CAPÍTULO 20

O último grande herói

EM HOLLYWOOD, NINGUÉM VENCE O TEMPO TODO. Em algum momento, com certeza vai levar uma surra. No verão seguinte chegou a minha vez com O último grande herói. Nós tínhamos prometido ao mundo um estouro de bilheteria: promovemos o lançamento como “o maior sucesso de 1993”, “o maior filme do verão”. O exterminador do futuro 2 – O julgamento final tinha sido o maior filme de 1991, e todos esperavam que O último grande herói o superasse.

Mas não: a sensação que ninguém pôde perder naquele verão foi Jurassic Park – O parque dos dinossauros, o longa que acabou superando até mesmo E.T. como o maior sucesso da história do cinema. Enquanto isso, nós entregamos um filme que não tinha a energia necessária para se transformar em entretenimento de grande porte. Além disso, tivemos o azar de planejar a estreia para o fim de semana seguinte ao lançamento de Jurassic Park. Assim que chegou às telas, O último grande herói foi detonado. A matéria de capa da Variety dizia: “Lagartos devoram almoço de Arnold”.

Na realidade, porém, o filme faturou bem, e só foi um fracasso em comparação com o que era esperado. Se eu não fosse um astro tão em evidência, ninguém teria reparado no mau resultado. Foi uma pena, porque o argumento do filme me agradava muito. Era um misto de ação e comédia, os dois tipos de papel que eu sabia fazer melhor. Para atrair o público mais amplo possível, o filme recebera a classificação 14 anos – uma história divertida, típica de verão, uma brincadeira sem muita violência explícita, palavrões ou sexo. Eu fazia o herói de ação Jack Slater, um inspetor de polícia de Los Angeles de espírito independente. Também era produtor executivo do filme, ou seja, tinha que aprovar cada aspecto do projeto: desenvolvimento do roteiro, escolha do diretor e do elenco, financiamento junto ao estúdio, distribuição e marketing, definição do orçamento, contratação de uma empresa de relações públicas, planejamento da distribuição internacional – a lista era interminável. Essa responsabilidade extra era um prazer. Muitas vezes eu desempenhei um papel ativo nos bastidores de meus filmes: fechava o acordo para a produção, contratava o diretor e, naturalmente, cuidava do planejamento de marketing. Às vezes, porém, quando dizia “Posso ver o cartaz?” ou “Vamos escolher uma foto melhor para usar”, eu tinha a sensação de que estava me intrometendo. Agora podia participar de tudo, do desenvolvimento de ações promocionais à aprovação dos protótipos dos bonecos Jack Slater.

A trama gira em torno de um garoto de 11 anos chamado Danny Madigan, o maior fã de filmes de ação de todos os tempos. Sua obsessão o faz saber tudo sobre o gênero. Danny arruma um ingresso mágico que lhe permite entrar no mais novo filme estrelado por Jack Slater, seu herói preferido.

Fiquei feliz em conseguir contratar John McTiernan, que havia dirigido Predador, assim como Duro de matar e Caçada ao Outubro Vermelho. John tem sempre uma visão muito clara, mas, no caso de O último grande herói, esse foi justamente o primeiro indício de problemas. Certa noite, em Nova York, estávamos tomando um drinque depois de filmar até as três da manhã quando ele disse: “Na verdade, estamos fazendo o E.T.” Quando escutei isso, tive a desanimadora sensação de que era um erro classificar o filme como censura 14 anos. Embora fosse coestrelado por um menino, as pessoas talvez não acreditassem na minha atuação em um filme de ação para a família. Isso funcionara para Harrison Ford em Os caçadores da arca perdida, mas não daria certo para mim. Eu até já tinha participado de comédias, mas era diferente, porque em um filme de humor ninguém espera que você mate inimigos. Quando se está vendendo uma obra com a palavra ação no título – em inglês ela se chama The Last Action Hero, “o último herói de ação” –, é isso que o público vai querer ver. Conan II dera errado porque nós o havíamos adaptado para um público a partir de 12 anos. Agora estávamos apostando que conseguiríamos reunir cenas de ação incríveis e energia suficiente para que O último grande herói fizesse jus ao gênero ao qual pertencia.

A ideia de um filme de ação mais suave e fofinho parecia a escolha certa para a época. O governador do Arkansas, Bill Clinton, acabara de derrotar George Bush na eleição presidencial de 1992, e os meios de comunicação vinham divulgando histórias sobre membros da geração do baby boom que estavam substituindo os da geração da Segunda Guerra Mundial e sobre como os Estados Unidos estavam agora seguindo uma direção oposta à da violência. Os jornalistas de entretenimento diziam: “Pergunto-me o que isso significa para os heróis de ação conservadores da pesada como Sylvester Stallone, Bruce Willis e Arnold Schwarzenegger. Será que o público agora quer mais é paz e amor?” Era essa a tendência, e eu queria acompanhá-la. Assim, quando o pessoal da empresa de brinquedos apareceu com seus protótipos para os bonecos Jack Slater, vetei as armas de combate que estavam propondo. “Estamos nos anos 1990, não 1980”, falei. Em vez de empunhar um lança-chamas, o boneco dava um soco e dizia: “Errou feio!” – que era o bordão de Slater contra os inimigos. A caixa do brinquedo dizia: “Seja esperto. Nunca brinque com armas de verdade.”

Investimos pesado em merchandising e promoção. Além dos brinquedos, licenciamos sete tipos de videogame, fizemos uma ação com a rede Burger King que custou 20 milhões de dólares, bolamos um “filme montanha-russa” de 36 milhões para ser exibido em parques de diversões e – minha estratégia predileta – criamos o primeiro anúncio pago a ser veiculado no espaço, pela NASA. Pintamos o título do filme e Arnold Schwarzenegger nas laterais de um foguete e fizemos um concurso nacional cujos vencedores ganhariam o direito de apertar o botão de lançamento. Montamos um boneco inflável de Jack Slater da mesma altura de um prédio de quatro andares em cima de uma jangada perto da praia durante o Festival de Cinema de Cannes, em maio, e lá bati meu recorde pessoal dando 40 entrevistas para a TV e 54 para a imprensa escrita em um período de 24 horas.

Enquanto isso, a produção estava atrasada. Em nossa única exibição teste, no dia 1o de maio, o filme ainda estava tão cru que tinha duas horas e 20 minutos e não dava para se entender quase nenhum diálogo. No final, o público estava entediado. Depois disso, o cronograma ficou tão apertado que não tivemos tempo de fazer novos testes. Fomos forçados a voar às cegas, sem o feedback para realizar os ajustes necessários. Apesar de tudo, ninguém no estúdio quis adiar a estreia, pois isso poderia transmitir a mensagem de que o filme estava com problemas, e eu concordei.

No fim das contas, muita gente gostou de O último grande herói. No cinema, porém, isso não é suficiente. Não basta as pessoas gostarem do seu filme – elas precisam ser arrebatadas. O que torna a produção um sucesso é o boca a boca, porque, embora no primeiro fim de semana você possa desembolsar 25 ou 30 milhões de dólares para promovê-lo, não pode se dar ao luxo de fazer a mesma coisa nos fins de semana seguintes.

Quando estreou, o filme tinha ótimos índices de awareness e expectativa. No primeiro fim de semana, porém, talvez por causa de Jurassic Park, as vendas de ingressos ficaram abaixo do esperado: foram 15 milhões de dólares, em vez dos 20 milhões previstos. Quando notei que as pessoas saíam das salas de cinema com uma boa impressão mas nada além disso, dizendo “Até que foi legal” e coisas do tipo, soube que era o fim. Dito e feito: no segundo fim de semana, nossa bilheteria caiu 42%.

As críticas foram muito além do filme em si. Era o fim da minha carreira. Os jornalistas atacaram tudo o que eu já fizera no cinema, como se dissessem: “O que vocês esperam de um sujeito que trabalha com John Milius e vive falando em esmagar os inimigos? É esse o mundo em que eles querem viver. Nós, por outro lado, queremos viver em um mundo de compaixão.”

A política entrou na dança. Enquanto eu emendava um sucesso no outro, nunca fora atacado por ser republicano, muito embora a maior parte de Hollywood e da imprensa especializada seja liberal. Agora que eu estava amargando um fracasso, todos soltaram o verbo. Reagan e Bush estavam acabados, os republicanos já eram – e o mesmo acontecia com os filmes de ação imbecis e toda aquela baboseira viril. Chegara a hora de Bill Clinton e Tom Hanks, de filmes com conteúdo e significado.

Encarei as críticas de maneira filosófica e tentei minimizar a situação toda. Tinha vários projetos de filmes já alinhavados – como True Lies, Queima de arquivo, Um herói de brinquedo – que bastavam para me dar a segurança de que uma produção malsucedida não teria qualquer impacto na minha carreira, no dinheiro que eu ganhava, nem qualquer outra consequência real. Disse a mim mesmo que aquilo não tinha importância, porque há momentos em que se está em alta e outros em que se está em baixa. Poderia ter acontecido com outro filme. Ou poderia ter ocorrido três, cinco anos depois.

Não importa o que você diz a si mesmo nem o que sabe: na hora em que está passando sufoco, é difícil, sim. É constrangedor fracassar na bilheteria e ver seu filme estrear mal. É constrangedor ver matérias horríveis serem publicadas a seu respeito e ouvir as pessoas começarem a tachar aquele como o ano do seu fracasso. Como sempre, duas vozinhas se digladiavam dentro da minha cabeça. Uma delas dizia: “Que droga! Ai, meu Deus, que horror.” A outra dizia: “Agora é que vamos ver se você tem garra, Arnold. Vamos ver se você tem colhões. Seus nervos são de aço? Sua pele é cascuda? Vamos ver se é capaz de sair por aí no seu conversível e sorrir para todo mundo sabendo que as pessoas acham uma porcaria o filme que você acabou de estrear. Vamos ver se consegue fazer isso.”

Tudo isso passava pela minha mente enquanto eu me criticava e tentava me consolar ao mesmo tempo, me perguntando como iria conseguir atravessar aquela tormenta. Foi como se a noite em que perdi o título de Mister Universo para Frank Zane, em 1968, estivesse se repetindo.

Maria me deu muito apoio. “Olhe aqui, o filme ficou bom”, disse ela. “Talvez não tenha sido o que a gente esperava, mas ficou bom, e você deveria se orgulhar disso. Agora vamos seguir em frente. Concentre-se no próximo projeto.” Fomos para nossa casa de veraneio em Sun Valley, Idaho, e lá brincamos com as crianças. “Não leve isso tão a sério”, aconselhou Maria. “Veja tudo o que temos. É nisto aqui que você deveria pensar, não naquele filme idiota. Essas coisas vêm e vão. Além do mais, dos 20 e tantos filmes que você já fez, pelo menos dois terços se tornaram sucessos, então você não tem nada do que reclamar.”

Mesmo assim, acho que ela também ficou decepcionada e com certeza se sentiu constrangida ao receber telefonemas de amigos. É isso que as pessoas fazem em Hollywood. Elas dizem “Puxa, sinto muito pelo fracasso de bilheteria”, mas na verdade estão tentando ver como você reage. Maria recebia ligações de amigos dizendo coisas do tipo: “Ai, meu Deus, eu li a matéria do LA Times. Nossa, que chato! Tem alguma coisa que a gente possa fazer?”

Todo mundo é assim. Faz parte da natureza humana ter empatia pelos problemas alheios. Se um dos filmes de Tom Arnold fosse um fracasso, eu ligaria para ele. Para Stallone também. Diria: “Que se foda o LA Times, que se fodam as revistas especializadas, são todos uns imbecis filhos da puta. Você é um ótimo ator, cheio de talento.” É isso que se faz. Ao mesmo tempo, no entanto, há sempre um lado seu que pensa: “O que será que ele vai dizer?” Então por que as pessoas não estavam ligando para mim e fazendo a mesma coisa?

Quando se fica constrangido como eu fiquei, a tendência é imaginar que o mundo inteiro está comentando o seu fracasso. Eu entrava em um restaurante e ouvia alguém dizer: “Oi, tudo bem? Vi que o filme novo estreou, que ótimo!” E eu pensava: “Ótimo? Seu filho da puta. Por acaso não leu o LA Times nem a Variety?” A realidade, porém, é que nem todo mundo lê esse jornal ou essa revista, nem assiste a todos os filmes que entram em cartaz. O pobre coitado decerto não tinha a menor ideia do que estava acontecendo e só estava querendo ser agradável.


ESSES PERCALÇOS NÃO ERAM NADA QUE OUTRO grande sucesso não fosse capaz de consertar. Antes de o verão terminar, eu já estava novamente diante das câmeras de Jim Cameron, galopando em um cavalo pelo centro de Washington em perseguição a um terrorista de moto. True Lies era uma comédia de ação de grandes proporções, com efeitos especiais mirabolantes que incluíam um tiroteio entre terroristas encurralados em um arranha-céu de Miami e eu a bordo de um jato Harrier, e uma explosão nuclear que aniquila uma das ilhotas de coral de Florida Keys. O filme tinha também relacionamentos engraçados e complexos, sobretudo entre mim e minha esposa, interpretada por Jamie Lee Curtis. Meu personagem, Harry Tasker, é um superespião na linha de James Bond cuja mulher, Helen, no início acha que ele vende computadores. Jamie Lee fez o papel tão bem que foi indicada ao Globo de Ouro de melhor atriz de comédia.

Eu havia tomado conhecimento desse projeto no ano anterior, quando Bobby Shriver me ligou para dizer que assistira a um filme francês que eu talvez quisesse refilmar para o público americano.

– O filme se chama La Totale! – disse ele. – É sobre um cara durão estilo 007 cuja mulher não sabe o que ele faz na vida. Às vezes ele aparece em casa todo arrebentado e tem que inventar mil desculpas. Prende criminosos internacionais, mas não consegue lidar com a filha adolescente que vive se metendo em problemas.

– Parece engraçado – falei.

– Sim, e tem comédia e ação. Dá para rir, mas também tem bastante suspense.

Então liguei para o agente do filme, pedi que ele me mandasse uma cópia e me apaixonei pela história. Mas Bobby tinha razão: o filme era parado demais para os padrões americanos e precisava de mais ação e energia. “Jim Cameron!”, pensei. “Ele estava planejando filmar Homem-aranha, mas o projeto acaba de afundar.” Então liguei para ele e falei: “Vamos fazer esse filme juntos da maneira que você sempre imagina as coisas: grandes.”

Logo fechamos um acordo com a Fox e Jim começou a escrever o roteiro. Todos os seus filmes têm personagens femininos marcantes, e ele transformou Helen Tasker de uma dona de casa comum na personagem que Jamie Lee Curtis viria a interpretar: inteligente, sexy, com sua própria vida secreta. À medida que o roteiro ia tomando forma, Jim me ligava para pedir minha opinião. Em determinado momento, passamos dois dias trancafiados num hotel em Las Vegas bolando a maneira como eu iria conversar com minha mulher, como iria confrontá-la caso desconfiasse de que ela estava tendo um caso extraconjugal, o que eu diria a um terrorista antes de matá-lo, como reagiria caso descobrisse que minha filha estava roubando um amigo meu. Nessas conversas, adaptávamos o ritmo dos diálogos a mim. O timing do projeto foi perfeito: poucas semanas depois da decepção de O último grande herói, entramos em pré-produção, e as filmagens começaram em 1o de setembro.

Maria e eu transformamos True Lies em uma aventura familiar. Ela estava grávida de oito meses quando as filmagens começaram e, ao anunciar a licença-maternidade no programa que comandava, First Person with Maria Shriver, disse aos espectadores: “Arnold vai estar aqui em Los Angeles quando eu der à luz. Depois disso a família inteira vai fazer as malas e vamos viajar com ele, para ver quanto tempo duro como esposa no set.”

Cameron concordou em passar três semanas filmando em Los Angeles até Patrick nascer. A produção então se transferiu para Washington, e poucos dias depois, conforme o planejado, Maria, Katherine, Christina, o bebê e a babá foram me encontrar.

Passamos um mês morando em Washington, e aquele foi um período muito feliz. Como sempre, Cameron preferia filmar à noite. Então eu trabalhava até amanhecer, chegava em casa e dormia, e à tarde acordava para brincar com as crianças. Na época, Katherine tinha 4 anos e Christina, 2 anos e meio. Além de fazer cosquinhas uns nos outros e correr para lá e para cá, a gente também costumava pintar, atividade que eu adorava quando criança. Ronda, minha assistente, era uma artista, e foi ela quem me incentivou a voltar a pintar. Eu vivia falando que queria retomar esse hobby, mas nunca tivera paciência para reunir todo o material necessário e tentar de verdade. Então, em um sábado de manhã, Maria apareceu em casa com um conjunto de tintas acrílicas e telas e falou:

– Vamos passar as três próximas horas pintando.

– Tudo bem – respondi.

Nós nos sentamos, eu peguei um livro de arte com um quadro de Matisse e comecei a copiá-lo: era um quarto com um tapete, um piano e um vaso de flores, com portas altas de vidro que se abriam para uma sacada com vista para o mar. Foi assim que me reaproximei da arte. Passei a desenhar castelos com caneta e tinta, e a pintar cartões de Natal e aniversário para Maria e as meninas. Minhas filhas e eu entramos em um delicioso ritmo de desenhos e brincadeiras, e usei lápis de cera para desenhar uma linda abóbora de Halloween para Patrick e um bolo de aniversário com velinhas para Maria.

Passamos os meses seguintes vivendo como ciganos. Acompanhamos a produção de True Lies até Miami, onde levei Maria e as meninas para andar de jet ski. Então o filme se mudou para Key West, depois para Rhode Island e, por fim, voltou à Costa Oeste. Quando se tratou de conciliar família e trabalho, consegui resultados muito melhores que o meu personagem. O set de Cameron era incrivelmente bem organizado e todos os dias havia a hora de trabalhar e a hora de se divertir. Mesmo assim, fazer True Lies foi um desafio, e não estou me referindo apenas às muitas horas que passei ensaiando tango obstinadamente para as cenas de dança. Cameron estava extrapolando os limites das cenas de ação e os efeitos especiais. Além de contar com 48 dublês, ele mandava os atores fazerem eles próprios várias das tomadas. Jamie Lee ficou pendurada em um helicóptero que a deixou em cima de um carro em movimento sobre a ponte que une as ilhotas de coral de Florida Keys. Eu tive que nadar no mar para fugir de um paredão de labaredas. Confiei que Cameron não fosse colocar nossas vidas em risco, mas essas cenas envolviam um perigo inerente e, se você errasse, ninguém seria capaz de protegê-lo completamente.

Para mim o momento mais perigoso foi o do cavalo. No filme, Harry Tasker está perseguindo o terrorista que foge numa moto. Ele atravessa um parque de Washington, entra em um hotel de luxo, passa por um salão de baile, um chafariz, e vai parar dentro de um elevador cheio de pessoas de smoking e vestidos de gala, antes de finalmente encurralar o bandido no telhado. No entanto, de forma inacreditável, o terrorista acelera a moto, dá um salto espetacular e pula do prédio para dentro da piscina da cobertura de um prédio vizinho. No auge da perseguição, Harry finca as esporas no cavalo e pula do telhado para tentar ir atrás do terrorista. Na última hora, porém, o cavalo dá para trás e para derrapando – tão de repente que Harry é projetado da sela, passa por cima do pescoço do animal e acaba pendurado pelas rédeas acima da rua, a muitos andares do chão. Sua vida passa a depender do cavalo, que ele tenta convencer a se afastar da beira do edifício. Na verdade, o telhado era um set construído em estúdio, a quase 30 metros do chão. A equipe de filmagem estava com medo de o cavalo não parar a tempo e de nós dois cairmos, de modo que havia montado uma plataforma de segurança que se estendia a partir da beira do telhado, como uma sólida passarela. Isso nos impediria de cair caso o cavalo desse um ou dois passos a mais. A imagem da plataforma seria removida na versão final do filme.

Para rodar uma cena dessas é preciso um cavalo bem agitado, pois são necessárias várias tomadas. Um cavalo comum vai perceber que na verdade você não vai deixá-lo saltar. Então, depois das primeiras tentativas, ele não vai mais correr até a beirada. Em vez disso, vai desacelerar no meio do caminho e parar tranquilamente. Mas um cavalo agitado gosta tanto de saltar que vai passar o dia inteiro correndo até a beirada na esperança de que você o deixe pular. Por isso o cavalo que usamos era bastante agitado – bem treinado, mas muito agressivo. Adorei o fato de conseguir conduzir esse animal graças ao treinamento que tinha feito para o papel de Conan.

Antes de começarmos, era preciso verificar os ângulos da câmera e medir o foco. Então eu tinha que fazer o cavalo andar até a beirada do telhado e pela plataforma erguida acima do estúdio. De repente, houve um acidente: uma das câmeras suspensas caiu bem em cima da cara do cavalo. Chegou a bater no animal, não com muita força, mas o suficiente para assustá-lo. O cavalo tentou recuar, mas seus cascos começaram a escorregar na plataforma. Desmontei o mais depressa que pude, mas não tive para onde ir: estava em cima da plataforma, 30 metros acima do chão, debaixo do cavalo. Tudo o que consegui pensar foi: “Fique vivo, não caia da plataforma e tome cuidado com os cascos.” O cavalo sapateava de um lado para outro; caso pisasse em mim ou tornasse a escorregar, nós dois cairíamos. Eu sabia que pessoas haviam sobrevivido a quedas bem mais altas que aquela, mas sabia também que, nesse caso, o cavalo e eu iríamos aterrissar no chão de cimento e estaria tudo acabado.

Ninguém jamais imaginou que o simples fato de medir o foco fosse ser perigoso. Mas nosso diretor de cenas de ação, Joel Kramer, sabia que uma cena como aquela jamais fora tentada e estava atento. Eu o vi pular para cima da plataforma, segurar o cavalo e começar a acalmá-lo, fazendo-o recuar lentamente até eu conseguir sair de lá.

Meu cérebro reagiu como sempre reage quando fico a um triz do perigo: na mesma hora reprimi o ocorrido como se nada tivesse acontecido. Quando o cavalo se acalmou, voltamos a filmar a cena conforme o planejado. Mesmo assim, dei uma caixa de charutos Montecristo de presente para Joel. Todo mundo sabia que, se ele não estivesse prestando atenção em nós, o cavalo e eu provavelmente estaríamos mortos.


MARIA TINHA UM TEMPERAMENTO FORTE demais para passar muito tempo desempenhando apenas o papel de mãe. Quando chegamos à Flórida, ela já havia recomeçado a trabalhar e a pensar em futuras matérias. Quando as filmagens foram interrompidas a fim de que a produção seguisse para Rhode Island, ela e eu tiramos um dia para ir a Cuba. Americanos ainda não podiam entrar no país, mas Maria era jornalista e recebeu autorização. Ela já tinha feito umas duas entrevistas com o presidente Fidel Castro, e em uma delas lhe perguntara, sem rodeios, se ele tivera algo a ver com o assassinato de JFK. Agora estava preparando outra entrevista, e eu a acompanhei.

Para mim, o ponto alto da viagem foram os charutos. Enquanto Maria estava ocupada em reuniões, fui visitar a fábrica da Partagas, de onde saem marcas lendárias como Cohiba, Punch e Montecristo. Amo fábricas, então, sempre que um produto me conquista, sinto vontade de ver como ele é feito. Adoro observar a produção de carros, a criação de sapatos, o processo de fabricação de vidro. Adorei ir à fábrica de relógios Audemars Piguet, na Suíça, e ver os técnicos trabalhando com seus jalecos brancos, luvas, óculos e capacetes que impedem que qualquer fragmento de poeira entre no mecanismo. Também gosto dos ateliês de marcenaria da Floresta Negra, na Alemanha, onde são esculpidas estatuetas religiosas e máscaras. A fábrica cubana de charutos era um paraíso. Imagine uma sala de aula bem grande, com capacidade para 100 alunos, mobiliada com bancos e mesas de madeira como os de antigamente. Era assim, sem tirar nem pôr. Homens e mulheres sentados diante dessas mesas enrolavam os charutos, e no meio do recinto havia um tablado igualzinho ao da minha escola quando eu era menino, no qual o professor ficava sempre um pouco acima da turma. Nesse tablado, um cara sentado lia notícias em voz alta. Meu espanhol não era bom o suficiente para que eu entendesse tudo, mas as notícias estavam entremeadas de propaganda política. Para ficar sentado ali lendo-as daquele jeito era preciso ter imaginação e ser praticamente um artista do entretenimento, como Robin Williams no papel do radialista de Bom dia, Vietnã. Aquele sujeito era do mesmo tipo: falava e soltava exclamações a uma velocidade espantosa, sempre gesticulando. Tenho certeza de que isso fazia o tempo passar mais rápido para os tabaqueiros.

Fiquei pasmo ao testemunhar como os cubanos tratavam seu tabaco de altíssima qualidade como se fosse ouro. Eu já tinha visto medidas de segurança como aquelas nas minas de diamante e ouro da África do Sul, mas nunca em outro lugar. Quando os trabalhadores chegavam, entravam em fila indiana em uma sala imensa, com a umidade perfeitamente controlada, cheia de folhas penduradas – folhas compridas e largas, adequadamente tratadas e curadas. Cada tabaqueiro recebia então determinada quantidade de folhas, além de três charutos para si. Estes não eram de qualidade tão boa quanto as folhas, porém, e a regra era: “Nunca enrole um charuto para si mesmo.” No final do expediente, os trabalhadores eram revistados para verificar se todo o tabaco tinha sido corretamente utilizado.

É esse o nível de preciosidade do tabaco. A planta precisa ser cultivada e tratada de determinada maneira. Tem que ser cuidadosamente seca até adquirir uma tonalidade marrom e ficar pronta para ser enrolada. Tudo precisa ser perfeito, e os cubanos são mestres nesse ofício. Além de ter o melhor clima e o melhor solo, eles também têm tradição: várias gerações de apaixonados pela arte de “torcer” charutos, sempre em busca de novas formas de torná-los ainda mais perfeitos.

É possível observar os tabaqueiros fabricarem o charuto: primeiro o miolo, feito com uma qualidade específica de tabaco; depois a folha que prende o recheio, chamada de capote, que tem uma qualidade distinta; e por fim a folha externa, a capa, que não pode ter absolutamente nenhum veio. Se você vir um charuto com grossos veios na capa, significa que ele é de qualidade inferior, ou então alguém não prestou atenção ao fabricá-lo. Um charuto desses pode ser comprado por oito dólares e é agradável de fumar, mas não é um belo exemplar como os Davidoff, Montecristo ou Cohiba. Observei os tabaqueiros colocando as anilhas dos charutos. Assim como em qualquer produto, é importante que a marca seja a mais atraente possível. Para os apreciadores, a anilha aumenta muito a graça do charuto – sobretudo se tiver um aspecto estrangeiro, cubano, chamativo, latino e exuberante, cheio de vermelhos e amarelos, e às vezes com uma linda figura feminina desenhada.

Os charutos cubanos são de fato tão bons quanto dizem. Há muitos falsos cubanos por aí, mas, se você for um conhecedor, saberá distinguir as imitações dos artigos genuínos em segundos, pois um verdadeiro cubano tem um cheiro forte que lembra adubo. Sei que parece estranho, mas o cheiro é esse mesmo. Ao fumar o sabor é delicioso, mas quando você abre a caixa e sente o aroma... Quem não entende nada de charutos não vai gostar.


COM BILL CLINTON NA CASA BRANCA, meu nome já não tinha mais tanto valor em Washington. Antes mesmo da posse, Donna Shalala, nova secretária de Saúde e Serviços Humanos, pediu que eu renunciasse ao cargo de tsar da boa forma. “Você fez campanha para Bush, e não podemos tê-lo como chefe do President’s Council.” Isso foi tudo o que ela disse. Além disso, quando começamos a filmar True Lies e pedimos ao novo secretário do Interior, Bruce Babbit, uma autorização para atravessar a cavalo o espelho d’água do Monumento a Washington, ele negou na hora, muito embora outros filmes já tivessem usado o local.

Maria não ficou nem um pouco espantada. “Bem-vindo ao mundo da política. É assim mesmo”, comentou. É claro que ela ficou chateada por eu ter que abrir mão do cargo. Eu era bom no que fazia e adorava aquilo. Por outro lado, embora gostasse de George Bush como pessoa, ela mal podia esperar para Clinton assumir a presidência. No fundo, não sei muito bem como seus sentimentos se equilibravam. Talvez tenha havido um certo quê de revanche, uma vez que eu passara muito tempo aproveitando o fato de os republicanos estarem no poder e dizendo a ela que Ronald Reagan isso, George Bush aquilo, e como os conservadores iriam dar um jeito no país. Ela mal podia esperar pela mudança.

Eu aprendera tanta coisa como tsar da boa forma que sabia exatamente em que desejava me concentrar agora. Três anos de viagens pelos Estados Unidos haviam me deixado cada vez mais preocupado com uma questão importante relacionada às crianças: depois da escola e durante as férias, várias delas ficavam à toa, sem nada para fazer, e muitas vezes sem nenhum adulto por perto para tomar conta. Em todos os estados que visitei, os alunos eram liberados da escola às três da tarde. Metade ia embora com os pais ou voltava para casa de ônibus escolar, mas o restante ficava zanzando pelas ruas.

Quando comecei a me interessar pelo assunto, fiz amizade com Danny Hernandez, ex-fuzileiro naval que administrava o Hollenbeck Youth Center, um centro para jovens situado em um bairro pobre e infestado de gangues de rua em Los Angeles. Na experiência de Danny, as férias de verão eram sempre a época mais difícil para as crianças, pois a falta do que fazer as tornava mais suscetíveis a se envolver com crimes, drogas, bebidas alcoólicas e gangues. Assim, no intuito de criar propósito e significado para os meses do verão, ele havia criado em 1991 os Inner-City Games – mais ou menos nos moldes das Olimpíadas. De junho a agosto, crianças de escolas diferentes treinavam várias modalidades esportivas e no último dia de férias participavam de competições.

Danny me levou para visitar o centro, fruto de uma colaboração pouco comum na década de 1970 entre empresários locais e o Departamento de Polícia de Los Angeles. Havia quadras de basquete, uma sala de musculação e aulas de educação física, além de uma sala de computação e de um espaço para as crianças fazerem os deveres de casa. Como o centro estava localizado na zona leste da cidade, que era ocupada majoritariamente por imigrantes latinos, havia também um lindo ringue de boxe, esporte que é um elemento importante de sua cultura. O objetivo, Danny me explicou, era oferecer uma programação para as crianças se ocuparem e dar uma segunda chance às mais problemáticas. Em vez de mandarem-nas para o tribunal, muitas vezes as delegacias de polícia de Hollenbeck e de outros bairros da zona leste as encaminhavam para o centro juvenil. Diziam: “Não fique na rua, vá malhar depois da escola, faça seu dever de casa lá. Eles têm computadores, uma academia, um ringue de boxe. É uma boa ideia você ir para lá.”

Os distúrbios raciais de Los Angeles, na primavera de 1992, trouxeram dolorosamente à tona a necessidade de manter os jovens longe de encrencas. O estopim da violência foi a absolvição dos policiais de Los Angeles acusados de espancar Rodney King, um motorista afro-americano que dirigia em alta velocidade e avançou um sinal vermelho. Um vídeo gravado por uma testemunha no local mostrava que a polícia o havia agredido com violência, apesar de ele ter se entregado. Áreas de Los Angeles foram incendiadas, dezenas de pessoas morreram e foram registradas rebeliões em outras cidades também. Durante os tumultos, o Hollenbeck funcionou como um porto seguro. Gravei um vídeo musical chamado “Fiquem frios” (“Chill” é o título original em inglês) com Arsenio Hall, ator e apresentador de tevê, pedindo às pessoas que se acalmassem.

Então Danny e eu intensificamos os esforços para expandir os Inner-City Games, a fim de incluir mais escolas e mais crianças e estendendo o programa para que ele funcionasse o ano inteiro. Quando True Lies chegou aos cinemas e conquistou o primeiro lugar das bilheterias de filmes de ação em 1994, os Inner-City estavam realmente se popularizando. Nós já conseguíramos alcançar milhares de crianças, das quais 5 mil competiam nas finais, durante nove dias, na Universidade do Sul da Califórnia. Passamos a ir além do esporte e começamos a oferecer atividades artísticas e concursos de redação, programas de teatro, competições de dança e até mesmo programas para jovens empreendedores. Atlanta lançara sua própria versão dos jogos e havia planos para edições em Orlando, Miami, Chicago e em mais cinco cidades.

Trabalhar com aquelas crianças me ensinou muita coisa sobre mim mesmo. Até então, eu me considerava o garoto-propaganda do sonho americano. Chegara aos Estados Unidos praticamente sem dinheiro, mas dei duro, mantive o foco em meu objetivo e consegui alcançá-lo. Aquela era mesmo a terra das oportunidades, pensei. Se um rapaz como eu tinha conseguido, qualquer um seria capaz. Só que não era bem assim.

Ao visitar as escolas, vi que não bastava crescer como cidadão americano. Nos bairros pobres das grandes cidades, as crianças sequer se atreviam a sonhar. A mensagem que recebiam era: “Nem adianta se dar a esse trabalho. Você nunca vai conseguir. Você nasceu para perder.”

Tentei pensar no que eu tinha e aquelas crianças não. Também vinha de uma família pobre. No entanto, sempre tive gana de conquistar meus objetivos, e meus pais me incentivaram e me ensinaram a ter disciplina. Tive uma educação sólida em escola pública. Depois do colégio, fazia aulas de esporte com treinadores e parceiros de treino que serviram de modelos de comportamento para mim. Tive mentores que me disseram “Você vai conseguir, Arnold”, e que me fizeram acreditar nisso. Eles passaram o tempo todo do meu lado, me apoiaram e me fizeram crescer.

Quantas crianças de bairros pobres contam com esses recursos? Quantas aprenderam a ter disciplina e determinação? Quantas receberam incentivos que lhes permitissem vislumbrar o próprio valor?

Pelo contrário: essas crianças tinham crescido escutando que estavam encurraladas. E elas podiam ver que a maioria dos adultos à sua volta estava na mesma situação. As escolas tinham poucos recursos, os professores viviam exaustos e nem sempre eram os melhores e havia poucos mentores. As famílias eram pobres e as gangues estavam por toda parte.

Queria que aquelas crianças sentissem a própria determinação, a própria ambição e esperança, e conseguissem chegar à mesma linha de largada. Nunca foi difícil trabalhar por essas crianças, nem pensar na coisa certa a dizer. “Nós amamos você”, eu dizia. “Vamos cuidar de você. Você é incrível. Vai conseguir. Acreditamos em você, porém o mais importante é você acreditar em si mesmo. Há milhares de oportunidades à sua espera: você só precisa tomar as decisões certas e ter um sonho. Você pode ser tudo o que quiser: professor, policial, médico – nada é impossível. Pode ser uma estrela do basquete, ator. Pode ser até presidente. Tudo é possível, mas você tem que fazer a sua parte. E nós, adultos, temos que fazer a nossa.”

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