CAPÍTULO 10

O guarda-costas

BOB RAFELSON ESTAVA HOSPEDADO NA SUÍTE do diretor e produtor Francis Ford Coppola no hotel Sherry-Netherland, de frente para o Central Park, e na véspera do Mister Olympia me convidou para conhecer o lugar. Eu não sabia que um apartamento do hotel podia ser daquele jeito, do tamanho de uma casa. Fiquei bastante impressionado. Até então, só tinha me hospedado em hotéis das redes Holiday Inn e Ramada. E ele tinha um imóvel daqueles e sequer morava nele! Coppola o usava apenas para hospedar seus amigos. A suíte tinha lindos quadros e móveis e contava com serviço de quarto 24 horas por dia. Fiquei perplexo com a coleção de vídeos, uma parede inteira de filmes organizados por gênero: musical, ação, drama, comédia, história, pré-história, animação e assim por diante.

Na noite seguinte, no lançamento do livro, os amigos de Bob estavam todos lá me observando. Ele os convidara porque queria saber sua opinião. Eles gostavam da minha personalidade? Será que eu ficaria bem no seu filme?

Gaines e Butler o vinham pressionando desde o começo para ele me dar o papel do fisiculturista em O guarda-costas. Eu também estava insistindo. “Onde mais você vai encontrar um corpo como este aqui?”, perguntava. “Chamar um ator profissional é um erro! Eu consigo fazer tudo aquilo! Tenho certeza de que vou saber atuar se você me dirigir direito.” Quando Charles me contou a sinopse do filme, achei-a divertida. A ação se passa na cidade de Birmingham, no Alabama, onde ele fora criado. O herói, Craig Blake, é um jovem aristocrata do Sul que herdou uma fortuna e precisa se encontrar. Ele é um playboy que frequenta o country club da cidade e trabalha como testa de ferro para empreendedores inescrupulosos que estão tentando comprar em segredo um quarteirão no centro da cidade. Um dos negócios que eles precisam adquirir é uma academia de fisiculturismo.

Assim que Craig põe os pés no local, seu mundo começa a mudar. Ele se encanta pela bela recepcionista, uma garota do interior chamada Mary Tate Farnsworth, e fica fascinado pelo esporte. O principal atleta da academia, Joe Santo, é um índio americano que está treinando para o Mister Universo. É um cara brincalhão e divertido, que às vezes vai malhar fantasiado de Batman. Joe e os outros atletas acabam influenciando o herói, e ele começa a aderir à filosofia de Joe: “Não dá para evoluir sem sentir dor. Eu não gosto de ficar acomodado. Gosto de continuar ávido.” Ao se envolver com as pessoas ligadas à academia, Craig descobre que não pode traí-las, e a trama parte daí.

Rafelson já tinha contratado seu amigo Jeff Bridges para fazer Craig – o que era bem animador, porque Bridges era um jovem talento em ascensão que já havia estrelado A última sessão de cinema e o mais recente filme de Clint Eastwood, O último golpe. Charles Gaines achava que eu seria perfeito no papel de Joe Santo e transformou o índio americano em um austríaco.

Talvez tenha sido o fato de me ver na TV contracenando com Art Carney e Lucille Ball que finalmente fez Rafelson se decidir. Ele me ligou depois da exibição de Happy Anniversary and Goodbye, no final de outubro, para me dizer que o personagem era meu. “Você é o único que tem a personalidade e o corpo adequados para o papel”, falou. “Mas, antes que você comece a comemorar, precisamos nos encontrar amanhã para uma conversa.”

No dia seguinte, quando nos encontramos na Zucky’s de Santa Monica para almoçar, Bob só falou de trabalho. Era a primeira vez que eu o via se comportar como diretor de cinema. Ele assumiu o comando da conversa e tinha muito a dizer. “Quero que você faça o papel principal no filme, mas não vai ganhá-lo de bandeja”, começou. “Você vai ter que fazer por merecer. Por enquanto, tenho a sensação de que você não é capaz de encarar uma câmera e transmitir toda a gama de emoções que eu preciso.” Eu não sabia o que ele queria dizer com aquilo, mas, à medida que ele falava, comecei a entender.

“Quando as pessoas pensam em um fisiculturista, a maioria delas imagina um cara que entra em uma sala, derruba tudo e põe o lugar abaixo. Quando esse cara abre a boca, ele é rude e diz coisas grosseiras.

Olhei para ele com interesse e ele prosseguiu: “Mas eu comprei os direitos do livro em parte porque esse cara, além de forte, é sensível. Nós o vemos levantar centenas de quilos, mas na cena seguinte ele é capaz de pegar um copo e dizer: ‘Sabe o que é isto aqui? Cristal Baccarat. Veja como é lindo, como é delicado.’ Isso é só um exemplo. Ele adora música. Sabe tocar flauta. Sabe avaliar a qualidade de um violão. Sua sensibilidade e intuição são quase femininas. São essas nuances que constroem o personagem. Algo bem difícil de conseguir.”

Fiz uma anotação mental: teria que fazer aulas de flauta.

“Por exemplo”, continuou Bob, “você me disse que o fisiculturismo é uma arte. Mas eu quero que você seja capaz de interagir com a atriz principal e, quando ela disser ‘Nossa, que panturrilhas!’, responder: ‘Bom, a panturrilha é uma parte muito importante do corpo. Para ganhar a competição, não basta ter um músculo saltado na batata da perna. O músculo tem que ter a forma de um coração invertido. Está vendo? E as medidas da panturrilha, do antebraço e do pescoço têm que ser as mesmas. É assim desde a época dos gregos. Quando você vir esculturas gregas, repare que elas têm lindas proporções. Não são só os bíceps que são grandes, mas os ombros e as panturrilhas também.’”

Bob queria que eu conseguisse explicar tudo isso não como um fisiculturista, mas como um artista ou um historiador da arte: com sentimento. “E ainda por cima você vai ter que fazer isso na frente das câmeras. Eu já o ouvi falar assim algumas vezes, mas será que vai conseguir quando eu disser ‘Ação!’? Será que vai conseguir quando eu fizer o close, o contraplano, o plano geral e o plongée? Vai conseguir manter o personagem nessa hora, e no dia seguinte tornar a entrar no mesmo personagem quando houver uma sessão de treinos puxada no roteiro, na qual você e os outros levantam cargas superpesadas? É isso que torna esse papel único.”

E sua lista de exigências ainda não tinha terminado.

“Além do mais, se você for Joe Santo, vai ter que lidar com o ambiente de um country club no Sul do país, com todas aquelas pessoas meio idiotas, que vivem dando festas de arromba e estão o tempo todo bêbadas. Tudo o que você tem, conseguiu graças ao trabalho. Aí vem um cara chamado Craig Blake, que herdou uma fortuna e vive para lá e para cá com seus ternos caros, querendo ser seu amigo. Como você se sente em relação a isso?”

Fiz que ia responder à sua pergunta, mas ele se apressou a continuar:

“Eu acho que você consegue aprender a fazer tudo isso, mas quero que tenha aulas de interpretação antes de começarmos a filmar.”

Bob devia estar esperando alguma resistência da minha parte, porque pareceu surpreso quando concordei. Fiquei animado. Não apenas alguém finalmente me explicava em que consistia de fato a interpretação no cinema como também transformava isso em um desafio. Eu não estava sendo contratado apenas porque ele me vira ganhar o Mister Olympia e porque eu me dava bem com seus amigos atores. Eu tinha que fazer por merecer, justamente como gostava.

Bob ainda impunha uma condição, e essa era bastante difícil: queria que eu passasse de 109 para 95 quilos. “A câmera faz o corpo parecer maior”, explicou. “Além disso, não quero que você deixe os outros atores intimidados com seu tamanho. Você pode pesar 95 quilos e ainda assim vender a ideia de ser Mister Universo.”

Era um pedido e tanto. Eu sabia que o único jeito de pesar 95 quilos era abandonar a visão que tinha de mim mesmo como o cara mais musculoso do universo. Eu não podia ter as duas coisas. Assim, fui forçado a tomar a decisão para a qual, de toda forma, já estava tendendo: aposentar-me das competições. Já praticava o fisiculturismo havia 12 anos, e a filosofia do filme me atraía. Eu gostava da ideia de ser ávido por algo e nunca ficar acomodado. Quando tinha 10 anos, queria ser bom o suficiente em algo que fosse reconhecido no mundo inteiro. Agora, queria ser bom o suficiente em outra coisa para me distinguir mais uma vez e me tornar ainda melhor do que antes.

O professor ao qual Rafelson me encaminhou, Eric Morris, já fora instrutor de interpretação de Jack Nicholson. Ele tinha um estúdio em Los Angeles, e até hoje me lembro de seu endereço e telefone de cor, pois o indiquei a várias pessoas ao longo dos anos. Logo na entrada do estúdio havia uma placa junto à porta que dizia: “Não faça teatro.” Fiquei pensando sobre isso na primeira vez que li, mas a produtora estava me pagando três meses de aulas particulares e eu estava pronto para tentar.

Morris era um cara magrelo que beirava os 40 anos, com cabelos louros desgrenhados e um olhar penetrante. Seu lema completo era: “Não faça teatro. Seja real.” Ele vivia falando com grande entusiasmo a respeito das descobertas que tinha feito e sobre o que faltava nas outras teorias de interpretação. Eu não conhecia nenhuma outra teoria de interpretação. Sabia, porém, que o mundo que ele me revelou era de deixar qualquer um maravilhado.

Foi a primeira vez que ouvi alguém articular ideias sobre as emoções: intimidação, inferioridade, superioridade, constrangimento, incentivo, conforto, desconforto. Um mundo inteiramente novo de palavras se descortinou para mim.

Era como começar a trabalhar em uma nova profissão e de repente aprender o vocabulário relacionado ao ofício, e pensar: “Eu não sei nem como se escrevem essas coisas.” Um oceano inteiro de palavras que eu ouvia sem parar até finalmente perguntar: “O que significa isso?”

O processo estava ampliando meus horizontes para lugares que eu antes ignorava. Nas competições, eu sempre reprimia minhas emoções. É preciso controlar os próprios sentimentos para não correr o risco de ser derrubado. As mulheres viviam falando em sentimentos, mas eu considerava isso uma bobagem. No meu plano não havia espaço para as emoções. Não que eu admitisse isso para elas, porque essa declaração não lhes agradava muito. Eu simplesmente ouvia sem prestar atenção e dizia: “É, sei como é.” Atuar era o contrário. Era preciso se deixar afetar e manter a guarda baixa, pois era assim que se virava um grande ator.

Sempre que era preciso exprimir alguma emoção em cena, Morris o fazia voltar no tempo e resgatar alguma lembrança sensorial. Digamos que você associasse o cheiro de café sendo feito à época em que tinha 6 anos e sua mãe preparava essa bebida, provavelmente não para você, mas para seu pai. Você se imaginava na cozinha, visualizava como era esse cômodo com seu pai e sua mãe presentes, e isso o fazia entrar em um estado emocional específico. O que o levava até lá era o cheiro de café. Ou então um cheiro de flores, talvez da primeira vez que você comprou um buquê para uma namorada. Você a visualizava na sua frente: o sorriso, o jeito de beijar, e isso também causava determinada disposição. Ou, ainda, se você ouvisse um rock dos anos 1960, a música poderia transportá-lo para uma época em que alguém punha o rádio para tocar na academia enquanto você malhava. Morris estava me ajudando a identificar os elementos que desencadeavam emoções específicas das quais eu poderia precisar no filme. Ele dizia: “Nas competições, quando estava ganhando, você se sentia eufórico ou excessivamente empolgado? Talvez possamos usar isso em uma cena.”

Tive que explicar que eu na verdade não ficava especialmente empolgado quando ganhava, pois vencer, para mim, era natural. Fazia parte da profissão. Eu tinha obrigação de ganhar. Então não sentia nada do tipo “Caramba! Ganhei!”. Em vez disso, pensava: “Muito bem, essa etapa está concluída. Vamos à competição seguinte.”

Disse que sempre achava as surpresas mais empolgantes. Quando era aprovado em todas as matérias na universidade, saía de lá eufórico, porque, embora esperasse passar, ainda assim era uma surpresa agradável. Ou então quando ia a uma festa de Natal e ganhava um presente inesperado. Expliquei isso a ele. Então Morris disse apenas: “Está bem, vamos voltar para esses momentos.”

Ele continuou a me fazer perguntas. Quando eu havia me apaixonado pela primeira vez? Em que situações me sentira excluído? Que sensação tivera ao sair de casa? E quando meus pais me disseram que estava na hora de eu começar a lhes pagar pela minha comida se quisesse continuar morando em sua casa? Os americanos não costumam fazer isso, então como eu tinha me sentido? Ele ia transitando por episódios diferentes até encontrar a emoção certa.

No início, detestei o processo todo.

– Até hoje eu nunca lidei com nenhuma dessas coisas de que você está falando – retruquei. – Não é assim que eu vivo.

Ele não acreditou.

– Você se vende como o tipo de cara que não tem emoções, mas não se iluda. Não prestar atenção a elas ou reprimi-las não significa que elas não façam parte de você. Na verdade, você nutre certos sentimentos, sim, porque posso vê-los estampados nos seus olhos quando diz determinadas coisas. Você não pode enganar um especialista.

Ele estava me ensinando a ter acesso a todos os sentimentos armazenados em minha mente.

– Todo mundo tem emoções – afirmou. – O segredo da arte de interpretar é conseguir despertá-las da forma mais rápida possível. Por que você acha que alguns atores conseguem chorar quando querem? Não estou falando de um choro puramente mecânico, mas de um choro real, no qual o rosto inteiro se contrai e a boca treme. Isso significa que o ator consegue pensar em algo realmente comovente muito depressa. E é muito importante que o diretor filme isso nas duas primeiras tomadas, porque o ator não consegue repetir muitas vezes o processo sem torná-lo mecânico. Não se pode manipular a mente com tanta frequência assim. Mas no caso de Bob Rafelson isso não me preocupa, porque ele com certeza é o diretor certo. Tem plena consciência disso tudo.

Numa das cenas de Cada um vive como quer Jack Nicholson chora. Eric me contou que Rafelson parou de filmar e passou duas horas conversando com o ator, até ver que ele estava começando a se emocionar. Falavam sobre alguma coisa relacionada à vida de Jack, em voz baixa, para que as outras pessoas do set não escutassem. Então de repente Bob ergueu a voz e disse: “Ótimo, Jack, fique assim.” Os outros atores entraram, a cena foi filmada e Jack chorou.

“Foi Bob quem o guiou”, contou-me Eric. “Às vezes é difícil, outras vezes é fácil, às vezes não acontece e você tem que tentar outro dia. O que estou tentando fazer é lhe dar as ferramentas”, continuou ele. “Você pode não ter chorado quando seu irmão morreu e pode não ter derramado uma lágrima ao saber da morte do seu pai. Mas fica abalado com o fato de eles terem morrido e de agora você e sua mãe estarem sozinhos?” Ele tentou de tudo, mas era como se estivéssemos diante de um muro. Eu não conseguia. Nada funcionou. Decidimos que aprender a chorar ficaria para depois.

Além das sessões particulares, eu também tinha aulas em grupo três vezes por semana, das sete às onze da noite. Éramos 20 alunos fazendo cenas ou exercícios de interpretação. Alguns eram divertidos. Ele escolhia um tema, por exemplo raiva e frustração, e pedia: “Quero que todo mundo fale sobre isso. O que deixa vocês frustrados?” Durante a primeira hora, todos contávamos histórias sobre ocasiões em que tínhamos experimentado esses sentimentos. Então ele continuava: “Muito bem. Vamos gravar essa emoção. Agora quero que alguém me diga algumas frases que mostrem essa frustração.” E nós improvisávamos sobre esse tema. A aula seguinte podia girar em torno da leitura de um roteiro, ou de um teste para um papel, e assim por diante.

Essas noites eram bem menos divertidas quando Morris se lembrava de coisas que eu havia dito durante uma aula particular e contava para a turma inteira. Era assim que ele tentava atingir um ponto fraco meu. Não hesitava em me pressionar ou me constranger. Por exemplo, eu podia estar lendo frases do roteiro de O guarda-costas que tínhamos ensaiado e ele me interrompia para dizer: “Que porra foi essa? Sério, é o melhor que você consegue? Hoje à tarde, quando fizemos essa cena, fiquei todo arrepiado. Agora não senti nada. Estou percebendo que você está tentando fingir, ou tentando usar um recurso de interpretação. Isto que estou vendo não é um recurso de interpretação. É totalmente diferente. Faça de novo.”

Todas as aulas particulares eram, de uma forma ou de outra, centradas no roteiro do filme. Morris me disse: “Nós vamos ler esse roteiro linha por linha e analisar até mesmo as cenas que não tiverem nada a ver com você, porque na verdade você vai ver que elas têm. Temos que descobrir por que você está no Sul do país e o que significa para você conhecer o pessoal do country club, que vive desperdiçando o dinheiro que herdou e passa as noites bebendo. Temos que entender o clima da cidade, a academia de fisiculturismo, os escroques que estão enganando todo mundo.” Então percorríamos o roteiro página a página, linha a linha. Conversávamos sobre cada cena, depois eu começava a decorar as falas e as analisávamos uma segunda vez. Eu dizia meu texto para ele, depois mais uma vez à noite, na frente dos 20 outros alunos. Ele pedia a uma das garotas que lesse as falas de Mary Tate.

Então Morris me levava para ler diante de Bob Rafelson. Eu via a procissão de atores – tanto homens quanto mulheres – que passavam pelo escritório dele fazendo testes para outros papéis. Caso eu ainda tivesse alguma dúvida, isso me lembrou de que esse filme era uma grande oportunidade para mim. Rafelson fez questão de me mostrar os macetes e de me ensinar as lições que iam além da simples interpretação. Passava o tempo inteiro explicando por que fazia as coisas: “Escolhi esse cara porque ele parece um sócio de country club”, ou “Vamos filmar no Alabama porque na Califórnia nunca conseguiríamos aquela paisagem verde luxuriante, nem os bares que servem ostras, nem o cenário que precisamos para tornar a história autêntica”.

Quando ele escolheu Sally Field para interpretar Mary Tate, quis que isso servisse como uma grande lição.

– Viu só? – falou. – Eu testei uma porção de garotas e no fim das contas a melhor foi a Noviça Voadora!

– Noviça Voadora? O que é isso? – perguntei.

Ele me disse que estava se referindo a Sally Field, que todos conheciam como Noviça Voadora por causa da irmã Bertrille, personagem que ela interpretara por muitos anos em uma série na TV. Depois dessa explicação, ele quis demonstrar algo ainda mais importante.

– Todo mundo acha que sabe o que uma garota tem que fazer para conseguir o papel: trepar com o diretor – falou. – E várias jovens vieram me oferecer justamente isso. Garotas peitudas, com cabelos lindos e corpos perfeitos. Mas, no final, quem foi contratada foi a Noviça Voadora. Ela não é peituda, não tem o corpo cheio de curvas e não se ofereceu para trepar comigo, mas tem o que eu mais precisava para esse papel: talento. É uma atriz séria, e quando veio aqui para fazer o teste eu fiquei maravilhado.

Como esse era o meu primeiro grande trabalho e eu não era ator profissional, Bob achou que também seria bom eu dar uma olhada em como os filmes eram feitos. Então ligou para alguns sets e combinou que eu assistiria às filmagens durante uma hora. Foi uma experiência bacana ver como todos ficam em silêncio quando o diretor diz: “Rodando.” Foi bom aprender que “ação” não quer dizer necessariamente ação – os atores podem ainda estar se ajeitando e perguntando: “Qual é mesmo a minha primeira fala?”

Esse foi o jeito de Bob me ensinar que, sim, haveria 13 tomadas, e sim, isso era normal, mas eu devia me lembrar de que apenas uma seria vista. Ele me disse que eu não precisava me preocupar quando ele falasse pela 13a vez: “Vamos repetir.” Ninguém ia saber. “E também não se preocupe”, continuou ele, “se você tossir no meio de uma cena. Eu corto esse pedaço na montagem e cubro o que falta com cenas filmadas deste ângulo aqui e daquele outro.”

Quanto mais tempo eu passava no set, mais à vontade me sentia.

Depois de escalar Sally Field, Bob ficou especialmente obcecado com a necessidade de eu perder peso. Ela era tão magrinha que ele temia que, se eu não emagrecesse, a fizesse sumir na tela. “Quando chegarmos a Birmingham, se você não estiver pesando 95 quilos, está fora do filme”, ameaçou. Não existia nenhuma aula com Eric Morris em que ele ensinasse uma estrela do fisiculturismo a emagrecer, então tive que me virar sozinho. Primeiro, precisei mudar minha forma de pensar: deixar de lado a imagem de um Mister Olympia de 113 quilos que tinha na cabeça. Em vez disso, comecei a me visualizar como um homem esbelto e atlético. De repente, o que via no espelho não se encaixava nessa imagem. Essa técnica ajudou a acabar com minha vontade de tomar todos aqueles suplementos de proteína e comer as porções extras de carne e frango com as quais estava acostumado. Passei a me ver mais como corredor do que como levantador de pesos e mudei todo o meu regime de treinos para enfatizar a corrida, o ciclismo e a natação em vez da musculação.

Ao longo de todo o inverno, os quilos a mais foram desaparecendo e eu fiquei satisfeito. Ao mesmo tempo, contudo, minha vida estava ficando intensa demais. Eu cuidava do meu negócio de vendas por correspondência, ia às aulas de interpretação, ia à faculdade, malhava três horas por dia e trabalhava em obras de construção. Era demais para uma pessoa só. Muitas vezes, me sentia sobrecarregado e começava a pensar: “Como posso continuar dando conta de tudo isso? Como faço para não ficar pensando na tarefa seguinte quando ainda estou na anterior? Como faço para pensar em uma coisa de cada vez?”

A meditação transcendental era muito popular entre o pessoal da praia em Venice. Havia um cara lá de quem eu gostava, um magrelo que fazia ioga, mais ou menos o oposto de mim. Nós sempre batíamos papo, e depois de algum tempo descobri que ele era instrutor de meditação transcendental. Ele me convidou para uma de suas aulas em um centro perto da UCLA. Tinha uma bobajada envolvida no processo: era preciso levar um pedaço de fruta e um lenço e fazer uns pequenos rituais. Mas eu não liguei para isso. Ouvi-los falar sobre a necessidade de se desligar e arejar a mente foi como uma revelação. “Arnold, você é um idiota”, pensei. “Passou esse tempo todo cuidando do corpo, mas nunca pensou na sua mente, em como torná-la mais afiada e aliviar o estresse. Quando tem cãibra em algum músculo, você o alonga, entra na hidromassagem, põe gelo, aumenta o consumo de sais minerais. Então por que nunca pensou que a mente também pode ter um problema? Pode estar estressada demais, cansada, entediada, desanimada, prestes a explodir... Vamos aprender algumas técnicas para lidar com isso.”

Eles me ensinaram a entoar um mantra e a fazer sessões de meditação de 20 minutos para alcançar um estado em que não pensaria em absolutamente nada. Ensinaram-me a desligar a mente a ponto de não ouvir o tique-taque do relógio ao fundo ou as pessoas conversando. Se você for capaz de fazer isso nem que seja por alguns segundos, os efeitos já serão positivos. Quanto mais conseguir prolongar esse período, melhor.

No meio disso tudo, Barbara também estava passando por transformações. Ela e Anita, mulher de Franco, inscreveram-se no Seminário de Treinamento Erhard, um curso de autoajuda bastante popular. Convidaram-nos a participar, mas Franco e eu não achávamos que precisássemos daquilo. Sabíamos quais eram os nossos objetivos. Sabíamos o que queríamos. Tínhamos controle sobre nossas vidas, que era o que o curso supostamente ensinava a adquirir.

O truque da primeira aula era que ninguém podia sair da sala para ir ao banheiro. A ideia era que, se você não consegue controlar nem mesmo sua própria bexiga, como vai conseguir controlar a si mesmo ou qualquer outra pessoa ao seu redor?

Eu ficava assombrado com o fato de as pessoas pagarem por aquilo! No entanto, se Barbara e Anita queriam tentar, por mim tudo bem.

Depois do primeiro fim de semana de curso, as duas voltaram bastante animadas e otimistas. Franco e eu começamos a pensar que talvez também devêssemos participar. No segundo fim de semana, porém, aconteceu algo que as deixou muito abaladas. Elas voltaram zangadas, pessimistas, achando que estava tudo errado nas suas vidas e prontas para culpar todo mundo à sua volta. Barbara estava uma fera com o pai. Era a mais nova de três irmãs e achava que ele a travava como o filho que nunca tivera. Discordei veementemente. Gostava muito do pai dela e não tinha sofisticação suficiente para entender o que ela estava dizendo. Para mim, não havia qualquer indicação de que ele a tratasse como menino. Ela então me acusou de estar obcecado pelo poder e de não lhe dar atenção suficiente.

Em geral nos dávamos muito bem, e fazia mais de três anos que morávamos juntos. Mas Barbara era uma pessoa normal, que queria coisas normais, ao passo que eu não tinha nada de normal. Minha determinação não era normal. Minha visão de aonde queria chegar na vida não era normal. A simples ideia de uma existência convencional era como criptonita para mim. Quando Barbara viu que eu estava me afastando do fisiculturismo e entrando para o cinema, acho que percebeu que não tínhamos futuro juntos. Logo depois que fui para o Alabama a fim de começar a filmar O guarda-costas, ela saiu de casa.

Fiquei muito triste com isso tudo. Barbara fazia parte da minha vida. Eu havia nutrido por ela sentimentos que jamais experimentara. Adorava a sensação reconfortante de ter a companhia de outra pessoa, de compartilhar a vida com ela, de não ter apenas minhas próprias fotos nos porta-retratos e de ter alguém com quem escolher móveis e tapetes para a casa. Sentir-me parte da família de Barbara era maravilhoso. Nós éramos uma unidade, porém de repente tudo se desfez. Tive muita dificuldade para entender. No início, pensei que Bob Rafelson tivesse dito a ela: “Preciso que Arnold seja mais sensível. Preciso vê-lo chorar. Se quiser ajudar nosso filme, saia de casa e o deixe bem na merda.” Do contrário, parecia uma loucura ela ter ido embora.

Eu sabia que estava perdendo algo de grande valor. Minhas emoções me diziam que deveríamos ficar juntos, mas racionalmente eu a compreendia. Barbara queria sossegar, e eu precisava ficar livre para me transformar e crescer. Os anos que passei com ela me ensinaram uma grande lição: como ter um bom relacionamento pode tornar sua vida melhor.


BIRMINGHAM ERA UMA PEQUENA CIDADE industrial mais ou menos do tamanho de Graz, e as filmagens de O guarda-costas deixaram o lugar em polvorosa. Chegamos lá em abril de 1975 e em poucas semanas já era possível sentir o calor grudento do verão. Adorei isso. Nós ficamos lá por três meses e chegamos a conhecer muito bem a cidade, com todos os seus bares, as biroscas onde se comiam ostras, os restaurantes etc. O hotel em que o elenco se hospedou era ótimo. Todas as pessoas eram muito simpáticas e, como Charles Gaines tinha nascido lá, fomos convidados para várias festas. Tendo acabado de romper com Barbara, achei bom passar um tempo fora de casa.

Assim que comecei a ensaiar com Sally Field, entendi o que Rafelson havia falado. Ela tinha pleno domínio do seu ofício e em poucos segundos era capaz de chorar, ficar com raiva ou exprimir o que quer que fosse preciso. Além do mais, era divertida, animada e cheia de energia. Fiquei grato a ela e a Jeff Bridges por me ajudarem a aprender. Jeff era um sujeito bem discreto, meio hippie, que gostava de tocar violão. Era um cara tranquilo de se conviver e muito, muito paciente. Dei duro para fazer a minha parte. Pedia aos outros integrantes do elenco que dissessem o que achavam da minha atuação e fiz Jeff me prometer que seria sincero.

No início, foi bastante difícil não levar as críticas para o lado pessoal, mas Rafelson já havia me alertado de que mudar de carreira seria complicado. Naquele mundo, eu não era o número 1 do universo; era apenas mais um candidato a ator. E ele tinha razão. Tive que deixar o orgulho de lado e dizer a mim mesmo: “Bem, você está começando de novo. Aqui você não é nada. É só um iniciante. Não passa de um novato ao lado desses outros atores.”

No entanto, eu gostava do fato de um filme ser a soma dos esforços de dezenas de profissionais. Era preciso ter outras pessoas em volta para passar uma boa impressão, enquanto o fisiculturismo era muito mais orientado para o eu. Existe o parceiro de treino, claro, mas durante uma competição você sempre tenta ofuscar os outros diamantes para garantir que vá brilhar sozinho. Eu estava pronto para abandonar esse pensamento.

No fisiculturismo, você tenta reprimir as emoções e seguir em frente com determinação. Na interpretação acontece o contrário. Você tem que procurar as lembranças sensoriais que funcionam como chaves emocionais. Para tanto, precisa eliminar todas as suas defesas, e isso dá muito trabalho. Eu me lembrava das flores que certa ocasião dera de presente à minha mãe no Dia das Mães, e isso me fazia pensar na época em que morava em Thal e era parte da família. Ou então usava a raiva que sentia de John Weider quando ele não cumpria a promessa de pagar por alguma coisa. Ou, ainda, recordava a época em que meu pai não acreditava em mim e dizia: “Por que não faz alguma coisa útil? Vá cortar lenha.” Para viver como ator, não se pode ter medo de alguém vir mexer nas suas emoções. É preciso correr o risco. Às vezes você fica confuso, às vezes chora, mas isso o torna um ator melhor.

Eu vi que Bob Rafelson estava satisfeito com o andar da carruagem porque, depois das duas ou três primeiras semanas, ele parou de conferir meu peso. Quando rodamos as poses de Mister Universo, eu já estava com 97,5 quilos. Essa sequência aparece perto do final do filme: os fisiculturistas que concorrem a Mister Universo desconfiam de que Joe Santo roubou o dinheiro do prêmio e saem correndo pelas ruas de Birmingham. Depois que o verdadeiro ladrão é pego, os atletas percebem que atraíram uma multidão e começam, espontaneamente, a fazer suas séries de poses. As pessoas gostam tanto disso que logo estão todas posando também, em um grande e alegre clímax. A filmagem da cena também foi assim: os figurantes e os espectadores de Birmingham se misturaram uns aos outros, todos rindo e fazendo poses musculosas, enquanto Rafelson gritava ao microfone: “Por favor, não toquem nos fisiculturistas.”

No meio disso tudo, George Butler apareceu no Alabama para virar meus novos planos de cabeça para baixo. Ele sempre falara em transformar Pumping Iron em documentário, mas não tinha conseguido financiamento porque o livro ainda não estava pronto. Agora a situação era outra. Com toda a publicidade em torno da disputa de Mister Olympia, a obra se tornara um inesperado sucesso de vendas. Além disso, como eu estava fazendo um filme com Bob Rafelson, foi mais fácil levantar dinheiro. Para completar, Victoria, mulher de George, era uma investidora inteligente, e, contanto que eu estrelasse o documentário, mostrou-se disposta a contribuir.

– Vamos poder fazer o filme! – anunciou ele quando nos sentamos para conversar.

Sua ideia era centrar o documentário na minha participação na edição seguinte do Mister Olympia, que estava marcada para novembro em Pretória, na África do Sul. Tive que lembrar a ele que meu objetivo agora era a interpretação e que eu havia mudado completamente minha rotina de treinos.

– Eu me aposentei – falei. – Olhe só, perdi um monte de músculos.

Ele não gostou.

– Bom, se você não participar, não vai ter documentário – insistiu George. – Os outros caras não têm personalidade para o filme. Na verdade, você é o único atleta capaz de dar vida ao fisiculturismo. Preciso de você. Caso contrário, não vou conseguir o dinheiro.

Ele então afirmou que participar desse projeto seria bom para minha carreira de ator.

– Eu não preciso disso para a minha carreira – discordei. – As coisas não poderiam estar melhores do que neste filme com Bob Rafelson. Assim que eu voltar para Los Angeles, quero continuar atuando. É aí que estão as oportunidades.

George tentou outra cartada:

– Nós estamos dispostos a pagar 50 mil dólares para você fazer o filme.

Era uma quantia que ele já havia mencionado no ano anterior. Na época, eu tinha ficado tentado, porque estava comprando o prédio em Santa Monica e contraindo várias dívidas. A ideia de ganhar tanto dinheiro assim ainda me agradava, mas naquele momento o argumento não me convenceu.

– Eu realmente não quero voltar a competir – falei.

Eu não devia nada a George, mas havia muitas coisas envolvidas. Ele era o melhor produtor que eu já conhecera, e eu sabia que mergulharia de cabeça no projeto. Um filme baseado em Pumping Iron poderia ser uma ótima oportunidade de apresentar o fisiculturismo como esporte a pessoas que normalmente jamais lhe dariam a menor atenção. Eu sentia que não podia virar as costas ao fisiculturismo. Uma parte grande demais da minha vida estava relacionada ao esporte, além de muitos amigos.

Havia também considerações profissionais a ser levadas em conta. Anos antes, nos bastidores de Columbus, Ohio, eu tinha dito ao produtor Jim Lorimer que um dia gostaria de ser seu sócio na produção de eventos de fisiculturismo. Depois de meu último concurso de Mister Olympia, eu telefonara para ele. “Lembra que eu disse que ligaria para você quando me aposentasse das competições?”, perguntei. Concordamos em trabalhar juntos e estávamos montando uma proposta com alguns outros investidores que ele conhecia para transformar Columbus em sede das futuras disputas de Mister Olympia. Se alguém tinha a habilidade e os contatos necessários para levar o fisiculturismo para o Meio-Oeste e torná-lo popular no universo do esporte americano, essa pessoa era Jim. Naturalmente, eu ainda tinha a empresa de venda de produtos por correspondência, que agora me rendia 4 mil dólares por ano e estava crescendo.

Além disso, eu continuava ligado a Joe Weider. Nós havíamos tido algumas desavenças – por exemplo, houve ocasiões em que ele ficou zangado quando me inscrevi em uma competição que ele não patrocinava –, mas o vínculo de pai e filho ainda existia. Joe se adaptara à minha carreira no cinema cobrindo as filmagens de O guarda-costas para suas revistas. Todos os fãs sabiam que eu estava me aposentando, e ele apresentou as coisas da seguinte maneira: “Arnold está começando a trabalhar em outra área e, não importa o filme que faça, ele vai levar o fisiculturismo consigo, então vamos segui-lo e apoiá-lo.” Quando percebeu que eu estava levando a carreira de ator a sério, Joe desistiu do sonho de me ver assumir seu império. No entanto, teria tido um troço se achasse que iria me perder por completo, pois eu era a sua galinha dos ovos de ouro.

George acabou me convencendo a voltar a competir. Avaliei o que desejava realizar. Além de ser campeão de fisiculturismo, eu agora tinha certeza de que o próprio esporte estava pronto para um grande salto. George e Charles tinham dado o pontapé inicial para isso, com as matérias jornalísticas e o livro. Os seminários que eu ministrava viviam lotados. Ao trabalhar com jornalistas, eu havia transformado os meios de comunicação em um sistema de apoio para qualquer coisa que quisesse vender. Na condição de fisiculturista com personalidade e vários seguidores, eu sentia que era minha responsabilidade levar isso adiante. Não deveria pensar apenas na minha própria carreira, mas também no contexto geral: a necessidade de atividades físicas no mundo e como a musculação podia melhorar o desempenho de um atleta no tênis, no futebol americano ou no futebol. E nós podíamos tornar o fisiculturismo divertido.

Um filme baseado em Pumping Iron poderia ter um impacto enorme. Documentários como Marjoe, sobre um pastor evangélico chamado Marjoe Gortner, e The Endless Summer, sobre dois jovens surfistas que viajam pelo mundo em busca da onda perfeita, faziam muito sucesso na época. As películas iam de cidade em cidade, usando o dinheiro da última exibição para financiar a projeção seguinte.

Eu disse a George que deixar meu corpo em forma para competir outra vez seria tão difícil quanto fazer uma curva com o Titanic. Do ponto de vista mecânico, era uma decisão fácil: eu sabia exatamente o que precisava fazer nos treinos. No entanto, a parte psicológica era bem mais complicada. Eu havia desprogramado minha mente para as competições em cima de um palco e para não precisar mais sentir essa glória. Agora minha principal motivação era atuar no cinema. Essa mudança exigira muitos meses de ajustes. Portanto, voltar atrás agora era um desafio de verdade. Como tornar a me convencer de que o mais importante de tudo era o corpo?

Apesar das dúvidas, eu achava que poderia vencer. Teria que voltar a meu peso de competição, mas já fizera algo parecido antes, depois da cirurgia no joelho, em 1972. Na época, minha coxa esquerda atrofiou de 71 para 57 centímetros, mas consegui fazer com que aumentasse mais do que nunca a tempo do Mister Olympia daquele ano. Minha teoria era que as células musculares, assim como as de gordura, têm memória, ou seja, podem voltar rapidamente ao que eram antes. Mas é claro que também havia incertezas. Eu iria querer apresentar um desempenho ainda melhor do que o do Madison Square Garden, então será que deveria recuperar meus 113 quilos ou aparecer mais magro? Fosse qual fosse a resposta, achei que seria possível.

A ideia de ter as câmeras de Butler me filmando o tempo todo enquanto eu treinava era sedutora. Todo mundo quer estar mais bonito diante de uma câmera, então isso acaba sendo uma grande motivação. Pensei que talvez, depois de algum tempo, a equipe de filmagem pudesse se tornar parte do cenário e eu não reparasse mais na sua presença, o que seria ótimo para minha carreira de ator.

Durante pelo menos uma semana, todos os dias eu passava algum tempo sentado no hotel pesando os prós e os contras, depois saía para filmar mais uma cena de O guarda-costas. Quando terminava, voltava e pensava um pouco mais, aí saía para conversar com outras pessoas. Charles Gaines decidira não trabalhar no documentário com George e se dedicar a outros projetos de roteiro. Ele considerava minha volta às competições um erro. “Você agora já embarcou na sua carreira de ator”, opinou. “Precisa mostrar às pessoas que está levando isso a sério. Depois deste filme, elas vão querer vê-lo continuar as aulas de interpretação com atores e diretores talentosos. Se você começar a competir outra vez, vai parecer que está com um pé dentro e outro fora, para poder voltar ao fisiculturismo caso a carreira de ator não dê certo. É essa a impressão que você quer passar?”

Ao longo de toda a vida, meus objetivos tinham sido simples e lineares, como por exemplo hipertrofiar um músculo com centenas de milhares de repetições. Aquela situação, porém, não era nada simples. Eu havia me comprometido totalmente a me tornar um ator esbelto e atlético, então como desfazer isso e voltar a me concentrar em ganhar o Mister Olympia outra vez? Eu sabia como minha mente funcionava, e sabia que, para realizar qualquer coisa, tinha que acreditar nela por completo. O objetivo precisava ser algo que fizesse total sentido, pelo qual eu pudesse ansiar diariamente, não apenas algo que fizesse por dinheiro ou por algum outro motivo arbitrário, porque nesse caso não daria certo.

No fim das contas, percebi que precisava pensar no problema de forma diferente. Não dava para tomar a decisão de um ponto de vista puramente egoísta. Minha sensação era que, embora eu já houvesse embarcado na carreira de ator, devia muito ao fisiculturismo para rejeitá-lo. Portanto, tinha que fazer o documentário e competir mais uma vez no Mister Olympia – não por mim, mas para ajudar a promover o esporte. Eu poderia avançar na carreira de ator ao mesmo tempo, e, se pessoas como Charles ficassem confusas com a minha atitude, era só explicar e pronto.


UM MÊS DEPOIS QUE VOLTEI DO ALABAMA, meus amigos deram uma festa de aniversário na casa de Jack Nicholson para comemorar meus 28 anos. Quem organizou a recepção foi Helena Kallianiotes, que cuidava da casa de Jack e fizera uma pequena participação em O guarda-costas. Ela era bailarina e entendia o treinamento pesado e a dedicação exigidos pelo fisiculturismo. Em Birmingham, tornara-se uma boa amiga, ajudando-me com os ensaios e me levando para conhecer restaurantes que serviam ostras. Depois, quando escrevi Arnold’s Bodyshaping for Women (O método Arnold para modelar o corpo feminino), Helena foi a primeira pessoa que consultei para entender melhor o que as mulheres pensavam da malhação.

A festa foi um grande sucesso. Muita gente de Hollywood compareceu, assim como meus amigos de Venice Beach – uma mistura fantástica de atores, fisiculturistas, halterofilistas, caratecas e escritores, além de visitantes de Nova York. Havia cerca de 200 convidados. Para mim foi o paraíso, porque pude me apresentar para várias pessoas novas.

Agora que estava de volta, pude conhecer melhor Nicholson, Beatty e o restante do pessoal de Mulholland Drive. Eles estavam em evidência na época, com filmes como Chinatown, A trama e Shampoo. Saíam em capas de revistas e frequentavam as boates da moda. Estavam todos sempre juntos e, no inverno, iam esquiar em Gstaad, na Suíça. Eu não era íntimo o suficiente para sair com eles o tempo todo, mas pude ver como estrelas daquele quilate viviam e se comportavam, do que gostavam e que lugares frequentavam. Isso me serviu de inspiração para alcançar o mesmo nível dali a alguns anos.

Jack Nicholson era muito descontraído e discreto. Vivia de camisa havaiana, short ou calça comprida, óculos escuros e cabelos desgrenhados. Tinha um Mercedes do modelo mais caro, um Pullman 600 marrom com bancos de couro e um painel de madeira extraordinário. Na verdade, quem usava o carro não era Jack, e sim Helena. Ele dirigia um fusca, e essa era a sua peculiaridade: “Eu sou tão rico que vou tentar me fazer passar por uma pessoa comum. Não estou nem aí para dinheiro.” Ele chegava de fusca ao estacionamento do estúdio para uma entrevista com a imprensa ou para conversar sobre algum filme. O segurança do portão dizia “Ah, olá, Sr. Nicholson. Sua vaga é bem ali”, e Jack entrava com o carrinho engasgando, como se mal conseguisse andar. Isso não era fingimento. Ele se sentia mais à vontade no fusca que no Mercedes. Já eu teria adorado o Mercedes.

Um amigo fotógrafo de Nova York foi me visitar e me levou para conhecer a casa de Warren Beatty na praia. Warren queria que ele visse as plantas da casa nova que ele estava construindo em Mulholland Drive. O ator era famoso por não conseguir se decidir nunca e passar horas e horas debatendo cada opção. Ele estava em uma fase ótima: estrelara recentemente o filme A trama, dirigido por Alan Pakula, era corroteirista e protagonista de Shampoo e estava dirigindo um longa sobre a Revolução Russa que acabou se transformando em Reds. No entanto, ao ouvi-lo falar, era difícil acreditar que tivesse conseguido realizar qualquer coisa. Pensei que não seria assim que eu me comportaria se estivesse no mesmo nível que ele, mas também estava aprendendo que atores natos são sempre um pouco excêntricos e estranhos. É fácil identificar o tipo. Quando você convive com executivos, eles se comportam como executivos. Políticos se comportam como políticos. Já aqueles caras trabalhavam com entretenimento e agiam como profissionais do entretenimento. Eram atores de Hollywood. A situação era diferente.

O único que não se encaixava nesse perfil era Clint Eastwood. O pessoal de Mulholland Drive gostava de ir jantar no restaurante de Dan Tana, no Santa Monica Boulevard. Sentavam-se todos juntos, enquanto Clint comia sozinho em uma mesa no outro lado do salão. Um dia, fui até lá me apresentar e ele me convidou para sentar por um instante para bater papo. Era fã de fisiculturismo e malhava com regularidade. Estava com um paletó de tweed espinha de peixe muito parecido com o que usara no filme Perseguidor implacável, de 1971. Mais tarde eu soube que não era só parecido: era o mesmo paletó. Clint era um cara muito simples. Depois que nos tornamos amigos, ele me contou que sempre guardava os figurinos das produções de que participava e passava anos usando as mesmas roupas, sem nunca comprar nada novo. (Hoje em dia, claro, ele gosta de se produzir com roupas bonitas. Talvez ainda as ganhe.) Muitos astros ficavam constrangidos ao ver uma celebridade jantando sozinha. Na verdade, porém, Clint ficava totalmente à vontade fazendo isso.

O fato de coestrelar um filme de Bob Rafelson prestes a ser lançado não me ajudou muito quando tentei arrumar um agente. Um dos que me procuraram foi Jack Gilardi, que representava O. J. Simpson, o principal running back da Liga Nacional de Futebol Americano. O jogador estava no auge da carreira de atleta, e Gilardi lhe conseguia pequenos papéis em filmes como o desastroso Inferno na torre. Os estúdios gostavam de tê-lo no elenco para atrair os fãs do esporte. Era assim que se fabricava um público. O problema era que os papéis nunca eram de protagonista e ninguém importante em Hollywood prestava atenção neles.

Jack queria fazer a mesma coisa por mim. Pensava que, se eu fizesse um filme, automaticamente todos os fãs de fisiculturismo comprariam ingressos. “Na verdade, tenho um bom roteiro de faroeste e uma reunião marcada com os produtores, e o filme tem um papel para você”, disse ele. Devia ser o sexto ou sétimo papel mais importante.

Não era nada disso que eu tinha em mente. Quem quer que fosse me representar devia ter a mesma visão grandiosa que eu. Não estava interessado em um agente que dissesse: “Tenho certeza de que deve haver algum papel no seu filme para Arnold, quem sabe uma pequena participação, para o nome dele aparecer nos créditos.” Queria alguém que lutasse por mim. “Este cara aqui tem potencial de protagonista e eu quero prepará-lo para isso. Então, se você nos oferecer um dos três papéis principais, podemos conversar. Caso contrário, vamos deixar para a próxima.”

Não consegui encontrar ninguém nas agências maiores que pensasse assim. As duas principais agências da cidade eram a William Morris e a International Creative Management (ICM), e era nesses lugares que eu queria entrar, porque eles sempre recebiam os projetos dos melhores filmes antes dos outros, representavam todos os diretores importantes e se relacionavam com os principais executivos dos estúdios. Como eu acabara de fazer um filme com Bob Rafelson, um agente de cada uma dessas casas aceitou me receber.

Ambos disseram a mesma coisa: havia obstáculos demais. “Olhe aqui, o seu sotaque assusta as pessoas”, disse o cara da ICM. “Você tem um corpo grande demais para o cinema. Seu nome não caberia nem no cartaz. Tudo em você é muito estranho.” Ele não disse isso de um jeito cruel e se ofereceu para me ajudar de outras formas: “Por que não continua no negócio das academias? Podemos criar uma rede de franquias. Ou então podemos ajudá-lo a organizar seminários e palestras, ou a escrever um livro contando a sua história, algo do tipo.”

Hoje em dia, entendo melhor que existem tantos talentos espalhados pelo mundo que essas grandes agências na verdade não têm tempo nem disposição para preparar uma pessoa e ajudá-la a chegar ao topo. O trabalho delas não é esse. A coisa simplesmente acontece ou não. Na época, porém, fiquei chateado. Sabia que tinha um corpo estranho e que meu nome era difícil de soletrar, mas, ora, o de Gina Lollobrigida também! Por que eu deveria desistir do meu objetivo só porque uma dupla de agentes de Hollywood havia se recusado a me representar?

O sotaque era uma questão que eu podia tentar resolver. Naquele verão, além das aulas de interpretação, das aulas da faculdade, da administração de minhas empresas e da preparação para o Mister Olympia, incluí na minha agenda várias aulas para eliminar o sotaque. O professor se chamava Robert Easton, um instrutor de dialetos com fama internacional que era um dos melhores de Hollywood. Era um cara altíssimo, que devia medir quase 2 metros, com uma barba comprida, voz portentosa e pronúncia cristalina. Em nosso primeiro encontro, fez uma demonstração: primeiro falou inglês com um sotaque do centro e do sul da Alemanha, depois com um sotaque do norte. Em seguida mudou para o sotaque austríaco e por fim para o suíço. Sabia imitar pronúncias da Inglaterra, do Sul dos Estados Unidos, do Brooklyn e de Boston. Robert já havia atuado em filmes de gênero, sobretudo faroestes. Tinha uma dicção tão perfeita que eu ficava com medo de abrir a boca. A casa dele, onde aconteciam nossas aulas, tinha milhares de livros sobre linguagem, e Robert amava cada um deles. Ele dizia: “Arnold, pode pegar aquele livro ali para mim, por favor? Na quarta prateleira de baixo para cima, o terceiro a partir do canto. É sobre os irlandeses”, e partia daí.

Robert me fez treinar a pronúncia de “A fine wine grows on the vine” (um bom vinho cresce na parreira) dezenas de milhares de vezes. Eu tinha muita dificuldade com o f, o w e o v juntos, porque a língua alemã não tem som de w, só de v. Vinho, por exemplo, escreve-se Wein e se pronuncia “váin”. Então eu tinha que ficar repetindo “wu, wu, wu, wine. Why. What. When”. Havia também o v, como na frase: “We’re going to Vegas” (vamos para Vegas). Além do mais, o alemão não tem os mesmos sons de s e z do inglês: “the sink is made of zinc” (a pia é feita de zinco). Bob me explicou que o que deixava as pessoas intimidadas era a aspereza do meu sotaque, então, em vez de eliminá-lo por completo, eu só precisava suavizá-lo e falar de forma mais branda.

Enquanto isso, George Butler se jogara de cabeça nas filmagens de Pumping Iron, cujo título nas telas seria O homem dos músculos de aço. Ele já tinha causado uma forte impressão nos fisiculturistas ao escurecer as claraboias da Gold’s, porque a academia era clara demais para as câmeras. Ele e sua equipe rodaram cenas em Venice Beach. Acompanharam Franco à Sardenha para visitar o vilarejo no alto das montanhas onde ele tinha passado a infância e gravar tomadas de suas origens humildes. Acompanharam-me até o presídio federal de Terminal Island, onde fiz uma exibição de poses e dei aulas de musculação para os detentos. George contratou uma instrutora de balé de Nova York e a filmou dando orientações a mim e a Franco em relação a nossas poses no estúdio que pertencia a Joanne Woodward, atriz vencedora do Oscar e mulher de Paul Newman.

Todo filme precisa de um elemento de antagonismo, e George decidiu que O homem dos músculos de aço iria se concentrar na rivalidade entre mim e Lou Ferrigno na disputa pelo título de Mister Olympia de 1975, e no suspense de Lou conseguir ou não me desbancar como campeão. George era fascinado pela relação de Lou com o pai e pelo fato de tanto ele quanto eu sermos filhos de policiais. Os contrastes entre nós dois eram perfeitos. George filmou Lou malhando na pequena e escura academia do Brooklyn que ele frequentava, o completo oposto da Gold’s. A personalidade dele era sombria, soturna, enquanto a minha era solar e praiana. Em geral, Lou ia à Califórnia para treinar e se bronzear antes das competições importantes, mas George o convenceu a ficar no Brooklyn, para aumentar ainda mais o contraste. Não achei ruim, pois isso o deixaria ainda mais isolado e fácil de derrotar.

Meu trabalho, é claro, era interpretar a mim mesmo. Eu sentia que a forma de me destacar não era apenas falar sobre fisiculturismo, pois isso seria muito superficial; eu precisava projetar uma personalidade. Meu modelo era Muhammad Ali. O que o distinguia dos outros pesos pesados não era apenas o fato de ele ser um lutador genial – sua tática de fingir estar acuado nas cordas para fazer o oponente golpeá-lo até se cansar, a capacidade de flutuar feito uma borboleta e de ferroar feito uma abelha –, mas sim de trilhar o próprio caminho: virar muçulmano, mudar de nome, sacrificar o título do campeonato ao se recusar a prestar serviço militar. Ali estava sempre disposto a dizer e fazer coisas memoráveis e atrevidas. No entanto, de nada vale ser atrevido se você não tiver estofo para sustentar essa atitude – ela não vai lhe servir de nada se você for um fracassado. Aliado a sua condição de campeão, o atrevimento era o que fazia a estratégia de Ali funcionar. Minha situação era um pouco diferente, porque o fisiculturismo era um esporte bem menos popular que o boxe. Mas as regras para atrair atenção eram exatamente as mesmas.

Imaginar coisas atrevidas para dizer era fácil, porque eu vivia pensando nelas para me entreter. Além do mais, George me instigava. Durante uma entrevista, fiz o fisiculturismo soar sexy ao comparar o treinamento com muitas repetições de cada exercício – que serve para inflar os músculos com sangue oxigenado – a um orgasmo. Disse que não fui ao velório de meu pai porque isso teria interferido nos meus treinos. Filosofei que apenas poucos homens nascem para liderar, enquanto o resto da humanidade nasce para segui-los, e daí passei a um discurso sobre os grandes conquistadores e ditadores da história. George teve o bom senso de cortar essas cenas do filme, sobretudo meu comentário sobre como admirava o talento para a oratória de Hitler, mas não a forma como ele o utilizara. Eu ainda não sabia a diferença entre ser atrevido e ser ofensivo.

Era estressante ter câmeras apontadas para mim o tempo todo, não apenas quando estava trabalhando, mas também quando estava em casa, visitando amigos, tendo aulas de administração ou de interpretação, avaliando imóveis, lendo roteiros etc. Mais uma vez fiquei grato pela existência da meditação transcendental, especialmente porque os centros não permitiam a entrada de câmeras.

Aterrorizar Lou e seu pai fazia parte da carga dramática do filme. Naquele outono, comecei a armação fingindo que estava com medo.

– Espero que vocês façam alguma merda nos treinos – falei para o pai de Lou. – Senão seu filho vai ser um perigo para mim na competição.

– Ah, mas nós não vamos fazer besteira nenhuma.

O próprio Lou era fácil de abalar, assim como Sergio Oliva, Dennis Tinerino ou qualquer fisiculturista tão introspectivo quanto eles, que não prestavam atenção no mundo à sua volta. Você podia perguntar casualmente a Lou:

– Como anda seu abdômen?

E ele respondia:

– Bem, por quê? Na verdade, estou me sentindo bastante sarado.

– Bom, é que... Não, deixe para lá, não se preocupe, seu abdômen está ótimo.

Assim que você dizia isso, ele começava a examinar o próprio abdômen e em seguida ia posar na frente do espelho, cada vez mais dominado pela insegurança.

Em O homem dos músculos de aço dá para ver como não parei de provocar Lou e o pai até o momento da disputa. Como quando digo a Lou: “Eu sei que a competição vai ser só amanhã, mas já liguei para minha mãe e disse que ganhei.” Ou então, na manhã do evento, quando ele e os pais me convidam para tomar café da manhã com eles em seu hotel e eu respondo: “Não acredito. Vocês passam a semana inteira me ignorando e agora querem tomar café comigo no dia da competição? Estão tentando manipular minha mente!” Finjo estar com tanto medo que faço os ovos mexidos tremerem em cima do meu garfo. Tudo isso era, em grande parte, uma encenação para que o público que fosse assistir ao filme saísse do cinema dizendo: “Dá para acreditar naquele cara? Ele convenceu o adversário a perder.” Mas também acabou surtindo efeito em Lou, que ficou em terceiro lugar, enquanto eu estabeleci um recorde vencendo o Mister Olympia pela sexta vez seguida.

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