CAPÍTULO 23

Proposta política

AS PESSOAS ADORAVAM FAZER PIADA COM a possibilidade de eu entrar para a política. Durante um jantar com o seu secretariado em Sacramento, em 1994, o governador Pete Wilson me cumprimentou do pódio dizendo: “Arnold, eu gostaria de ver você concorrendo a governador. Um cara que atuou em Um tira no jardim de infância já possui a experiência necessária para lidar com o legislativo estadual.” Todo mundo riu. Mas a ideia de um astro de Hollywood se candidatar a governador não era tão absurda assim. Ronald Reagan já tinha aberto esse precedente.

No ano anterior, no filme de ficção científica O demolidor, o personagem de Sylvester Stallone ia parar, de repente, no ano de 2032. Quando ouviu alguém se referir à Biblioteca Presidencial Arnold Schwarzenegger, ele achou estranho. Candidatar-me a presidente estava fora de questão, já que eu não era um americano nato, como exige a Constituição. Mesmo assim, eu volta e meia tinha fantasias: e se minha mãe tivesse ficado animadinha no final da guerra e meu pai na verdade não fosse Gustav Schwarzenegger, mas sim um agente do governo americano? Isso explicaria minha forte sensação, desde sempre, de que os Estados Unidos eram meu verdadeiro lar. E se o hospital no qual ela dera à luz a mim estivesse situado na zona de ocupação americana? Isso não equivaleria a nascer em solo americano?

Eu considerava meu temperamento mais adequado ao cargo de governador que ao de senador ou deputado federal, já que, como governador – o principal cargo executivo –, eu seria o capitão do navio, e não um dos 100 senadores ou 435 deputados responsáveis por tomar decisões. É claro que nenhum governador toma resoluções sozinho, mas ele pode tentar implementar a própria visão na administração do estado, e pelo menos ter a sensação de que a palavra final é dele. É bem parecido com ser protagonista de um filme. Você leva a culpa por tudo, mas também leva todo o crédito. Riscos altos, grandes recompensas.

A lealdade e o orgulho que eu sentia da Califórnia eram enormes. Meu estado de adoção é maior do que muitos países. Tem 38 milhões de habitantes, quatro vezes mais que a Áustria. Tem 1.300 quilômetros de comprimento e 400 de largura. É fácil percorrer de bicicleta alguns dos estados menores dos Estados Unidos, mas, se você quiser atravessar a Califórnia, talvez seja melhor fazer isso montado em uma Harley e arrumar uma maneira mais moderada de se exercitar. A Califórnia tem montanhas espetaculares, 1.350 quilômetros de litoral, florestas de sequoias, desertos, terras cultivadas e vinhedos. A população fala mais de 100 idiomas diferentes. Além disso, o estado movimenta uma economia de 1,9 trilhão de dólares – maior que a do México, da Índia, do Canadá ou da Rússia. Quando o G20 reúne as 20 maiores economias do mundo para tomar decisões, um representante da Califórnia deveria estar sentado à mesa.

Ao longo dos anos desde minha chegada a Los Angeles, o estado havia passado por fases de crescimento rápido e por outras em que o progresso foi mais lento. De modo geral, porém, havia prosperado, e eu me considerava um feliz beneficiário dessa riqueza. Do ponto de vista político, assim como muitos imigrantes de sucesso, eu era conservador: desejava que os Estados Unidos continuassem a ser o bastião da livre iniciativa e queria fazer tudo o que pudesse para proteger o país de seguir a Europa no caminho da burocracia e da estagnação. Quando eu morava lá, o continente era assim.

A década de 1990 tinha sido próspera e a Califórnia agora tinha seu primeiro governador democrata desde meados dos anos 1980: Gray Davis. Ao assumir o governo, em 1999, ele começara seu mandato com força, expandindo o ensino público e melhorando as relações com o México. Era um cara magrelo, reservado e sem muito talento para falar em público, mas seus programas eram populares e ele tinha um grande excedente orçamentário com o qual trabalhar, oriundo em grande parte do boom do Vale do Silício nas décadas de 1980 e 1990. Seu índice de aprovação entre os eleitores era alto, por volta de 60%.

Os problemas começaram com o estouro da bolha da internet. Em março de 2000, pouco antes de eu terminar de rodar O sexto dia, ficção científica sobre a clonagem de humanos, a bolha das empresas on-line estourou e a bolsa de valores iniciou seu pior declínio em 20 anos. Uma baixa significativa no Vale do Silício era má notícia para o estado, pois a arrecadação de impostos iria cair e muitas decisões difíceis teriam que ser tomadas em relação a serviços públicos e empregos. A Califórnia tem uma arrecadação bastante expressiva com o Vale do Silício. Se essas empresas caem 20%, isso acaba gerando um impacto de 40% nos cofres públicos. Foi por esse motivo que recomendei que o excedente de arrecadação dos anos de crescimento fosse usado para investir em infraestrutura, saldar dívidas ou constituir um fundo emergencial que ajudasse a atravessar os anos economicamente difíceis. Comprometer capital em programas que exijam um nível de gastos equivalente ao de um período de crescimento é um erro grave.

Além do estouro da bolha, houve também a crise de energia de 2000 e 2001: primeiro o preço da energia elétrica em San Diego triplicou, depois houve escassez de energia e apagões em torno de São Francisco que ameaçaram afundar todo o estado. O governo parecia paralisado: os reguladores estaduais e federais ficaram jogando a culpa uns nos outros em vez de agir, enquanto os intermediários – encabeçados pela atualmente mal-afamada empresa de energia Enron, de Houston – passaram a racionar o fornecimento no intuito de gerar uma explosão nos preços. Em dezembro de 2000, Gray Davis fez um gesto simbólico ao desligar as luzes da árvore de Natal da capital logo depois de acendê-las, para lembrar à população a importância de poupar energia e se preparar para o racionamento no ano seguinte. Detestei a imagem da Califórnia que esse gesto transmitiu: parecíamos um país em desenvolvimento, não o estado de ouro dos Estados Unidos. Fiquei com raiva. Era essa nossa reação à crise de energia? Apagar as luzes da árvore de Natal? Que burrice! Eu entendia que tinha sido um gesto simbólico, mas não estava interessado em símbolos. Para mim o importante era a ação.

Grande parte disso não foi culpa de Gray Davis – a economia estava atravessando uma fase ruim e pronto. No entanto, na metade de seu mandato a população começou a achar que ele estaria vulnerável quando se candidatasse à reeleição, em 2002, e seu índice de aprovação logo começou a cair. Eu me sentia tão frustrado quanto o restante das pessoas. Quanto mais lia sobre a Califórnia, mais tinha a impressão de que só havia más notícias. Peguei-me pensando: “Não podemos continuar assim. Precisamos de uma mudança.”

Tudo isso influenciou meu antigo debate mental sobre qual deveria ser meu próximo desafio. Será que eu deveria virar produtor de cinema? Ou será que deveria produzir, dirigir e atuar, como Clint Eastwood? Será que deveria virar artista plástico, agora que voltara a travar contato com meu amor pela pintura? Eu não estava com pressa para resolver essas questões – sabia que, no devido tempo, elas acabariam tomando forma em minha mente. Mesmo assim, continuei obedecendo à minha antiga disciplina de estabelecer objetivos concretos a cada virada de ano. Na maioria das vezes, o filme no qual eu estava trabalhando encabeçava a lista. Nesse ano, porém, embora eu estivesse comprometido com alguns projetos – entre os quais O exterminador do futuro 3 –, não havia nada realmente agendado. Assim, em 1o de janeiro de 2001, escrevi no topo da minha lista: “Explorar a possibilidade de concorrer ao governo do estado em 2002”.

Na manhã seguinte mesmo, marquei um encontro com um dos maiores consultores políticos da Califórnia, Bob White, chefe de gabinete de Pete Wilson por quase três décadas, inclusive durante os oito anos dele como governador. Bob era o cara que tinha feito os trens partirem no horário e era considerado um dos mais influentes republicanos de Sacramento. Eu o conhecia de muitos eventos beneficentes e jantares ao longo dos anos. Quando ele saíra do governo, eu perguntei se poderíamos continuar em contato.

Naturalmente, contratar Bob e sua equipe de estrategistas e analistas não significava que eu fosse ter o apoio do Partido Republicano. Para os chefões do partido, eu era centrista demais. Sim, eu era conservador do ponto de vista fiscal, a favor do empreendedorismo e contrário ao aumento da carga tributária, mas todos sabiam que eu defendia também o direito ao aborto, os gays, o meio ambiente, um controle sensato da venda de armas e um sistema razoável de proteção social. Muitos republicanos conservadores também ficavam incomodados por meu vínculo com os Kennedy, incluindo a admiração que eu nutria por meu sogro, que consideravam um forte exemplo de cobrador de impostos e gastador de dinheiro público. Era quase possível ouvi-los pensar: “Claro, é disto mesmo que precisamos: primeiro virão Arnold e sua mulher liberal, em seguida sua sogra e seu sogro, depois Teddy Kennedy, e por fim todos eles. Um verdadeiro Cavalo de Troia.” Os líderes do partido apreciavam o fato de eu ajudar a angariar fundos e falar sobre seus candidatos e a filosofia republicana durante as campanhas, mas sempre diziam apenas: “Foi ótimo, muito obrigado por ter ajudado.” Não acho que eles algum dia tenham nutrido real simpatia por mim.

No entanto, não foi por isso que procurei Bob e seus sócios. O que eu queria era uma avaliação completa e profissional do potencial que tinha para me candidatar e vencer, acompanhada por pesquisas e estudos que a sustentassem. Embora já tivesse participado de campanhas, também queria saber o que era realmente necessário para se concorrer a um cargo público, uma vez que não era um candidato típico. Quantas horas teria que gastar em campanha? Quanto dinheiro teria que arrecadar? Qual seria o tema da minha eventual campanha? Como manter meus filhos longe dos holofotes? O fato de Maria fazer parte de uma família democrata era um trunfo ou uma desvantagem?

Minha mulher não soube que eu tinha procurado Bob. Já lera sobre minha possível candidatura nos jornais e me vira cogitar a ideia, mas imaginara que eu jamais fosse aguentar uma agenda de político, com 20 reuniões por dia, nem aturar a bobajada habitual que se precisa engolir quando se faz parte da política. Tenho certeza de que estava pensando: “Ele ama demais a vida. Segue o princípio do prazer, não do sofrimento.” Eu não disse a ela que estava considerando seriamente uma candidatura porque não queria que isso virasse um assunto interminável em casa.

Os consultores logo determinaram meus pontos fortes e meus pontos fracos como candidato. O fator Ronald Reagan era a maior vantagem de todas. Ele havia mostrado que o entretenimento é capaz de atravessar as fronteiras entre partidos: as pessoas não apenas sabem quem você é como prestam atenção em qualquer coisa que você diga, sejam elas democratas, republicanas ou independentes – contanto que cumpra o que prometeu. O governador Pat Brown e seus conselheiros políticos erraram feio na avaliação do poder da fama quando Reagan o derrotou em 1966, e acho que os políticos ainda têm dificuldade para acreditar nesse poder. Quando George Gorton, principal estrategista de Pete Wilson, acompanhou-me em um evento em prol das atividades extracurriculares no Hollenbeck Youth Center, ficou abismado ao encontrar 19 equipes de TV a postos para documentar minha visita para os noticiários da noite. Havia pelo menos uma dúzia de câmeras a mais do que ele costumava ver para o próprio governador nesse tipo de evento.

A primeira pesquisa que eles fizeram, com 800 eleitores da Califórnia, chegou ao resultado misto já esperado. Todos os eleitores sabiam quem eu era e 60% tinham uma imagem positiva de mim – isso era uma vantagem. No entanto, quando tiveram que escolher entre mim e Gray Davis para governador, as pessoas optaram por ele em uma proporção de mais de dois contra um. Eu não era sequer candidato, claro, mas estava muito, muito longe de ser favorito. Os consultores listaram as desvantagens óbvias: embora eu tivesse uma filosofia forte e muitas opiniões, meu conhecimento sobre questões como emprego, ensino, imigração e meio ambiente não era muito profundo. Além do mais, eu não dispunha de nenhuma organização para angariar fundos, nem de equipe política, nem de experiência no contato com jornalistas especializados, sem falar no fato de nunca ter sido eleito para nada.

Uma dúvida que surgiu foi se eu deveria concorrer ao cargo de governador em 2002 ou aguardar até 2006. Esperar daria mais tempo para me firmar como candidato aos olhos dos californianos. George Gorton sugeriu que, fosse a minha candidatura quando fosse, uma boa forma de estabelecer sua base seria fazer campanha para uma proposta de votação popular. Entre todos os estados americanos, a Califórnia é famosa por sua tradição de “democracia direta”. Segundo a Constituição estadual, o legislativo não é o único responsável pela criação das leis; o povo também pode fazer isso de forma direta, levando propostas a voto durante os pleitos estaduais. Esse sistema de propostas de votação popular remonta a Hiram Johnson, lendário governador da Califórnia de 1911 a 1917, e depois senador por quase 30 anos. Johnson o usou para diminuir o poder de um legislativo corrupto controlado pelas grandes empresas ferroviárias. A mais célebre aplicação contemporânea do sistema de votação popular foi na revolta fiscal de 1978. Nesse ano, os eleitores californianos aprovaram a Proposta 13, emenda constitucional oficialmente intitulada “Proposta Popular para Limitar a Carga Tributária sobre Bens Imobiliários”. Na época, fazia apenas 10 anos que eu morava nos Estados Unidos, e lembro que fiquei maravilhado com o fato de cidadãos comuns poderem limitar os poderes de um estado.

Gorton comentou que, se eu patrocinasse uma proposta de votação popular, poderia me apresentar aos eleitores sem ter que me candidatar imediatamente a governador. Isso me daria motivo para criar uma organização, promover eventos beneficentes, constituir alianças com grupos importantes, conversar com jornalistas e fazer comerciais na TV. Se a proposta fosse aprovada, isso mostraria que eu era capaz de conseguir votos em todo o estado.

Antes de encarar qualquer um desses desafios, porém, Bob e os colegas acharam melhor me alertar sobre a situação em que eu estava me metendo. Apesar de eu estar pagando pelos seus serviços, eles eram caras ambiciosos e queriam ter certeza de que não estavam desperdiçando seu tempo em uma campanha movida pela simples vaidade de um astro de Hollywood. Na realidade, eles pediram ao ex-governador Wilson que me transmitisse essa mensagem pessoalmente. Em março de 2001, ele conduziu uma sessão estratégica de quatro horas no meu escritório. Disse que torcia para que eu me candidatasse e que eu já começara a formar uma boa equipe para conseguir ser eleito. Mas disse também: “Você tem que ser realista em relação ao impacto que isso vai ter na sua vida, na sua família, nas suas finanças e na sua carreira.” Ele então circulou a mesa e cada consultor foi citando mudanças que iriam ocorrer na minha vida. O estrategista político Don Sipple falou sobre como Eisenhower e Reagan tinham feito a transição para a vida política com sucesso, enquanto Ross Perot e Jesse Ventura haviam fracassado. Perot, um empresário texano, surgira do nada em 1992 para concorrer à presidência como candidato independente e conseguira impressionantes 19,7 milhões de votos, quase um em cada cinco computados na eleição daquele mês de novembro. Ventura, ex-lutador profissional e meu ex-colega de elenco em Predador e O sobrevivente, estava no meio de um mandato frágil como governador de Minnesota, que não tentaria renovar.

A diferença entre os que se adaptavam e os que não se adaptavam à carreira política, segundo Gorton, era a disposição para o comprometimento total. Os outros consultores disseram que eu teria que aguentar críticas jamais imaginadas da imprensa, que precisaria me tornar especialista em assuntos politicamente controversos e que necessitaria obter contribuições para a campanha. O orgulho que eu sentia de minha independência financeira era tamanho que eles perceberam quanto esse último obstáculo seria difícil para mim.

O que mais me deixou surpreso, porém, foi o nível de entusiasmo na sala. Pensei que todos fossem me dizer que aquele não era um bom caminho para mim e que talvez eu devesse tentar ser embaixador ou algo do tipo. Tinha sido assim que as pessoas na Áustria haviam reagido quando eu afirmara que queria ser campeão de fisiculturismo. “Na Áustria, as pessoas viram campeãs de esqui”, disseram. E os agentes de Hollywood tinham tido a mesma reação quando eu dissera que pretendia me tornar ator. “Por que você não abre uma academia?”, perguntaram. Mas eu podia ver que aqueles especialistas em política não estavam simplesmente me dando falsas esperanças. Eles me conheciam graças à campanha que eu fizera por Wilson. Sabiam que eu era engraçado. Sabiam que era bom orador. Eles me viam como uma possibilidade concreta.


AO LONGO DAS SEMANAS SEGUINTES, passei bastante tempo viajando: fui a Las Vegas para participar dos Inner-City Games – uma iniciativa para afastar os jovens das gangues de rua, das drogas e da violência –, depois a um evento de divulgação do Hummer em Nova York, em seguida visitei Guam, a colônia americana na Micronésia, participei de uma estreia de filme em Osaka, no Japão, e passei a Páscoa com Maria e as crianças em Maui, no Havaí. Nos intervalos, porém, comecei a sondar alguns amigos. Fredi Gerstl, meu mentor na Áustria, manifestou total apoio. Na sua opinião, não havia nada mais difícil que ser um bom líder político – eram vários interesses envolvidos, muitos eleitores, diversos obstáculos inerentes. Era como ser capitão do Titanic em comparação com pilotar uma lancha. “Se você gosta de desafios, esse é o maior que existe”, declarou ele. “Vá em frente.”

Paul Wachter, meu consultor financeiro, disse que não havia ficado surpreso – já sentira, no último ano, que eu estava ficando inquieto –, mas se sentiu obrigado a me lembrar do dinheiro do qual eu teria que desistir caso mudasse de carreira. Ele gostava muito de ver os cachês de 25 milhões de dólares do cinema entrando. Observou que, caso eu fosse eleito, teria que abrir mão de dois filmes por ano, que me pagariam no mínimo 20 milhões cada um, e além disso gastar milhões de dólares da minha própria fortuna em despesas pessoais que não seriam dedutíveis dos impostos. Não era exagero dizer que o custo total para o meu próprio bolso, em dois mandatos, poderia ultrapassar os 200 milhões de dólares.

Outro amigo próximo com quem eu queria conversar era Andy Vajna. Junto com seu sócio, Mario Kassar, ele havia produzido O vingador do futuro e O exterminador do futuro 2, e detinha os direitos para fazer O exterminador do futuro 3. Andy é húngaro-americano, imigrante como eu, e além de ser bem-sucedido em Hollywood tem cassinos na Hungria e outros negócios nos Estados Unidos. Afora isso, já havia trabalhado no governo de seu país natal e era próximo de Victor Orbán, que se tornara primeiro-ministro. Para mim, Andy e Mario faziam parte do meu gabinete informal em Hollywood para debater ideias. Portanto, eu queria sondá-los em relação à possibilidade de me candidatar a governador e, caso eles se mostrassem animados, pretendia lhes pedir uma boa quantia para a campanha, depois fazê-los sair por aí solicitando contribuições de outros produtores.

Em abril de 2001, quando fui a seu escritório falar sobre isso, não esperava que eles fossem mencionar O exterminador do futuro 3. Eu havia assinado uma espécie de “pré-acordo” para estrelar o filme caso ele um dia viesse a ser feito, mas o projeto passara muitos anos no limbo. Em determinado momento, Andy e Mario chegaram a perder os direitos e tiveram que comprá-los de volta no tribunal de falências. Jim Cameron começara a tocar outros projetos e, até onde eu sabia, eles ainda não tinham diretor nem roteiro. Mesmo assim, quando comecei meu discurso sobre política, peguei-os olhando para mim como quem diz: “Como assim? Candidato a governador?”

Na realidade, O exterminador do futuro 3 estava bem mais adiantado do que eu pensava. Havia um roteiro quase pronto, e não era só isso: eles já tinham fechado acordos de merchandising e distribuição internacional no valor de dezenas de milhares de dólares. O plano era começar a produção dali a um ano. Andy se mostrou ponderado e simpático, mas firme.

– Se você pular fora, vou ser processado, pois nós vendemos os direitos com a condição de ter você no papel principal – explicou. – Você é a última pessoa que eu quero processar, mas, se eu for acionado na justiça, vou ter que fazer isso, porque não tenho dinheiro para pagar toda essa gente. E as indenizações? Vai ser uma quantia estratosférica.

– Está bem, entendi – falei.

Tenho orgulho de sempre conseguir equilibrar várias tarefas, mas até eu podia ver que me candidatar a governador e fazer o filme ao mesmo tempo seria impossível. As pessoas iriam pensar que eu era um idiota completo.

E agora? Eu continuava querendo fazer algo na política. Na verdade, estava louco por isso. Assim, quando voltei a reunir minha equipe de consultores e lhes contei que não poderia me candidatar, disse-lhes para não pararem. Falei que, em vez da candidatura, faríamos uma proposta de votação popular. Eles se mostraram céticos – era difícil imaginar como alguém poderia dar conta de um filme e de uma campanha de votação popular ao mesmo tempo. Para mim, não era nada diferente do que eu passara a vida inteira fazendo: havia cursado a faculdade enquanto era campeão de fisiculturismo; casara-me com Maria no meio das filmagens de Predador; rodara Um tira no jardim de infância e O exterminador do futuro 2 e lançara a cadeia Planet Hollywood enquanto era o tsar presidencial da boa forma. Para completar, tinha uma visão clara da questão que desejava defender.

Ter trabalhado no President’s Council on Physical Fitness and Sports me tornara consciente do problema de milhões de crianças que, depois da escola, ficavam sem ter o que fazer. A maior parte dos crimes cometidos por jovens ocorre entre as três e as seis horas da tarde. É nesse período que as crianças ficam propensas a fazer besteira, se prostituir, entrar para gangues e experimentar drogas. Os especialistas afirmavam que estávamos perdendo nossas crianças não porque elas fossem más por natureza, e sim porque lhes faltava supervisão. Havia muito tempo que policiais e educadores faziam campanha em prol de programas extracurriculares que proporcionassem uma alternativa às gangues e um lugar para ajudar as crianças com os deveres de casa, mas os legisladores do estado nunca lhes deram ouvidos. Assim, policiais e educadores se tornaram meus primeiros aliados.

Como parte da expansão dos Inner-City Games, eu havia criado uma fundação para transformar a competição em um movimento de âmbito nacional. Para comandá-la, recrutara uma grande amiga minha e de Maria, Bonnie Reiss. Bonnie é uma nova-iorquina poderosa, de cabelos negros encaracolados, engraçada, de fala rápida, e quase tão obcecada por conduzir iniciativas quanto Eunice. Ela e Maria se conheceram quando minha mulher estava na faculdade e Bonnie estudava direito e trabalhava como estagiária para Teddy Kennedy. As duas se mudaram juntas para Los Angeles a fim de trabalhar na campanha presidencial de Teddy em 1980. Mais tarde, Bonnie fundou uma influente organização sem fins lucrativos chamada Earth Communications Office, focada em arrecadar dinheiro para questões ambientais, tornando-se basicamente a principal figura de Hollywood na área ambiental. Bonnie também era grande fã dos Inner-City Games e agarrou a chance de divulgar essa iniciativa.

Los Angeles se destacava não apenas por ser a sede dos Inner-City Games, mas também como a única metrópole a ter programas extracurriculares em todos os seus 90 estabelecimentos de ensino fundamental. Fui consultar a responsável por isso, uma dinâmica pedagoga chamada Carla Sanger. Depois de ouvir um milhão de perguntas minhas, ela sugeriu: “Por que você não cria programas desse tipo nas escolas de ensino médio também?” Assim, Bonnie e eu começamos a arrecadar fundos para isso. Nosso plano era levar os programas extracurriculares dos Inner-City Games a quatro escolas em 2002 e expandir as atividades a partir daí.

Em pouco tempo, contudo, percebi que a tarefa era ambiciosa demais. Jamais conseguiríamos dinheiro suficiente para criar um programa em cada escola de ensino fundamental e médio que precisasse. Pior ainda: Los Angeles era apenas uma cidade em um estado com cerca de 6 mil escolas e 6 milhões de alunos.

Quando você depara com um problema de proporções tão gigantescas, às vezes o governo precisa ajudar. No entanto, Carla me disse que havia tentado diversas vezes lutar pela causa em Sacramento, mas não fora bem-sucedida. Os funcionários e legisladores do estado simplesmente não consideravam os programas extracurriculares importantes. Verifiquei a informação com alguns senadores do estado e conhecidos meus na Assembleia e eles a corroboraram.

Assim, só nos restava uma alternativa: apresentar a questão diretamente à população da Califórnia em uma proposta de votação popular. Vi nessa ideia uma chance para melhorar a vida de milhões de crianças e, ao mesmo tempo, começar a me envolver na política estadual. Embora não fosse a hora certa para me candidatar a governador, comprometi-me a passar o ano seguinte fazendo campanha pelo que viria a ser conhecido como Proposta 49, a Lei do Programa de Educação e Segurança Extracurricular de 2002.

Contratei George Gorton como administrador da campanha, além de outros integrantes do círculo íntimo de consultores de Pete Wilson, e eles montaram um quartel-general no andar abaixo do meu escritório, espaço anteriormente alugado pelo ator Pierce Brosnan e sua produtora. Logo eles começaram a fazer levantamentos junto a eleitores, estudar as questões envolvidas, preparar listas de doadores e contatos na imprensa, comunicar-se com outras organizações, planejar eventos públicos e de coleta de assinaturas e assim por diante. Eu era como uma esponja que absorvia tudo isso.

Em minha carreira de ator, sempre havia ficado muito atento a grupos focais e levantamentos quantitativos. Quando se trata de política, naturalmente, as pesquisas de opinião têm um papel ainda mais importante. Senti-me totalmente à vontade com isso. Don Sipple, especialista em comunicação política, me fez sentar em frente a uma câmera e passar horas falando. As fitas foram editadas em segmentos de três minutos para serem exibidas a grupos focais de eleitores. O objetivo era descobrir que temas e traços da minha personalidade atraíam as pessoas e quais poderiam desagradá-las. Aprendi, por exemplo, que quase todos ficavam impressionados com meu sucesso empresarial. No entanto, quando eu mencionava na gravação que Maria e eu morávamos em uma casa relativamente modesta, os integrantes do grupo focal achavam que eu era maluco.

Nesse outono, eu havia reservado duas semanas para divulgar meu mais novo filme de ação, Efeito colateral, cujo lançamento estava marcado para 5 de outubro. Esse fora apenas um das centenas de planos que tiveram que ser mudados na esteira do 11 de Setembro de 2001. Em qualquer outro ano, teria sido um filme de entretenimento empolgante, com um orçamento milionário; depois dessa data fatídica, no entanto, simplesmente não funcionou mais. Eu interpreto um bombeiro veterano de Los Angeles chamado Gordy Brewer, cuja mulher e filhos morrem por engano em um atentado terrorista no consulado colombiano no centro da cidade. Quando Brewer assume a missão de vingar suas mortes, descobre e frustra um complô narcoterrorista muito mais amplo, envolvendo o sequestro de um avião de carreira e um ataque de grandes proporções a Washington. Depois do 11 de Setembro, a Warner Bros. cancelou a estreia e reeditou o filme para eliminar o sequestro do avião. Mesmo assim, quando Efeito colateral estreou, em fevereiro do ano seguinte, pareceu uma história ao mesmo tempo irrelevante e dolorosa de assistir à luz dos acontecimentos reais. A ironia foi que, durante a realização do filme, os produtores discutiram muito para saber se a profissão de bombeiro era suficientemente durona para um herói de ação, dúvida que a bravura real no Marco Zero eliminou para sempre.

Aprendi que formular uma proposta de lei que não desagrade às pessoas nem cause brigas ou resistências desnecessárias é uma verdadeira arte. Para impedir que as atividades extracurriculares prejudicassem programas existentes dos quais as pessoas gostavam, por exemplo, planejamos que eles só começariam em 2004, e só se a economia da Califórnia tivesse recomeçado a crescer e a receita anual do estado houvesse aumentado em 10 bilhões de dólares. Para conter o custo total, nós as transformamos em um programa de bolsas ao qual as escolas tinham que se candidatar e nos certificamos de que distritos ricos que já possuíssem iniciativas do tipo tivessem que esperar na fila atrás dos que não podiam arcar com seus custos.

Entretanto, quando especialistas em educação estimaram o custo anual do projeto – 1,5 bilhão de dólares –, ficamos todos estarrecidos. Mesmo em um estado com receita anual de 70 bilhões, era muito mais do que os eleitores iriam aprovar. Assim, antes mesmo de começar a campanha, diminuímos a proposta para contemplar apenas as escolas de ensino fundamental, deixando de fora as de ensino médio. Foi uma decisão difícil, mas era necessário abrir mão de alguma coisa, e as crianças mais jovens eram mais vulneráveis e precisavam mais dos programas. Esse corte fez o custo cair mais de 1 bilhão.

Antes de apresentar a proposta, no final de 2001, no entanto, distribuímos o texto e preparamos apresentações para sindicatos e grupos específicos: professores, diretores de escola, câmaras de comércio, agentes da segurança pública, juízes, prefeitos e outros membros da administração pública. Queríamos formar a maior coalizão que pudéssemos – e criar o menor número possível de inimigos. Exatamente como Pete Wilson previra, a parte de angariar fundos foi difícil para mim no início. O motivo pelo qual eu queria ser rico era nunca ter que solicitar dinheiro a ninguém – isso ia contra a minha índole. Quando fiz o primeiro pedido de contribuição, cheguei a suar. Disse a mim mesmo que na verdade quem estava angariando dinheiro não era eu, mas a causa.

Esse primeiro telefonema foi para Paul Folino, empresário da área de tecnologia e partidário da campanha de Wilson. Após uma conversa curta e cortês, ele doou 1 milhão. Meu segundo telefonema foi para Jerry Perenchio, produtor e empreendedor que acabou virando proprietário da rede de TV em língua espanhola Univision e em seguida a vendeu por 11 bilhões de dólares. Eu o conhecia pessoalmente. Ele prometeu levantar mais 1 milhão. Fiquei no paraíso com essas ligações; meu alívio ao desligar o telefone foi imenso. Então falei com mais algumas pessoas e pedi 250 mil dólares a cada uma delas. Terminei o dia muito empolgado.

No dia seguinte, fui pedir dinheiro a Marvin Davis em sua sala no arranha-céu dos estúdios Fox. Ele devia pesar uns 200 quilos.

– Em que posso ajudar? – perguntou.

Eu já tinha feito filmes pela Fox, e o produtor de Predador era filho de Davis. Expus a proposta inteira para ele, explicando com grande entusiasmo o que eu podia fazer pela Califórnia. No entanto, quando ergui os olhos das minhas anotações, ele estava dormindo! Esperei que tornasse a abrir os olhos, então falei:

– Concordo totalmente, Marvin, precisamos ter responsabilidade fiscal.

Ele podia dormir quanto quisesse, contanto que fizesse o cheque. Mas o que ele disse foi:

– Deixe-me conversar com meu pessoal. Nós entramos em contato com você. Muito corajosa, essa sua proposta.

É claro que ele nunca ligou.

Paul Folino logo bolou uma solução para me deixar mais à vontade ao pedir dinheiro: sugeriu que promovêssemos eventos beneficentes discretos, como jantares e pequenas recepções. Descobrimos que, assim que eu me via em um ambiente informal no qual pudesse conversar, conseguia passar o chapéu com grande eficácia.

Adorei buscar novos aliados. Em novembro, levei nosso rascunho da Proposta 49 para John Hein, líder político da California Teachers Association (Associação de Docentes da Califórnia), o mais forte sindicato do estado. John estava acostumado a ouvir pessoas lhe pedirem favores. Como em geral republicanos e sindicalistas não se bicam, não esperava que ele se mostrasse muito receptivo. Assim, quando comecei meu discurso, falei logo de cara: “Vocês não têm que nos dar dinheiro. Se seu sindicato apoiar nossa proposta, não precisam doar 1 milhão de dólares para o financiamento nem nada do tipo. Eu me encarrego de levantar a quantia necessária. Mas nós queremos entrar nessa junto com vocês.” Também assinalei que programas extracurriculares não apenas ajudam as crianças, mas também reduzem a pressão sobre os professores.

Para minha felicidade, ele aprovou nossa ideia. Na verdade, recomendou apenas duas mudanças na proposta, das quais a mais importante foi que incluíssemos alguma referência à contratação de professores aposentados. Não era algo que eu quisesse incentivar muito, porque crianças se relacionam melhor com jovens, sobretudo depois de um dia inteiro na escola com os professores. Elas querem orientadores de calça jeans e cabelos espetados, que possam fazer o papel de figura paterna e materna, mas sem ter o mesmo visual. No entanto, o pedido não era nada de mais, então fechamos o acordo. No final das contas, saiu tudo como queríamos, porque são poucos os professores aposentados dispostos a voltar ao trabalho.


PELOS PADRÕES NORMAIS, O INÍCIO de um ano eleitoral é cedo demais para apresentar aos eleitores uma proposta de votação popular, uma vez que a população só vai às urnas em novembro. No entanto, eu tinha que conciliar a Proposta 49 com O exterminador do futuro 3, cujas filmagens estavam prestes a começar. Assim, começamos nossa campanha no final de fevereiro, um pouco antes das primárias do estado da Califórnia. Em vez de uma coletiva de imprensa maçante, fiz uma turnê de dois dias por várias cidades do estado com comícios, crianças e muita emoção, para garantir que aparecêssemos na TV e conquistássemos mais apoio.

Depois disso, voltamos ao lento e árduo trabalho de estabelecer alianças e arrecadar fundos. Assim como o fisiculturismo, uma campanha política consiste essencialmente em repetições, repetições e mais repetições. Reuni-me com associações de pais e professores, conselhos municipais, grupos de contribuintes e a Associação Médica da Califórnia. Foi então que percebi que obter doações diretamente em um set de filmagem era uma vantagem imensa e que O exterminador do futuro 3 era a melhor oportunidade de fazer isso. As pessoas adoravam ir conferir os efeitos especiais, ver as armas serem carregadas, assistir às explosões. Às vezes eu conduzia as reuniões ainda maquiado. Um colunista do LA Times me entrevistou certo dia quando o Exterminador acabara de sair de uma briga. Cerca de um quarto do meu rosto e couro cabeludo estava coberto de sangue e todo arrebentado, deixando à mostra minha caixa craniana de titânio. Foi engraçado conversar sobre escolas de ensino fundamental desse jeito.

O procurador-geral da Califórnia, Bill Lockyer, também foi às filmagens me encontrar, e ele era democrata! Eu já o conhecia da época de O exterminador do futuro 2, quando ele era senador estadual e nos ajudara a conseguir autorização para rodar em San José a cena em que o T-1000 pula de moto por uma janela do segundo andar direto para dentro de um helicóptero. Conversei com ele sobre a proposta. Precisávamos do seu apoio, pois é o escritório do procurador-geral do estado que emite pareceres sobre o custo e a adequação jurídica de cada proposta. Ele apareceu no set no dia em que fiquei pendurado no gancho de um imenso guindaste e adorou aquilo. Não é de espantar que tenha apoiado o projeto.

Em setembro, quando O exterminador do futuro 3 entrou em pós-produção, fui a Sacramento pedir apoio aos líderes do Senado e da Assembleia estaduais. Embora estivesse curioso para ouvir o que eles tinham a dizer, não estava muito esperançoso. Para começar, dois terços do legislativo eram formados por democratas. Além disso, representantes públicos em geral detestam propostas de votação popular, pois elas reduzem seu poder e tornam o estado mais difícil de governar. Na realidade, nosso maior adversário era a Liga das Mulheres Eleitoras, veementemente contrária ao que chamava de “orçamento direto da urna”, fosse qual fosse o programa. Mesmo assim, levei no bolso uma lista de três páginas com todas as organizações que nos apoiavam. Tínhamos formado a mais ampla coalizão em prol de uma proposta de pleito popular de que qualquer um conseguia se lembrar. Seria difícil para os políticos ignorarem esse fato.

Uma das primeiras pessoas que procurei foi Bob Hertzberg, porta-voz da Assembleia. Bob é um democrata inteligente e cheio de energia natural do Vale de São Fernando, mais ou menos da mesma idade de Maria. É tão simpático que seu apelido é Huggy, “abracinho”. Em dois minutos, já estávamos fazendo piadas um com o outro. “Não estou vendo nada de ruim na proposta”, disse ele. Mas então me alertou para não esperar apoio do Partido Democrata em si. “Deus nos livre de apoiar uma proposta republicana”, brincou ele.

Tive discussões acaloradas com alguns líderes trabalhistas. O presidente de um dos maiores sindicatos de funcionários públicos estaduais perguntou:

– Qual é o seu mecanismo de financiamento?

Outros grupos de interesse alegavam que estávamos prejudicando seus programas. No entanto, dois anos antes o legislativo aprovara um acordo de pensão que envolvia 500 bilhões de dólares de passivos potencialmente a descoberto. Às mesmas pessoas que agora me perguntavam sobre meu financiamento, eu respondia:

– Vocês acabam de comprometer o estado com um gasto de centenas de bilhões de dólares. Qual é o seu mecanismo de financiamento? Estamos falando apenas em 400 milhões por ano para as crianças.

– Nós usamos os impostos.

– Bem, nesse caso estão prejudicando uma porção de outros projetos.

Também não foi fácil obter o apoio dos republicanos. Eles em geral se opunham a qualquer gasto adicional. No entanto, o líder da minoria na Assembleia, Dave Cox, um sujeito mais velho aparentemente irascível mas na realidade um doce de pessoa, tornou-se um aliado inesperado: não apenas apoiou a Proposta 49 como também me convidou para ir a San Diego durante uma reunião ordinária de legisladores republicanos. Ao fazer meu discurso diante daquela plateia, pude ver doses iguais de ceticismo e entusiasmo em seus rostos. Então Dave se levantou e se virou para os colegas. “Sabem por que essa é uma questão republicana?”, indagou a eles. “Porque é uma questão fiscal. Talvez vocês vejam essa proposta como um pedido para o contribuinte gastar mais 428 milhões de dólares. Na verdade, porém, estaremos economizando quase 1,3 bilhão.”

Ele então citou um estudo novo do qual eu sequer ouvira falar, assinado por um instituto de grande prestígio do Claremont McKenna College. “Para cada dólar que gastarmos com programas extracurriculares, economizaremos três mais à frente, graças à diminuição das prisões, da gravidez na adolescência e de confusões nos bairros”, afirmou. A mudança de atmosfera no recinto foi palpável. Na verdade, tudo o que os republicanos precisavam era esse raciocínio fiscal. Finalmente, eles votaram a favor da Proposta 49 por unanimidade.

Quando novembro se aproximava, eu estava confiante de que iríamos ganhar, mas não via isso como uma certeza. A Califórnia estava em recessão – desde o estouro da bolha da internet, em 2000, a renda familiar vinha caindo e o estado acumulava bilhões de dólares em dívidas. Os eleitores estavam com medo de novos gastos. Enquanto isso, a briga pelo cargo de governador ficou feia entre Gray Davis e seu principal adversário, um empresário republicano conservador contrário ao direito ao aborto chamado Bill Simon. Os índices de apoio ao governador continuavam baixos, mas os eleitores afirmavam nas pesquisas que gostavam ainda menos de Simon.

Nós queríamos garantir que a Proposta 49 não fosse tragada por um grande tsunami de pessimismo. Assim, nas últimas semanas de campanha, fizemos mais comícios e gastamos mais 1 milhão de dólares com anúncios na TV.

Na noite da votação, meus consultores recomendaram que nos reuníssemos em um elegante hotel de Los Angeles, como era o costume nas eleições da Califórnia, mas insisti que fôssemos ao Hollenbeck Youth Center, que tinha muito mais a ver com o projeto que estávamos tentando aprovar. Lá, pedimos comida para as crianças do bairro, para as pessoas que torciam pelo projeto e para as que haviam trabalhado na campanha, e ficamos aguardando os resultados. Pouco antes da meia-noite, as pesquisas indicaram que podíamos nos declarar vitoriosos e começar uma grande festa na quadra de basquete. A Proposta 49 acabou aprovada com 56,7% dos votos, enquanto os candidatos republicanos perderam todas as votações no estado.

Gray Davis também saiu vencedor nessa noite, mas sua reeleição na verdade não era algo a ser comemorado. Depois da campanha mais cara da história da Califórnia, a maioria dos eleitores simplesmente ficou em casa – foi a pior participação já registrada no estado em um pleito para governador. Davis derrotou Simon e os candidatos menos expressivos com apenas 47% dos votos, margem muito menor do que em 1998, quando vencera por grande diferença.

Para assombro do restante do país, um movimento popular para depor Gray Davis começou quase no mesmo instante em que se iniciou seu novo mandato. Fora do estado, as pessoas pensaram que fosse apenas mais um indício de que os californianos são doidos. No entanto, as mesmas cláusulas de democracia direta da Constituição estadual que permitiam propostas de votação popular proporcionavam também um mecanismo para revogar a eleição de membros do governo por meio de um pleito especial. Assim como as propostas de votação popular, a cassação de cargo de governadores tinha um histórico longo e atribulado. Pat Brown, Ronald Reagan, Jerry Brown e Pete Wilson haviam enfrentado tentativas de anulação de seus mandatos, mas nenhum de seus opositores chegara a coletar assinaturas suficientes para levar o processo adiante.

A campanha para a eleição revogatória de Davis começou com um punhado de ativistas – alimentava-se do sentimento generalizado de que o estado seguia o rumo errado e de que o governador não se esforçava o suficiente para solucionar os problemas da Califórnia. Em dezembro, por exemplo, a população ficou indignada quando Davis anunciou que o rombo nas contas do estado poderia ser 50% maior que o estimado apenas um mês antes, ou seja, 35 bilhões de dólares no total – equivalente ao déficit somado de todos os outros estados americanos. Além disso, os californianos ainda estavam bravos por causa da crise de energia. O abaixo-assinado a favor da revogação externava essas e outras preocupações, acusando o governo de “péssima gestão das finanças da Califórnia, com gasto excessivo do dinheiro do contribuinte, ameaça à segurança pública ao cortar o financiamento das administrações locais, incapacidade de justificar o custo exorbitante do fiasco da energia elétrica e inaptidão generalizada para lidar com os principais problemas do estado antes que estes chegassem a um crítico nível”.

No início, não dei muita atenção à campanha de revogação, pois achava muito difícil que fosse dar em alguma coisa. Além do mais, o movimento a favor do programa extracurricular estava atravessando sua própria crise. Em fevereiro, Bonnie Reiss e eu estávamos viajando pelo país para divulgar os Inner-City Games. Tínhamos acabado de pousar no Texas quando o celular dela tocou. Era um amigo ligando para avisar que o presidente George W. Bush acabara de apresentar uma proposta orçamentária que eliminava os subsídios federais aos programas extracurriculares: mais de 400 milhões de dólares em financiamentos anuais dos quais dependiam projetos em todo o país. Naturalmente, a imprensa texana logo quis saber o que eu pensava a respeito. Aquilo não era um insulto à minha causa? A Casa Branca não estava declarando guerra a Arnold?

“Tenho certeza de que o presidente acredita nos programas extracurriculares”, falei. “O orçamento ainda não é definitivo.” Assim que pude, liguei para Rod Paige, secretário de Educação de Bush, a fim de perguntar o que estava acontecendo. Ele explicou que o motivo alegado por Bush para interromper o financiamento era um novo estudo universitário segundo o qual os programas extracurriculares na realidade não eram tão eficazes quanto se pensava para manter as crianças longe do crime, das drogas e de outras coisas do gênero.

“Quer saber de uma coisa?”, retruquei. “Isso não quer dizer que precisamos zerar o financiamento. Significa que devemos usar esse estudo para aprender e para corrigir o problema. Por que não organizamos uma cúpula ‘O Melhor dos Programas Extracurriculares’?” Eu não achava que fosse uma ideia maluca. Conhecia os especialistas, tinha experiência em fazer pessoas nos setores público e privado e de ambos os partidos trabalharem juntas, e já havia organizado cúpulas em 50 estados. Não devia ser nenhum mistério. O secretário Paige gostou da ideia e disse que talvez o seu departamento pudesse financiá-la. Eu havia feito a sugestão de forma instintiva, de modo que ri quando Bonnie a interpretou como uma tática política sagaz.

– Entendi o que estamos fazendo – disse ela quando encerrei o telefonema. – Se a administração organizar uma cúpula sobre como melhorar os programas extracurriculares, o presidente terá uma justificativa para mudar de opinião e restabelecer os financiamentos.

– Pare com isso – retruquei. – Estamos só tentando resolver o problema.

Na mesma hora, planejamos uma ida a Washington para defender o orçamento do projeto junto a membros-chave do legislativo federal. Quando meu conselheiro político, Bob White, soube desse plano, mandou-me um recado recomendando veementemente que eu desistisse. Em poucas palavras, ele dizia: “Desista. Nunca contrarie um presidente do seu próprio partido. Se conseguir recuperar o financiamento, vai parecer desrespeitoso. Se não conseguir, vai parecer um líder fraco. Seja como for, você vai prejudicar suas chances futuras de se candidatar a governador.”

Entendi a lógica política desse conselho, mas minha sensação era que proteger os programas extracurriculares valia o risco. Perder o financiamento federal prejudicaria bastante inúmeras crianças. Pensei: “Neste caso, vamos ignorar a política.”

Assim, fomos a Washington no início de março para defender nossa causa. Nossa primeira visita foi ao deputado Bill Young, o poderoso republicano da Flórida que era presidente do Appropriations Committee (Comitê do Orçamento). Eu me tornara amigo dele e da mulher, Beverly, por causa de sua paixão por ajudar ex-combatentes feridos em instituições como o Centro Médico Militar Walter Reed e o Hospital Naval Bethesda. Eles me haviam inspirado a visitar hospitais regularmente. Eram momentos sem câmeras e sem jornalistas – eu ia porque adorava ver os jovens veteranos, diverti-los e lhes agradecer pelo ótimo trabalho.

Quando Bonnie e eu chegamos à sala de Bill, ele estava rindo. “Antes de vocês começarem, deixem-me contar uma história”, disse. Então relatou que Beverly falara com ele assim que ficara sabendo da proposta orçamentária do presidente.

– Que história é essa dos 400 milhões de dólares dos programas extracurriculares que Bush cortou? – perguntara ela.

– Bom, vai ter que haver uma discussão sobre isso – respondera Bill.

– De jeito nenhum! Você não vai discutir sobre isso. Estou dizendo desde já: esse dinheiro vai voltar a entrar, entendeu?

Assim, Bill nos garantiu que faria tudo o que pudesse para nos ajudar.

Em seguida fomos ao escritório de Bill Thomas, deputado republicano de Bakersfield, Califórnia, presidente do House Committee on Ways and Means (Comitê de Procedimentos da Câmara). Sua inteligência e seu temperamento esquentado eram lendários no Congresso. Bonnie e eu nos reunimos com ele e seu principal assessor e mal tínhamos começado a conversa quando ele falou:

– Bom, como esta é a nossa primeira reunião, não sei se vocês preferem ficar fazendo rodeios ou ir direto ao que interessa.

Sorri e respondi:

– Vamos direto ao que interessa.

– Sei que estão aqui para recuperar o financiamento dos programas extracurriculares – disse ele. – Está feito. Agora vamos conversar sobre a eleição revogatória.

Então deu início a uma análise sobre por que o movimento para destituir Gray Davis representava uma oportunidade fenomenal para mim.

– Em uma eleição normal, você precisa arrecadar pelo menos 60 milhões de dólares – falou. – Aí tem que se candidatar nas primárias e, como você é moderado, talvez não chegue nem a conseguir a indicação do partido, pois quem vota nas primárias republicanas são principalmente os conservadores mais barra-pesada. Mas, no caso de uma eleição revogatória, essa etapa não existe! Qualquer candidato pode se inscrever na disputa, e quem tiver o maior número de votos vence.

Eu imaginava que uma eleição revogatória fosse igual a outra qualquer.

– Vamos recapitular – disse ele e começou a explicar como funcionava o processo segundo as leis da Califórnia. Se um número suficiente de eleitores pedisse a revogação, o estado era obrigado a realizar uma eleição no prazo de 80 dias. O pleito consiste em duas perguntas: 1) o governador deve ser destituído? – uma pergunta simples, cuja resposta pode ser sim ou não; 2) se o governador for destituído, quem deve substituí-lo? Para responder, os eleitores escolhem um nome de uma lista de cidadãos que se inscreveram como candidatos. Thomas explicou que entrar na lista era fácil. Para isso, em vez de gastar milhões em uma primária, só era necessário reunir 65 assinaturas e pagar uma taxa de 3.500 dólares. – Isso significa, é claro, que vai haver muitos candidatos – continuou ele. – Vai ser uma loucura! Só que quanto mais gente entrar no páreo, maior a sua vantagem. Todo mundo conhece você.

Ele disse que me apoiaria caso eu me candidatasse. Mas o que eu precisava fazer era tomar logo a iniciativa e me dispor a gastar uns 2 milhões de dólares para recolher as assinaturas necessárias ao pedido de revogação. Segundo a lei, eram necessárias quase 900 mil assinaturas, e até agora o abaixo-assinado estava circulando muito timidamente.

Embora me candidatar ao governo da Califórnia não fizesse parte da minha lista de objetivos para 2003, fiquei fascinado e prometi a Thomas que pensaria no assunto com carinho. Meu instinto, porém, me dizia que a estratégia que ele estava recomendando era errada para mim. Se eu assumisse a frente do processo de revogação, iria parecer arrogante e desrespeitoso. Afinal de contas, acabara de haver uma eleição, e Gray Davis vencera de forma legítima. Eu poderia ter tentado concorrer com ele, mas precisei concluir O exterminador do futuro 3. Não seria correto de repente voltar atrás e dizer: “Então pronto! Agora que o filme terminou, vou tirar esse cara do caminho. Agora eu posso concorrer, então, por favor, podemos fazer outra eleição?” Pelo contrário: o melhor era manter distância. Se houvesse uma eleição revogatória, era preciso que fosse um processo orgânico, segundo a vontade do povo, não algo bancado por mim. Mesmo assim, ao longo dos meses seguintes acompanhei bem mais de perto o movimento a favor da revogação.

Exatamente como o deputado prometera a mim e a Bonnie, os financiamentos de programas extracurriculares foram restabelecidos quando o orçamento passou pelo Congresso. E a Cúpula de Programas Extracurriculares, realizada em Washington no início de junho, foi um importante divisor de águas. Quando organizadores do país inteiro reuniram suas experiências, descobrimos que os programas extracurriculares que ofereciam tanto atividades físicas quanto acadêmicas eram de longe os mais eficazes. A partir daí, a ajuda com os deveres de casa se tornou um elemento-chave do universo extracurricular.

Durante minha estada na capital para participar da cúpula, minha parada final foi na Casa Branca. Como muitas das pessoas que haviam trabalhado para o primeiro presidente Bush, eu não era próximo do seu filho, mas a situação envolvendo o governador da Califórnia me levou a querer conversar com seu principal consultor para assuntos domésticos, Karl Rove. Fiz isso porque, para assombro geral, a possibilidade de uma eleição revogatória naquele outono de repente estava parecendo muito real. A campanha para destituir Gray Davis ganhara energia com a participação do deputado federal Darrell Issa, republicano milionário de San Diego, ele próprio de olho no cargo de governador. Em maio, Issa decidira investir quase 2 milhões de dólares do próprio bolso em publicidade e coleta de assinaturas, dando força total à campanha, que agora contava com mais de 300 mil assinaturas, e a popularidade do governador continuava a cair.

Rove foi me encontrar na recepção do segundo andar da Ala Oeste da Casa Branca e me conduziu até sua sala, situada logo acima da do presidente. Passamos meia hora conversando sobre a economia da Califórnia, a Special Olympics e o auxílio à reeleição de Bush em 2004. Então falei:

– Posso perguntar uma coisa? O que o senhor acha que vai acontecer com a eleição revogatória? Issa acabou de investir 2 milhões, e a coleta de assinaturas está se acelerando. – Banquei o inocente. – O senhor é o cérebro por trás da eleição de Bush. O que acha dessa situação?

– Não vai dar em nada – afirmou ele. – Não vai haver eleição revogatória. Além disso, mesmo que haja, não acho que alguém vá conseguir destituir Gray Davis. – Antes que eu pudesse fazer qualquer pergunta ou expressar minha surpresa, ele prosseguiu. – Na verdade, nós já estamos pensando lá na frente, em 2006. – Então se levantou da cadeira. – Venha comigo.

Ele me conduziu pela escada até o primeiro andar, onde, quase como se fosse uma coreografia, Condoleezza Rice surgiu na outra ponta do corredor vindo na nossa direção.

– Aqui está uma pessoa interessada em concorrer ao governo da Califórnia – disse-me Rove –, e queria apresentá-la a você, pois ela é a nossa candidata para 2006. Vocês dois precisam se conhecer. – Ele disse isso sorrindo, mas era o tipo de sorriso que significava: “Arnold, pode tirar o seu cavalinho da chuva, porque essa mulher vai passar por cima de você feito um trator. Não vai haver eleição revogatória nenhuma, e eu já planejei tudo para 2006. Já previ cada etapa do processo, e o candidato republicano vai ser esse aqui.”

Como Rove pode ter errado tão feio? Ele era um gênio da política e me ignorou solenemente! Ignorou solenemente a eleição revogatória na Califórnia! Eu entendia por que Condi era a candidata do governo. Ela é uma intelectual, estudou em Stanford, é a Conselheira Nacional de Segurança. Não era a primeira vez que eu ouvia essa história em relação a 2006. Em um jantar sobre o tema educação promovido por Rod Paige, Maria e eu nos sentamos com um grupo de republicanos. De repente, uma das mulheres se virou para mim e disse: “Recebemos o sinal verde da Casa Branca para apoiar Condoleezza.” Portanto, eu já sabia.

Quando cheguei em casa, contei isso como se fosse uma história engraçada. Na hora em que aconteceu, porém, foi incômodo. “Que babaca”, pensei. Mas logo lembrei a mim mesmo: “Na verdade isso é bom! É uma daquelas situações em que as pessoas ignoram você, e aí você corre por fora e as pega totalmente desprevenidas.” Eu nunca discutia com gente que me subestimava. Se o sotaque, os músculos e os filmes fizessem as pessoas acharem que eu era burro, isso virava uma vantagem.


NESSE VERÃO NÃO ASSINEI NENHUM contrato de filme. Se o cargo de governador se tornasse mesmo uma possibilidade, dessa vez eu queria deixar o caminho livre. À medida que a campanha da eleição revogatória foi ganhando cada vez mais força, intensifiquei o diálogo com meus consultores e comuniquei ao público que compartilhava a insatisfação que havia gerado o movimento. “Nossos líderes eleitos agirão de forma decisiva, ou então nós agiremos em seu lugar”, falei para a plateia durante a comemoração do 25o aniversário da Proposta 13.

Não cheguei a dizer com todas as letras que queria me tornar governador, mas não pude resistir a iniciar minha fala nesse dia com uma piada sobre Gray Davis.

“Que constrangimento”, falei. “Acabei de esquecer o nome do governador do nosso estado. Espero que vocês me ajudem a recordar.” Era uma brincadeira com recall, palavra em inglês que traduz tanto a eleição revogatória quanto o verbo usado por mim. Muita gente riu. Mandei outro sinal de fumaça em relação à minha candidatura dizendo ao New York Post: “Se o partido precisar de mim, eu certamente estaria mais interessado nisso que em fazer outro filme. Seria capaz até de abandonar minha carreira no cinema.”

Enquanto isso, ao tentar reduzir o rombo orçamentário, o governador Davis encontrou uma forma certeira de cometer suicídio político: triplicou o imposto sobre veículos automotores, a taxa que os californianos têm que pagar ao emplacar seus carros. Tecnicamente, ele não chegou a aumentar o valor, apenas cancelou um desconto instituído por seu antecessor que estava fazendo o estado deixar de arrecadar 4 bilhões de dólares por ano. Os californianos, porém, amam seus carros e isso não fez diferença. O número de assinaturas coletadas semanalmente a favor da revogação disparou.

Sempre que Gray Davis cometia outro erro, eu ficava mais enfurecido. Por que ele estava concedendo carteiras de motorista a imigrantes ilegais? Por que estava aumentando os impostos em vez de conter as pensões? Por que aceitara dinheiro de campanha de tribos indígenas proprietárias de cassinos? Por que estávamos ficando sem energia elétrica? Como ele podia apoiar leis que cortavam empregos e forçariam empresas a saírem do estado?

Pensei no que eu faria: cortaria impostos, suspenderia a emissão de carteiras de motorista para imigrantes ilegais, diminuiria a taxa de emplacamento dos carros. Não gastaria mais do que o estado estivesse arrecadando. Iria reconstruir a Califórnia. Arrumaria alternativas aos combustíveis fósseis. Estabeleceria impostos justos para as tribos indígenas proprietárias de cassinos. Poria fim ao esquema de venda de favores. E traria as empresas de volta para o estado.

Para completar, eu tinha uma rixa pessoal com Davis. Já lhe perguntara cinco vezes o que ele queria do Governor’s Council on Physical Fitness and Sports da Califórnia quando eu comandava o conselho, durante o mandato de Pete Wilson, e ele nunca me respondera.

Comecei a desprezar tudo o que tivesse a ver com Gray Davis. Quando alguma foto sua aparecia no jornal, eu não via uma imagem, mas um monstro. Bolei um plano. Visualizei-me derrotando-o. (Por estranho que pareça, quando nos encontramos mais tarde, depois que eu me tornei governador, ficamos amigos. Percebi que era difícil para qualquer governador realizar as mudanças necessárias no estado. Gray Davis não podia ter feito isso sozinho. Ninguém podia.)

No entanto, tive que perguntar a mim mesmo: por que iria querer entrar naquela confusão? Por que não continuar sendo ator e pronto? O déficit do estado chegava agora a 37,5 bilhões de dólares, empresas estavam se mudando para outros lugares, faltava luz com frequência, os tribunais ordenavam às prisões que soltassem detentos por causa da superlotação, o sistema de concessões de obras públicas estava viciado, os gastos tinham sido engessados por fórmulas e ninguém parecia conseguir solucionar os problemas das escolas.

Mas eu simplesmente adoro quando dizem que algo não pode ser feito. É isso que me motiva de fato: gosto de provar que os outros estão errados. E apreciava a ideia de trabalhar em algo maior do que eu. Meu sogro sempre falava sobre como isso nos dá mais potência e energia, mas que só era possível sentir isso quando já se estava envolvido. Além do mais, eu seria governador da Califórnia! Aquele era o lugar para o qual todos no mundo queriam ir. Você nunca ouvia algum estrangeiro dizer “Ah, eu adoro os Estados Unidos! Mal posso esperar para conhece Iowa!”, ou “Nossa, me fale um pouco sobre Utah”, ou então “Delaware é um lugar incrível”. A Califórnia era cheia de problemas, mas era também um paraíso.

Já estava na hora de pensar em uma estratégia de campanha, e comecei a imaginar uma que fizesse sentido. Isso foi assunto para longas conversas com Don Sipple, principal consultor de mídia da nossa campanha em prol dos programas extracurriculares. Concordamos que era fundamental não entrar na corrida prematuramente – seria melhor esperar a aprovação e o agendamento oficiais da eleição revogatória. Don esquematizou nossa abordagem em um fax intitulado “Algumas ideias”, que me enviou no final de junho de 2003.

Se eu entrasse mesmo no páreo, minha campanha deveria ser realmente original, porque eu era um não político reagindo a um movimento de revolta popular. Precisávamos evitar tentar conquistar a imprensa. Em vez disso, deveríamos apelar para as pessoas comuns. Quando fosse à TV, em vez dos tímidos programas locais, deveria participar de programas de entretenimento em rede nacional como os de Jay Leno, Oprah Winfrey, David Letterman, Larry King e Chris Matthews. Em seguida, quando os meios de comunicação tachassem minha candidatura de fraca, nós surpreenderíamos todos com discursos que fossem fundo em questões-chave como educação, saúde e segurança pública. Acima de tudo, a campanha tinha que ser poderosa. O segredo era saber liderar e ter projetos e reformas importantes, capazes de atrair apoio maciço do público.

Gostei especialmente da forma como Don canalizou minha mensagem: “Existe hoje uma desconexão entre o povo da Califórnia e os políticos de lá. Nós, o povo, estamos cumprindo a nossa parte: trabalhamos duro, pagamos impostos, formamos famílias. Já os políticos não estão cumprindo a sua: eles se atrapalham e fracassam. O governador Davis não cumpriu seu dever para com o povo da Califórnia, e está na hora de substituí-lo.” Essas palavras tinham mais força que qualquer roteiro de filme que eu já tivesse lido. Eu as decorei e transformei em uma espécie de mantra.


MUDEI O FOCO PARA PROMOVER O exterminador do futuro 3. O filme estreou em todo o país no dia 2 de julho, uma quarta-feira, e se tornou o campeão de bilheteria do fim de semana do Dia da Independência. A essa altura, porém, eu já estava do outro lado do mundo. Depois da estreia em Los Angeles, peguei um avião para assistir à estreia japonesa em Tóquio, depois segui para o Kuwait. No dia 4 de julho, três meses depois que as forças da coalizão liderada pelos Estados Unidos tomaram Bagdá, eu estava na capital iraquiana em uma exibição do filme e divertindo os soldados em um antigo palácio do ditador deposto Saddam Hussein.

Como sempre, comecei minha fala com uma piada: “É impressionante andar de carro por aqui. Sério mesmo. Quanta pobreza! Dá para ver que o país não tem dinheiro para nada, que é um desastre financeiro e que existe um vácuo de liderança... mais ou menos como a Califórnia neste exato momento.”

De Bagdá, percorri várias cidades iraquianas, depois voltei ao Ocidente e fiz aparições pela Europa. Então emendei com viagens de divulgação ao Canadá e ao México. Durante esse tempo todo, sequer pensei na minha possível candidatura a governador. Guardei isso no fundo da mente, mas não fiz nenhum plano consciente.

Em 23 de julho, último dia da viagem, estava na Cidade do México quando foi anunciado que a Califórnia teria uma eleição revogatória. Mais de 1,3 milhão de eleitores haviam aderido ao abaixo-assinado, quase 500 mil a mais que o necessário. No dia seguinte, o pleito especial foi agendado para a primeira terça-feira de outubro de 2003, dali a menos de três meses. Os candidatos tinham pouco mais de 15 dias para se apresentar – até sábado, 9 de agosto.

O prazo apertado não inibiu os concorrentes. Graças ao baixo custo de inscrição, a eleição revogatória era um ímã para dezenas de candidatos menos expressivos, gente em busca de atenção e pessoas que só queriam acrescentar algo interessante ao currículo. No fim das contas, o pleito contou com 135 candidatos. Havia uma rainha do cinema pornô e um editor de livros pornôs; havia um caçador de recompensas, um comunista americano, uma atriz cujo principal motivo de notoriedade era ter feito propaganda de si mesma em cartazes espalhados por Los Angeles; e uma dançarina de suingue que já havia se candidatado várias vezes à presidência. Gary Coleman, o ex-ator mirim, também entrou no páreo, assim como a escritora e especialista em política Arianna Huffington, que viria a se tornar minha adversária no debate eleitoral antes de desistir. Havia ainda um opositor ferrenho do tabagismo e um lutador de sumô.

Candidatos sérios, com capital político e respaldo financeiro, viram-se diante de uma escolha difícil: arriscar ou não se perder nessa atmosfera circense. A senadora federal Dianne Feinstein, democrata muito popular, declarou que não gostava do conceito das eleições revogatórias – ela própria tivera que enfrentar uma no começo da carreira, quando era prefeita de São Francisco. O deputado federal Darrell Issa, que se mostrara um verdadeiro visionário ao apoiar a coleta de assinaturas, também saiu do páreo depois de afirmar em uma coletiva de imprensa, com os olhos marejados, que podia voltar ao seu cargo em Washington agora que outros estavam preparados para assumir a liderança.

Assim que a eleição foi confirmada, eu soube que teria que me candidatar. Já podia me ver em Sacramento, resolvendo problemas. A ideia de uma campanha não me intimidava nem um pouco. Foi como todas as outras decisões importantes que já tivera de tomar: pensei em como seria ganhar e tive certeza de que isso iria acontecer. Passei a voar no piloto automático.

Era hora de falar com Maria.

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