CAPÍTULO 7
Especialistas em mármore e pedra
O DINHEIRO QUE JOE ME PAGAVA NUNCA durava muito. Eu vivia tentando encontrar maneiras de ganhar mais. À medida que meu inglês foi melhorando e pude começar a explicar como treinar, passei a dar seminários na Gold’s e em outras academias. Cada um deles me rendia 500 dólares.
Também criei um negócio de vendas por correspondência com sede no meu próprio apartamento. Tudo começou por causa das cartas de fãs que eu recebia. As pessoas queriam saber como era meu treinamento para os braços ou o peito e me perguntavam como elas próprias poderiam entrar em forma. Eu não conseguia responder a tantas cartas, então, no início, pedi aos redatores da revista que me ajudassem a elaborar alguns modelos que eu pudesse enviar. Foi assim que tive a ideia de vender uma série de apostilas.
Ao contrário da Europa, nos Estados Unidos não havia um milhão de obstáculos para se abrir um negócio. Eu só tive que ir à prefeitura e pagar 3,75 dólares por um alvará, depois alugar uma caixa postal para receber os pedidos. Em seguida precisei ir ao Conselho de Uniformização Fiscal do estado da Califórnia e à Receita Federal. Eles me perguntaram:
– Quanto o senhor acha que vai ganhar?
– Mil dólares por mês, assim espero.
Então paguei 320 dólares, valor estimado da primeira parcela de impostos. Não houve nenhum interrogatório. Os funcionários eram educados, gentis e prestativos. Quando Franco e eu abrimos uma empresa de serviços de pedreiro, foi a mesma coisa. Saímos balançando a cabeça e ele comentou: “É por isso que chamam este país de terra das oportunidades.” Estávamos felicíssimos.
As apostilas eram, basicamente, os artigos que eu vinha escrevendo para Joe e que os redatores e fotógrafos me ajudavam a aprimorar acrescentando detalhes e fotos. Fizemos uma para braços, outra para peito, uma para costas, uma para panturrilhas e coxas, sempre explicando como obter um corpo mais simétrico, como ganhar peso, como posar e assim por diante. Foram 10 apostilas no total. Era possível encomendar a série inteira por 15 ou 20 dólares, ou então escolher qualquer volume avulso por 1 ou 2 dólares cada um. As pessoas também pediam fotografias minhas, de modo que mandei imprimir um álbum com as minhas preferidas. Joe Weider tinha um grande negócio de venda por correspondência, é claro, mas ele na verdade não considerava seus fisiculturistas concorrentes. Eu o convenci a me ceder espaço publicitário de graça nas suas revistas. “Você poderia começar a me pagar por me usar nos seus anúncios”, falei, “mas prefiro que me dê essa oportunidade.” Achava que Joe fosse aceitar, porque ele sempre odiava gastar dinheiro. Ele não só concordou como nos deu total apoio: disse que eu poderia começar com uma página inteira e que, se o negócio deslanchasse mesmo, poderíamos passar para uma página dupla.
Muitos fisiculturistas fracassaram nas vendas por correspondência porque recebiam o dinheiro mas não conseguiam se organizar para enviar o produto. Pela lei, era preciso entregar as encomendas dentro de determinado prazo. Se o correio recebesse reclamações, sua caixa postal era confiscada e seu negócio ia para o espaço. Você podia até pegar cadeia. Mas eu era supereficiente. Tirei as portas do armário do meu quarto para criar um nicho e pedi a um amigo que fizesse prateleiras e uma pequena escrivaninha dobrável para mim. Cada apostila tinha seu próprio escaninho numerado, e havia cestos para correspondência recebida, cheques, envelopes e encomendas a serem enviadas.
Minhas apostilas foram um sucesso. Em pouco tempo, acrescentei um cinturão para musculação com a marca Schwarzenegger e outros produtos, o bastante para um anúncio de página dupla. Isso atraiu ainda mais clientes. O negócio foi aumentando tanto que eu pude contratar uma secretária para trabalhar alguns dias por semana e atender à maior parte dos pedidos.
Antes de publicar os anúncios na revista, eu sempre os mostrava a Joe, porque ele era um verdadeiro rei do merchandising. Ele dissecava meu texto quase palavra por palavra. “Por que não escrever: ‘Pedido atendido em poucos dias’?”, perguntava ele. “Ponha isso no anúncio! As pessoas querem saber que podem confiar em você. E deveria colocar também: ‘Apostila com tiragem limitada.’ Todo mundo adora tiragens limitadas!”
Eu estava adorando ser um empreendedor americano. Com as vendas por correspondência, estava trilhando o mesmo caminho de Charles Atlas!
Logo criei outro negócio, dessa vez com Franco. Sua ideia era que trabalhássemos na construção civil, porque ele já tinha atuado nesse ramo tanto na Itália quanto na Alemanha e acreditava que as pessoas iriam querer contratar dois caras fortes. Quando fomos ao sindicato, porém, descobrimos que poderia levar meses para nos inscrevermos.
“Por que não criamos a nossa própria empresa?”, perguntei a Franco. Ele tinha experiência no ofício de pedreiro, e eu na administração de um negócio. Então, foi o que fizemos. Pusemos um anúncio no jornal dizendo: “Pedreiros europeus. Especialistas em mármore e pedra.” Não demoramos a conseguir nosso primeiro trabalho: construir um muro para um cara cuja casa, em Venice, pertencera ao astro do cinema mudo Rodolfo Valentino.
Franco e eu tínhamos percebido que os americanos adoravam tudo o que era estrangeiro: massagens suecas, design italiano, ervas chinesas, engenhosidade alemã. Decidimos que devíamos ressaltar o fato de sermos europeus. O detalhe de Franco ser italiano era particularmente útil. Veja o Vaticano! A arquitetura italiana é imbatível. Eu também já havia reparado que os americanos gostam de pechinchar um pouco e de ter a impressão de estar fazendo um bom negócio – ao contrário dos alemães, que se mostram mais dispostos a aceitar o preço pedido. Assim, Franco e eu bolamos uma cena. Eu levava uma trena, tirava medidas e fazia um orçamento. Para aumentar a aura europeia de mistério, as medidas eram sempre em metros e centímetros, em vez de polegadas e pés. Então mostrava os números a Franco e começávamos a bater boca em alemão na frente do cliente.
– O que está acontecendo? – perguntava o cliente.
– Bom, o senhor sabe como são os italianos – dizia eu, revirando os olhos. – Não entendo por quê, mas Franco acha que a sua varanda vai custar 8 mil dólares. Ele quer encomendar x tijolos, muito mais que o necessário. Sério, cá entre nós, eu acho que podemos fazer tudo por 7 mil. Vão sobrar vários tijolos, que podemos devolver para pedir os mil dólares de volta.
E assim o cliente começava a confiar em mim na mesma hora.
– Quanta gentileza a sua tentar me fazer o melhor preço.
– Bom, nós queremos ser competitivos. O senhor com certeza pediu outros orçamentos, não é?
– Pedi, claro.
– Está vendo, Franco? – dizia eu.
Então batíamos boca em alemão mais um pouco e o cara saía todo feliz depois de fecharmos o serviço por 7 mil.
Adorávamos trabalhar como pedreiros e tínhamos a sensação de ser muito produtivos. Mas também nos divertíamos bastante. Certa vez, uma mulher apresentou o orçamento de um concorrente nosso: ele cobrara 5 mil para trocar a chaminé da casa dela, e nesse preço estavam inclusos os mil dólares para demolir a antiga.
– Mil dólares? – estranhou Franco. – Me deixe dar uma olhada.
Ele subiu no telhado, apoiou as costas nas telhas e, como se estivesse no aparelho de leg press da academia, fez um movimento com as pernas que arrancou a chaminé inteira. Esta quase foi parar em cima da mulher, que assistia a tudo lá do chão. Em vez de se zangar, porém, ela ficou agradecida.
– Ah, muito obrigada por me ajudar! Que perigo! Essa chaminé poderia ter caído na cabeça de alguém.
Ela não só nos contratou para o serviço como nos deixou ficar com os tijolos velhos, que eu vendi para outro cliente dizendo que eram “tijolos vintage”.
Outro cliente queria refazer o muro em volta da sua casa. Chegamos à conclusão de que demolir o muro antigo seria um trabalho pesado o suficiente para valer como nosso treino do dia. Alugamos os maiores martelos que conseguimos encontrar e eu disse a Franco para transformarmos aquilo em uma disputa. “Você começa daquele lado e eu começo deste aqui”, sugeri. “Vamos ver quem chega ao meio primeiro.” Começamos a martelar feito uns doidos, e eu teria ganhado caso uma lasca de muro não tivesse voado e quebrado a janela de vitral antiga do cliente. Lá se foi nosso lucro.
Fazia menos de um ano que Franco e eu tínhamos aberto a empresa quando um grande terremoto atingiu o Vale de São Fernando, no dia 9 de fevereiro de 1971. Varandas ficaram deformadas, paredes racharam, chaminés despencaram dos telhados. Era a melhor oportunidade que poderíamos ter tido. Logo pusemos nosso anúncio no Los Angeles Times e arrumamos tanto serviço que trabalhávamos dia e noite. Contratamos alguns dos fisiculturistas da praia para nos ajudar – em determinado momento, chegamos a ter 15 deles misturando cimento e carregando tijolos. Era uma visão bem engraçada, mas não podíamos depender daqueles homens. Eles simplesmente não eram capazes de trabalhar diariamente. Joe tinha razão: alguns deles eram uns preguiçosos caras de pau.
Com o dinheiro que ganhamos, Franco e eu conseguimos comprar carros melhores e pagar por aulas de melhor qualidade. Também pudemos fazer nosso primeiro investimento. Na época, as companhias aéreas estavam planejando utilizar aviões supersônicos, e havia o projeto de construir um aeroporto supersônico em Palmdale, logo depois das montanhas, uns 80 ou 100 quilômetros a nordeste de Los Angeles.
Eu queria ficar rico muito depressa. Quando descobri a história do aeroporto, pensei: “Poderia ser um ótimo investimento.” Dito e feito: um ou dois meses depois, recebemos um exemplar do jornal da região, o Antelope Valley Press, que trazia na primeira página um magnífico desenho de como ficaria o aeroporto: imenso, bem futurista, exatamente como eu imaginara que seriam os Estados Unidos. Aquilo, sim, era pensar grande! Em Graz, as autoridades se preocupavam se o aeroporto deveria receber três ou quatro aviões por dia. “Isso vai ser importante”, pensei.
Imaginei que, quando se constrói um aeroporto dessa magnitude, é preciso ter armazéns em volta, além de shoppings, restaurantes, empreendimentos residenciais, prédios públicos – mais e mais crescimento. Então disse a Franco: “Vamos descobrir se tem alguma coisa à venda.” Não demorou muito para o Antelope Valley Press publicar outra matéria de capa sobre como havia empresas comprando grandes terrenos que depois loteavam para revender.
Um senhor de uma dessas empresas nos levou para ver um terreno. Na época, o Vale dos Antílopes era uma região abandonada, não passava de deserto. Levamos duas horas para chegar lá, de ônibus, e o cara passou a viagem inteira falando sobre o projeto. Explicou como iriam construir uma autoestrada até Palmdale e disse que o aeroporto seria internacional. No futuro, poderia vir até a ser usado para aviões espaciais. Ficamos impressionados. Quando chegamos, ele nos mostrou por onde chegariam a energia elétrica e a água, confirmando meu instinto de que aquela seria uma boa oportunidade. Comprei 4 hectares de terreno por um total de 10 mil dólares, e Franco, 2, bem ao lado de onde ficaria a pista de pouso e perto do local onde haveria um complexo de arranha-céus. Não tínhamos 15 mil dólares em dinheiro vivo, de modo que combinamos pagar 5 mil e mais 13 mil de principal e juros ao longo dos anos seguintes.
É claro que nada disso levava em conta o problema do ruído supersônico e de como ele afetaria as pessoas que morassem sob a rota dos aviões. A questão virou uma enorme disputa no mundo inteiro, não apenas nos Estados Unidos. Os governos acabaram decidindo que as companhias aéreas só poderiam fazer os aviões voarem numa velocidade superior à do som quando estivessem acima dos oceanos – e Franco e eu acabamos com vários hectares de deserto encalhados. O empreendedor insistia que tudo não passava de um obstáculo passageiro. “Não vendam”, dizia ele. “Seus netos ainda vão aproveitar essas terras.”
EU NÃO ESTAVA MENTINDO PARA JOE WEIDER quando lhe disse que tanto eu quanto Franco seríamos campeões. Foi estarrecedor ver a rapidez como meu amigo italiano se transformou em um fisiculturista de categoria internacional. O fato de sermos parceiros de treino era uma grande vantagem. Quando começáramos a malhar juntos, em Munique, não tínhamos como saber muita coisa sobre o que os fisiculturistas americanos estavam fazendo, então tivemos que aprender sozinhos, do zero. Descobrimos dezenas de princípios e técnicas de treino, que fomos avaliando progressivamente. Podia ser algo importante, como as flexões plantares com 453 quilos que aprendi com Reg Park, ou coisas mais sutis, como fazer uma rosca bíceps com o pulso virado em determinada direção. Uma vez por semana, escolhíamos um exercício novo e fazíamos séries e repetições até não conseguirmos mais continuar. Então, no dia seguinte, analisávamos que músculos e grupos musculares estavam doloridos e anotávamos. Dessa forma, passamos um ano inteiro fazendo um levantamento sistemático de nossos corpos e elaborando um inventário com centenas de exercícios e técnicas. Mais tarde, essas anotações serviram de base para a Enciclopédia de fisiculturismo e musculação, livro que publiquei em 1985.
Uma de nossas descobertas mais importantes foi que você não pode simplesmente copiar o treino de outra pessoa, porque cada corpo é único. Cada um tem sua própria proporção entre tronco e membros e diferentes vantagens e desvantagens genéticas. Você pode até pegar uma ideia de outro atleta, mas precisa entender que o seu corpo talvez reaja de maneira muito diferente.
Esses experimentos nos ajudaram a encontrar formas de corrigir fraquezas específicas. Franco, por exemplo, tinha as pernas arqueadas, então inventamos um jeito de ele desenvolver as partes internas de suas coxas fazendo agachamentos com as pernas mais afastadas uma da outra. Depois bolamos técnicas para fazer as partes internas de suas panturrilhas ficarem maiores. Ele nunca conseguiria enganar os jurados e fazê-los pensar que tinha as pernas perfeitamente retas. Mas eles ficariam impressionados ao ver como ele dera um jeito de contornar aquela deficiência.
Para o confronto com Sergio Oliva, eu estava decidido a aprimorar minhas poses. Franco e eu passamos semanas treinando nossas sequências. Para ganhar, você precisa conseguir manter cada pose por vários minutos. A maioria dos fisiculturistas que eu conheço consegue fazer uma pose de vácuo, por exemplo, na qual se encolhe a barriga no intuito de chamar atenção para o desenvolvimento do peito. Mas muitas vezes eles não conseguem manter a pose, ou porque se aqueceram demais nos bastidores, ou então porque estão ofegantes em consequência das poses anteriores. Ou ainda porque ficam com cãibras ou começam a tremer.
Assim, um de nós mantinha uma pose por vários minutos, enquanto o outro ia assinalando o que precisava ser ajustado. Eu fazia uma pose de bíceps e Franco dizia: “Estou vendo seu braço tremer. Pare de tremer.” E eu fazia o braço parar de tremer. Então ele dizia “Certo, agora sorria”, ou “Gire um pouco a cintura”, e depois: “Certo, agora faça uma pose de três quartos de costas. Ah, você deu um passo a mais. Não pode. Comece outra vez.”
É preciso treinar cada pose e cada transição, porque esse passo a mais é exatamente o que pode fazer você perder diante dos jurados. Eles vão pensar: “Isso foi antiprofissional. Você não está pronto para o pódio. Você é um imbecil, porra! Desça do palco. Não consegue nem manter a pose. Não treinou nem as coisas mais simples.”
No caso do Mister Olympia, o mais importante não é necessariamente o que acontece enquanto você está posando. Os jurados partem do princípio de que isso você sabe fazer. O que interessa mesmo é o que você faz entre as poses. Como as mãos se movem? Qual é a expressão do rosto? E a postura geral do corpo? É parecido com o balé. O que vale é estar com as costas eretas e a cabeça erguida, e não virada para baixo. E nunca, jamais dar um passo desnecessário. À medida que você encadeia as poses, precisa visualizar a si mesmo como um tigre: lento e fluido. Fluidez, sempre. E precisão: não pode parecer que você está fazendo força, pois isso também é sinal de franqueza. Você tem que ter controle total do próprio rosto. Pode estar fazendo um baita esforço e estar completamente sem ar, mas tem que respirar pelo nariz e manter a boca relaxada. Ofegar seria o pior de tudo. Então, quando você volta ao palco para a pose seguinte, tem que parecer confiante e ter uma aparência perfeita.
Minha preparação para enfrentar Sergio não se restringia aos exercícios na academia. Comprei um projetor, juntei toda uma coleção de apresentações dele em competições e, em casa, assisti a esses filmes inúmeras vezes. Sergio tinha mesmo um físico espantoso, mas reparei que ele vinha usando a mesma sequência de poses havia muitos anos. Era uma informação que eu poderia usar na preparação para nosso derradeiro confronto na disputa do Mister Olympia. Decorei as poses na ordem em que ele as fazia e me preparei para cada uma com três poses minhas. Ensaiei e visualizei essa sequência vezes sem conta: “Quando ele fizer aquilo, eu farei isso, e isso, e isso!” Meu objetivo era ofuscar cada pose que Sergio fizesse.
Certo dia, mais tarde nesse mesmo verão, o telefone da Gold’s tocou e o gerente gritou do balcão:
– Arnold, tem um cara chamado Jim Lorimer querendo falar com você.
– Sobre o quê?
– Sobre a competição de Mister Mundo.
– Pergunte se eu posso ligar depois. Estou no meio do treino.
Essa ligação se revelou uma daquelas coisas mágicas que aconteceram comigo e que eu jamais poderia ter planejado. Até hoje Jim ri ao se lembrar. Quando retornei sua ligação, ele explicou que era o organizador dos campeonatos mundiais de levantamento de peso olímpico, que, naquele ano, seriam sediados pelos Estados Unidos na cidade de Columbus, em Ohio. Depois das competições haveria uma disputa de fisiculturismo pelo título de Mister Mundo, e ele queria que eu participasse.
Como nunca tinha ouvido falar em Jim Lorimer, dei uns telefonemas para saber se alguém o conhecia. Não levei muito tempo para descobrir que era tudo verdade. Ex-agente do FBI, Jim tinha uns 20 anos a mais que eu e era uma figura importante do esporte americano: fora diretor do Comitê Olímpico dos Estados Unidos e pioneiro na formação das equipes femininas para competir com o bloco soviético. Ganhava a vida como executivo da Nationwide Insurance, seguradora que era a maior geradora de empregos de Columbus, além de ser prefeito de Worthington, nos seus arredores, e um político muito bem relacionado. Havia muitos anos organizava os campeonatos nacionais de levantamento de peso olímpico e o concurso de Mister América em Columbus, em nome da AAU, e, segundo meus amigos, os eventos eram sempre bem organizados. Esse fora um dos grandes motivos que levara aquela cidade a ser escolhida como sede do campeonato mundial de 1970, e Jim fora chamado para planejá-lo.
Verifiquei o calendário e me dei conta de que o Mister Mundo seria no dia 25 de setembro, ao passo que a disputa de Mister Universo em Londres era no dia 24 de setembro e a de Mister Olympia, em Nova York, estava marcada para 7 de outubro. Pensei: “Caramba. Em teoria, eu poderia ganhar o Mister Universo em Londres, voltar para Columbus a fim de ganhar o Mister Mundo e depois participar do Mister Olympia. Seria inacreditável.” Em um intervalo de apenas duas semanas, eu poderia abarcar as três federações que controlavam todas as competições de fisiculturismo. Ganhar os três concursos seria como unificar o título de pesos pesados no boxe, o que faria de mim o campeão mundial inconteste.
Fiquei muito animado até começar a verificar os horários dos voos. Então liguei para Jim. “Eu quero participar”, comecei. “Só que não tenho como chegar a tempo da disputa do Mister Universo. O primeiro voo de Londres depois da competição só chega a Nova York às duas da tarde. E a conexão de Nova York para Columbus é só às cinco, horário em que começa a sua competição. A não ser que o senhor consiga fazer um milagre, não tenho como chegar a tempo. Já conversei com outros fisiculturistas importantes da disputa de Mister Universo, como Franco Columbu, Boyer Coe e Dave Draper, e todos eles estariam dispostos a me acompanhar. Mas não vemos como isso seria possível. Ouvi dizer que o senhor é um organizador de primeira linha e que é muito bem relacionado. Então vamos ver se consegue dar um jeito nisso.”
Jim Lorimer precisou de apenas um dia. Ele ligou de volta para mim e falou: “Nós vamos mandar um jatinho.” Era um jato corporativo da Volkswagen, um dos patrocinadores do evento. “Eles vão buscar vocês em Nova York.”
NÃO ACREDITEI QUANDO MEU ÍDOLO Reg Park se inscreveu para disputar o Mister Universo. Pensei que ele estivesse do meu lado! Quando um jornalista me perguntou qual seria a sensação de competir com o maior Mister Universo da história, deixei de lado minha atitude descontraída habitual. “Segundo maior”, corrigi. “Eu ganhei o título mais vezes que ele.”
Ex-campeões de fisiculturismo viviam reaparecendo depois de aposentados para exibir os resultados de seus treinos, renovar sua imagem ou por outro motivo qualquer. Reg tinha conquistado seus títulos de Mister Universo a intervalos grandes – 1951, 1958 e 1965 –, e talvez quisesse impor sua derradeira marca ao evento. Ou talvez eu estivesse recebendo tanta atenção que ele quisesse mostrar que a antiga geração ainda estava no comando. Fossem quais fossem os seus motivos, a participação dele nos tornava rivais de uma forma que eu não previra.
Quando nos encontramos na sala de aquecimento, mal nos cumprimentamos. A competição foi estranha para todo mundo. Os jurados não estavam à vontade, e os fãs tampouco. Em geral, antes de uma disputa os outros fisiculturistas vêm dar uma palavrinha: “Você está ótimo, vai ganhar.” Mas todos os que gostavam de nós dois não souberam o que dizer para um com o outro presente bem no outro canto da sala.
A realidade é que um fisiculturista que já passou dos 40 anos simplesmente não pode treinar tão pesado como quando tinha 23. Eu estava em melhor forma física que Reg, e não necessariamente por conta do esforço, mas simplesmente por causa da idade. A pele dele não tinha tanto viço, e os músculos estavam em leve declínio, não no auge da força. Alguns anos antes, talvez tivesse sido diferente, mas agora era a minha vez de ser o rei. Nesse dia, Reg foi bom o bastante para vencer todos os outros competidores, incluindo um ex-Mister Universo de apenas 28 anos. Mas não foi bom o suficiente para me derrotar.
Fiquei feliz com a vitória, mas ao mesmo tempo triste. Meu objetivo era superar Sergio Oliva, e eu não precisava derrotar Reg para alcançar meu sonho.
No dia seguinte, o jatinho da Volkswagen que Jim Lorimer prometera estava à nossa espera na pista de pouso em Nova York. Jatinhos particulares eram muito mais raros naquela época que hoje em dia e, para mim e meus companheiros, aquele foi um momento eletrizante: nossa sensação era de estar finalmente recebendo o mesmo tratamento privilegiado de outros grandes atletas. Voamos até Columbus e fomos de carro ao Veterans Memorial Auditorium, onde o evento seria realizado. Quando chegamos, os outros competidores já estavam no meio do aquecimento.
Fiquei totalmente chocado ao encontrar Sergio Oliva em Columbus. Ele era um competidor secreto sobre o qual ninguém havia nos falado. “Puta que pariu!”, pensei. Além do mais, ele parecia estar em excelente forma. Eu esperava enfrentá-lo dali a duas semanas, não naquele dia.
Levei alguns minutos para cair em mim e entender que grande oportunidade era aquela. Embora eu não soubesse que Sergio iria participar, percebi que ele sabia sobre mim. Isso significava que tinha ido a Columbus para me surpreender e me anular, de modo que eu já estivesse derrotado antes mesmo de chegarmos a Nova York, o que lhe daria uma vitória folgada no Mister Olympia.
No entanto, raciocinei, o que podia funcionar para ele também poderia funcionar para mim. “Se eu o derrotar hoje, será o fim de suas chances em Nova York”, pensei.
Eu tinha que passar à marcha superior. É como quando se tem um carro esporte superveloz, com injeção de óxido nitroso no motor: basta apertar um botão e 100 cavalos de força extra entram em ação quando necessário. Eu precisava apertar esse botão.
Tirei a roupa, passei óleo no corpo e comecei a me aquecer. Fomos chamados e subimos os dois ao palco.
O Mister Mundo era, disparado, o maior evento de fisiculturismo que eu já vira. Cinco mil espectadores lotavam o auditório, o dobro dos campeonatos de Londres e Nova York. E mais: havia luzes, câmeras e apresentadores do programa esportivo ABC Wide World of Sports. Aquela era a primeira competição de fisiculturismo a ser gravada para uma rede nacional de televisão.
Não fazia diferença se o auditório tinha 5 mil ou 500 lugares: eu sabia que, se conseguisse conquistar o público com meus talentos de vendedor e meu charme, poderia influenciar os jurados e obter a vantagem. Sergio estava fazendo o mesmo jogo, pavoneando-se pelo palco, acenando e jogando beijos para os fãs. Ele tinha uma grande legião de seguidores, e não tive dúvidas de que várias dezenas deles estavam presentes na plateia. Os quatro principais competidores eram eu, Sergio, Dave Draper e Dennis Tinerino. Subimos todos juntos ao palco para que a banca de sete jurados internacionais pudesse nos ver pela primeira vez. O apresentador pediu que cada um fizesse algumas de suas poses preferidas. Quando obedecemos, todos ao mesmo tempo, o público aplaudiu e gritou. A energia era vibrante.
Em comparação com os outros adversários que eu já havia enfrentado, Sergio de fato se destacava. Assim que subimos ao palco, mais uma vez eu me dei conta desse fato. Era muito difícil passar boa impressão ao lado daquelas coxas extraordinárias, da cintura quase impossível de tão fina, dos tríceps inacreditáveis. Pensei que talvez eu pudesse ter uma leve vantagem com os jurados, já que acabara de conquistar o Mister Universo. Ou talvez Sergio tivesse uma leve vantagem por ser muito mais talentoso no levantamento de peso olímpico e pelo fato de a maioria dos jurados vir dessa área.
Para me animar, comecei a procurar qualquer vantagem, por mais ínfima que fosse. Naquele momento, sob as luzes fortes da TV, Sergio me pareceu um pouco flácido. Isso me animou. Descobri que eu era realmente capaz de prever seus movimentos e comecei a imitar cada pose sua. A plateia adorou isso, e pude ver as câmeras de TV se virarem dele para mim e de volta para ele. Quando saímos do palco, tive a sensação de ter ganhado aquela primeira rodada.
A partir daí, tudo melhorou. Nos bastidores, Sergio havia exagerado tanto no óleo que a substância começou a escorrer quando ele foi posar, dando-lhe um aspecto mais liso que definido. Além disso, durante sua série individual ele fez as poses um pouco depressa demais para os espectadores de fato poderem absorvê-las. Quando chegou a minha vez, prestei atenção para manter as poses por tempo suficiente para estabelecer uma conexão com a plateia, de modo que cada uma provocasse gritos ainda mais altos, e ninguém quis que eu saísse do palco. Era como se Sergio estivesse competindo pela primeira vez, enquanto eu me sentia completamente à vontade.
Na última sequência, eu estava totalmente afiado. Fosse qual fosse a pose que Sergio fizesse para exibir sua força, eu fazia outra equivalente para exibir a minha. Mais importante, porém, era que, ali, quem estava disposto a dar tudo de si era eu. Eu estava com mais garra que Sergio. Queria o título mais do que ele.
Os jurados me deram o primeiro lugar por unanimidade. Isso não deveria ter sido nenhuma surpresa, mas Sergio era campeão havia tanto tempo que ficou realmente chocado. Passei um minuto em pé, sem me mexer, repetindo para mim mesmo: “Não acredito. Não acredito. Acabei de derrotar Sergio.” O prêmio foi um imenso troféu de prata, um relógio elétrico bem moderno para a época e 500 dólares em dinheiro – além de mais popularidade e energia para durar até Nova York.
Quando saí do palco segurando o troféu, fiz questão de fazer duas coisas. A primeira foi agradecer a Jim Lorimer.
– Esta é a competição mais bem organizada que eu já vi – falei. – Quando eu me aposentar do fisiculturismo, vou telefonar para você e nós vamos ser sócios. Vamos subir aqui mesmo, neste palco, para organizar o concurso de Mister Olympia.
Jim apenas riu e retrucou:
– Tá bom, tá bom.
Deve ter sido o elogio mais estranho que ele já tinha escutado, sobretudo vindo de um garoto.
A segunda coisa foi perturbar um pouco o juízo de Sergio. É burrice deixar alguma coisa ao acaso quando se está tentando desbancar o detentor de três títulos de Mister Olympia. Se a disputa em Nova York fosse apertada, pensei, os jurados dariam a vitória a ele. Eu precisava derrotá-lo por completo no palco e fazer com que o júri não tivesse dificuldade em me escolher. Então disse a ele que pensava ter vencido naquele dia porque conseguira ganhar bastante massa muscular desde que ele havia me derrotado em Nova York no ano anterior. Ele estava um pouco leve, e era por isso que havia perdido, e blá-blá-blá. Queria que ele fosse embora pensando que teria que ganhar alguns quilos para competir. Ele já estava flácido nesse dia, e eu queria que sua flacidez fosse ainda mais evidente quando ele chegasse a Nova York.
O MISTER OLYMPIA SE REALIZARIA DALI A duas semanas em um teatro elegante de Manhattan, e na data marcada, por volta do meio-dia, vários de nós nos reunimos na academia vizinha Mid City. Assim que vi Sergio, comecei a provocá-lo falando sobre comida e Franco se juntou a mim, perguntando-lhe se ele havia emagrecido. Isso fez todo mundo dar risada, exceto Sergio. Na verdade, como eu logo iria constatar, ele mordera a isca. Engordara quase 5 quilos nos 15 dias desde a derrota em Columbus, e ninguém consegue engordar tudo isso em duas semanas e manter um aspecto definido.
O teatro Town Hall tinha 1.500 lugares e certamente nunca havia acolhido uma plateia ruidosa como aquela. Os fãs dele entoavam “Sergio! Sergio! Sergio!”, enquanto os meus tentavam gritar mais alto: “Arnold! Arnold! Arnold!” Ao final de uma longa tarde, fomos chamados de volta para uma última sequência de poses no palco. Sergio mostrou seu repertório-padrão e, exatamente como eu havia planejado, não perdi tempo, fazendo três poses para cada uma das suas. A plateia foi ao delírio.
Os jurados, porém, continuaram pedindo que fizéssemos mais poses, até que comecei a pensar: “Já faz muito tempo que estamos posando.” E não parecia ser porque os jurados estavam indecisos. A demora em divulgar o resultado era porque os espectadores estavam em pé, enlouquecidos, e os jurados diziam: “Vamos continuar mais um pouco. O público está adorando.”
Estávamos exaustos. Foi então que dei o golpe de misericórdia. Tive uma ideia e disse a Sergio:
– Para mim chega. Acho que esses caras já devem saber quem vai ser o vencedor.
E ele respondeu:
– É, tem razão.
Então saiu por um dos lados do palco e eu comecei a sair pelo outro... mas dei apenas dois passos. Parei e fiz mais uma pose. Cheguei até a me virar para o seu lado e dar de ombros como quem pergunta: “Ué, cadê ele?”
Sergio voltou no mesmo instante para o palco, meio sem entender. A essa altura, porém, “Arnold” era o único nome que o público entoava, e alguns dos fãs chegaram a vaiá-lo. Aproveitei esse momento para exibir minhas melhores poses e ângulos profissionais. E foi isso. Os jurados fizeram uma curta deliberação nos bastidores e o apresentador voltou para anunciar que eu era o novo Mister Olympia.
O cubano nunca me disse nada sobre o fato de eu ter zombado dele, mas comentou com outras pessoas que estava com a sensação de ter sido enganado. Porém não era assim que eu via as coisas. Foi algo instintivo. Eu o havia aniquilado, no calor de uma disputa que àquela altura, de toda forma, já estava dominada.
Mesmo assim, a manhã seguinte foi estranha, porque Sergio, Franco e eu estávamos hospedados no mesmo quarto de hotel. Assim que acordou, Sergio me surpreendeu fazendo vários tipos de flexões e exercícios. Era um verdadeiro fanático. Imagine, malhar no hotel no dia seguinte a uma competição!
Tenho que admitir que fiquei triste por ele ter perdido. Sergio foi um grande campeão, ídolo de muita gente. Durante anos eu havia acalentado a ideia fixa de querer destruí-lo, aniquilá-lo, deixá-lo em segundo lugar, fazer dele um perdedor. Apesar disso, na manhã seguinte à minha vitória, acordei, olhei para ele ao meu lado e senti tristeza. Era uma pena que ele precisasse perder para abrir lugar para mim.