CAPÍTULO 9

O maior show de


músculos de todos os tempos

OS TÍTULOS DE MISTER OLYMPIA me transformaram em tricampeão de uma disputa mundial da qual 99% dos americanos jamais ouvira falar. Além disso, o fisiculturismo não era apenas um esporte desconhecido – se você perguntasse a um americano comum o que ele achava dos praticantes dessa modalidade, tudo o que ouviria eram os pontos negativos:

“Esses caras só pensam em músculos. São uns desajeitados que não conseguem nem amarrar os próprios sapatos.”

“Tudo aquilo vai virar gordura e eles vão morrer cedo.”

“Todos eles têm complexo de inferioridade.”

“São todos uns burros.”

“São todos narcisistas.”

“São todos homossexuais.”

Não havia um único aspecto positivo nessa imagem. Um jornalista chegou a escrever que o esporte tinha o mesmo apelo de uma luta livre de anões.

É verdade que os fisiculturistas se olham no espelho durante o treino. Espelhos são ferramentas para eles, assim como para os bailarinos. Como fisiculturista, você precisa ser seu próprio treinador. Quando está fazendo rosca bíceps com halteres, por exemplo, tem que verificar se um braço está acompanhando o outro.

O esporte tinha tão pouco prestígio que era quase como se não existisse. Para mim, o fisiculturismo sempre fora algo tão americano que eu ainda me espantava quando as pessoas não conseguiam adivinhar o que eu fazia. “Você é lutador?”, perguntavam. “Que corpo! Não, não, já sei, você é jogador de futebol americano, não é?” Elas davam qualquer palpite, menos fisiculturismo.

Na verdade, havia muitos mais fãs do esporte nos países do Terceiro Mundo. Em uma exibição na Índia, uma multidão de 25 mil pessoas se reuniu para ver Bill Pearl, e 10 mil apareceram na África do Sul. O fisiculturismo era uma das atividades esportivas com mais espectadores no Oriente Médio. Um dos grandes marcos da carreira de Joe Weider ocorreu em 1970, quando a comunidade internacional reconheceu o fisiculturismo como esporte. A partir daí, os programas dessa modalidade puderam se beneficiar do patrocínio público em dezenas de países que apoiavam o esporte.

No entanto, já fazia quatro anos que eu estava nos Estados Unidos e praticamente nada havia mudado. Todas as cidades grandes ainda tinham apenas uma ou duas academias onde os fisiculturistas podiam treinar. As competições maiores nunca esperavam atrair mais de 4 ou 5 mil fãs.

Isso me incomodava, porque eu queria ver o esporte explodir e os atletas, não só os organizadores, ganharem dinheiro. Também achava que, se milhões de pessoas iriam assistir aos meus filmes algum dia, era muito importante que soubessem de onde vinham aqueles músculos e o que significava ser Mister Universo, Mister Olympia ou Mister Mundo. Portanto, era preciso muita divulgação. Quanto mais popular a modalidade se tornasse, melhores seriam minhas chances de conseguir um papel principal no cinema. Joe Namath, por exemplo, quarterback do New York Jets, famoso time de futebol americano, não tinha a menor dificuldade para ser contratado para comerciais e filmes. Nos esportes principais – futebol americano, beisebol, basquete e tênis –, os melhores atletas simplesmente cruzavam essa ponte e faturavam alto. Eu sabia que isso nunca iria acontecer comigo, então tinha que ir além. Queria promover o fisiculturismo, tanto para que mais pessoas pudessem participar quanto para facilitar minha carreira.

Joe Weider, porém, estava bastante satisfeito com sua situação no momento. Por mais que eu o instigasse, ele não queria tentar ampliar seu público para além dos fãs de fisiculturismo e dos adolescentes de 15 anos. “Essas coisas parecem uma revista em quadrinhos”, dizia eu, referindo-me às suas publicações. “‘Como Arnold maltratou as próprias coxas’? ‘Alô, eu gostaria de falar com o bíceps do Joe’? Que manchetes ridículas são essas?”

“Esses títulos vendem”, respondia ele. Sua tática era manter a qualidade dos produtos e aproveitar qualquer oportunidade para expandir a distribuição mundial. Com certeza era uma tática inteligente, porque o público não parava de aumentar. Mas eu percebi que, se quisesse promover o esporte para um público novo, teria que dar meu próprio jeito.

No outono de 1972, estava passando por Nova York a caminho da Europa quando conheci as duas pessoas que me colocariam no rumo que eu pretendia seguir: George Butler e Charles Gaines. Butler era fotógrafo e Gaines, redator. Ambos trabalhavam como freelancers para a revista Life. Estavam prestes a cobrir a disputa de Mister Universo organizada por Joe Weider no Iraque. Alguém tinha lhes dito que eles deveriam conversar comigo para entender o contexto do fisiculturismo.

Mal pude acreditar em minha sorte. Eles foram os primeiros jornalistas fora do mundo do fisiculturismo com quem realmente conversei. Deviam ter acesso a cerca de 1 milhão de leitores que jamais tinham ouvido falar no esporte. Eram mais ou menos da mesma idade que eu, e nos demos bem logo de cara. Gaines já sabia bastante sobre o esporte: acabara de publicar um livro chamado Stay Hungry (O guarda-costas), ambientado em uma academia de fisiculturismo no Alabama. O livro fora um sucesso de vendas. No verão anterior, ele e Butler tinham se juntado para produzir uma reportagem para a revista Sports Illustrated sobre um concurso chamado Mister Costa Leste que era realizado em Holyoke, Massachusetts. E já estavam falando em continuar a escrever sobre o assunto depois da matéria da Life e publicar um livro. Sabiam que aquele era um assunto fascinante, ainda desconhecido pela maioria dos americanos.

Eu não iria competir em Bagdá, mas prometi a eles que, se quisessem conhecer a cena do fisiculturismo na Califórnia, eu organizaria uma visita e seria seu guia. Dois meses depois, os dois estavam sentados na minha sala de estar em Santa Monica, conhecendo Joe Weider. Eu acabara de apresentá-los, e a situação no início foi um pouco hostil. Apesar de Charles estar envolvido com o fisiculturismo havia apenas três ou quatro anos, e George ainda menos que isso, os dois chegaram como sabichões arrogantes. Não paravam de perguntar a Joe por que ele não impulsionava o esporte nesta ou naquela direção, por que não angariava patrocinadores corporativos e outras coisas do tipo. Por que ele não chamava o ABC’s Wide World of Sports para cobrir seus eventos? Por que não contratava relações-públicas? Pude ver que Joe estava achando que eles não entendiam absolutamente nada, que eram jornalistas e viam tudo de fora. Não sabiam nada sobre os indivíduos e as personalidades do esporte, nem sobre o desafio que era tentar atrair as grandes empresas. Não era só estalar os dedos e dizer “Isso é fisiculturismo!” para conseguir elevar a modalidade ao patamar em que estavam o tênis, o beisebol ou o golfe.

Mesmo assim, o bate-papo acabou sendo produtivo. Weider convidou-os para visitar a sede de sua empresa, no Vale de São Fernando, no dia seguinte. Os dois o acompanharam e observaram como ele administrava tudo. Nessa época o fisiculturismo estava começando a se popularizar. Acho que no início foi difícil para Joe. Ele estava tentando entender como lidar com um tipo totalmente novo de atenção e não achar que alguém estava tentando se apropriar de seu negócio, superá-lo ou roubar seus atletas. Acho que estava com um pouco de medo. Apesar disso, acabou apreciando a perspectiva de quem estava de fora que os jornalistas tinham do esporte. Em pouco tempo começou a publicar fotos de Butler e matérias assinadas por Gaines em suas revistas.

Eu estava bem no meio disso tudo. Conseguia ver os dois lados e achei a novidade boa, pois sabia que o fisiculturismo precisava de sangue novo. Fiquei imaginando se, ao trabalhar com Butler e Gaines, eu também conseguiria me tornar conhecido – e ganhar distanciamento suficiente para repensar o esporte e encontrar formas de melhorar sua reputação junto ao público.

Ao longo dos meses seguintes, o livro que Butler e Gaines planejavam publicar começou a tomar forma. Ao fazer as pesquisas para Pumping Iron: The Art and Sport of Bodybuilding (Levantar ferro: A arte e o esporte do fisiculturismo), os dois se tornaram figuras conhecidas na Gold’s. Eram caras divertidos e acrescentavam uma dimensão inteiramente nova ao leque habitual de personagens daquele mundinho. Charles Gaines era um rapaz bonito e seguro de si, de uma família rica de Birmingham, Alabama. Seu pai era um homem de negócios e seus amigos frequentavam o country club. Tivera uma adolescência desregrada, largara os estudos por um tempo e percorrera o país inteiro pegando carona. Ele sempre dizia que ter descoberto o fisiculturismo o ajudara a sossegar. Charles acabou se tornando professor e amante de atividades ao ar livre. Quando nos conhecemos, ele vivia na Nova Inglaterra com a mulher, uma pintora.

Charles havia identificado todo um mundo novo de subculturas esportivas fascinantes que não estavam recebendo a devida cobertura: não só o fisiculturismo, mas também a escalada no gelo e o esqui. Como era um rapaz atlético, experimentava esses esportes e depois escrevia a respeito deles. Charles sabia transmitir em palavras a sensação de se aprimorar como levantador de peso, de conseguir levantar 14 quilos a mais do que um mês antes.

George Butler parecia ainda mais exótico. Era britânico e fora criado entre Jamaica, Quênia, Somália e País de Gales. Seu pai era um britânico típico, muito rígido. George costumava contar histórias sobre como a disciplina em sua casa era rigorosa. Descrevia também como passava, quando era menino, metade do tempo no Caribe com a mãe enquanto o pai estava em algum outro lugar. Então, ainda bem jovem, fora mandado para um colégio interno. Mais tarde, estudara no colégio interno Groton, na Universidade da Carolina do Norte e no Hollins College e saíra dessas instituições com um milhão de conhecidos na alta sociedade de Nova York.

Talvez por causa de suas origens, George podia dar a impressão de ser um homem frio e meio afetado. Vivia reclamando de bobagens. Levava sempre, a tiracolo, uma bolsa da L. L. Bean contendo sua câmera fotográfica e um diário no qual fazia anotações o dia inteiro. Isso me parecia forçado, como se ele estivesse imitando Ernest Hemingway ou algum famoso explorador.

Mas George era exatamente aquilo de que o fisiculturismo precisava para construir sua nova imagem. Sabia fotografar de um jeito que fazia as pessoas exclamarem: “Nossa, que legal, olhem só!” Não tirava fotos posadas de músculos, que não atraíam o público em geral; em vez disso, clicava um fisiculturista com uma bandeira imensa dos Estados Unidos ao fundo. Ou então fotografava a cara de espanto das garotas de Mount Holyoke ao verem os atletas competirem. Os irmãos Weider não pensavam em coisas desse tipo.

George era capaz de pegar algo insignificante e transformar em alguma coisa. Ou talvez não fosse insignificante; podia ser apenas para mim, porque eu via aquilo todos os dias e fazia parte daquele universo, enquanto para ele se tratava de algo realmente excepcional. Certa vez, depois de um dia tirando fotos na Gold’s, ele me perguntou: “Como é que você consegue andar tão depressa pela academia sem esbarrar em ninguém?”

Para mim, a resposta era óbvia: quando outra pessoa passa, você sai do caminho! Por que esbarrar nos outros? George, contudo, via muito mais nisso. Algumas semanas depois, testemunhei-o transformando esse detalhe em uma história que contou a seus amigos intelectuais durante o jantar:

– Quando Charles e eu estávamos na academia, ficamos observando com muita atenção a maneira como os caras se movimentavam. Vocês acreditam se eu disser que, nas quatro horas que passamos lá, não vimos nenhum desses fisiculturistas imensos esbarrar em outro? Mesmo com a sala apertada, vários equipamentos e quase nenhum espaço livre, ninguém se encostava. Eles simplesmente passavam uns pelos outros como grandes leões dentro de uma jaula; simplesmente passavam, graciosos, sem se encostar.

Os amigos dele ficaram fascinados.

– Nossa, eles não se esbarraram nenhuma vez?

– Nenhuma. E outra coisa incrível: Arnold nunca, nenhuma vez sequer, fez cara de mau quando estava treinando. Ele levantava cargas pesadíssimas sempre com um sorriso no rosto. Imaginem só! O que deve passar pela cabeça dele? O que será que ele sabe sobre o próprio futuro para estar sempre sorrindo assim?

Pensei: “Genial. Eu nunca seria capaz de articular as coisas desse jeito. Tudo o que diria é que gosto de ir à academia porque cada repetição e cada série me deixam um passo mais perto do meu objetivo.” No entanto, o modo como George se exprimiu, a cena que ele criou a partir da situação e a psicologia que usou me fizeram pensar: “Isso é marketing em sua forma mais perfeita.”

Quando ele percebeu que eu era divertido e gostava de conhecer gente nova, começou a me apresentar a várias pessoas em Nova York. Conheci estilistas, herdeiras e gente que fazia filmes de arte. Ele adorava juntar mundos diferentes. Em determinado momento, fez amizade com um cara que publicava uma revista para bombeiros. “Isso vai virar moda”, falou para todo mundo. “Revistas especializadas para bombeiros, integrantes das forças de segurança pública, bombeiros hidráulicos ou membros das Forças Armadas.” Ele estava muito à frente dessa tendência.

Além de ser fotógrafo, George também queria se tornar diretor de cinema e gostava muito da ideia de me pôr na tela. Filmou curtas-metragens que me exibiam treinando, indo à faculdade ou interagindo com as pessoas. Ele mostrava esses trabalhos a conhecidos seus e perguntava: “Não quer pôr esse cara em um filme?” Começou a tentar levantar dinheiro para um documentário sobre fisiculturismo para pegar carona no sucesso do livro.

Enquanto isso, Charles Gaines fazia amizades em Hollywood. Apresentou-me a Bob Rafelson, diretor de Cada um vive como quer, que havia comprado os direitos de filmagem de Stay Hungry, lançado no Brasil como O guarda-costas. Ao mesmo tempo que trabalhava com George no projeto do livro Pumping Iron, Charles também começou a colaborar com Rafelson no roteiro do filme. Eu o conheci quando Charles o levou para me ver malhar em Venice Beach. Toby, a mulher de Bob, foi junto e tirou várias fotos de mim e de Franco treinando. Ela adorou tudo aquilo.

Conhecer Bob Rafelson me fez entrar em um mundo totalmente diferente. Com ele vieram vários integrantes da “nova geração” de Hollywood: o ator Jack Nicholson e o diretor Roman Polanski, que estavam filmando Chinatown, e os atores Dennis Hopper e Peter Fonda, que tinham feito Sem destino com o produtor de Rafelson, Bert Schneider.

Gaines e Butler estavam pressionando Rafelson para me incluir no elenco de O guarda-costas. Havia um papel importante de um fisiculturista chamado Joe Santo. Rafelson não estava nem de longe convencido, mas me lembro de estar em minha casa certa noite, no início de 1974, e de ficar hipnotizado ao ouvi-lo falar sobre o que aquilo significaria para mim. “Se fizermos esse filme, quero que você saiba que vai ser um divisor de águas na sua vida. Lembra o que aconteceu com Jack quando ele fez Cada um vive como quer? E com Dennis Hopper e Peter Fonda depois de Sem destino? Todos eles viraram estrelas! Eu tenho um ótimo instinto para escolher pessoas, então, quando fizermos esse filme, ele vai mudar a sua vida. Você não vai poder ir a lugar nenhum sem que as pessoas o reconheçam.”

Fiquei extasiado, é claro. Um dos diretores da moda em Hollywood falando em me transformar em astro de cinema! Enquanto isso, Barbara, sentada ao meu lado no sofá, permanecia com o olhar perdido. Pude imaginar o que ela pensava. Que consequência aquilo teria para nossa relação? E para mim? Minha carreira estava me afastando dela. Barbara queria sossegar, queria que nos casássemos e que eu abrisse uma loja de produtos naturais. Ela podia ver uma imensa tempestade se aproximando.

É claro que seu instinto estava certo. Meu foco era treinar, atuar e garantir que Rafelson me contratasse, não me casar e formar família. Quando Bob foi embora, porém, eu pedi a Barbara que não se preocupasse com o papo dele, que era só coisa de quem tinha fumado um baseado.

Gostei de ser introduzido a um mundo de celebridades. A casa de Nicholson fazia parte de um “complexo” em Mulholland Drive e ele era vizinho de porta de Polanski, Warren Beatty e Marlon Brando. Eles convidavam a mim e outros fisiculturistas para festas, e às vezes iam ao meu prédio para fazermos churrascos no pequeno pátio dos fundos. Era hilário: os vizinhos que passavam na calçada não conseguiam acreditar quando viam quem estava lá. Ao mesmo tempo, eu dizia a mim mesmo para não me animar demais. Ainda não tinha chegado nem perto de fazer parte daquele universo. Àquela altura, eu era apenas um fã.

Estava entrando em contato com um mundo que não conhecia. Era bom conviver com aquelas pessoas, observá-las, ver como elas se comportavam e tomavam decisões, e ouvi-las falar sobre projetos de filmes, sobre a construção de suas casas e de casas na praia, ou sobre garotas. Eu perguntava sobre a arte de atuar e o segredo de se tornar protagonista. Nicholson e Beatty, claro, eram grandes defensores das técnicas de interpretação. Viviam falando sobre como se preparavam, quantas vezes ensaiavam uma cena e como conseguiam viver o momento e improvisar. Jack estava filmando Um estranho no ninho e falou sobre o desafio que era interpretar o paciente de um manicômio. Enquanto isso, Polanski, que dirigira Nicholson em Chinatown, falava sobre as diferenças entre se fazer um filme em Hollywood e na Europa: nos Estados Unidos havia mais oportunidades, mas os filmes obedeciam mais a fórmulas e eram menos artísticos. Ambos tinham imensa paixão pela profissão.

Pensei que talvez, mais para a frente, eu pudesse ter a chance de fazer filmes com eles em algum papel de coadjuvante. Mas o que mais pensava era: “Que promoção incrível para o fisiculturismo o fato de esse pessoal estar aceitando o esporte.”


MINHA CARREIRA EM HOLLYWOOD PODERIA jamais ter deslanchado se não fosse uma sucessão de acontecimentos que começou quando Franco e eu organizamos uma competição de fisiculturismo em Los Angeles naquele verão. Eu continuava decidido a ver o esporte se tornar popular. Ficava frustrado com o fato de os concursos nunca serem divulgados para o grande público. Isso me parecia totalmente errado. Afinal, o que tínhamos para esconder? As pessoas reclamavam que os jornalistas só escreviam coisas negativas sobre o fisiculturismo e que suas matérias eram idiotas. Bem, era verdade, mas algum de nós estava falando com a imprensa? Alguém havia explicado aos repórteres o que fazíamos? Então Franco e eu chegamos à conclusão de que, para que o fisiculturismo nos Estados Unidos um dia saísse da concha, nós mesmos teríamos de promovê-lo. Alugamos um grande auditório no centro e negociamos os direitos de organização da edição de 1974 do concurso Mister Internacional.

Havia pequenos indícios de que era a época certa para isso. Muitos atores estavam começando a malhar na Gold’s. Gary Busey era frequentador assíduo. Isaac Hayes, que havia ganhado um Oscar pela música-tema do filme Shaft, aparecia diariamente no seu Rolls-Royce para treinar. Até então, os únicos atores que malhavam em público eram aqueles que reforçavam o estereótipo gay relacionado ao fisiculturismo. Atores como Clint Eastwood e Charles Bronson eram musculosos e exibiam corpos incríveis na tela. Eles malhavam, mas em segredo. Sempre que alguém comentava sobre seus músculos, diziam: “Eu nasci assim.” Mas essa atitude estava começando a mudar, e a musculação aos poucos se tornava mais aceitável.

Outro sinal positivo era que mais mulheres estavam começando a aparecer na Gold’s – não para ficar “secando” os caras, mas querendo ingressar na academia. No início, isso não foi possível. Do ponto de vista prático, teria sido difícil para Joe Gold aceitar mulheres, porque só havia um vestiário. A verdade, porém, era que os homens ainda não estavam preparados para isso. O fisiculturismo era um universo masculino demais. A última coisa que alguém queria era ser cuidadoso com o que dizia na academia. Ouviam-se muitos palavrões e muitas conversas de homem. Eu disse a Joe que ele deveria aceitar mulheres. Tinha visto os benefícios disso em Munique: a presença de mulheres na academia nos fazia treinar mais pesado, ainda que tivéssemos de moderar um pouco o palavreado.

Algumas das mulheres que queriam entrar eram irmãs ou namoradas de fisiculturistas. Outras eram garotas que já malhavam na praia. Se uma mulher precisava treinar para um teste físico – para entrar para a polícia ou para o corpo de bombeiros, por exemplo –, Joe sempre lhe dava uma permissão especial. Ele dizia: “Venha às sete da manhã. A essa hora a academia está mais vazia e você pode malhar. É por conta da casa, não precisa pagar nada.”

Joe nunca tomava uma decisão sem o consentimento dos fisiculturistas. A academia devia ter música? O chão devia ser acarpetado? Ou será que isso estragaria o aspecto rústico? Aquela era uma academia rígida em seus princípios, frequentada por uma clientela igualmente rígida. Tivemos discussões intermináveis sobre a inclusão de mulheres. Por fim, decidimos liberar a inscrição, mas só para as mais duronas, que assinassem um termo cujo teor, na prática, era o seguinte: “Estou ciente de que haverá linguajar chulo, de que pesos cairão em cima de pés e de que haverá lesões. Estou ciente de que há apenas um vestiário, e usarei o da praia.” Eu queria que o fisiculturismo se abrisse totalmente para as mulheres, a ponto de haver campeonatos femininos. Mas aquilo pelo menos era um começo, e dava para ver que o interesse existia.

Na nossa opinião, os concursos de fisiculturismo nunca eram grandes o suficiente – sempre os mesmos 500 ou mil espectadores – e pareciam muito desorganizados. Às vezes não havia música, ou o apresentador era ruim e a iluminação era precária. Ninguém ia nos receber no aeroporto. Era tudo errado. Havia exceções, como o concurso Mister Mundo em Columbus ou o Mister Universo em Londres, mas a maioria das competições era amadora. Fizemos uma lista de tudo o que queríamos mudar e começamos a dar telefonemas para pedir conselhos.

Franco e eu agendamos nossa competição para o dia 17 de agosto. O lugar que alugamos era um teatro antigo e grandioso de 2.300 lugares no centro de Los Angeles chamado Embassy Auditorium. Em seguida, contratamos uma relações-públicas, Shelley Selover, cujo escritório ficava em Venice. Quando fomos conversar com ela, duvido que ela sequer soubesse o que era fisiculturismo. No entanto, depois de fazer várias perguntas e de nos ouvir um pouco, concordou em nos representar. “Posso fazer algo com isso”, disse ela. Era um importante voto de confiança.

Shelley nos pôs imediatamente em contato com um repórter veterano da Sports Illustrated chamado Dick Johnston, que pegou um voo do Havaí, onde morava, para se familiarizar com nosso esporte. Antes do encontro, ela nos instruiu cuidadosamente. “Ele quer convencer o editor da revista de que fisiculturistas são atletas, atletas sérios, e fazer uma reportagem grande”, informou ela. “Acham que podem ajudá-lo com isso?” Portanto, cheguei para a entrevista com vários exemplos de como determinado atleta, se não tivesse escolhido o fisiculturismo, teria sido estrela do basquete, e de como um outro teria sido boxeador. Eles teriam sido atletas de qualquer maneira, mas o fisiculturismo era sua paixão, e era nessa modalidade que eles acreditavam que tinham mais potencial. Dick Johnston gostou da ideia e ficou de voltar a Los Angeles para cobrir nosso evento.

Franco e eu demos um duro danado para promover o concurso. Sabíamos que jamais conseguiríamos fechar as contas só com a venda dos ingressos. Tínhamos que comprar as passagens para trazer fisiculturistas do mundo inteiro e precisávamos pagar os jurados, o aluguel do teatro, a publicidade e as ações promocionais. Então começamos a procurar patrocinadores. Isaac Hayes sugeriu que conversássemos com o grande boxeador Sugar Ray Robinson, seu amigo, que era dono de uma fundação. “Ele vai gostar da ideia”, disse Hayes. “Sua fundação é para pessoas realmente sem recursos, entendeu? Ele dá dinheiro para crianças carentes e minorias. Então você só precisa explicar que, como é um fisiculturista austríaco na Califórnia, você é uma minoria!” Franco e eu achamos bastante engraçado o fato de sermos minorias. Meu amigo ficou entusiasmado com a perspectiva de conhecer um dos maiores boxeadores de todos os tempos. Eu também fiquei animado: lembrava-me de ter visto Robinson nos noticiários quando era pequeno. Em 1974, já fazia quase 10 anos que ele tinha se aposentado do boxe.

Quando chegamos à sua fundação, a sala de espera estava lotada. Pensei em todas as pessoas que deviam estar lhe pedindo dinheiro e em quanto ele, um ex-campeão, era generoso por estar gastando seu tempo com aquele trabalho.

Nossa vez finalmente chegou. Sugar Ray nos recebeu em sua sala e foi muito caloroso. Estávamos tão impressionados que, nos primeiros segundos, sequer ouvimos o que ele falou. Ele não estava com pressa e ouviu nosso pedido de financiamento para comprar os troféus para nosso evento. No final, começou a rir. Aquilo era muito estranho: dois estrangeiros tentando promover um campeonato internacional de fisiculturismo em Los Angeles. Ele nos deu 2.800 dólares – um bom dinheiro na época. Saímos de lá e compramos uns troféus bem bacanas, com plaquinhas que diziam “Doado pela Fundação Sugar Ray Robinson para Jovens”.

Descobrimos que na verdade as pessoas não tinham uma imagem negativa do fisiculturismo. Elas tinham a mente aberta, mas ninguém lhes dizia nada. Estávamos nos Estados Unidos, um país receptivo, pronto para aprender algo novo. Nossa abordagem foi educar as pessoas. Eu tinha a personalidade certa para isso. Sabia que as matérias de Gaines tinham sido bem recebidas. Nosso lema era “Apresentação é tudo”.

À medida que a disputa do Mister Internacional se aproximava, espalhamos nossos cartazes com a chamada “O maior show de músculos de todos os tempos” pelas Associações Cristãs de Moços e pelos pontos de encontro da cidade. O cartaz tinha fotos minhas (cinco vezes Mister Universo, quatro vezes Mister Olympia), de Franco (Mister Universo, Mister Mundo), de Frank Zane (Mister América, Mister Universo), de Lou Ferrigno (Mister América, Mister Universo), de Serge Nubret (a maior estrela do fisiculturismo europeu) e de Ken Waller (Mister América, Mister Mundo).

Para meu assombro, Shelley não apenas conseguiu que vários jornais nos entrevistassem como também deu um jeito de fazer com que eu fosse convidado para programas de entrevistas transmitidos no país inteiro como The Merv Griffin Show, The Tonight Show e The Mike Douglas Show. Foi então que percebemos que estávamos certos: havia mesmo um interesse pelo assunto; não era só nossa imaginação.

Naturalmente, por causa da imagem estereotipada dos fisiculturistas, ninguém me deixaria ir ao ar sem fazer uma pré-entrevista. Eu chegava aos estúdios à tarde, horas antes dos programas, para os produtores verem se aquele fortão sabia abrir a boca e dizer coisa com coisa. Então eu conversava com o pré-entrevistador, que, depois de algum tempo, comentava:

– Que ótimo! Você acha que consegue dizer isso tudo quando estiver sob pressão, diante de uma plateia?

E eu respondia:

– Bem, o interessante é que eu não vejo a plateia. Fico tão envolvido que não vejo ninguém. Então não se preocupe: eu consigo esquecer que o público está lá.

– Ótimo, ótimo.

O primeiro programa de que participei foi o de Merv Griffin. O apresentador convidado naquele dia era o humorista Shecky Greene. Eu me sentei, falamos algumas amenidades e então Shecky passou alguns segundos calado, apenas olhando para mim. Por fim, exclamou: “Não acredito! Você fala!” O comentário rendeu boas risadas.

Quando alguém nivela a situação tão por baixo assim, é impossível errar. Shecky não parou de me elogiar. Ele era muito engraçado e, consequentemente, me tornou engraçado também. A entrevista foi uma promoção não apenas para mim, mas também para o fisiculturismo nos Estados Unidos de forma geral: os espectadores puderam ver um fisiculturista que tinha um aspecto normal quando estava vestido, que sabia falar, que tinha um passado interessante e uma história para contar. De repente, o esporte adquiriu um rosto e uma personalidade, o que levou as pessoas a pensar: “Não tinha percebido que esses caras eram divertidos! Eles não são estranhos, são ótimos!” Também fiquei feliz por conseguir promover o concurso Mister Internacional.

Franco e eu estávamos bastante nervosos com o evento, sobretudo depois de conversar com George Eiferman, um dos muitos ex-campeões de fisiculturismo que tínhamos convidado para ser jurado. George era um representante do esporte já de certa idade (vencera o Mister América em 1948 e o Mister Olympia em 1962) que agora tinha uma rede de academias em Las Vegas. Uma semana antes da disputa, ele foi nos visitar para dar alguns conselhos. Encontrou-se comigo, com Franco e com Artie Zeller na Zucky’s.

– Agora se certifiquem de que têm tudo o que precisam – disse ele.

– Como assim? – perguntei.

– Eu já organizei esse tipo de competição. Nós às vezes esquecemos as coisas mais simples.

– O quê, por exemplo?

Comecei a suar pensando no que poderia ser. Eu estava tão concentrado em vender ingressos que talvez tivesse negligenciado alguns detalhes importantes.

– Vocês já têm as cadeiras para os jurados na mesa principal, por exemplo? Quem vai arrumar essas cadeiras?

Virei-me para Franco.

– Já providenciou as cadeiras?

– Você é mesmo um idiota – retrucou Franco. – Como é que eu ia saber que precisava cuidar disso?

– Está bem, vamos colocar isso no papel – falei.

Então fiz uma anotação: na próxima vez que fôssemos ao teatro, tínhamos que ver onde arranjaríamos a tal mesa para pôr em frente ao palco e onde conseguiríamos nove cadeiras.

– Também vão precisar de uma bela toalha para forrar a mesa... Verde, de preferência, para dar um aspecto oficial – continuou George. – Outra coisa: já pensaram em quem vai comprar os bloquinhos de anotações para os juízes?

– Não.

– E comprem lápis com borracha, também – emendou ele.

– Ah, que merda.

George foi fazendo um passo a passo da produção do evento. Tínhamos que planejar como ficaria o palco, organizar a área dos bastidores, deixar pesos disponíveis para os atletas se aquecerem, saber onde conseguiríamos esses pesos e como fazê-los entrar pelos fundos do teatro.

– Já pensaram nisso? – perguntou George. – Esse teatro com certeza é regido pelos sindicatos, então vocês precisam saber o que vão poder transportar por conta própria e o que terá de ser levado pelos caras do sindicato.

É claro que Franco e eu não gostamos da ideia de ter que obedecer ao regulamento de sindicatos profissionais. No entanto, lembramos que tudo era muito mais fácil de fazer ali nos Estados Unidos do que teria sido na Europa. Conseguir as autorizações e pagar as taxas foi bem mais simples do que tínhamos imaginado, além de as taxas serem mais baratas. O pessoal que administrava o teatro também se mostrou bastante entusiasmado.

No final das contas, o evento lotou. Franco e eu fomos pessoalmente buscar cada um dos competidores no aeroporto e os tratamos como gostaríamos de ser tratados se estivéssemos no lugar deles. Os melhores atletas compareceram. O júri foi competente e demonstrou ter bastante experiência. Na noite anterior ao evento, convidamos jurados, patrocinadores e atletas para uma recepção bancada por mim e por Franco. Todos os nossos esforços publicitários encheram o teatro, então acabamos tendo que deixar cerca de 200 espectadores de fora. Porém o mais importante foi que os lugares foram ocupados por pessoas de todas as áreas, não apenas fisiculturistas.

A repercussão do meu sucesso no The Merv Griffin Show perdurou até o outono. Shelley agendou mais duas participações em programas de entrevistas para mim. Era sempre a mesma coisa. Como a expectativa era nula, eu me mostrava espontâneo e o apresentador reagia dizendo: “Isso é fascinante!” Logo percebi que, em uma entrevista de entretenimento, eu podia simplesmente inventar o que quisesse! Eu dizia coisas do tipo: “Em 1968, a Playboy fez uma pesquisa e 80% das mulheres odiavam fisiculturistas. Mas agora a situação se inverteu e 87% delas adoram caras musculosos.” Eles adoravam.

Participar do programa de Merv Griffin teve outra consequência inesperada. No dia seguinte à entrevista, recebi na academia um telefonema de Gary Morton, marido e sócio de Lucille Ball. “Vimos você ontem na TV”, disse ele. “Achamos muito engraçado. Ela tem um emprego para você.” Na época, Lucille Ball era a mulher mais poderosa da televisão. Tinha ficado famosa no mundo inteiro por causa das séries I Love Lucy, The Lucy Show e Here’s Lucy, e era a primeira mulher na TV a se afastar dos grandes estúdios e administrar uma produtora própria, graças à qual havia ficado rica. Morton me explicou que ela estava preparando um especial de TV com Art Carney, mais conhecido como o Ed Norton de The Honeymooners (Os recém-casados), uma série dos anos 1950. Ela queria que eu fizesse o papel de um massagista. Será que eu poderia passar na produtora naquela tarde para dar uma lida no roteiro? De repente, Lucy pegou o telefone e disse: “Você estava incrível! Sensacional! Nos vemos mais tarde, certo? Dê uma passada aqui, nós adoramos você.”

Fui até a produtora e alguém me deu o roteiro para ler. O programa se chamava Happy Anniversary and Goodbye (Feliz aniversário de casamento e adeus). À medida que lia, minha animação crescia. Lucille Ball e Art Carney fazem um casal de meia-idade, Norma e Malcolm. Suas bodas de prata estão chegando, mas, em vez de comemorar, Malcolm declara que se cansou da mulher e diz que quer se divorciar dela. Como Norma também está farta do marido, os dois concordam em dar um tempo e ele sai de casa. Só que volta ao apartamento para pegar alguma coisa que esqueceu e encontra Norma, seminua, deitada em cima de uma mesa, recebendo uma massagem. Ela exagera na situação para deixá-lo enciumado, acarretando uma briga hilária na qual o massagista, que se chama Rico, acaba envolvido.

Eu faria o massagista. Era um papel de sete minutos em um programa de uma hora, e pensei: “Essa exposição é ótima. Vou aparecer na televisão junto com Lucille Ball e Art Carney!” Como Hércules em Nova York não tinha chegado a ser lançado, aquela seria minha estreia na tela, para um público de milhões de pessoas.

Estava sonhando acordado com isso quando me ligaram para fazer uma leitura do roteiro. Lucille, Gary Morton e o diretor estavam presentes, e ela me recebeu muito bem.

– Você estava engraçado mesmo ontem à noite! – comentou ela. – Tome, vamos ler.

Era tudo tão novo para mim que eu não fazia a menor ideia de que, ao ler um roteiro, eu devia representar o papel. Sentei-me à mesa com eles e disse minhas falas todas literalmente, palavra por palavra, como se estivesse mostrando a um professor que sabia ler.

– “Oi meu nome é Rico e eu sou italiano e lá na Itália eu era caminhoneiro mas aqui sou massagista.”

Então ela disse:

Tuuudo bem.

Reparei que o diretor estava olhando para mim. Em circunstâncias normais, eles teriam dito: “Muito obrigado por ter vindo. Vamos ligar para o seu agente.” No meu caso, não podiam fazer isso, porque eu não tinha agente. Mas aquilo não era um teste de verdade, porque Lucille queria mesmo que eu fizesse o papel e não havia nenhum outro candidato. Eu só estava ali para ajudá-la a convencer Gary e o diretor.

Ela logo interveio para me salvar.

– Ótimo! – falou. – Mas me diga uma coisa: você entende o que está acontecendo nessa cena? – Quando eu respondi que sim, ela pediu: – Então me explique, em poucas palavras.

– Bem, me parece que eu fui à sua casa porque você me pediu para ir lhe fazer uma massagem, e você está se divorciando ou se separando, algo assim, e eu sou muito musculoso porque era caminhoneiro na Itália – respondi. – Mas agora moro nos Estados Unidos e ganho dinheiro não como caminhoneiro, mas como massagista.

Exatamente. Você consegue me dizer isso de novo na hora certa, quando eu perguntar?

Dessa vez nós fizemos a cena: eu toquei a campainha, entrei com a mesa de massagem e montei tudo. Ela olhou, boquiaberta, para meus músculos e perguntou:

– Como você conseguiu ficar assim?

– Ah, eu na verdade sou italiano. Era motorista de caminhão lá, depois virei massagista, e estou muito feliz por estar aqui hoje e poder fazer uma massagem na senhora... – Ela quase enlouqueceu quando me ouviu dizer isso. – Depois tenho mais uma massagem, em outro lugar. Ganho um dinheirinho fazendo isso, além de ser bom para os músculos.

– Agora vamos improvisar – disse ela.

Então inventei uma fala:

– Deite-se para que eu possa começar.

– Ótimo, ótimo! – exclamou ela. – O que acham, rapazes?

– Foi engraçado o jeito como ele explicou, e o sotaque italiano – respondeu o diretor.

– Não, o sotaque é alemão, mas para vocês é tudo igual – falei.

Eles riram.

– Está bem, o papel é seu – disseram.

Art Carney, Lucille e eu passamos uma semana ensaiando essa cena diariamente. Carney acabara de ganhar o Oscar de melhor ator por Harry, o amigo de Tonto. Era um ator muito engraçado, que acabamos descobrindo ter mais dificuldade ainda do que eu para decorar as falas. Por fim, na sexta-feira, eles me disseram:

– Na segunda, quando você voltar, vamos gravar ao vivo.

Eu me sentia pronto e falei que tudo bem.

Na segunda-feira, estava na sala de espera dos bastidores com alguns dos outros atores. Então alguém entrou e disse:

– Sua cena está pronta. – Fui conduzido por trás do estúdio até a porta pela qual deveria entrar. – Espere aqui. Quando a luz verde se acender, toque a campainha e comece a cena do mesmo jeito que ensaiamos.

Então fiquei ali esperando, segurando a mesa de massagem pela alça. Estava de short e tênis, e com um casaco que deveria tirar durante a cena para revelar uma camiseta sem manga e os músculos por baixo, bem aquecidos e untados com óleo.

A luz verde se acendeu e eu toquei a campainha. Quando Lucille abriu a porta, entrei no cenário e disse minha primeira fala:

– Meu nome é Rico.

De repente, ouvi risadas e aplausos.

Isso nós não tínhamos ensaiado. Eu não fazia a menor ideia de que “gravar ao vivo” naquele caso significava ser filmado por três câmeras em um estúdio com plateia. Nunca tinha ouvido essa expressão na vida – como eu, um fisiculturista que jamais tivera qualquer envolvimento com a TV, poderia saber disso? Nesse meio-tempo, Lucille, totalmente imbuída da personagem de Norma e parecendo hipnotizada por minhas pernas musculosas, deu uma boa risada e disse:

– Ah, s-sim... Entre, por favor... Ah, você já entrou. – E se apressou em fechar a porta atrás de mim.

Minha fala seguinte deveria ter sido: “Onde a senhora prefere, aqui mesmo ou no quarto?” Só que eu fiquei paralisado, segurando a mesa de massagem sob os refletores e ouvindo os aplausos e risos de mil pessoas tomarem conta do estúdio.

Lucille, que era uma profissional experiente, viu o que estava acontecendo e improvisou:

– Bom, não fique aí olhando para a parede! Você veio me fazer uma massagem... não foi?

Então eu me lembrei da fala e daí em diante a cena correu muito bem. A plateia aplaudiu o tempo todo.

Ela era tão boa que realmente me deu a impressão de estar fazendo perguntas que eu tinha de responder; não tive a sensação de estar atuando. Aquela era uma verdadeira aula – em vez de ser pago, era eu quem deveria pagar. Depois disso, Lucille passou vários anos acompanhando minha carreira como se fosse minha mãe de verdade. Apesar da reputação de durona, comigo ela era um doce. Sempre que um filme novo meu estreava, ela me escrevia cartas elogiosas. Esbarrei com ela várias vezes em eventos de celebridades, e ela sempre me dava um abraço e fazia a maior festa. “Eu assumo todo o crédito por este rapaz. Ele vai ser um grande astro”, dizia.

Lucille me deu conselhos sobre Hollywood. “Lembre-se: quando eles disserem ‘não’, você deve ouvir ‘sim’ e agir de acordo com isso. Se alguém lhe disser ‘Não podemos fazer esse filme’, dê-lhe um abraço e diga: ‘Obrigado por acreditar em mim.’”


TIVE QUE TOMAR CUIDADO PARA não deixar que minhas aventuras na televisão me distraíssem dos treinos. Em julho, Franco e eu passamos a malhar em intensidade máxima, duas vezes por dia, em preparação para as competições de outono. Eu iria defender meu título de Mister Olympia pelo quarto ano consecutivo, mas, sob alguns aspectos, aquela edição seria muito especial. Pela primeira vez, a disputa iria acontecer no Madison Square Garden, principal casa de shows de rock e eventos esportivos de Nova York. É verdade que ainda era o teatro chamado Felt Forum, com 4.500 lugares, e não a arena com capacidade para 21 mil espectadores. Ainda assim, era no Madison Square Garden que as pessoas tinham ido ver Muhammad Ali e Joe Frazier lutarem pela primeira vez, ou assistir a Wilt Chamberlain e Willis Reed jogarem. Era lá que se ia para ver Frank Sinatra e os Rolling Stones se apresentarem. Era lá que se realizavam os grandes torneios esportivos universitários.

O fisiculturismo, portanto, estava dando um grande passo. As pessoas tinham me visto na TV. O livro Pumping Iron estava prestes a ser lançado. E, graças ao trabalho incansável de George Butler, a edição de 1974 do campeonato Mister Olympia estava tendo uma divulgação jamais vista. Delfina Rattazzi, amiga de Charles Gaines, herdeira da fortuna da Fiat e mais tarde assistente de Jacqueline Kennedy Onassis na editora Viking, daria uma festa de lançamento do livro em seu apartamento após o evento. Ela havia convidado dezenas de pessoas glamorosas e importantes que antes teriam torcido o nariz para o fisiculturismo. Eu não sabia aonde aquilo tudo iria dar, mas tinha certeza de que queria estar na melhor forma possível.

Os jornalistas das revistas de Joe Weider se superaram para valorizar o evento, chamando-o de “Super Bowl do fisiculturismo”. O Madison Square Garden era “um Coliseu romano moderno”. Os concorrentes eram “gladiadores travando um combate vascular mortal”. O evento em si era “a maior guerra de músculos de 1974”, o “duelo de titãs”.

A empolgação dessa edição girava em torno do mais recente menino prodígio do fisiculturismo, Lou Ferrigno, um gigante de 1,96 metro e 120 quilos nascido no Brooklyn. Com apenas 22 anos, ele só melhorava com o passar do tempo. Vencera as disputas de Mister América e Mister Universo em 1973 e agora estava treinando para me arrancar o título de Mister Olympia. Lou estava sendo chamado de “o novo Arnold”. Dono de uma estrutura corporal sensacional, ombros largos, um abdômen inacreditável e um potencial fora do normal, ele não pensava em nada a não ser treinar e vencer. Para ser mais preciso, Lou treinava seis horas por dia, seis dias por semana – muito mais do que meu próprio corpo poderia suportar. Eu adorava ser campeão, porém o que mais tinha a provar depois de ganhar o Mister Olympia por quatro anos seguidos? Além disso, meus negócios estavam se expandindo e eu talvez tivesse dado o pontapé inicial em minha carreira no cinema. Enquanto treinávamos para a edição de Nova York, decidi que ela seria minha última competição.

Ferrigno vencera a disputa de Mister Internacional organizada por mim e por Franco em Los Angeles. Ele era imenso e simétrico; se eu fosse jurado, também o teria escolhido, embora sua definição ainda não fosse perfeita – assim como a minha quando eu chegara aos Estados Unidos – e suas poses precisassem ser mais bem ensaiadas. Se eu tivesse o corpo dele, poderia tê-lo esculpido em um mês para derrotar qualquer um – até a mim mesmo. Eu gostava de Lou, que era um cara simpático e discreto, de uma família carinhosa e trabalhadora. Tinha ficado parcialmente surdo quando criança e precisara superar muitas dificuldades desde então. Na época ganhava a vida como operário na indústria de chapas de metal e seu treinador era o pai, um tenente da polícia de Nova York que o fazia dar duro. Eu podia ver como o fisiculturismo deixava Lou orgulhoso. Além do corpo escultural, o esporte o tornava alguém. Agradava-me a ideia de um sujeito capaz de derrotar todos os obstáculos. Eu sabia o que ele devia pensar a meu respeito. Quando mais jovem, tinha sido meu fã, então me via da mesma forma que eu um dia vira Sergio Oliva: o campeão que acabaria tendo que derrotar.

Mas eu não achava que ele fosse estar pronto. Aquele não seria o seu ano. Assim, treinei com dedicação, mantive a discrição e não levei a sério quando as pessoas me diziam: “Arnold, é melhor você se cuidar. Se os jurados estiverem atrás de uma cara nova...” Ou então: “Weider acha você independente demais. Talvez ele esteja querendo uma nova estrela.”

Lou chegou a Nova York a alguns dias da competição, pouco depois de defender o título de Mister Universo em Verona, na Itália. Em uma entrevista antes da disputa, seu pai se gabou de que, se Lou vencesse, iria manter o título por uma década. “Não há ninguém no horizonte capaz de enfrentá-lo.” Na manhã da competição, porém, Lou faltou a um programa de entrevistas ao qual fora convidado junto comigo e com Franco. “Ele é tímido, deve estar suando frio”, intuí. No ar, brinquei: “Ele deve estar em casa olhando para o meu corpo e andando de um lado para outro em frente à televisão, posando e pensando se deve competir.”

Nessa noite, no Madison Square Garden, Lou não chegou nem perto do troféu. Na hora da pose final, estava com uma cara deprimida, como um novato que acaba de cometer um erro. E era verdade. Ele tentara com tanto afinco ganhar definição que perdera peso demais, o que fez seu corpanzil parecer magro e menos musculoso do que o meu. No palco, diante de uma multidão, eu copiei suas poses, fazendo cada uma delas melhor do que ele. Então chegou um momento em que ficamos frente a frente, em poses de bíceps espelhadas, e eu dei um sorrisinho como quem diz: “Você perdeu.” Ele sabia, os jurados sabiam e o público também.

Franco e eu não ficamos no Madison Square Garden por muito tempo depois da disputa. Junto com o casal Weider e meu velho amigo Albert Busek, que viajara de Munique para cobrir o evento, saímos discretamente para a festa de lançamento do Pumping Iron na casa de Delfina. Assim que entramos no apartamento dela, eu passei a ser o novato. Delfina morava em um tríplex gigantesco perfeitamente decorado e bastante moderno. Quadros pendiam do teto, e não das paredes, então você podia se jogar doidão em cima de um dos sofás e ficar de papo para o ar admirando as obras de arte.

Um fluxo sem fim de pessoas abarrotava os imensos cômodos do apartamento. A festa tinha garçons servindo comes e bebes e parecia muito bem organizada, embora eu nunca tivesse visto algo daquele tipo antes, de modo que não tinha base para comparação. Foi extraordinário. Eu nunca vira aquele tipo de gente – a elegância, os saltos altos, as joias, as mulheres estonteantes, atores, diretores, personalidades do mundo da arte e da moda e muita gente que eu sequer sabia quem era. Vi que era uma coisa meio europeia, com convidados muito sofisticados em matéria de vestuário (ou falta de), homossexuais e figuras meio estranhas – havia de tudo.

Minha única reação foi balançar a cabeça e dizer: “Isto vai ser interessante.” Eu não esperava aquilo. Era meu primeiro gostinho do que o show business e a fama me proporcionariam em Nova York. Por mais vezes que você visite a cidade como turista ou a trabalho, nunca consegue de fato penetrar em seus círculos. Mas ali eu sentia que estava sendo aceito – ou pelo menos estava assistindo ao espetáculo sentado na primeira fila.

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