CAPÍTULO 6

Preguiçosos caras de pau

JOE WEIDER CHAMAVA OS FISICULTURISTAS DA pesada de preguiçosos caras de pau. Até onde eu podia constatar, ele de modo geral estava certo. Os frequentadores típicos da Gold’s eram caras que trabalhavam durante o dia: operários da construção civil, policiais, atletas profissionais, empresários, vendedores e, com o passar do tempo, atores. No entanto, com algumas exceções, os fisiculturistas eram mesmo uns preguiçosos. Vários deles eram desempregados. Tudo o que queriam fazer era ficar deitados na praia e ter alguém para patrociná-los. Viviam dizendo: “Joe, me arruma uma passagem de avião para ir a Nova York competir?”, “Joe, me arruma um salário para eu poder treinar na academia?”, “Joe, posso pegar os suplementos de graça?”, “Joe, me arruma um carro?”. Quando não conseguiam o que julgavam ser o seu direito, ficavam putos. “Cuidado com Joe”, eu os ouvia dizer. “Aquele zura filho da puta não cumpre o que promete.” Eu, porém, o via sob um prisma totalmente diferente. É verdade que Joe era mão-fechada. Ele vinha de uma família pobre e tivera que lutar por cada centavo. Mas eu tampouco via motivo para ele simplesmente sair dando dinheiro para qualquer fisiculturista que pedisse.

Joe era mestre em saber o jeito certo de atrair homens jovens e vulneráveis. Quando comecei a ler suas revistas, aos 15 anos, eu me perguntava: quando ficarei forte o suficiente para me defender? Como garantir meu sucesso com as garotas? Como ter certeza de que vou ganhar muito bem na vida? Joe me levou para um mundo onde eu me sentia especial desde o começo. Era a mesma antiga mensagem do fisiculturista Charles Atlas: compre o meu método e ninguém nunca mais vai jogar areia na sua cara. Em pouquíssimo tempo você vai virar um homem importante, conquistará muitas garotas e vai passear por Venice Beach!

Nas revistas de Joe, cada fisiculturista tinha um apelido, como os super-heróis. Dave Draper, que treinava na Gold’s, era o Bombardeiro Louro. Eu o vira no filme Não faça ondas, estrelado por Tony Curtis em 1967. Isso dera mais asas ainda à minha imaginação: mais um fisiculturista que tinha entrado para o cinema! As revistas de Weider publicaram fotos de Dave passeando pela praia com uma prancha de surfe. Ficou muito bacana. Ao fundo, via-se um bugre da Volkswagen, daquele modelo com as rodas expostas, também muito legal. Ele estava cercado por lindas garotas que o fitavam com ar de admiração.

Outras fotos da revista mostravam cientistas e técnicos vestidos com jalecos brancos de laboratório desenvolvendo suplementos alimentares na Clínica de Pesquisas Weider. “Clínica de Pesquisas Weider”, pensava eu. “Que incrível!” Havia também fotos de aviões com o nome “Weider” escrito na lateral em letras garrafais. Eu imaginava uma empresa do tamanho da General Motors, com uma frota de aeronaves percorrendo o mundo para entregar os equipamentos inventados por Weider e seus suplementos alimentares. Os textos da revista também pareciam fantásticos quando meus amigos os traduziam para mim. As matérias falavam sobre “destruir os músculos”, construir “deltoides iguais a balas de canhão” e “um peitoral igual a uma fortaleza”.

Seis anos depois, ali estava eu, em Venice Beach! Igualzinho a Dave Draper, só que agora era eu que tinha o bugre, a prancha de surfe e as garotas a meus pés. É claro que a essa altura eu já tinha consciência suficiente para ver que Weider criara um mundo de fantasia, cujos alicerces estavam fincados na realidade, mas onde os arranha-céus eram pura fabricação. Sim, havia pranchas de surfe, mas os fisiculturistas na verdade não surfavam. Sim, havia lindas garotas, mas eram todas modelos, que recebiam para posar naqueles ensaios. (Na verdade, uma dessas garotas era Betty, mulher de Joe, uma linda modelo que ele não precisava remunerar.) Sim, os suplementos de Weider existiam, e, sim, havia algumas pesquisas, mas não existia nenhum grande prédio em Los Angeles chamado Clínica de Pesquisas Weider. Certo, os produtos de Weider eram distribuídos mundo afora, mas a empresa não tinha nenhum avião. No entanto, descobrir esse mundo de fantasia não me incomodou. Uma parte suficientemente grande dele era verdade.

Eu não só estava fascinado por me encontrar no meio disso tudo como também mal podia esperar para ver o que iria acontecer em seguida. “Tenho que me beliscar”, vivia pensando. Dizia aos meus amigos que meu pior pesadelo seria sentir alguém me sacudindo e ouvir a voz da minha mãe dizendo: “Arnold, você perdeu a hora! Precisa se levantar! Vai chegar duas horas atrasado ao trabalho. Ande logo! Você tem que ir para a fábrica!” E eu diria: “Ah, não! Por que você me acordou? Eu estava tendo um sonho incrível. Queria ver como terminava.”

O próprio Joe não era um cara muito fácil de se gostar. Ele e o irmão mais novo, Ben, tinham começado a abrir seu caminho para longe dos barracos de Montreal durante a Grande Depressão e construíram seu negócio do nada. As revistas, os equipamentos, as empresas de suplementos alimentares e as competições eram o maior império da área do fisiculturismo e rendiam 20 milhões de dólares por ano, o que fazia dos irmãos Weider contatos obrigatórios em um esporte no qual ainda faltava dinheiro. As únicas pessoas que de fato viviam do fisiculturismo eram alguns produtores de eventos e donos de academia. Nenhum dos atletas conseguia isso, e eu era o único de quem já ouvira falar que recebia um salário só para treinar.

Joe e Ben viviam tentando se expandir e não tinham pudores de invadir o território alheio. Em 1946, criaram sua própria associação, a Federação Internacional de Fisiculturismo (IFBB, na sigla em inglês), para competir tanto com o Sindicato Americano de Atletismo (AAU, na sigla em inglês), que controlava o levantamento de peso olímpico e o fisiculturismo nos Estados Unidos, quanto com a Associação Nacional Amadora de Fisiculturistas (NABBA, na sigla em inglês), que regulamentava o fisiculturismo no Reino Unido. Graças à promoção de versões próprias da disputa de Mister América, feita pelo AAU, e de Mister Universo, feita pela NABBA, eles foram criando feudos. Assim como no boxe, a duplicação dos títulos causava bastante confusão, mas ajudava na disseminação do esporte.

Joe também foi o primeiro a oferecer um prêmio em dinheiro para o vencedor de um campeonato de fisiculturismo. Quando inventou o Mister Olympia, em 1965, o prêmio eram 1.000 dólares e uma placa gravada em prata. Em qualquer das outras competições, como a de Mister Universo, tudo o que o vencedor ganhava era um troféu. As disputas de Joe também ofereciam as melhores condições aos participantes, pois ele pagava a hospedagem e o transporte aéreo. No entanto, só entregava a passagem de volta depois que o atleta tinha feito a sua parte e posado para os fotógrafos dele após o evento. Na verdade, Joe preferia fotografar os fisiculturistas antes do evento, mas em geral eles não queriam. Franco Columbu e eu éramos os únicos que aceitavam. Gostávamos de posar antes porque ser fotografados nos forçava a estar em boa forma e nos dava uma oportunidade para treinar as poses.

A disputa de Mister Olympia era pura demonstração de genialidade promocional. A ideia era eleger um campeão dos campeões, e só era possível se inscrever mediante convite. Além do mais, para se qualificar era preciso já ter conquistado o título de Mister Universo. Joe, portanto, estava ganhando dinheiro com a proliferação dos títulos que ele próprio criara! Não era de espantar que os irmãos Weider levassem as pessoas à loucura. Sua última campanha fora fazer lobby junto ao Comitê Olímpico Internacional para que o fisiculturismo fosse reconhecido como esporte internacional.

Eu gostava do fato de Joe Weider ser um homem de negócios agressivo. Ele tinha revistas. Tinha uma federação. Tinha conhecimento. Sabia agitar as coisas e queria transformar o fisiculturismo em algo realmente grande. Joe tinha a oferecer algo de que eu precisava e, por sua vez, sentia que eu podia oferecer algo de que ele precisava.

Além disso, eu não era um preguiçoso. A primeira coisa que lhe disse quando cheguei à Califórnia foi: “Eu não quero ficar de bobeira. Não quero pegar seu dinheiro sem fazer nada em troca. Me mande fazer algo em que eu possa aprender.” Joe tinha uma revenda na Rua 5, em Santa Monica, que comercializava suplementos alimentares e equipamentos de musculação. Então lhe perguntei se podia trabalhar lá.

– Eu quero ajudar os clientes – falei. – Assim posso aprender sobre negócios e treinar meu inglês, sem falar que gosto de lidar com o público.

Joe adorou ouvir isso.

– Arnold – disse ele com seu sotaque canadense –, vou lhe dizer uma coisa: você quer trabalhar, quer se tornar alguém. Você é alemão, é uma máquina, é inacreditável. Não é feito esses preguiçosos caras de pau!

Eu adorava o modo de funcionamento da mente de Joe. Ele já havia criado todo um mito em relação a mim: eu era uma máquina alemã, totalmente confiável, sem falhas, que funcionava sempre. E ele iria aplicar o conhecimento e o poder que tinha para fazer essa máquina ganhar vida e sair andando por aí feito o Frankenstein. Eu achava isso muito engraçado. Não me incomodava que ele pensasse em mim como sua criatura, porque eu sabia que isso significava que Joe Weider iria me amar. E isso encaixava direitinho com meu objetivo de me tornar campeão do mundo. Para completar, quanto mais ele pensava em mim daquela maneira, mais generoso se tornava.

Desde o começo, vi que ele me considerava o filho que nunca tivera. Senti que aquilo era uma oportunidade única para aprender. Meu pai me dera conselhos sobre ser disciplinado, forte e corajoso, mas não sobre como ter sucesso nos negócios. Eu estava sempre à procura de mentores que pudessem assumir o lugar do meu pai e continuar seu trabalho. Ter Joe por perto era como ter um pai que valorizava o que eu estava tentando fazer.

A empresa continuava sediada no leste do país, em Union City, Nova Jersey, mas os Weider estavam construindo um novo quartel-general no Vale de São Fernando, em Los Angeles. De tantas em tantas semanas, Joe ia até lá supervisionar as obras. Ele me levou ao local para participar de reuniões e deixou que eu o acompanhasse para ver como a empresa funcionava. Com relação ao ramo editorial dos negócios, vivia procurando gráficas que pudessem fazer um trabalho melhor e cobrar menos, e também me incluía nessas negociações. Fui visitá-lo em Nova York, onde pude participar de reuniões. Quando meu inglês melhorou, acompanhei-o em uma viagem de negócios ao Japão para ver como ele conduzia negociações internacionais e avaliar a importância essencial da distribuição, não apenas no negócio das revistas, mas para o sucesso de qualquer empreendimento.

Joe insistia na importância de se tornar global, em vez de restringir os negócios a apenas um país. Ele sabia que o futuro apontava nessa direção. Cada viagem sua tinha vários objetivos: no Japão, por exemplo, também encontramos integrantes da federação nacional de fisiculturismo e Joe lhes deu conselhos sobre como melhorar suas competições. Nossas longas viagens de avião eram sempre estimulantes. Conversávamos sobre negócios, arte, antiguidades, esportes. Ele estudava história mundial e história judaica. Também era muito versado em psicologia. Com certeza deve ter feito análise.

Eu estava no paraíso, pois sempre achei que o meu futuro estivesse nos negócios. Não importava o que eu estivesse fazendo, parte da minha mente com frequência se perguntava: “Será esse o meu destino? Qual é minha missão aqui?” Eu sabia que tinha um destino especial, mas qual seria? Para mim, ser empresário era o melhor de todos eles. E agora aquele líder estava me deixando acompanhá-lo em suas viagens de negócios, e eu estava aprendendo justamente o que precisava. Talvez pudesse acabar promovendo e vendendo o fisiculturismo, suplementos alimentares, equipamentos domésticos e para academias, abrindo minha própria rede de academias e administrando um império – como Reg Park, só que em escala global. Isso seria fantástico! Eu sabia que tinha uma visão de negócios diferente da dos outros fisiculturistas. Se Weider tivesse proposto a viagem ao Japão a algum deles, a resposta teria sido “Ah, não, o Japão deve ser um saco. Que academias eles têm por lá? Eu quero é malhar”, ou alguma outra imbecilidade assim. Então talvez o meu destino fosse mesmo suceder os irmãos Weider na geração seguinte. Joe obviamente estava gostando muito de me ensinar. “Você está mesmo interessado!”, ele costumava comentar.

O que aprendi com Joe vai muito além dos negócios. Ele colecionava móveis e objetos de arte, algo que me fascinava. Quando fiquei hospedado em seu apartamento de Nova York, pude admirar todas as obras de arte e antiguidades. Ele falava sobre os leilões e dizia: “Comprei isto aqui por tanto. E agora está valendo tanto.”

Foi a primeira vez que entendi que móveis antigos podem aumentar de valor. Até então eu os via apenas como velharias sem valor, como as que tínhamos na Áustria. Mas Joe dizia: “Olhe só isto aqui: é do período do Império francês. É mogno. Está vendo os cisnes esculpidos nos braços? São o emblema da esposa de Napoleão I, a imperatriz Josefina. E tem também esta esfinge de bronze incrustada nas costas, está vendo? Os franceses adoram motivos egípcios.” Comecei a acompanhá-lo a leilões em Nova York, na Sotheby’s, na Christie’s e em outras casas leiloeiras.

A cadeira Napoleão era uma das melhores peças de Joe. Ficava no quarto de hóspedes de sua casa. Na primeira vez em que me hospedei lá, ele fez todo um teatro: “Essa cadeira é muito frágil e muito, muito cara. Preste atenção para não sentar nela nem tocá-la, está bem?” Eu queria tomar cuidado com a cadeira, mas nessa noite, quando estava tirando a calça para me deitar, meu pé ficou preso, perdi o equilíbrio e caí bem em cima dela. A cadeira foi esmagada pelo meu peso e parecia ter explodido. Fui procurar Joe e disse:

– Você tem que ver uma coisa. Acabei de destruir a cadeira.

Ele entrou correndo no quarto e, quando viu os pedaços espalhados pelo tapete, quase desmaiou. Então começou a xingar.

– Ah, seu filho da mãe! Essa cadeira é caríssima!

Mas logo se controlou, porque percebeu que reclamar assim era coisa de gente desclassificada. Qualquer cadeira pode ser consertada se for danificada. O móvel não estava destruído, só havia quebrado nas partes em que era colado, nas junções. Simplesmente desmontou quando caí por cima dele.

Estava me sentindo culpado, claro, mas não consegui me segurar e falei:

– Não acredito. Eu machuquei o joelho, arrebentei o quadril e você nem perguntou “Como você está?” ou disse “Não se preocupe com isso, o mais importante é você”. Você deveria estar sendo uma figura paterna para mim aqui nos Estados Unidos! Mas a sua única preocupação é essa cadeira.

Isso fez Joe se sentir realmente mal.

– Ai, meu Deus, tem razão – reconheceu ele. – Olhe só para isso! Essa cadeira é mesmo vagabunda. Quem a montou fez um péssimo trabalho!

E então começou a chamar os outros de filhos da mãe, os tais caras da época de Napoleão que tinham fabricado a cadeira.

Depois dessa visita a Nova York, fui de avião a Chicago para assistir à competição de Mister América da AAU e passar uma semana treinando com Sergio Oliva. Apesar de termos sido adversários no outono anterior, isso não o impediu de se mostrar hospitaleiro. Ele e a mulher me receberam para jantar no seu apartamento, e tive meu primeiro contato com a cultura negra e latina de Cuba. Sergio falava usando muitas gírias, se vestia de maneira excêntrica e sua relação com a mulher era diferente de tudo o que eu já tinha visto, com muitas explosões e gritos de ambos os parceiros. Mesmo assim, ele era um verdadeiro cavalheiro.

Eu estava em uma missão secreta de reconhecimento: na minha opinião, era preciso entrar no campo do inimigo e descobrir como ele via o mundo. O que faz desse homem um campeão? Que alimentos ele come, como vive, o que posso aprender com seu treinamento? Como ele pratica suas poses? Qual é sua atitude em relação à competição? Nenhuma dessas informações me daria um corpo capaz de vencê-lo, mas poderia me motivar e me mostrar do que eu precisava para vencer. Será que eu poderia encontrar um ponto fraco a ser usado psicologicamente? Estava convencido de que o esporte não era apenas uma guerra física, mas também psicológica.

A primeira coisa que descobri foi que Sergio trabalhava ainda mais que eu. Tinha um emprego em tempo integral em uma siderúrgica e, depois de passar o dia inteiro no calor dos altos-fornos, treinava por horas na Associação Cristã de Moços de Duncan. Era uma daquelas pessoas que não se cansam com facilidade. Diariamente, para começar, ele fazia 10 séries de 20 barras. Não eram exercícios para as costas. Era apenas para se aquecer. Todo santo dia. Sergio tinha várias técnicas pouco comuns que eu podia usar. No supino com barra, ele fazia meias repetições, sem nunca dobrar completamente os cotovelos. Isso mantinha o músculo peitoral em tensão total o tempo todo, e de fato seus peitorais eram lindos e plenamente desenvolvidos. Também aprendi coisas na maneira como ele treinava suas poses.

Eu entendia, é claro, que o que funcionava para Sergio não iria necessariamente servir para mim. Éramos mais como reflexos espelhados. Eu tinha ótimos bíceps e músculos dorsais, mas seus deltoides dianteiros, tríceps e peitorais eram melhores que os meus. Para derrotá-lo, eu teria que trabalhar esses músculos muito, muito mais pesado e aumentar o número de séries. Suas outras grandes vantagens eram anos de experiência e um excelente potencial natural – ele realmente era um animal. Acima de tudo, porém, o que me inspirava em Sergio era sua energia. Eu disse a mim mesmo que precisaria estar à sua altura.

Sabia quem poderia me ajudar a fazer isso. Na Califórnia, tinha parceiros de treino de nível internacional. No entanto, praticamente desde o instante em que pisei lá, comecei a tentar convencer Joe a trazer Franco da Europa. Sentia saudades de muitos dos meus amigos da Alemanha, e eles deviam achar estranho o modo como eu havia desaparecido na Califórnia. Mas quem mais me fazia falta era Franco, pois nós dois éramos como irmãos e ele era o parceiro de treino perfeito para mim. Era estrangeiro como eu e, mesmo em Munique, nós dois tínhamos a mesma mentalidade de imigrantes e o mesmo tipo de ambição. A única coisa com a qual podíamos contar era o trabalho duro. Na minha cabeça, os Estados Unidos iriam ser um lugar tão bom para Franco quanto estavam sendo para mim.

Joe jamais daria ouvidos ao argumento sentimental, de modo que eu o traduzi em termos comerciais. “Se você trouxer Franco, vai dominar o fisiculturismo profissional”, eu lhe disse. “Durante muitos anos! Vai ter o melhor homem alto na categoria de pesos pesados – ou seja, eu – e o melhor homem baixo de pesos leves.” Contei a ele que, em relação a seu peso, Franco era o maior levantador do mundo (o que era verdade, pois ele conseguia erguer mais de quatro vezes o próprio peso no levantamento terra), e como vinha se reorientando para o fisiculturismo.

Em segundo lugar, eu disse a Joe que Franco era o meu parceiro de treino ideal e que, se pudéssemos trabalhar juntos, eu teria ainda mais sucesso. Em terceiro lugar, assegurei-lhe que Franco era um cara trabalhador, que não se aproveitaria do fato de estar na Califórnia só para ficar na praia sem fazer nada. Já tinha sido pastor de ovelhas, pedreiro e taxista. “Ele não é um preguiçoso cara de pau”, falei. “Você vai ver só.”


JOE DEMOROU UM POUCO A SE DECIDIR. Sempre que eu mencionava Franco, ele fingia nunca ter escutado esse nome, então eu tinha que repetir a argumentação toda de novo. Finalmente, porém, em meados de 1969, ele cedeu e concordou em convidar Franco e lhe pagar os mesmos 65 dólares por semana que pagava a mim. E começou imediatamente a se gabar do fantástico fisiculturista baixo que ia trazer da Europa. Só que Joe não era muito bom para decorar nomes e ainda não conseguia se lembrar muito bem do de Franco.

– Adivinhem quem vamos trazer agora? – anunciou ele durante o almoço. – Francisco Franco!

Artie Zeller, o fotógrafo que me recebera no aeroporto no ano anterior, por acaso estava presente e o corrigiu.

– Francisco Franco é o ditador da Espanha.

– Não. Eu quis dizer Colombo, é esse o nome dele.

– Tem certeza? – indagou Artie. – Colombo foi o descobridor da América.

– Não, esperem, eu quis dizer Franco Nero.

– Esse é um ator italiano. Faz faroestes.

– Arnold! Quem é mesmo que nós vamos trazer, caramba? – perguntou Joe por fim.

– Franco Columbu.

Ai, meu Deus. Filho da mãe! Um italiano! Por que os italianos têm nomes tão esquisitos? Parece tudo a mesma coisa.

Fui no meu fusca branco buscar Franco no aeroporto. Já havia incrementado o carro com um volante de corrida, e ele estava ótimo. Para receber meu amigo em solo americano e comemorar sua chegada, pensei que o melhor seria preparar um cookie de maconha. Eu tinha ficado amigo de Frank Zane, o fisiculturista que havia me derrotado em Miami, e ele gostava de fazer seus próprios cookies. De vez em quando ele me dava um. “Vai ser engraçado”, pensei. “Vou buscar Franco, ele vai estar com fome depois de um voo tão longo, então darei a ele metade do cookie.” Não lhe daria o cookie inteiro, pois não sabia como seu corpo reagiria.

Assim que Franco entrou no carro, perguntei:

– Está com fome?

– Estou, morrendo.

– Bom, por sorte tenho um cookie aqui. Vamos dividir.

Então fomos para o apartamento de Artie, o primeiro lugar para o qual o levei. Josie, mulher de Artie, era suíça, e achei que Franco fosse se sentir mais à vontade com pessoas que falassem alemão. Depois que chegamos, ele passou uma hora inteira deitado no tapete da sala, rindo.

– Ele é sempre engraçado assim? – perguntou o fotógrafo.

– Deve ter tomado uma cerveja ou algo do tipo – respondi. – Mas, sim, normalmente ele é um cara engraçado.

– Ah, sim, ele é hilário. – Artie e Josie também estavam rindo loucamente.

Alguns dias depois, perguntei a Franco:

– Sabe por que você estava rindo tanto? – E contei a ele sobre o cookie.

– Eu sabia que tinha alguma coisa esquisita! – disse o italiano. – Vai ter que me dar outro, porque foi muito bom!

Na verdade, porém, Franco teve uma séria reação à vacina contra varíola que tomara logo antes de sair de Munique. Seu braço inchou, ele teve febre e calafrios e não conseguia comer. Isso durou uns 15 dias. De tantas em tantas horas, eu preparava bebidas proteinadas para ele. Acabei levando um médico ao apartamento, pois tive medo que Franco morresse, mas o médico prometeu que ficaria bem.

Meu trabalho de vendedor fora tão bom que Joe Weider estava ansioso para conhecer Franco e ver como ele era musculoso. Só que o meu amigo tinha secado de 77 quilos para cerca de 68. Quando Joe aparecia, eu o escondia no quarto e dizia: “Ah, Franco está muito ocupado, foi malhar na Gold’s outra vez.” Ou então: “É, ele está muito a fim de conhecer você e quer estar com um visual perfeito, então foi à praia pegar uma cor.”

O plano sempre foi que Franco morasse comigo. Mas o meu apartamento só tinha um quarto, de modo que fiquei lá, enquanto ele passou a dormir no sofá-cama. O apartamento era tão pequeno que sequer havia espaço para colar cartazes. Em Munique, porém, eu morava dentro de um closet na academia, ou seja, aquilo ali para mim era puro luxo. Franco também pensava assim. Nós tínhamos uma sala e um quarto, e havia cortinas nas janelas. Além disso, a praia ficava a apenas três quarteirões. Nosso banheiro tinha pia, privada e banheira com chuveiro, muito melhor que o que tínhamos na Europa. Por menor que fosse o espaço, nossa sensação era de ter melhorado de vida.

Eu havia visitado Franco várias vezes no quarto em que ele morava em Munique. O lugar estava sempre um brinco. Então sabia que ele seria um ótimo companheiro de apartamento, e foi isso mesmo que aconteceu. Nossa casa estava sempre impecável. Passávamos o aspirador com frequência, não deixávamos a louça se acumular na pia da cozinha e a cama estava sempre feita ao estilo militar. Nós dois tínhamos a disciplina de acordar de manhã e dar um jeito na casa antes de sair. Quanto mais se pratica, mais o hábito se torna automático e menos esforço ele exige. Nosso apartamento foi sempre bem mais limpo que qualquer outro que eu tenha visitado, fosse de homens ou mulheres. Sobretudo mais que os das mulheres. Elas pareciam umas porquinhas.

O combinado era o seguinte: Franco cozinhava e eu lavava a louça. Ele não demorou muito para encontrar lojas de produtos italianos que vendessem o macarrão, as batatas e a carne do jeito que gostava. Mas torcia o nariz para os supermercados. “Ah, esses americanos”, dizia. “Bom mesmo é comprar na mercearia, na loja italiana.” Ele vivia chegando em casa com pequenos embrulhos e vidros de comida e dizia: “Isto aqui você só encontra nas lojas italianas.”

Fomos muito felizes nesse apartamento – até o proprietário nos enxotar de lá. Um belo dia, ele bateu na porta e disse que tínhamos que sair porque o imóvel só tinha um quarto. Naquela época, no sul da Califórnia, era considerado suspeito dois caras dormirem em um apartamento de um quarto só. Expliquei que Franco dormia no sofá da sala, mas o proprietário não arredou pé: “O apartamento na verdade é para uma pessoa.”

Queríamos mesmo um lugar maior, então não ligamos. Achamos um lindo apartamento de dois quartos em Santa Monica e nos mudamos para lá.

Na casa nova, havia espaço nas paredes para decoração, mas não tínhamos nada para pregar nelas. E meu dinheiro com certeza não dava para comprar obras de arte. Foi então que certo dia, em Tijuana, vi um cartaz em preto e branco muito maneiro de um caubói com duas armas apontadas. Como custava apenas 5 dólares, eu comprei. Ao chegar em casa, preguei-o na parede com fita adesiva. Ficou lindo.

Um dia Artie foi nos visitar. Assim que viu o cartaz, começou a dar várias fungadas e agir como se estivesse bravo.

– Eca – disse ele. – Que imbecil.

– O que houve? – perguntei.

– Reagan, sério mesmo? Meu Deus!

– É uma foto ótima. Achei lá em Tijuana.

– Você sabe quem é esse cara? – perguntou ele.

– Bom, embaixo está escrito: “Ronald Reagan”.

– É o governador do estado da Califórnia.

– É mesmo? Incrível! – retruquei. – Melhor ainda. Agora tenho o governador da Califórnia pendurado na parede.

– É, antigamente ele fazia filmes de faroeste – disse Artie.


COM FRANCO COMO PARCEIRO DE TREINO, eu podia me concentrar em meus objetivos de competição. Estava decidido a conquistar o título de Mister Universo da IFBB que não conseguira em Miami. Ainda estava tão mordido com a derrota para Frank Zane que não queria simplesmente ganhar a competição: queria uma vitória tão esmagadora que fizesse as pessoas esquecerem que um dia havia perdido.

Assim, fiz planos de ir a Londres e ganhar outra vez o Mister Universo da NABBA. Isso me renderia, aos 24 anos, quatro títulos de Mister Universo de ambos os lados do Atlântico, mais que qualquer outro praticante do esporte possuía. A vitória traria de volta o embalo que eu pensava ter perdido, a aura de invencibilidade que me punha sob os holofotes e deixava o público embasbacado. Mais importante ainda, a vitória sinalizaria que os únicos campeões de fisiculturismo em que o mundo deveria prestar atenção eram Sergio Oliva e eu. O meu objetivo era estar entre os seis ou oito melhores do mundo e então dar o salto para a primeira ou segunda posição no ranking. Fora para isso que eu me mudara para os Estados Unidos e só cabia a mim alcançar esse feito. Se tivesse sucesso e conseguisse consolidar minha posição no universo do fisiculturismo, a partir dali tudo avançaria mais depressa. Ninguém seria capaz de me deter.

Depois disso, o grande objetivo seguinte seria derrotar Sergio e conquistar o título de Mister Olympia. Eu não iria cometer o mesmo erro de quando fui para Miami, onde pensara que fosse conseguir uma vitória fácil. Passei a treinar o mais pesado possível.

Organizar a competição de Mister Universo em Miami fora um experimento dos Weider, e em 1969 eles voltaram para Nova York. Para aumentar a euforia, também haviam marcado as disputas de Mister América, Mister Universo e Mister Olympia para o mesmo dia, em sequência, na Academia de Música do Brooklyn, a maior casa de espetáculos da região.

Ao longo de todo o ano, eu tinha sido retratado e promovido à exaustão nas revistas de Weider junto com os outros principais fisiculturistas do mundo, mas a disputa de Mister Universo seria minha primeira desde o outono anterior. Eu estava ansioso para ver o que os jurados e os fãs achariam do meu corpo recém-americanizado. A competição correu ainda melhor do que eu planejara. Em uma das disputas mais concorridas já vistas, derrotei todos os adversários. Milhares de séries nos aparelhos de Joe Gold tinham me ajudado a ganhar uma definição muscular com a qual nem os competidores altos nem os baixos conseguiram se comparar. Para completar, eu estava com um belo bronzeado californiano!

Ganhar o título me deixou tão animado que voltei a pensar na disputa de Mister Olympia. E se eu tivesse subestimado meu progresso? Se conseguisse derrotar Sergio nessa competição, eu me tornaria o rei!

Na manhã do concurso, ele apareceu com suas típicas roupas chamativas: terno quadriculado de três peças feito sob medida, gravata escura, sapatos de couro preto, chapéu estiloso e muitas joias de ouro. Ficamos nos provocando enquanto assistíamos às prévias da disputa de Mister América.

– E aí, Monstro, está sarado? – perguntei.

– Ah, boneca, hoje você vai ter uma surpresa daquelas, eu garanto – respondeu Sergio. – Vai ver, mas não vai acreditar. Ninguém vai acreditar.

Por fim, fomos nos aquecer nos bastidores. Sergio era famoso por seus longos aquecimentos, durante os quais sempre usava um jaleco de mangas compridas para os outros concorrentes não poderem ver seus músculos. Na hora de subirmos ao palco, ele tirou o jaleco e foi andando na minha frente pelo corredor. É claro que sabia que eu iria examiná-lo. Muito casualmente, ergueu um dos ombros e esticou o maior grande dorsal que eu já tinha visto na vida. O músculo era do tamanho de uma arraia-jamanta gigante. Ele então repetiu o movimento com o outro ombro. Suas costas eram tão imensas que pareciam bloquear toda a luz no corredor. A pressão psicológica surtiu efeito. Eu soube ali mesmo que iria perder.

Nós dois posamos – primeiro eu, depois Sergio – e ambos fizemos a casa vir abaixo com gritos e o barulho de pés batendo no chão. Então os jurados anunciaram que não estavam conseguindo chegar a uma decisão e nos chamaram de volta ao palco para posarmos juntos. Alguém gritou “Posem!”, mas, durante um minuto, nenhum de nós dois se mexeu – como se estivéssemos nos desafiando para ver quem posava primeiro. Por fim, eu sorri e fiz a pose de duplo bíceps, uma das minhas melhores. A plateia veio abaixo. Sergio respondeu com sua pose da vitória: os braços erguidos acima da cabeça. A plateia enlouqueceu outra vez e começou a entoar: “Sergio! Sergio!” Fiz uma pose de peito, que ele começou a imitar, mas então mudou de ideia e fez uma pose de “mais musculoso”. Mais gritos para Sergio. Fiz a pose que era minha melhor marca registrada – uma três quartos de costas –, mas isso não bastou para virar o jogo. Ele simplesmente ainda estava na minha frente.

Continuei sorrindo e fazendo poses. Já tinha alcançado meu objetivo ali e estava muito melhor que no ano anterior. Conseguira derrotar todo mundo exceto ele. Podia dizer a mim mesmo: “Arnold, você foi ótimo, e Sergio está com os dias contados.” Por enquanto, porém, estava claro que o campeão ainda era ele e, quando os jurados anunciaram sua vitória, eu lhe dei um forte abraço. Na minha opinião, Sergio merecia toda a atenção que estava tendo. Eu era bem mais jovem e seria o número um em bem pouco tempo, e então poderia ter aquela atenção toda para mim. Enquanto isso, era justo que ele brilhasse. Ele era o melhor.


NESSE OUTONO, JOE WEIDER ME FEZ iniciar a segunda fase do meu sonho americano: entrar para o cinema. Quando se espalhou a notícia de que alguns produtores estavam procurando um fisiculturista para estrelar um filme, ele indicou meu nome.

O que aconteceu no caso de Hércules em Nova York foi como uma daquelas fantasias típicas de Hollywood. Você desembarca do navio, começa a andar pela rua e alguém diz “É você! Você tem o visual perfeito!” e lhe oferece um papel no cinema. Ouvimos essas histórias o tempo todo, mas ninguém sabe se são mesmo verdadeiras.

Na realidade, o papel já tinha sido oferecido ao ex-Mister América Dennis Tinerino, que eu derrotara em 1967 na disputa do meu primeiro título de Mister Universo. Ele era um campeão legítimo: voltara à ativa para conquistar o título amador de Mister Universo em 1968. No entanto, Joe não queria que ele ficasse com o papel, pois Dennis costumava trabalhar mais com as outras federações de fisiculturismo. Então ligou para os produtores e lhes disse que, em Viena, eu tinha sido ator shakespeariano e que eles deveriam desistir de Dennis e me escolher. “Sei que Tinerino ganhou o Mister Universo, mas Schwarzenegger já ganhou esse título três vezes”, falou. “Vocês vão ter o melhor fisiculturista do mundo. Ele é o cara certo para o papel: é extraordinário e tem uma presença de palco fenomenal.”

Não existem atores shakespearianos na Áustria. Isso é uma invenção. Eu não fazia a menor ideia do que Joe estava dizendo, mas ele informou que era meu empresário e não me deixou falar com os produtores, pois estava preocupado que meu inglês não fosse bom o bastante. Então, quando eles quiseram me encontrar, respondeu: “Não, Arnold ainda não chegou. Vai estar aqui em breve.” Achei isso tudo muito divertido. Depois de algum tempo, acabamos indo encontrar os produtores e Joe me alertou para não falar muito. Quando dei por mim, tinha conseguido o papel. Joe era um ótimo vendedor.

Depois da competição de Mister Olympia, Franco e eu fomos para Londres, onde conquistei mais um título de Mister Universo da NABBA, estabelecendo um recorde como primeiro fisiculturista a conquistar quatro coroas de Mister Universo. Então peguei um avião de volta para Nova York para me tornar o novo Hércules.

Hércules em Nova York era uma sátira de baixo orçamento aos filmes épicos clássicos. O argumento era: Hércules se cansa de viver no Monte Olimpo e desce à Terra montado em um raio até a Nova York da nossa época, embora seu pai, Zeus, o tenha proibido de ir embora. Ele então faz amizade com um sujeito chamado Pretzie, um tímido vendedor de pretzels que tem uma carrocinha no Central Park, e este tenta ajudá-lo a se adaptar à medida que ele se envolve com mafiosos, luta com um urso-pardo, passeia de carruagem pela Times Square, desce ao inferno, aprende a comprar guloseimas nas máquinas automáticas e se envolve com a bela filha de um professor de mitologia. Exatamente quando Hércules está se acostumando à vida na cidade grande, Zeus perde a paciência e manda outros deuses descerem para buscá-lo.

A ideia em si não era ruim – fazer Hércules visitar a Nova York moderna –, e o filme era bem engraçado, sobretudo Arnold Stang, o ator que fazia Pretzie. Ele era minúsculo, e eu, gigante. Admito que a experiência foi um desafio. Pensei que fosse ter que esperar até pelo menos os 30 anos para estrear no cinema. Mas ali estava eu, aos 22, nos Estados Unidos, fazendo o papel de um semideus. Quantas pessoas conseguem viver um sonho assim? “Você deveria estar feliz!”, falei para mim mesmo.

Ao mesmo tempo, pensei: “Mas eu não estou pronto. Nem aprendi nada sobre interpretação!”

Se eu tivesse experiência como ator, tudo teria sido muito melhor. Os produtores contrataram um instrutor de interpretação e outro para os diálogos, mas duas semanas de trabalho com eles não conseguiram compensar minhas deficiências no inglês e minha falta de experiência. Eu não estava à altura. Não fazia a menor ideia do que esse tipo de atuação deveria envolver. Nem sequer era capaz de compreender todas as frases do roteiro.

O cara que fazia Zeus era Ernest Graves, um veterano de novelas de televisão. Lembro que um dia comecei a rir durante uma filmagem, porque ele fez uma voz portentosa de Zeus para um discurso que devia pronunciar, e a voz soava totalmente diferente da do cara que eu conhecera no trailer de maquiagem. Ele realmente incorporou o personagem, e achei aquilo engraçado. Mas é claro que não se pode rir em um set de filmagem. É importante ser solidário e mostrar que você acredita na interpretação do colega. Quando se está por trás das câmeras, deve-se manter o personagem, representar o seu papel e dar o melhor de si para ajudar o ator que está em cena a alcançar o melhor resultado. Isso é fundamental, mas eu não fazia a menor ideia. Quando alguma coisa me parecia engraçada, eu ria e pronto.

No penúltimo dia, finalmente senti o que significava atuar. Estávamos filmando uma cena carregada de emoção: o adeus entre Hércules e Pretzie. Entrei totalmente no personagem, da forma que todo mundo sempre fala quando se refere a interpretação. Depois da cena, o diretor veio falar comigo:

– Fiquei todo arrepiado quando você fez isso.

– É, foi estranho mesmo – respondi. – Eu senti a cena de verdade.

– Você tem potencial. Acho que tem chance como ator, porque à medida que as filmagens foram avançando você começou mesmo a aprender como se faz.

Um dos produtores perguntou se podia me pôr nos créditos como Arnold Strong – “forte” –, pois, segundo ele, ninguém conseguia pronunciar Schwarzenegger, um sobrenome absurdo. Além do mais, pôr Arnold Strong e Arnold Stang no cartaz seria engraçado. Na edição, minha voz foi dublada pela de outro ator, porque meu sotaque era carregado demais para ser compreensível. Talvez a coisa mais incrível em relação a Hércules em Nova York tenha sido que, durante muitos anos, o filme nem sequer foi exibido nos Estados Unidos: a produtora faliu, de modo que ele foi parar na gaveta antes de ser lançado.

Mesmo assim, fazer o papel de Hércules ia além de qualquer sonho que eu pudesse ter tido. E eles ainda me pagaram 1.000 dólares por semana. O melhor de tudo foi poder mandar fotografias para meus pais e escrever: “Estão vendo? Eu disse que iria dar tudo certo. Vim para os Estados Unidos, ganhei o Mister Universo e agora estou trabalhando no cinema.”


VOLTEI MUITO FELIZ PARA A CALIFÓRNIA. Joe Weider prometera me bancar por um ano, e o tempo havia se esgotado. Mas não havia dúvida de que ele queria que eu ficasse. Conforme eu ia fazendo mais e mais sucesso, ele ia inventando novas maneiras de me incluir nas matérias e nos anúncios de suas revistas. Perguntou se eu poderia entrevistar outros fisiculturistas com um gravador. Não precisaria escrever as matérias, apenas gravar as fitas, e os redatores as transformariam em uma série de artigos para mostrar aos leitores os bastidores do esporte. Tudo o que eu precisaria fazer seria conversar com os outros sobre suas rotinas de treino, suas dietas, as vitaminas que eles tomavam e assim por diante. Os entrevistados foram à nossa casa e Franco lhes preparou uma farta refeição italiana – bancada por Joe, é claro, assim como as garrafas de vinho que foram abertas. Quando todo mundo já estava bem relaxado, saquei o gravador. Não sei muito bem como, mas não conseguimos chegar ao assunto dos treinos e da alimentação. A primeira coisa que eu disse foi:

– Queremos conhecer todas as suas namoradas. Vocês já saíram com algum cara? O que costumam fazer na cama?

Quando mostramos a fita a Joe, no dia seguinte, os olhos dele foram se arregalando até se esbugalharem.

– Mas que droga! Que droga! – explodiu ele. – Seus idiotas! Palhaços! Não tem nada aqui que eu possa usar!

Franco e eu morremos de rir, mas eu prometi refazer as entrevistas.

Comecei a fazer as gravações com os fisiculturistas um a um. A maioria não tinha nenhuma rotina de treinos muito interessante. No entanto, percebi que os redatores de Joe podiam escrever matérias a partir de qualquer coisa. Assim, depois das primeiras vezes, sempre que eu ficava entediado, simplesmente interrompia a entrevista. As fitas que entregava a Joe foram ficando cada vez mais curtas. Ele reclamava, mas continuava querendo muito que eu seguisse com o projeto, e eu dizia com cara de inocente:

– Não posso fazer nada se eles não têm nenhuma ideia.

As últimas duas entrevistas tinham cinco e oito minutos, e Joe finalmente desistiu.

– Ah, que droga – vociferou. – Devolva meu gravador, então.

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