CAPÍTULO 13

Maria e eu

EMBORA MARIA E EU ESTIVÉSSEMOS EM campos opostos neste assunto, foi a política que nos aproximou geograficamente, quando ela se mudou para a Califórnia a fim de trabalhar na campanha presidencial de Teddy Kennedy, em 1980. Na política americana, praticamente não se tinha notícia de um presidente em exercício que fosse candidato à reeleição e tivesse que enfrentar um opositor de seu próprio partido. Mas o primeiro mandato de Jimmy Carter fora muito decepcionante, e o país estava em tamanha recessão que Teddy resolvera se candidatar. Naturalmente, quando um Kennedy se candidatava, todos os parentes o ajudavam. Se você fosse da família, esperava-se que pusesse a própria vida de lado para trabalhar na campanha.

A primeira coisa que Maria e sua amiga Bonnie Reiss fizeram foi cobrir meu jipe com cartazes e adesivos da campanha Kennedy 1980. Eu tinha um Cherokee Chief marrom do qual me orgulhava muito. Em comparação com os carros comuns, ele era imenso – foi o primeiro utilitário esportivo a ser fabricado –, e eu fora até o Oregon para buscá-lo e, assim, economizar mil dólares. Mandara instalar um alto-falante e uma sirene para me exibir ou assustar os outros motoristas e fazê-los sair da frente. Agora, porém, quando dirigia pela cidade, eu me afundava no banco, torcendo para ninguém me ver. Era estranho parar o jipe em frente à academia todos os dias: assim como a maioria dos frequentadores, eu era conhecido por ser republicano, e agora tinha um carro coberto de adesivos de Teddy.

Pessoalmente, estava torcendo para Ronald Reagan ser eleito, mas ninguém pedia minha opinião; era Maria que todos queriam ver. Hollywood, como se sabe, é uma grande cidade liberal, e a rede de contatos da família dela era enorme. Seu avô, Joe Kennedy, fora muito envolvido com a indústria do cinema, comandando três estúdios na década de 1920, e a família era conhecida por incluir figuras do entretenimento em suas campanhas políticas. Então todos os Kennedy acompanhavam tudo o que acontecia em Hollywood e buscavam apoio financeiro junto a atores, diretores e executivos da indústria. Peter Lawford, tio de Maria, era um grande astro, amigo de Frank Sinatra e Dean Martin. Ela crescera ouvindo falar nos integrantes daquele grupo de atores conhecido como “Rat Pack”, já os vira na propriedade de seus pais e frequentara a casa deles em Palm Springs. Assim que chegou a Los Angeles, em 1980, conheceu suas esposas.

O quartel-general da campanha dos Kennedy entrava em contato com estúdios e agências de talentos e marcava entrevistas a serem feitas por Maria com figurões e celebridades. A frase-padrão era “Maria gostaria de ir visitá-lo para conversar sobre um evento que estamos organizando”. A reação quase sempre era “Aimeudeus, uma Kennedy vai vir aqui!”, e as portas se escancaravam. Em geral, Maria era acompanhada por outros integrantes do comitê de campanha, mas às vezes eu ia junto, ou até mesmo a levava de carro. A candidatura de Teddy era tão controversa que não foi fácil obter apoio. Muitas vezes vi gente como o produtor Norman Lear explicar a ela por que não apoiaria Teddy e declarar que daria seu apoio ao candidato independente, o deputado de Illinois John Anderson, ou então votaria em Carter.

Maria não tinha nem 25 anos, mas já era uma personalidade e tanto. Isso ficara claro para mim desde o início. Em 1978, uns seis meses depois que nos conhecemos, eu ia posar para um ensaio fotográfico na revista Playgirl. Ara Gallant, meu estiloso amigo fotógrafo nova-iorquino, foi quem realizou o ensaio, e sugeri que simulássemos o cenário de uma cervejaria. Seria uma daquelas tradicionais, mas, em vez de alemãs grandonas servindo canecas de cerveja e vários tipos de linguiça, haveria garotas jovens e sensuais com os seios descobertos. Era uma daquelas ideias malucas que eu costumava ter, e Ara adorou. No entanto, quando comentei com Maria e contei que estávamos montando o esboço do ensaio, ela me disse na hora que aquilo seria um erro. “Pensei que você quisesse entrar para o cinema”, falou. “Se posar com essas garotas de peito de fora, os produtores vão falar ‘Ei, peraí! Eu quero esse cara estrelando meu filme’? Duvido. O que você pretende com isso?”

Admito que não tive resposta. Eu estava apenas sendo bobo e tinha dito para Ara: “Vamos fazer alguma coisa engraçada.” Não estava tentando obter nada com aquilo.

“Bom, já que o ensaio não tem objetivo e não vai levar você a lugar nenhum, não faça. Você não precisa disso. Já se divertiu, agora parta para outra.” Ela não sossegou enquanto não me convenceu e foi tão persuasiva que acabei fazendo a Playgirl desistir do ensaio e ressarcir a revista dos 7 mil dólares pagos pelas fotos.

Por causa do mundo em que fora criada, Maria tinha muita experiência em matéria de percepção do público. Ela foi a primeira namorada que tive que não tratou minhas ambições como um estorvo, algum tipo de maluquice que interferia na sua visão de futuro: casamento, filhos e uma casinha aconchegante em algum lugar – o estereótipo da vida americana. O mundo de Maria não era pequeno assim. Com os feitos de seu avô, seu pai, sua mãe e seus tios, o universo dela era gigantesco. Finalmente tinha conhecido uma garota cujas ambições eram grandes como as minhas. Eu havia alcançado alguns de meus objetivos, mas grande parte das minhas metas ainda era um sonho. E, quando eu falava sobre objetivos ainda maiores, ela jamais dizia: “Ah, deixe isso para lá, você nunca vai conseguir.”

Maria tinha visto isso acontecer na própria família. Ela vinha de um mundo em que o bisavô era imigrante e o avô tinha construído uma grande fortuna em Hollywood e nos ramos de bebidas, imóveis e outros investimentos. Era um universo em que ver um parente concorrer à presidência ou ao Senado não era nada incomum. Em 1961, ouvira o tio John F. Kennedy jurar que, ao final daquela década, os Estados Unidos fariam o homem pisar na Lua. Sua mãe, Eunice, era fundadora da Special Olympics. Seu pai, Sargent Shriver, foi diretor do Peace Corps e criador do programa de educação e treinamento gratuitos Job Corps, do Vista (Volunteers in Service to America, um programa nacional de voluntariado para o combate à pobreza) e do Legal Services (órgão de prestação de serviços jurídicos à população carente), tudo durante os mandatos de Kennedy e Johnson. Além disso, Sargent fora embaixador dos governos de Lyndon Johnson e Richard Nixon na França. Portanto, se eu dissesse “Quero ganhar 1 milhão por filme”, isso não soava absurdo aos ouvidos de Maria. Apenas a deixava curiosa. “E como você vai fazer?”, perguntava ela. “Admiro sua determinação. Não entendo como alguém pode ter tanta disciplina.” Além do mais, observando o que eu fazia, ela pôde ver algo que nunca havia testemunhado em primeira mão: como se transforma um dólar em dois, como se constroem empresas e como se vira um milionário.

Sua criação lhe proporcionara imensas vantagens, como uma educação excepcional e o conhecimento e a experiência extensos dos pais. Ela pudera estar em contato com pessoas influentes e ouvir suas ideias. Tivera a oportunidade de morar em Paris, onde seu pai fora embaixador, e de viajar pelo mundo. Crescera jogando tênis, praticando esqui e participando de exibições de equitação.

No entanto, também havia desvantagens. Eunice e Sarge eram tão autoritários que seus filhos nunca puderam desenvolver opinião própria sobre as coisas. Os dois faziam questão de mostrar a seus rebentos que eles eram inteligentes. “Que ótima ideia, Anthony”, eu ouvia Eunice dizer a seu caçula, que estava apenas começando o ensino médio. “Eu faria assim e assado, mas essa sua ideia é muito pertinente. Não tinha pensado nisso antes.” A família tinha uma rígida hierarquia na qual os pais, em geral Eunice, tomavam as decisões. Ela tinha uma personalidade muito dominadora, mas Sarge não se importava.

Quando se cresce em uma família assim, fica difícil tomar as próprias decisões e você acaba tendo a sensação de que não consegue viver sem a opinião de seus pais. Eunice e Sarge decidiam a que faculdades os filhos deveriam se candidatar, por exemplo. Sim, eles tinham alguma participação, mas no fim das contas quem dava as cartas eram os pais. Para falar a verdade, muitas vezes quem decidia não eram nem os pais em si, mas a família Kennedy. O grau de conformidade no clã era extremo. Por exemplo, nenhum dos 30 primos era republicano. Quando se reúnem 30 membros de qualquer família, é quase impossível todos terem os mesmos gostos e preferências. Era por isso que eu vivia provocando Maria:

– A sua família parece um bando de clones. Se você perguntar a um de seus irmãos qual é a cor preferida dele, ele não vai saber. Vai responder: “Nós gostamos de azul.”

Ela ria e dizia:

– Não é verdade! Veja só como eles são diferentes.

E eu respondia:

– São todos ambientalistas, esportistas, democratas, todos eles sempre apoiaram os mesmos candidatos e todos gostam de azul.

A outra grande desvantagem dizia respeito à percepção do público. Você podia fazer o que fizesse, mas, se fosse um Kennedy ou um Shriver, ninguém lhe dava crédito pelo seu sucesso. Pelo contrário, as pessoas diziam: “Bom, se eu fosse um Kennedy, também faria isso.” Por todos esses motivos, Maria teve que se esforçar mais do que alguém de qualquer outra família para formar a própria identidade.

Sarge e Eunice me receberam bem. Na primeira vez que Maria me levou à casa deles, em Washington, seu pai desceu a escada com um livro na mão. “Estava lendo aqui sobre suas grandes conquistas”, falou. Ele havia encontrado uma menção ao meu nome em um livro sobre imigrantes que tinham chegado aos Estados Unidos sem nada e alcançaram sucesso. Foi uma bela surpresa, porque eu não esperava ter sido citado em nenhum livro ainda. O fisiculturismo era uma coisa muito fora dos padrões. Pensei que as pessoas escrevessem sobre imigrantes como o ex-secretário de Estado Henry Kissinger, não sobre mim. Sarge foi muito elegante e muito generoso ao reparar nesse trecho e mostrá-lo para mim.

Eunice me pôs imediatamente para trabalhar. Ficou empolgada ao saber que eu havia participado da pesquisa da Special Olympics na Universidade do Wisconsin. Antes mesmo de perceber, eu já a estava ajudando a promover a ideia de incluir o levantamento de peso em sua organização e dando oficinas de musculação para deficientes mentais sempre que viajava.

Se os Shriver não tivessem sido tão encantadores, meu primeiro jantar em sua casa poderia ter sido difícil. Os quatro irmãos de Maria – Anthony, Bobby, Timothy e Mark – tinham entre 12 e 23 anos, e um dos mais novos foi logo dizendo:

– Papai, Arnold adora Nixon!

Sarge era grande amigo de Hubert Humphrey; na verdade, quando Humphrey disputara a presidência com Nixon em 1968, queria que Sarge fosse seu candidato a vice, mas a família Kennedy vetara a ideia.

Então me senti muito desconfortável sentado àquela mesa. Porém Sarge, o eterno diplomata, falou calmamente:

– Bom, todo mundo pensa diferente sobre esse tipo de coisa.

Mais tarde conversamos sobre o assunto e expliquei a ele por que admirava Nixon. Era minha reação por ter sido criado na Europa, onde o governo era totalmente responsável por tudo, 70% das pessoas ocupavam cargos públicos e a maior aspiração de todos era ter um emprego desses. Esse fora um dos motivos que me fizera emigrar para os Estados Unidos. Sargent por acaso sabia alemão, pois tinha origens germânicas e durante a década de 1930 costumava ir à Alemanha no verão para estudar, vestido com Lederhosen – traje típico alemão – e explorando de bicicleta os vilarejos das zonas rurais daquele país e da Áustria. No primeiro verão que passou lá, em 1934, a ascensão recente de Adolf Hitler ao poder como chanceler alemão não o impressionou muito. No segundo verão, porém, em 1936, ele aprendeu a reconhecer as camisas marrons dos integrantes da “tropa de assalto” paramilitar nazista, a Sturmabteilung (SA), e os uniformes pretos dos membros da guarda de elite de Hitler, a Schutzstaffel (SS). Lera sobre prisioneiros políticos internados em campos de concentração. Chegara até a ir a um comício de Hitler.

Ao voltar para casa, Sarge estava convencido de que os Estados Unidos deveriam manter distância da crise crescente na Europa – tanto que em 1940, então aluno de Yale, fora cofundador do grupo não intervencionista America First Committee (Primeiro Comitê Americano) junto com os colegas de turma Gerald Ford, futuro 38o presidente, e Potter Stewart, futuro juiz da Suprema Corte, entre outros. Apesar disso, alistara-se na marinha antes do ataque japonês a Pearl Harbor e servira durante toda a guerra. Conversamos em alemão diversas vezes. Ele não era propriamente fluente, mas sabia cantar nesse idioma.

As refeições na casa dos Shriver não poderiam ser mais diferentes daquelas com que eu tinha sido acostumado na minha família. À mesa do jantar, Sarge me perguntava:

– O que seus pais teriam feito se você falasse com eles do jeito que meus filhos estão falando comigo agora?

– Meu pai teria me dado um sopapo na mesma hora.

– Ouviram só, meninos? Arnold, repita o que disse. O pai dele teria lhe dado um sopapo. É isso que eu deveria fazer com vocês.

– Ah, papai – respondiam eles, jogando um pedaço de pão em Sarge.

Era esse o tipo de humor da família à mesa, e eu ficava perplexo. Na primeira vez que jantei lá, a refeição terminou com um dos meninos peidando, outro arrotando e um terceiro recostado tão para trás na cadeira que ela desabou no chão. E ele ficou ali, caído e gemendo:

– Porra, cara, estou entupido.

– Nunca mais diga isso nesta casa, ouviu bem?

– Desculpe, mãe, mas estou entupido mesmo. Sua comida é maravilhosa.

É claro que isso também era uma piada. Eunice não sabia fazer nem ovo cozido.

– Fique grato por ter comida na mesa – retrucou ela.

Os pais de Maria com certeza tinham uma visão mais liberal sobre educação infantil do que a minha família. Nossos pais viviam mandando que eu e Meinhard calássemos a boca, enquanto os filhos da família Shriver eram sempre incentivados a participar da conversa. Digamos que surgisse o assunto do Dia da Independência e de como a comemoração dessa data era importante. Sarge perguntava: “Bobby, o que significa o 4 de Julho para você?” Eles pediam a opinião dos filhos sobre questões de política nacional, mazelas sociais e declarações que o presidente dera. Queriam que todos contribuíssem com sua opinião sobre tudo.


EMBORA MARIA E EU MORÁSSEMOS EM extremos opostos do país, nossas vidas se entrelaçaram totalmente. Ela foi à minha formatura em Wisconsin – depois de uma década frequentando faculdades, consegui me formar em administração, com especialização em marketing internacional de educação física. Ela estava começando a carreira na televisão e produzia noticiários regionais em Filadélfia e Baltimore. Eu ia vê-la nessas cidades e participei duas vezes de um programa de entrevistas com sua amiga Oprah Winfrey, também em início de carreira. Maria sempre arranjava amigos interessantes, mas Oprah realmente se destacava. Era uma mulher talentosa, dinâmica, e dava para ver que acreditava em si mesma. Em um de seus programas, foi à academia malhar comigo para demonstrar como é importante manter a forma. Em outra ocasião, falamos sobre a importância de ensinar as crianças a ler e fazê-las se interessar por livros.

Eu tinha orgulho de Maria. Pela primeira vez, vi quanto ela era determinada a conquistar seu próprio lugar ao sol. Não havia nenhum outro jornalista na família. Quando foi fazer a entrevista de emprego, perguntaram-lhe: “Você está disposta a trabalhar 14 horas por dia ou espera ser paparicada como uma Shriver?” Ela respondeu que estava determinada a dar duro, e foi o que fez.

Juntos, fomos ao Havaí, a Los Angeles, à Europa. Nossa viagem para esquiar na Áustria, no Natal de 1978, foi a primeira vez que ela passou aquela data longe dos familiares. Eu também a acompanhava às reuniões de família, que eram frequentes. Logo aprendi que um dos aspectos de ser um Kennedy era nunca estar completamente livre. Maria tinha que ir a Hyannis Port no verão, acompanhar a família nas férias de inverno e passar o Dia de Ação de Graças e o Natal em casa. Se alguém fizesse aniversário ou se casasse, precisava estar presente. Como o clã era muito numeroso, a quantidade de compromissos obrigatórios era enorme.

Quando Maria conseguia se liberar do trabalho, ia me visitar na Califórnia. Afeiçoou-se bastante a alguns dos meus amigos, em especial a Franco, e também a alguns dos atores e diretores que eu conhecia. Já de outros não gostou: pessoas que ela considerava parasitas, ou que pensava estarem tentando me usar. Maria conheceu minha mãe durante a visita anual dela aos Estados Unidos, na Páscoa.

Quanto mais sério ficava o nosso relacionamento, mais Maria falava em se mudar para a Califórnia. Para nós, portanto, a campanha presidencial de Teddy em 1980 foi bastante oportuna. Eu estava pronto para comprar uma casa, e nossa primeira decisão importante como casal foi procurá-la juntos. No final do verão, encontramos uma construção dos anos 1920 em estilo espanhol em uma parte encantadora de Santa Monica, perto da San Vicente Avenue. Passamos a chamá-la de lar, mas não era nossa de fato. A casa era minha. Havia uma escadaria em curva para a esquerda logo na entrada, muitas telhas antigas bonitas, uma grande sala de estar com vigas no teto, além de lindas lareiras na sala, na sala de TV e na suíte principal do segundo andar. Havia também uma piscina comprida e estreita e uma casinha de hóspedes em que minha mãe poderia ficar durante suas visitas.

O fato de aquela ser a nossa casa era um segredo entre mim e Maria, porque ela não queria que os pais soubessem que estava morando comigo – principalmente Sarge, que era muito conservador. Disse a eles que estava vivendo a alguns quarteirões de mim, na Montana Avenue, e chegamos a alugar e mobiliar um apartamento lá para que, quando Sarge e Eunice fossem nos visitar, Maria pudesse convidá-los para almoçar. Tenho quase certeza de que sua mãe sabia o que estava acontecendo, mas o apartamento separado era importante para a imagem da família.

Naturalmente, o anonimato completo é algo quase impossível em Hollywood, sobretudo para alguém ligado aos Kennedy. Quando estávamos procurando casas para comprar, uma das corretoras nos disse: “Tenho uma casa fascinante em Beverly Hills para mostrar a vocês. Não vou lhes dizer o que a torna tão interessante. Vocês vão ter que ver por si mesmos.” Quando chegamos lá, ela falou: “Sabem quem morou aqui? Gloria Swanson!” Então nos fez descer até o porão e nos mostrou um túnel que conduzia a uma casa vizinha. Joe Kennedy usara aquele túnel durante o longo caso que mantivera com a atriz, nos anos 1920. Depois da visita, Maria me perguntou: “Por que ela nos mostrou essa casa?” Estava em parte fascinada, em parte zangada e constrangida.


A CAMPANHA DE TEDDY ME PROPORCIONOU uma oportunidade incrível de ver o que significa mergulhar em uma corrida presidencial. Em fevereiro, acompanhei Maria a New Hampshire para assistir às primárias do Partido Democrata. Os membros do comitê de campanha estavam hospedados em um pequeno hotel que parecia um verdadeiro formigueiro de jornalistas, funcionários, voluntários e pessoas com jornais debaixo do braço correndo para ler as últimas matérias. Os organizadores mandavam Maria para fábricas vizinhas a fim de cumprimentar os possíveis eleitores.

Aquela operação toda me pareceu minúscula, pois eu não entendia como funcionavam as campanhas. Teddy Kennedy era um político importante, que saíra na capa da revista Time ao decidir se candidatar. Então, eu imaginava que ele fosse fazer grandes comícios. Eu já tinha ido a vários dircursos do candidato republicano Ronald Reagan naquele ano, e ele sempre atraía de mil a 2 mil pessoas, às vezes mais. Mesmo que Reagan estivesse apenas dando uma passadinha em alguma fábrica para falar com os operários, a visita parecia um comício, com bandeirolas, cartazes e músicas patrióticas.

Ali estávamos nós, porém, naquele hotel pé de chinelo. Cumprimentando pessoas, indo a lojas, frequentando restaurantes. “Que coisa mais estranha”, pensei. “Por que se hospedar neste hotelzinho fuleiro? Por que não em um hotel chique?” Eu não sabia que, no começo de uma campanha, o mais importante é o contato direto. Não tinha ideia de que não se pode hospedar integrantes do comitê de campanha em estabelecimentos caros, porque alguém inevitavelmente escreverá alguma reportagem dizendo como você está desperdiçando o dinheiro doado por trabalhadores honestos. Não entendia que, dependendo das circunstâncias, havia eventos grandes e outros menores, mais intimistas.

A corrida democrata de 1980 acabou virando algo especialmente difícil. Antes de se candidatar, Teddy estava à frente do presidente Carter nas pesquisas de opinião por uma margem de mais de dois contra um. Todos instigavam Teddy a concorrer à presidência. Jornalistas escreviam a respeito do homem fantástico e poderoso que ele era e sobre como poderia ganhar fácil de Jimmy Carter e salvar a situação dos democratas. Ele era incapaz de cometer um erro. No entanto, assim que Teddy anunciou sua candidatura, em novembro de 1979, tudo isso mudou. Os ataques foram implacáveis. Mal pude acreditar. O fato de ele não conseguir dar uma resposta convincente quando questionado sobre a razão pela qual queria ser presidente, em uma entrevista à CBS em rede nacional, não ajudou. As pessoas contestavam seu caráter por causa do acidente de carro na ilha de Chappaquiddick, em 1969, que matara Mary Jo Kopechne, ex-membro do comitê de campanha de Bobby Kennedy que estava com ele naquele momento. Diziam também que Teddy vivia à custa da reputação do irmão, embora ele já fosse senador havia 18 anos.

Isso tudo me deixou chocado. Era incrível estar na primeira fila e ver as coisas se desenrolarem diante dos meus olhos.

Teddy perdeu as primárias cruciais de Iowa e New Hampshire e, por causa disso, parte de seu financiamento foi cortado – o que obrigou a campanha a encolher antes mesmo das primárias nos estados maiores. Depois disso, porém, ele se esforçou para reverter o jogo e venceu em vários estados importantes, entre eles Nova York em março, Pensilvânia em abril e – em parte graças aos esforços de Maria – Califórnia em junho. No entanto, perdeu em dezenas de outros estados e nunca conseguiu alcançar outra vez o presidente Carter nas pesquisas nacionais de opinião. Teddy acabou ganhando apenas 10 das 34 primárias. No primeiro dia da Convenção Nacional Democrata, em agosto, ficou claro que Jimmy Carter tinha delegados suficientes para garantir sua candidatura, e Teddy foi forçado a desistir.

De repente, após meses de esforço intenso, estava tudo terminado. Maria ficou triste e deprimida. A família já passara por muitas tragédias em pouco tempo: primeiro o assassinato do presidente John F. Kennedy, quando Maria tinha 8 anos; depois, o de Bobby Kennedy, quando ela estava com 12; em seguida, o incidente em Chappaquiddick, no verão seguinte. Além disso, ela vira o pai perder de lavada como candidato à vice-presidência de George McGovern em 1972 e ser derrotado novamente ao tentar obter a indicação presidencial do Partido Democrata em 1976. Agora Teddy tentara se candidatar e a família fracassara mais uma vez.

Maria havia se dedicado de corpo e alma à campanha. Vi como a política pode dominar inteiramente a sua vida e como pode fugir inteiramente ao controle. Quando você se candidata à presidência, sente a pressão pública todos os dias. A imprensa nacional e regional acompanha tudo o que você diz e faz, e as pessoas o analisam o tempo inteiro. Ver o tio passar por isso e perder foi muito, muito difícil. Fiquei feliz em poder apoiá-la nesse momento difícil. “Você fez um trabalho maravilhoso”, falei. “O jeito como lidou com a mídia, o modo como batalhou por Teddy...” A experiência só reforçou a imagem negativa que Maria tinha em relação à política como opção de carreira.

Usei todas as minhas habilidades para tentar animá-la. Levei-a para passar as férias na Europa, e nos divertimos muito em Londres, Paris e passeando pela França. Ela logo parou de se sentir fracassada e recuperou o entusiasmo e o senso de humor.

Antes de ir embora da Costa Leste, Maria deu uma guinada ousada na profissão. Tinha iniciado a carreira na televisão com o objetivo de ser produtora, a pessoa que controla os bastidores. Depois, no entanto, decidira passar para a frente das câmeras e competir por um dos raros cargos de âncora de noticiário em rede nacional. Eu sempre havia progredido com uma visão clara do que queria fazer, trabalhando o mais duro possível para alcançar minhas metas, e pude ver a mesma determinação começar a se desenvolver em Maria. Achei isso ótimo.

Nenhum integrante da família Kennedy jamais trabalhara como apresentador de telejornal. Era algo totalmente novo, e isso ocorrera graças aos esforços dela. Eu já vira alguns de seus primos conquistarem o próprio lugar ao sol, mas isso quase sempre significava se especializar em alguma causa ou questão que fizesse parte do sistema de crenças da família. O fato de Maria ir para a frente das câmeras foi uma verdadeira declaração de independência.

Assim que voltamos a Santa Monica, ela pôs mãos à obra para estabelecer contatos e passar pelo treinamento necessário, da mesma forma que eu fizera com a carreira de ator. O que era preciso para ser bem-sucedido diante das câmeras? Era o que ela precisava descobrir. O que tinha que mudar no visual, na voz e no estilo? O que deveria manter como estava? Seus consultores diziam: “Seus cabelos são muito compridos, precisamos cortar. Ou quem sabe prender? Vamos tentar isso. Seus olhos são fortes demais. Vamos suavizá-los, talvez.” Foi preciso transformá-la, moldá-la. Ela teve que aprender o que torna uma pessoa agradável de se ver e ouvir diariamente na televisão e a não exagerar na dramaticidade a ponto de tirar a atenção da notícia em si, que deveria ser sempre o foco principal.

No inverno seguinte, durante as filmagens de Conan em Madri, tivemos que passar cinco meses sem nos ver. Ela me mandava fotos mostrando que havia perdido 4,5 quilos, cortado os cabelos e feito um leve permanente. Enquanto isso, Conan já fora agendado e adiado várias vezes. Deveríamos ter começado a rodar em locações na Iugoslávia no verão de 1980, mas a morte do ditador marechal Tito, em maio, levou instabilidade ao país. Os produtores decidiram que seria mais barato e mais simples transferir a produção para a Espanha no outono. Então, quando Maria e eu chegamos da Europa, fiquei sabendo que o projeto tinha sido adiado outra vez, para depois do ano-novo.


ISSO ABRIU CAMINHO PARA UM PLANO maluco que até então eu não vinha levando muito a sério: voltar de surpresa e reconquistar o campeonato mundial de fisiculturismo e o título de Mister Olympia. Nos quatro anos desde o lançamento de O homem dos músculos de aço, o esporte tivera um crescimento espantoso. Academias se multiplicavam por todo o país, e a musculação era uma parte essencial das atividades oferecidas. Joe Gold vendeu sua academia original para uma franquia e abriu uma nova chamada World Gym, grande e perto da praia, que aceitava homens e mulheres.

O Mister Olympia ia de vento em popa. Em um dos esforços de Joe Weider para expandi-lo mundialmente, a Federação Internacional de Fisiculturismo (IFBB, na sigla em inglês) realizaria a disputa daquele ano em Sydney, na Austrália. Na verdade, eu estava escalado para participar do evento como comentarista da rede de televisão CBS. O cachê era ótimo, mas fui ficando cada vez menos atraído pela ideia à medida que me animava a voltar a competir. Ao tomar forma em minha mente, essa visão se tornou irresistível. Reconquistar o lugar de honra do esporte seria a preparação perfeita para Conan. Eu iria mostrar a todo mundo quem era o verdadeiro rei – e o verdadeiro bárbaro. Frank Zane detinha o título havia três anos, e pelo menos uma dezena de competidores tentaria derrotá-lo, incluindo caras com quem eu cruzava na academia todos os dias. Um deles era Mike Mentzer, um nativo da Pensilvânia de 1,73 metro que terminara em segundo lugar no ano anterior por uma diferença mínima. Ele estava se promovendo como o mais novo guru da musculação e porta-voz do esporte e vivia citando a filosofia objetivista da escritora Ayn Rand. Volta e meia circulavam boatos de que eu voltaria a competir e eu sabia que, se os negasse e esperasse até a última hora para anunciar minha participação, a incerteza iria atormentar pessoas como ele.

Maria achava tudo isso uma insensatez. “Você agora administra as competições”, assinalou ela. “Você deixou o fisiculturismo como um campeão, e essa manobra poderia fazer as pessoas se voltarem contra você. Além do mais, você pode não vencer.” Eu sabia que ela estava certa, mas o desejo de competir não me abandonava. “Se você está com tanta energia extra assim, por que não aprende espanhol antes de ir filmar na Espanha?” Depois de ver Teddy perder a indicação do Partido Democrata à corrida presidencial, Maria não queria mais nenhum risco em sua vida. Na noite anterior, tivera um ataque quando Muhammad Ali, que largara a aposentadoria para tentar se tornar campeão do mundo de pesos pesados pela quarta vez, fora aniquilado pelo então detentor do título, Larry Holmes. Era como se isso fosse um aviso.

Mas eu não conseguia desistir. Quanto mais pensava no assunto, mais envolvido ficava.

Então, certa noite, para minha surpresa, Maria mudou de ideia. Disse que, se eu ainda estivesse decidido a competir, ela iria me apoiar. Tornou-se uma companheira extraordinária.

Ela foi a única pessoa a quem contei meus planos. Franco, é claro, adivinhou minhas intenções. Meu amigo de longa data agora era quiroprático e estava trabalhando como meu parceiro de treinos na preparação para Conan. Começou a dizer coisas como: “Arnold, o Olympia está chegando. Você tem que entrar nessa e deixar todo mundo embasbacado.” Alguns dos caras da academia estavam realmente inquietos. Quando me viram começar a malhar por duas horas duas vezes ao dia, não entenderam nada. Sabiam que eu iria interpretar Conan e eu lhes disse que estar em plena forma era uma exigência do papel. Sim, eu iria à competição, mas como comentarista, certo? Além do mais, o Mister Olympia seria dali a apenas cinco semanas. Ninguém podia começar a treinar pesado tão em cima da hora assim e conseguir estar preparado! Apesar de tudo, eles não se convenceram, e eu alimentei essa dúvida. À medida que as semanas passavam e o evento se aproximava, bastava eu sorrir para Mentzer do outro lado da academia para deixá-lo maluco.

Foi o treinamento mais difícil que eu já tinha feito, e isso o tornou divertido. Fiquei pasmo ao ver como Maria se envolveu profundamente em cada passo, embora estivesse concentrada em seu próprio objetivo. É claro que o esporte fazia parte da sua vida desde pequena. Não o fisiculturismo em si, mas o beisebol, o futebol americano, o tênis e o golfe. Mas é a mesma coisa. Ela entendia por que eu precisava acordar às seis da manhã para treinar por duas horas e me acompanhava à academia. No jantar, via-me prestes a tomar um sorvete e levava o pote embora. Todo o entusiasmo que havia investido na candidatura presidencial de Teddy foi transferido para mim.

A competição do Mister Olympia ocorreu na Ópera de Sydney, espetacular obra-prima arquitetônica que fica no porto da maior cidade australiana e tem o formato de uma série de conchas embutidas umas nas outras. Frank Sinatra se apresentou lá logo antes do nosso evento. Era uma honra subir ao palco de uma casa daquelas – além de ser um sinal do prestígio crescente do fisiculturismo. O prêmio eram 50 mil dólares em espécie, o mais alto já oferecido em uma competição do esporte, e 15 campeões haviam se inscrito, fazendo daquela a maior disputa já vista.

O lugar se revelou o cenário perfeito porque, desde o dia em que chegamos, a competição tornou-se repleta de drama, emoção e intriga. O anúncio de que eu estava lá não para observar, mas para competir, causou um grande alvoroço. Os oficiais da federação tiveram que discutir a questão: um competidor podia entrar no páreo sem ter se inscrito antes? Eles perceberam que não havia regra nenhuma que proibisse isso, de modo que fui autorizado a participar. Em seguida, houve uma manifestação contra determinados itens do regulamento da própria competição, na forma de um abaixo-assinado apoiado por todos os fisiculturistas, exceto eu. Os organizadores tiveram que negociar para evitar o caos. Depois de muita confusão, eles concordaram não apenas em adotar as mudanças como também pediram aos competidores que aprovassem os jurados.

Todas essas manobras de bastidores despertaram uma faceta de Maria que me fez pensar em Eunice em ação. Embora Maria tentasse se desvincular da família, tinha os mesmos instintos políticos da mãe e uma grande experiência para alguém de sua idade. Na política, quando surgem disputas e campos opostos se formam, é preciso entender o que está acontecendo e agir depressa. Maria contribuiu para a situação com sua percepção rápida e seus ótimos conselhos. Conversou com as pessoas certas para evitar que eu ficasse isolado ou fosse passado para trás. Ela se mostrou implacável. Fiquei imaginando como alguém que nunca tivera contato com o mundo do fisiculturismo e mal conhecia os participantes podia entrar no esquema tão depressa e ser tão eficaz.

No final, acabei conquistando minha sétima coroa de Mister Olympia, mas essa vitória permanece controversa até hoje. Os jurados não estavam todos de acordo: obtive cinco votos e o segundo colocado, o americano Chris Dickerson, dois. Foi a primeira vez na história do concurso que a decisão não foi unânime. Quando meu nome foi anunciado, apenas metade das 2 mil pessoas presentes aplaudiu, e pela primeira vez na vida ouvi vaias. Logo em seguida, um dos cinco primeiros colocados começou a jogar cadeiras nos bastidores, enquanto outro quebrou seu troféu em pedacinhos no estacionamento e um terceiro anunciou que iria abandonar o fisiculturismo para sempre.

Treinar para uma competição e ganhar outra vez me deu prazer, mas, pensando bem, tenho que admitir que o episódio todo não foi benéfico para o esporte. Muitas divisões se criaram, e eu poderia ter lidado com a situação de outra forma. A velha camaradagem do fisiculturismo não existia mais. Acabei me reconciliando com os outros atletas, mas em alguns casos foram necessários muitos anos para que isso acontecesse.

As filmagens de Conan estavam marcadas para começar para valer dali a cerca de dois meses, mas precisei ir filmar uma cena preliminar em Londres no final de outubro. Quando cheguei, John Milius deu uma olhada em mim e balançou a cabeça.

“Vou ter que pedir para você fazer outro treinamento”, falou. “Não posso ter um Conan igual a um fisiculturista. Isto aqui não é um filme do Hércules. Quero você mais encorpado. Precisa ganhar um pouco de peso. Tem que ficar com o visual de alguém que foi lutador corpo a corpo, guerreiro e escravo acorrentado por muitos anos à Roda da Dor. É esse o tipo de corpo que preciso.” Milius queria que tudo ficasse o mais verossímil possível. Embora Conan pertencesse a um mundo totalmente fantasioso, era um raciocínio lógico. Na cena que filmamos na Inglaterra, fui maquiado para parecer o rei Conan em uma idade avançada, recitando um monólogo que serviria de introdução ao filme: “Saiba, ó Príncipe, que, entre os anos em que os oceanos sorveram Atlantis e a ascensão dos filhos de Aryas, houve um tempo inimaginável... Então surgi eu, Conan, ladrão, saqueador, assassino, para pisotear os tronos cravejados de joias da Terra. Mas agora meus olhos estão baços. Sente-se no chão comigo, pois você nada mais é do que os resquícios da minha época. Deixe que lhe conte sobre os dias de grandes aventuras.”

Como eu estava vestido com túnicas e peles, o corpo de Mister Olympia não aparecia. No entanto, antes de começarmos a filmar nas locações, em dezembro de 1980, eu teria que modificar meu físico mais uma vez.


NO CAMINHO DE VOLTA DE SYDNEY A Los Angeles, pensei em como as atribulações dos últimos meses tinham deixado a mim e Maria mais unidos. Eu estava muito contente por ter tolerado os tais adesivos de Teddy Kennedy no meu jipe e não ter feito um cavalo de batalha por causa das minhas próprias opiniões políticas. Isso porque, pela primeira vez na vida, sentia que realmente tinha uma companheira. Durante aquela primavera e aquele verão, eu havia conseguido ajudá-la com os altos e baixos da campanha e senti que levá-la à Europa em seguida fora exatamente a coisa certa a fazer. E agora eu via como ela se envolvera e conseguira me ajudar com a minha situação, que não poderia ser mais desconhecida para o seu mundo.

Eu podia imaginar a pressão que Maria devia estar sofrendo dos amigos da família Kennedy em Hollywood para arranjar um namorado mais adequado. As mulheres mais velhas, principalmente – amigas de sua mãe ou de Pat Kennedy Lawford, ex-mulher de Peter –, costumavam lhe dizer: “Por que está namorando esse fisiculturista? Deixe-me apresentá-la a um produtor maravilhoso”, ou “Conheço um executivo jovem e muito atraente”, ou então “Eu tenho o homem certo para você! Ele é um pouco mais velho, mas é bilionário. Deixe-me marcar um encontro para vocês se conhecerem”.

O mundo via nosso relacionamento de uma forma superficial demais, como uma mera história de sucesso sensacionalista. “Não é incrível ele ganhar o Mister Olympia e todos aqueles outros campeonatos de fisiculturismo, depois conseguir um grande contrato no cinema e ainda começar a namorar uma Kennedy?” Segundo esse raciocínio, Maria era apenas mais um item da minha coleção de troféus.

Mas a realidade é que ela não era um troféu. E o sobrenome dela pouco importava para mim. Se não tivéssemos a ver um com o outro, nunca teríamos ficado juntos. Sua personalidade, sua aparência física, sua inteligência, sua sagacidade, toda a contribuição que ela trazia à minha vida e sua capacidade de agir sem perder tempo: eram essas coisas que eu julgava importantes. Maria se encaixava perfeitamente em tudo o que eu era, no que eu representava e no que estava fazendo. Esse foi um dos motivos que me levaram a pensar que ela talvez fosse a mulher da minha vida. Fiquei viciado em Maria. Quando cheguei à Espanha, foi difícil ficar longe dela.

Eu compreendia o que ela queria realizar. Seu desejo era se tornar uma nova Barbara Walters. O meu era me tornar o maior astro do cinema, portanto estávamos os dois muito decididos. Eu entendia o mundo para o qual ela queria entrar, e ela entendia aquele que eu estava tentando explorar e ao qual eu queria chegar, então podíamos fazer parte da jornada um do outro.

Eu também sabia o que a atraía em mim. Maria tinha uma personalidade tão forte que simplesmente passava como um trator por cima dos rapazes. Eles se tornavam seus escravos na mesma hora. Mas eu era impossível de domar. Era um cara seguro, que realizara coisas, que era alguém. Ela admirava o fato de eu ser um imigrante que chegara aos Estados Unidos e conseguira construir a própria vida. Podia ver, pela minha personalidade, que eu seria capaz de compreender sua família e me sentir à vontade na sua companhia.

Maria queria se afastar de casa tanto quanto eu quisera – e que melhor forma de fazer isso do que se apaixonar por um ambicioso fisiculturista austríaco que almeja uma carreira de ator? Ela gostava de viver longe de Washington, dos advogados e políticos, das conversas da capital. Queria ser única, diferente.

Se havia um casal na sua família com o qual Maria pudesse nos comparar, era o formado por seus avós. Joe, assim como eu, vencera na vida começando do nada. Quando se tratava de ganhar dinheiro, era muito agressivo, também como eu. Rose o escolhera porque tinha fé absoluta na capacidade de sucesso de Joe. Na época ele ainda não tinha um centavo e John Francis Fitzgerald, o “Honey Fitz”, pai de Rose, já era prefeito de Boston. Eu era incansável, disciplinado, ativo e inteligente o suficiente para chegar lá também. Era isso que fazia Maria querer ficar comigo.

O que eu representava fisicamente também contava. Ela gostava de rapazes atléticos e fortes. Maria me contou que, quando era pequena e John Kennedy estava na presidência, ela convivia com os agentes do serviço secreto em Hyannis. À noite, quando eles estavam de plantão tentando se manter acordados, às vezes liam revistas de malhação – comigo na capa! Ela era jovem demais para prestar atenção a isso, mas reparou que todos aqueles guarda-costas malhavam. Isso ficou tão marcado na sua cabeça que, quando o livro Pumping Iron foi publicado, ela comprou um exemplar de presente para Bobby, seu irmão mais velho.

Antes de eu partir, em dezembro, para começar a pré-produção de Conan, começamos a decorar nossa casa. Maria apreciava cortinas florais e um visual conservador, e eu compartilhava seu gosto. O estilo lembrava muito a Costa Leste, e um pouco a Europa também. Ela tinha herdado essa preferência de sua família. Todos os Kennedy tinham sido criados em casas adornadas com estampas florais e um determinado tipo de sofá e cadeira com encosto de madeira ou estofado. Todas as residências da família tinham um piano na sala, dezenas de porta-retratos de parentes sobre todos os aparadores e superfícies, e coisas assim.

O meu estilo era mais rústico, então, quando precisamos de um conjunto de móveis de jantar, fui a uma feira de antiguidades no centro de Los Angeles e comprei uma pesada mesa de carvalho com cadeiras no mesmo feitio. Maria se encarregou da sala de estar. Encomendou sofás enormes e mandou forrá-los com os tais tecidos florais. Depois comprou poltronas de cores lisas para complementá-los. Eunice tinha uma amiga que era ótima decoradora e ajudou com sugestões.

Maria e eu também tínhamos em comum a ideia de que nossa casa tinha que ser confortável. Nenhum de nós queria uma decoração tão exagerada a ponto de não se poder pôr os pés para cima e relaxar. Como vi que ela tinha bom gosto, dei carta branca para ela fazer o que quisesse. Era ótimo estar com uma pessoa que tinha opiniões firmes como eu, mas ainda assim poder trabalhar em parceria com ela, em vez de acabar tendo que fazer tudo sozinho e viver me perguntando: “Será que ela gosta disso? Será que gosta daquilo? Será que esta casa só tem a minha cara?” Maria tinha uma grande base de conhecimento e era uma ótima parceira, então ambos pudemos evoluir.

Ela adorou quando a levei à feira de antiguidades para olharmos móveis antigos. Meu gosto havia se apurado com os anos – em parte por ver os objetos que Joe Weider colecionava –, mas ainda não era refinado, e eu não comprava nada acima de determinado valor. A compra sempre dependia de quanto dinheiro eu tivesse e de quanto quisesse gastar. Jamais mandara fazer um móvel sob medida – simplesmente comprava o que houvesse na loja ou procurava alguma promoção. Agora que tinha engrenado as filmagens de Conan, porém, tinha a sensação de que podia abrir um pouco mais o bolso e mandar forrar as peças com os tecidos de que Maria gostava.

Todo esse processo transcorreu sem aborrecimentos. Ficou claro que éramos bons companheiros e podíamos morar juntos, algo que desejávamos tentar. Eu me interessava por arte, em parte também graças à influência de Joe Weider. Para apurar meu gosto, eu frequentava muitos museus, leilões e galerias, e Maria e eu gostávamos de ir a esses lugares juntos. Comecei a colecionar peças. No início, só podia comprar obras mais baratas, como litografias de Marc Chagall, Joan Miró e Salvador Dalí, mas logo passei para pinturas e esculturas.

A ideia de nos casarmos surgiu pouco antes da data marcada para minha viagem à Espanha. Eu queria que Maria estivesse lá comigo e fizesse parte da minha carreira. Era óbvio que ela era a mulher ideal para mim, ainda mais depois de tudo o que havíamos passado juntos durante aquele verão e aquele outono.

Convidei-a para ir ficar comigo no set, ou pelo menos ir me visitar e passar algum tempo lá. Ela disse que não podia, porque a mãe e o pai não iriam aprovar. Ficariam incomodados ao saber que ela estava comigo na locação e que estávamos dormindo juntos, pois não éramos casados.

– Bom, então por que não nos casamos? – perguntei.

Mas isso foi ainda pior. Ela praticamente surtou ao pensar em como a mãe iria reagir.

– Não, não, não – falou, balançando a cabeça. – Eu nunca poderia fazer uma pergunta dessas a ela.

Eunice havia se casado já mais velha – tanto que isso fazia parte do folclore da família. Antes disso, quisera fazer muitas outras coisas. Depois que se formou em sociologia na Universidade de Stanford durante a Segunda Guerra Mundial, ela havia trabalhado no Departamento de Estado, ajudando ex-prisioneiros de guerra que retornavam aos Estados Unidos a se readaptarem à vida civil. Depois da guerra, trabalhara como assistente social no Departamento de Justiça, atendendo delinquentes juvenis em um presídio federal feminino na Virgínia Ocidental e em um abrigo para mulheres em Chicago. Sarge, que parecia um astro de cinema e administrava o tradicional centro atacadista Chicago Merchandise Mart para Joe Kennedy, apaixonara-se por ela em 1946 e passara sete anos lhe fazendo a corte. Já havia praticamente perdido as esperanças quando um belo dia ela o levou até uma capela lateral depois da missa matinal e disse: “Sarge, acho que gostaria de me casar com você.”

O fato é que ela só havia se casado com 30 e poucos anos, depois de ter feito muita coisa na vida. Por isso Maria não via o menor problema em não se casar agora, aos 25 anos, e preferia esperar até completar pelo menos 30. Havia muitas coisas que queria conquistar antes.

Fiquei contente ao saber que o problema não era comigo, mas sim o fato de o casamento não estar em seus planos por ora. Casar também não era necessariamente um desejo meu àquela altura, embora eu quisesse tanto estar com ela que tinha mudado de ideia. Sabia que sentiria uma saudade imensa de Maria no set. Por outro lado, a situação na verdade era perfeita. Agora podíamos continuar namorando por muitos anos sem eu ter que ouvir: “Qual é o futuro desta relação? Já namoramos há anos e você continua incapaz de se decidir...” Ou então: “Eu não sou boa o suficiente? Você está procurando outra pessoa?” Em vez disso, o assunto simplesmente morreu.

Eu poderia passar horas falando sobre o que me atrai em Maria e mesmo assim não conseguir explicar a magia por completo. Ronald Reagan era famoso por escrever longas cartas de amor para a mulher, Nancy, enquanto ela estava sentada bem do outro lado da sala. Eu costumava pensar: “Por que ele simplesmente não fala com ela?” Mas então percebi que escrever algo é diferente de falar – e também que as histórias de amor se baseiam nas idiossincrasias de cada um.

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