, na época a produtora independente que mais crescia e que ainda estava colhendo os frutos dos filmes da série Rambo. Eles haviam bancado Inferno vermelho, e avaliei que seriam perfeitos para O vingador do futuro. Falei: “Dino está ficando sem dinheiro. Ele tem vários projetos ótimos, e tem um, especificamente, que eu quero muito fazer.” Eles agiram depressa, deram início a um ataque generalizado e compraram o filme de Dino em questão de dias. Eu era uma força motriz naquela época.
A questão, portanto, era quem iria dirigir. Alguns meses depois, eu ainda estava indeciso quando esbarrei com Paul Verhoeven em um restaurante. Nunca tínhamos sido apresentados, mas eu o reconheci de vista: um holandês magrelo, de olhar intenso, uns 10 anos mais velho que eu. Ele tinha boa reputação na Europa, e eu ficara impressionado com seus dois primeiros filmes em inglês, Conquista sangrenta, de 1985, e Robocop, dois anos depois. Fui até ele e falei:
– Adoraria trabalhar com você algum dia. Achei Robocop fantástico. E me lembro de Conquista sangrenta, que também era incrível.
– Eu também adoraria trabalhar com você – disse ele. – Talvez possamos encontrar um projeto.
No dia seguinte, liguei para ele: “Achei o projeto em que vamos trabalhar juntos.” E comecei a descrever O vingador do futuro. Em seguida liguei para a Carolco e disse: “Mandem o roteiro para Paul Verhoeven agora mesmo.”
Um dia depois, ele me disse que tinha adorado o roteiro, embora quisesse fazer algumas modificações. Isso era normal: todo diretor sempre quer fazer xixi no roteiro para marcar seu território. Mas Verhoeven deu sugestões inteligentes, que melhoraram muito a narrativa. Ele começou a pesquisar sobre Marte na mesma hora: como seria possível liberar o oxigênio preso nas rochas desse planeta? Tinha de haver um embasamento científico. Paul acrescentou uma dimensão de realismo e fatos científicos à história. Agora o controle do planeta dependia do controle do oxigênio. Muitas coisas que ele disse eram brilhantes. Paul tinha visão, tinha entusiasmo. Fizemos uma reunião com a Carolco para conversar sobre as mudanças e ele assinou o contrato para dirigir o filme.
Isso foi no outono de 1988. Começamos a trabalhar a todo o vapor no novo tratamento do roteiro, em seguida na escolha dos sets e por fim mergulhamos de cabeça na pré-produção. As filmagens começaram no final de março nos estúdios Churubusco, na Cidade do México, e passamos o verão inteiro rodando.
A escolha da Cidade do México deveu-se, em parte, à arquitetura: alguns dos prédios tinham exatamente o visual futurista que estávamos procurando. Como a qualidade das imagens de computação gráfica ainda não era muito boa, grande parte do trabalho tinha que ser feita no mundo real, encontrando a locação perfeita ou construindo sets em tamanho real ou em miniatura. A produção de O vingador do futuro era tão complexa que fazia Conan, o bárbaro parecer um filme em pequena escala. A equipe de mais de 500 pessoas fabricou 45 sets, que ocuparam oito galpões dos estúdios durante seis meses. Mesmo com a economia que fizemos trabalhando no México, o filme custou mais de 50 milhões de dólares, tornando-se a segunda produção mais cara da história até então, depois de Rambo III. Fiquei feliz por este ter sido produzido pela Carolco, pois isso significava que Mario e Andy não tinham medo de correr riscos.
O que me atraiu na história foi a ideia de uma viagem virtual. Eu faço o papel de Doug Quaid, um operário da construção civil que vê o anúncio de uma empresa chamada Rekall e vai até lá fazer as reservas para férias virtuais em Marte. “Para as lembranças de uma vida inteira”, dizia o anúncio, “Rekall, Rekall, Rekall”, em um jogo de palavras com o verbo em inglês recall, que significa recordar.
“Sente-se e fique à vontade”, diz o vendedor. Apesar de Quaid estar tentando poupar dinheiro, o vendedor, metido a espertinho, tenta fazer com que ele enriqueça o pacote básico com alguns extras. “Existe uma coisa que nunca mudou, em todas as férias que o senhor já tirou. O que é?”, pergunta ele.
Quaid pensa, pensa, mas nada lhe ocorre.
“O senhor! O senhor não muda nunca”, diz o vendedor. “Aonde quer que vá, está sempre ali. O mesmo de sempre.” Então, para incrementar a viagem, ele lhe oferece identidades alternativas. “Por que ir a Marte como turista se pode ir como playboy, ou como um jóquei famoso, ou então...”
Mesmo sem querer, Quaid vai ficando curioso e pergunta se poderia viajar como agente secreto.
“Ah”, responde o vendedor, “vou lhe dar uma provinha. O senhor é um agente de primeira linha, trabalhando em sua missão mais importante sob um disfarce que ninguém conhece. Todo mundo está tentando matá-lo. O senhor conhece uma mulher linda e exótica... Enfim, não quero estragar a surpresa, Doug. Mas não se preocupe: no final da viagem, o senhor fica com a gata, mata os vilões e salva o planeta.”
Adorei essa cena de um sujeito tentando me vender uma viagem que na realidade eu jamais faria – era tudo virtual. Depois, como se sabe, os cirurgiões que vão implantar o chip com as memórias de Marte no cérebro de Quaid encontram outro chip já implantado, e é um Deus nos acuda. Porque aquele homem, na verdade, não é Doug Quaid: é um agente do governo que antigamente servia nas colônias de mineração rebeldes de Marte e cuja identidade foi apagada e substituída pela de Quaid.
A história tem várias reviravoltas. Até o último minuto, não é possível saber ao certo se eu fiz mesmo essa viagem. Fui de fato o herói? Ou será que tudo aconteceu apenas dentro da minha cabeça e eu não passo de um operador de britadeira que talvez sofra de esquizofrenia? Mesmo no final, não dá para ter certeza absoluta. Para mim, isso era como a sensação que eu às vezes tinha de que minha vida era boa demais para ser verdade. Verhoeven soube como equilibrar as manipulações mentais com a ação. Há uma cena no filme em que Quaid, já em Marte, está em pé diante dos inimigos e eles começam a alvejá-lo à queima-roupa. Milhares de balas riscam o ar, e o espectador é arrebatado pelo suspense. De repente ele some, mas ouvimos sua voz chamando de algum lugar próximo: “Ha ha ha, estou aqui!” Os outros estavam atirando em um holograma dele próprio que Quaid havia projetado. Na ficção científica é possível fazer coisas desse tipo acontecerem, e ninguém jamais as questiona. Histórias desse tipo têm apelo internacional e são capazes de se fixar na memória do público. Se alguém assistisse a O vingador do futuro daqui a 20 anos, ainda iria sentir a mesma emoção, assim como Westworld: Onde ninguém tem alma preserva seu apelo até hoje. Os filmes futuristas com grandes cenas de ação e personagens verossímeis têm um poder de atração especial.
Foi uma produção difícil, cheia de cenas com dublês, acidentes, loucuras, tomadas noturnas, tomadas diurnas, poeira. Quando o set eram os túneis de Marte, porém, era um trabalho interessante. Verhoeven se saiu muito bem dirigindo a mim e os outros atores principais: Rachel Ticotin, Ronny Cox e Michael Ironside, além de Sharon Stone, que interpretava Lori, esposa de Quaid, na verdade uma agente do governo enviada para vigiá-lo. Ela o segue até Marte, arromba seu quarto e lhe dá um chute na barriga.
“Isso é por ter me feito vir a Marte”, diz ela. No final da cena seguinte, já está dizendo “Doug, você não me machucaria, não é, querido? Seja sensato, amor... Nós somos casados”, ao mesmo tempo que saca uma arma para matá-lo. Ele lhe dá um tiro na cabeça. “Pois considere isso um pedido de divórcio”, diz ele. Em que outro filme se pode fazer uma coisa destas: dar um tiro na cabeça de sua linda esposa e depois fazer piada? Nenhum. Pode esquecer. Essa é a maravilha da ficção científica. E é essa a maravilha da arte de interpretar.
Sempre será um desafio trabalhar com Sharon. Fora do set, ela é um encanto de pessoa, mas alguns atores simplesmente precisam de mais atenção. Foi complicado filmar uma das cenas mais violentas, porque eu tinha que segurá-la pelo pescoço e ela surtou: “Não toque em mim! Não toque em mim!” No início, pensei que provavelmente ela tinha sido criada como um bibelô e tentei compreender, mas era mais do que isso. Acabamos descobrindo que no passado ela sofrera uma séria lesão no pescoço. Acho que tinha até uma cicatriz.
“Sharon”, falei, “nós já ensaiamos no quarto do hotel. Paul estava lá, todo mundo estava lá, e nós repassamos cada cena. Por que você nunca comentou que eu deveria tomar cuidado nessa tomada do estrangulamento? Assim poderíamos ter contornado a situação aos poucos. Eu tocaria seu pescoço com delicadeza e você me diria quando poderia apertar mais um pouco e quando os movimentos poderiam ficar mais bruscos. Porque eu sou o primeiro a entender você.”
Paul conseguiu acalmá-la e Sharon aceitou refazer a cena. Ela queria que o filme fosse um sucesso. Só tínhamos que dar aquele passo difícil. Era assim e pronto.
Quando se é ator ou diretor, é preciso lidar com todos esses problemas. Ninguém levanta de manhã e diz “Eu hoje vou deixar todo mundo maluco no set”, ou “Vou boicotar as filmagens esta semana”, ou então “Hoje vou bancar a chata”. Cada um tem seus bloqueios e suas inseguranças, e com certeza atuar traz essas coisas à tona. Porque é você quem está sendo julgado, as suas expressões faciais, a sua voz, a sua personalidade, o seu talento – tudo tem a ver com você, e isso o torna vulnerável. Não é um produto que você fabricou nem um trabalho que realizou. Se alguém diz ao maquiador “Pode clarear um pouquinho este tom aqui? Estou com pó demais nesta parte”, ele responde “Ah, desculpe”, então limpa o pó e pronto. No entanto, se alguém diz “Pode parar de dar esse sorriso artificial quando estiver fazendo a cena? Tem alguma coisa estranha acontecendo com o seu rosto”, a sensação que você tem é que não sabe mais o que fazer com o próprio rosto e fica constrangido. Quem atua leva as críticas muito mais para o lado pessoal. Elas incomodam. Mas qualquer profissão tem as suas desvantagens.
APESAR DO FANTÁSTICO TRABALHO DE Verhoeven, O vingador do futuro quase fracassou antes de chegar às telas. O trailer exibido nas salas antes da estreia do filme era muito ruim. Ficou pobre e não transmitia todo o potencial e a estranheza do filme. Como sempre fazia, estudei todas as informações de marketing do estúdio, entre elas as “pesquisas de monitoramento”, que medem a expectativa em torno de um lançamento.
Os departamentos de marketing geram centenas de estatísticas, e o segredo é identificar de primeira os números realmente importantes. Os que mais me interessam são os do “awareness”, que avaliam a percepção e o desejo de assistir medindo a resposta do público às perguntas: “Nesta lista de próximos lançamentos, de quais você já ouviu falar? E a quais deseja assistir?” Se a resposta for: “Já ouvi falar em O vingador do futuro e em Duro de matar 2, e estou morrendo de vontade de assistir”, você sabe que seu filme vai alcançar uma nota boa. Obter algo em torno de 90% a 95% no item awareness significa que sua produção provavelmente vai estrear em primeiro lugar e faturar pelo menos 100 milhões de dólares nas bilheterias. Para cada ponto percentual abaixo disso, você pode perder 10 milhões de faturamento; é por isso que os estúdios e os diretores muitas vezes fazem ajustes de última hora nos filmes.
Outro indicador útil, o “awareness espontâneo”, mostra se as pessoas citam espontaneamente o seu filme entre os que sabem estar prestes a estrear. Alcançar cerca de 40% ou mais nesse item significa que você tem um trunfo nas mãos. Dois outros números também têm grande importância: “primeira opção”, que tem de atingir de 25% a 30% para garantir que a obra será bem-sucedida; e “interesse certo”, que precisa estar entre 40% e 50%.
No caso de alguns sucessos como Conan, o bárbaro, os números são promissores desde o início. Em outros casos, assinalam uma possível decepção. Foi o caso de O vingador do futuro. Mesmo após semanas de trailers e anúncios, o awareness ficou em torno de 40%, não 90%, a primeira escolha foi de apenas 10% e o lançamento não estava sendo citado entre os filmes aos quais os pesquisados “desejassem assistir”.
A essa altura, eu já sabia praticamente tudo o que havia para saber sobre marketing cinematográfico, mas não estava adiantando muita coisa. A origem do problema não era O vingador do futuro em si, mas a distribuidora TriStar Pictures, responsável por montar os trailers e cuidar da publicidade. Seus marqueteiros não sabiam como trabalhar o filme, e o estúdio estava em polvorosa. A TriStar e sua irmã Columbia Pictures encontravam-se em pleno processo de incorporação pela Sony e foram fundidas em um daqueles acordos gigantescos da década de 1980. Peter Guber e Jon Peters eram os novos diretores executivos que tinham chegado para supervisionar o processo todo, o que significava que muita gente da TriStar estava perdendo o emprego.
Na maioria dos casos, uma mudança na administração de um estúdio pode afundar um filme. Além de os novos contratados terem seus próprios projetos, em geral eles querem que os antigos diretores fiquem desacreditados. Mas esse problema não existiu com Guber e Peters, produtores de grande sucesso, porque eles eram muito ambiciosos. Pouco importava quem tivesse iniciado o projeto: os dois queriam que ele se tornasse bem-sucedido. Ao longo dos anos, eu passara a conhecer Guber bem o bastante para poder telefonar para ele e soar o alarme em relação a O vingador do futuro.
– Peter, faltam três semanas para a estreia e o awareness do filme não passou dos 40% – falei. – Para mim isso é um desastre.
– Qual é o problema? – indagou ele.
– O problema é que o seu estúdio está errando feio na campanha publicitária e nos trailers. Mas não precisa acreditar só na minha palavra. Quero que você e Jon assistam ao trailer e a uma sessão do filme. Eu os acompanho, e depois vocês me dizem o que acharam.
Então nos reunimos para ver O vingador do futuro e o trailer.
– É impressionante – comentou Peter. – O filme parece uma produção de 100 milhões de dólares, mas o trailer faz parecer que custou 20.
Ele estava a ponto de ligar para os marqueteiros da TriStar e dizer: “Quero ver grandeza, gente! Quero ver as incríveis cenas de ação que temos no filme!”, mas eu o impedi.
– Acho que temos que contratar alguém de fora – falei. – Não deixem mais o estúdio tomar essas decisões, porque eles só vão conseguir isso depois que vocês fizerem uma faxina, o que ainda não foi possível. A velha guarda continua lá. Entreguem o filme para uma empresa de marketing externa trabalhar. Vamos procurar as três maiores do ramo e abrir uma concorrência para ver qual delas consegue elaborar a melhor ideia.
Eles me escutaram, e marcamos reuniões com as três melhores. A Cimarron/Bacon/O’Brien, a primeira, foi ainda mais eficiente que eu ao apontar os erros no trailer do filme. Ela foi escolhida para trabalhar o lançamento e, no fim de semana seguinte, já havia novos trailers e uma campanha totalmente diferente na praça. A empresa começou a vender o filme com chamadas do tipo “Alguém roubou sua mente. Agora ele a quer de volta. Prepare-se para a melhor viagem da sua vida”, e “Se alguém roubasse a sua mente, como você iria descobrir?”. Os trailers enfatizavam as fantásticas cenas de ação e os efeitos especiais. A campanha surtiu efeito: em 14 dias, passamos de um awareness de 40% para 92%. Não se falava em outro filme na cidade. Apesar de nosso desentendimento por causa de Predador, Joel Silver me ligou e disse: “Fantástico! Fantástico! O filme vai deixar todo mundo de quatro.”
Dito e feito: O vingador do futuro não apenas abocanhou o primeiro lugar das bilheterias no fim de semana de estreia como bateu o recorde de melhor primeiro fim de semana de todos os tempos para uma não continuação. Arrecadamos 28 milhões de dólares nos primeiros três dias, e quase 120 milhões naquele ano só nos Estados Unidos. Hoje em dia, essas cifras passariam de 200 milhões, com o atual preço dos ingressos. O filme também fez enorme sucesso no exterior, arrecadando mais de 300 milhões de dólares. Ganhou um Oscar Especial pelos efeitos visuais. (É por meio do Oscar Especial que a Academia de Cinema premia um trabalho sem categoria estabelecida.) Paul Verhoeven teve uma visão de mestre e fez um trabalho incrível. Fiquei orgulhoso por meu interesse e minha paixão terem ajudado o filme a se realizar. No entanto, a experiência de O vingador do futuro mostra também a importância do marketing – a necessidade de informar as pessoas sobre do que trata a obra cinematográfica, de realmente instigá-las e fazê-las dizer: “Preciso assistir a esse filme.”